Arquivo do blog

domingo, 15 de janeiro de 2017

O Perfume Suave

A gratidão é o único tesouro dos humildes.
(William Shakespeare)


Os evangelhos narram duas histórias distintas que de tão semelhantes chegam a confundir até mesmo leitores atentos. Ambas falam sobre mulheres que demonstraram sua gratidão pelo amor do Cristo através do emblemático gesto de “ungir” seus pés com perfumes caríssimos.

Mateus 26:2-13 e Marcos 14:3-9 registram a ação da mulher que durante um jantar realizado em Betânia, na casa de Simão, o “Leproso” (possivelmente, o pai de Judas Iscariotes, e que fora curado por Jesus de sua lepra), se aproxima de Jesus tendo nas mãos um vaso de alabastro (material semelhante ao gesso). Ela se ajoelha em frente a Jesus e começa a derramar em seus pés um caríssimo perfume feito de “nardo puríssimo” para depois enxugar o precioso líquido com os próprios cabelos. Os discípulos se indignaram com a cena, pois entendiam que aquela era uma atitude dispendiosa, já que o dinheiro ali empregado, poderia ser doado aos pobres. Segundo a avaliação de Judas, tesoureiro do grupo, o valor ali desperdiçado era de aproximadamente 300 denários, cerca de R$ 15.000,00.

Ao ver a postura reprobatória de seus seguidores, Jesus os exortou dizendo que aquele era um gesto único de amor, acalentando seu coração para enfrentar a própria morte, e que o mesmo, ecoaria pela posteridade. Além disto, Jesus lembrou os discípulos que eles ainda teriam muito tempo para exercer a generosidade para com necessitados, porém, muito brevemente seriam privados de sua companhia.  João 12:1-8 também registra esta mesma história, mas desta vez, nos é revelado o nome da mulher generosa: Maria, irmã de Lázaro.

Lucas 7:36-50, nos conta uma história muito parecida, porém, em um cenário diferente. Muito antes do famoso “Jantar de Betânia”, uma outra mulher também se lançou aos pés de Jesus para ungi-lo com perfume. Não sabemos o seu nome e nem sua origem, pois a única referência dada pelo evangelista é que se tratava de uma “pecadora”. É provável que este fato específico tenha acontecido na Galileia, enquanto Jesus participava de um jantar na casa de Simão, o “Fariseu”. Num ambiente repleto de pessoas muito ligadas a religiosidade judaica, em nome do amor e movida por íntima gratidão, uma mulher de péssima reputação social, rompe com as conveniências, adentra a casa de um homem muito religioso, não se detém diante de monções reprovadoras e caminha determinada, com os olhos fixos em Jesus.

Humildemente, ela se nega a ficar diante do Messias, e se colocando atrás de Jesus, abraça seus pés e se põem a beija-los, para logo em seguida, começar a chorar. Ao perceber que suas lágrimas estão molhando os pés do Senhor, ela passa e enxugá-los com seu cabelo, e então, derrama sobre eles, sem nenhuma reserva, o perfume de aroma delicioso que trazia consigo, ungindo os pés de Jesus.

O religioso Simão, dono da casa, estava começando a ver Jesus com outros olhos. Seu interesse em ouvir as palavras do Mestre nos leva a crer que a sementinha do Reino de Deus dava sinais de brotar em seu coração. Mas ao assistir a cena da pecadora ungindo os pés de Jesus, ficou tão abalado, que sua infante fé, minguou como manteiga no fogo. Em seus pensamentos Simão conjecturava que não havia qualquer possibilidade de Jesus ser de fato um profeta, pois um homem dotado da revelação divina, teria discernimento para compreender o quão pecadora aquela mulher era, e assim, jamais permitir que a mesma o tocasse. Jesus, ciente dos pensamentos de seu anfitrião, educadamente pede que o mesmo lhe de permissão para contar uma história.  

