O casamento é o fim do romance e o começo da
história.
(Oscar Wilde)
Ah como ela era feia. Na verdade, estava feia... Ela nasceu linda e perfeita,
imagem e semelhança do que havia de mais belo em todo o universo.
Em sua infância, correu livremente por jardins e
campinas, absorvendo o perfume de cada flor, alimentando-se da doçura dos mais
suculentos frutos, dançando alegremente embalada nos braços do vento... Como
era deslumbrante sua beleza e insinuante sua inocência, tanto que olhos
cobiçosos se voltaram para ela.
Entretanto, sobre a jovem donzela havia uma
promessa de casamento. Ela já tinha um compromisso assumido com o Noivo mais
desejável da história. Cada minuto de sua existência suspirava por este
momento. Cada dia que terminava, morria em paz e felicidade, pois também trazia
para mais perto a desejada união. A pequena Noiva crescia e amadurecia. Com o
passar do tempo, se tornou uma bela mulher, que dedicava cada segundo de sua vida,
ao preparo esmerado de seu casamento.
Mas então, eis que em um garboso corcel negro, de
cujos olhos flamejavam labaredas de fogo, surge um príncipe ardiloso, que reina
nas partes mais obscuras da Terra. Sua voz é doce e aveludada. Sua mão tem a textura
das mais suaves pétalas. Seus olhos brilham como diamante, coroando a beleza de
um rosto esculpido no mais raro mármore. E ele sabe como fazer promessas
cativantes. E ele conhece profundamente o mundo, em cada detalhe, em cada
recanto, em cada vale e fenda. Ele é o senhor do engodo e da enganação, e seu
convite astuto e malicioso é praticamente irrecusável:
- Venha comigo e te mostrarei as coisas mais lindas e deslumbrantes da Terra... Reinos encantados e coloridos, com quais você se quer sonhou... Venha
comigo e te levarei a conhecer os mistérios ilibáveis e os prazeres inenarráveis
da vida. Te darei liberdades e privilégios que lhe foram negados... Te livrarei
das algemas do amor, e te levarei a experimentar das delícias e luxúrias existentes
na paixão... Apenas rompa seu compromisso com este Noivo opressor, e fuja comigo, para onde apenas as fantasias
ousam viajar....
E então, incauta e vislumbrada com tamanho garbo e
fervor, a Noiva abraçou a promessa feita na penumbra da noite. Ela imergiu numa
fantasiosa vida de alegrias, onde conheceu os prazeres indescritíveis da
libertinagem, mas em contrapartida, descobriu que o preço cobrado por este
desfrute é imenso e amargo. Sua dívida se tornou tão grande, que ela não tinha nenhuma
condição de pagar. E o credor cada vez mais se mostrava impiedoso e cruel.
Da inadimplência, nasceu a escravidão. O príncipe
misterioso se revelou um carrasco de alma enegrecida, ávido por retirar da
Noiva tudo o que lhe fora dado na criação. Assim, dia após dia, sua luz foi
sendo apagada, seus sonhos foram sendo eliminados e sua beleza foi se esvaindo
como a nevoa. Sua alma se viu perdida num turbilhão de temores e
arrependimentos.
Em pouco tempo, ela já estava jogada em uma
sarjeta, suja e empoeirada. Agora, a Noiva que ruborizava as rosas com seu
perfume, estava exalando o fétido cheiro do pecado e da vergonha. Dias antes,
ela corria pelo jardim, acariciando a grama verde com seu vestido branco, feito
do mais fino linho, e agora, está vestida de trapos, com os cabelos emaranhados
e sebosos. Seu rosto, outrora comparado ao dos anjos, está desfigurado,
marcado pela dor e coberto de cicatrizes. As mesmas cicatrizes que se fundem
aos ferimentos que ainda sangram, em seu corpo, espírito e alma.
Pobre Noiva... Tantas promessas... Tantos planos...
Tantos sonhos...
E agora, ali jogada no chão, tudo que anseia da
vida é a morte. Ingenuamente, ela pensa que o fim de sua existência, acabará com seu sofrimento. O que ela não sabe, é que sua dívida permanecerá na
eternidade. A única forma de quitação, seria alguém assumir seus débitos e
pagar o alto preço por eles exigidos. Mas
quem se importaria com ela, agora que se tornou em uma criatura tão desprezível
e desprovida de beleza?
Enquanto seus olhos se fechavam, ela vislumbrou a
figura de homem que se aproximava: - Tanto faz... Deve ser apenas mais um...
Sem ter forças para qualquer reação, a Noiva apenas
esperou por mais um abuso. Porém, ao invés de sentir uma mão qualquer tocar seu
corpo, ela sentiu uma mão conhecida que tocou carinhosamente seus cabelos...
- Minha amada Noiva! Finalmente te encontrei... Há muito tempo
estou te procurando! Mas hoje te
encontrei...
Com as últimas forças que lhe restavam, a Noiva
abriu os olhos e contemplou o rosto radiante de seu Noivo... Ela não se lembrava mais de como ele era belo
e do tom suave daquela voz ... Seu coração acelerou descompassadamente, e ela
sentiu novamente como o amor é delicado e verdadeiro. Por um instante, todo o
medo, toda culpa e toda dor, simplesmente, deixaram de existir...
Mas a realidade da vida é impiedosa, e logo, a
desesperança surgiu avassaladora:
- É muito tarde para mim...
Balbuciou a Noiva – Eu cometi muitos erros, abri mão da verdadeira
felicidade por prazeres passageiros, e agora, eu devo morrer...
- Não! Minha amada Noiva! Não deixarei que isso
aconteça... Como eu poderia viver sem você – Respondeu o Noivo com total convicção...
- Sinto muito meu amado... Mas eu não tenho o
direito de viver ao seu lado... Eu trai sua confiança... Zombei do seu amor... Eu não mereço sua felicidade...
Enquanto dizia estas palavras, a Noiva sentiu o fim apertando seu pescoço. O pecado veio cobrar a dívida. A morte é uma agiota
com quem não se negocia. Não havia alternativas, e naquele instante, alguém teria
que morrer...
O Noivo, então, apertou as mãos da Noiva e fechou
seus olhos... Uma luz cintilante começou a emanar de sua face. E de repente, a noite
que os cercava, irradiou-se em dia. A Noiva não podia acreditar no que está
acontecendo...
Seus
ferimentos se cicatrizaram instantaneamente, e uma a uma, suas cicatrizes começaram a desaparecer. Sua roupa putrefata se refez no
mais refinado e puro linho branco. Sua sujeira desapareceu. Seu cheiro de
podridão foi substituído pelo mais delicioso aroma das flores. O medo que devorava sua alma
desapareceu, levando junto consigo, as culpas e as dores. A Noiva se viu bela
outra vez. Seus cabelos bailavam ao vento. Seu hálito refrescava o ar a sua
volta, como o cheiro das romãs. Nenhuma palavra existente no mundo podia
descrever sua felicidade!
Infelizmente sua alegria desapareceu quando ela
olhou para o lado, e percebeu o corpo do Noivo jazendo no chão. Ele estava todo
ferido, seu rosto desfigurado pelas mesmas cicatrizes que ela tinha adquirido
em sua vida pregressa e pueril. Sua roupa estava rasgada e suja, e foi neste
instante, que a Noiva finalmente compreendeu o tamanho do amor que aquele homem
sentia por ela. Por amor, ele escolheu
morrer em seu lugar, tomando sobre ele toda a aflição, angústia e flagelo, que,
para ela, estava destinado na eternidade. E então, a Noiva chorou sobre seu
corpo moribundo, e no dia seguinte, lavou sua sepultura com lágrimas.
Mas calma, esta história tem um final feliz. Ela
precisa ter. Afinal, a Morte não sabia que a inocência do Noivo era
tamanha, que mesmo pagando toda a dívida da Noiva, ainda sobravam créditos para
uma vida eterna a dois. Assim, três dias depois, o Noivo estava de volta para a vida,
a fim de viver plenamente seu amor.
Uma alegria que não se pode descrever, invadiu o
coração da Noiva, quando ela atendeu a campainha naquela manhã de domingo. Era
quase impossível acreditar em seus próprios olhos. O Noivo estava ali, vivo, radiante, mais belo do que nunca, com um sorriso
estampado em seu rosto e o amor latejando em seu olhar...
- Voltei minha amada... Voltei por você... Voltei
para você... Mas ainda não é hora do
casamento.... O Jardim não poderá comportar nosso amor... Por isso, preciso retornar para meu Reino, e lá,
vou construir uma casa para nós, bela e eternal... Quando tudo estiver pronto,
eu irei voltar para você, e te levarei
para morar comigo em um lugar onde não existirá mais dor, sofrimento e
lágrimas.... Apenas aguarde pacientemente o meu retorno e jamais duvide de meu
amor durante esta espera...
- Mas e se eu fraquejar novamente... E se eu não
amar o suficiente? – Preocupou-se
a Noiva.
- Eu amarei por nós dois... E embora você
não me veja, saiba que eu estarei aqui para te ajudar... Todos os dias, até que
os séculos se encerrem. – Respondeu o Noivo.
- E como poderei falar com você durante minha
espera?
- Em poucos dias – Prometeu o Noivo – Um
amigo muito especial virá para te fazer companhia. Ele caminhará com você,
adornará você, instruirá você e te consolará quando sentires saudades de mim. E
quando você quiser conversar comigo, ele saberá onde me encontrar... O nome
dele é Espírito Santo!
E desde então, a Noiva aguarda ansiosa pelo retorno
do Noivo, mas desta vez está vigilante, guardando tudo o que tem, para que
ninguém retire dela sua coroa. Nada nesta terra, a fará desistir de seu
casamento...
O Espírito e a Noiva dizem: VEM! E todo aquele que ouvir diga: VEM! (Apocalipse 22:17)
O Espírito e a Noiva dizem: VEM! E todo aquele que ouvir diga: VEM! (Apocalipse 22:17)
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