O Mestre discorre sobre dois homens endividados, cujos bens estão empenhorados ao mesmo credor. Um deles está negativado em mais de R$ 25.000,00, e ele não tem a menor condição de pagar. Já dívida do outro, embora também seja alta, e o pagamento esteja muito atrasado, é dez vezes menor. O credor, porém, decide perdoar ambas as dívidas, e manda notificar aos envolvidos, que nenhum deles lhe deve se quer um centavo. Então, Jesus questiona a Simão sobre qual dos homens deveria mostrar mais gratidão, e em resposta, ouve o obvio: - Aquele que devia mais! O Mestre, concorda com o raciocínio de Simão e completa dizendo: - Desta vez, seu julgamento está correto.... Mas deixe-me te explicar uma coisa...

É neste ponto que fica explícito o abismo que separa a liberdade cristã encontrada na graça e o legalismo pragmático implícito na religiosidade. Aquela mulher, despida de moralidade hipócrita e desarmada das formalidades sociais, se torna um exemplo a ser seguido por cada cristão. Simão é lembrado que no momento da recepção de Jesus em sua casa, nem mesmo um beijo no rosto (tão inerente a cultura da época) lhe foi dado pelo anfitrião, mas a mulher, desde o momento que chegou, não parava de beijar seus pés. Simão também não tinha oferecido uma vasilha com água para que seus convidados lavassem as mãos (outro ritual relevante naquela sociedade), mas a “pecadora” lavou seus pés com lágrimas. Simão não ofereceu um único pedaço de pano para que Jesus enxugasse o suor de seu rosto, mas a mulher enxugava seus pés com os próprios cabelos. Simão, não disponibilizou uma única gota de óleo para ungir a cabeça de Jesus... A pecadora verteu o mais caro dos perfumes para ungir seus pés. E por que tamanha diferença? Jesus é taxativo ao afirmar: - Quem foi perdoado sabe amar...

Que verdade reveladora. A posição social e religiosa de Simão, de nada valia para Jesus, que enxergava o amago de seu coração, preconceituosos e carregado de pecados. Simão se vestia de espiritualidade, mas dentro de si estava repleto de traumas e culpas. Ele não se sentia amado, e com isso, não conseguia externar amor, oferecendo as pessoas em sua volta um julgamento rancoroso e hospitalidade omissa. Ele convidou Jesus para entrar em sua residência, mas não em sua vida, recepcionando o “Salvador do Mundo” como apenas mais um dos muitos frequentadores de sua casa.

A pecadora encontrou em Jesus alívio para sua alma. O Mestre não entrou em sua casa, mas se tornou “Senhor” da sua existência e tudo se fez novo. Jesus não era apenas mais “um homem” em sua vida, Ele era o “único” capaz de transformar para sempre sua história. E Jesus o fez. Ela se sentiu amada e perdoada, e isso a deu força para amar em abundância: - Os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama (Lucas 7:47). Jesus passou uma borracha no passado tão condenável daquela mulher, e lhe ofereceu uma página em branco para recomeçar sua história, e a aconselha para “não” errar outra vez: -  Vai e não peques mais... A tua fé te salvou.

Duas mulheres movidas por sentimentos muito parecidos, que testemunharam de forma prática e incontestável o quão maravilhoso é mergulhar sem reservas no oceano da Graça. Voluntariamente elas escolheram a melhor parte, e entenderam que não existe lugar mais desejável para se estar, do que os pés de Jesus. A virtuosa Maria de Betânia, tinha motivos explícitos para tamanha devoção. Movida pelo amor que sentia por Jesus, seu mestre e amigo, ela aproveita a estadia do Cristo em sua cidade, para através da entrega de seu bem mais precioso, agradecer ao Messias por ter trazido seu irmão Lázaro de volta para vida, e involuntariamente, entra para a história como a mulher que ungiu Jesus e o preparou para enfrentar a cruz e o sepulcro.

A pecadora anônima não tinha motivos aparentes que justificasse sua atitude, e também não temos qualquer evidência que Jesus tenha curado alguém de sua família. Mas ali, naquele momento sublime, o Cristo olha além das aparências e descortina o coração daquela mulher. Ela estava grata pelo maior de todos os milagres... Tinha encontrado Salvação. Com seu gesto, Maria agradeceu a Jesus pelo dom da vida. A pecadora agradecia por ter encontrado a própria Vida e o perdão para seus pecados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário