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domingo, 22 de janeiro de 2017

Estrada para Moriá

A coragem vem da fé.
(Soren Kierkegaard)


Uma das etapas mais importantes do plano divino da redenção, era criar sua nação modelo, tão temente e fiel, que serviria de parâmetro aos reinos da terra. Desta linhagem viria o Salvador do Mundo. Deus, então, escolheu um homem chamado Abrão para ser o “pai” desta multidão.

Nascido e criado em Ur, ele era filho de Terá, um fabricante de ídolos pagãos. Abrão entra na história bíblica exatamente quando o Deus Criador lhe pede para que deixe sua cidade e sua família, e vá até uma terra que lhe seria indicada ao longo do caminho. Esta jornada consumiria muitos anos da vida de Abrão, que já avançado em idade, recebe de Deus a promessa que lhe daria novo sentido para viver. A sua descendência seria mais numerosa que as estrelas do céu. 

Seu nome é mudado para Abraão (pai de nações) e sua esposa “Sarai” se torna Sara (princesa). O problema é que o casal não tinha filhos, e Sara era estéril. Deus havia dito a Abraão que nele seria bendita todas as famílias da terra, mas os anos continuavam implacáveis com o casal, e a cada primavera passada, a esperança da promessa parecia distante e utópica. Talvez Deus estivesse falando por metáforas. 

Tentando reverter a situação, Sara cedeu sua serva Hagar ao marido, afim de que ele pudesse deixar uma semente sobre a terra. O plano pareceu dar muito certo. O que de fato, não era verdade.  Deste relacionamento nasceu Ismael, que apesar de sua importância histórica, não era o filho prometido, e mais tarde, desencadearia conflitos dentro do lar (Gênesis 12-18).

Abraão já era um homem centenário quando recebeu a visita de três moços em sua tenda, sem perceber que eram anjos do Senhor. São eles que informaram ao patriarca que, em um curto período de tempo, sua esposa estaria com um filho nos braços. Sara, que já estava com a idade avançada e o seu ciclo menstrual encerrado, ao ouvir a notícia começou a rir. Foi então que um dos visitantes declarou que o menino deveria receber o nome de Isaque, que significa, exatamente, “sorriso”.

Apesar das dúvidas de Sara, em poucos meses ela percebeu algumas mudanças em seu corpo, experimentando em plena velhice a benção da maternidade. O menino nasceu saudável, cercado de mimos e carinhos. Isaque se tornou o centro das atenções, e logo Ismael perdeu espaço dentro da casa.

Uma crise de ciúmes logo se instalou na família de Abraão, que acabou tomando a drástica decisão de enviar Hagar e seu filho para o deserto. Sobre a areia escaldante, a vida de Ismael esteve por um fio, mas, foi poupada por Deus que preparou suprimentos para garantir sua sobrevivência. Certos do cuidado divino, mãe e filho construíram uma casa, para ali habitarem (Gênesis 21). Os anos se passaram. Ismael se tornou um homem forte e respeitado. Ele tomou para si uma esposa egípcia (como sua mãe), e com ela deu início a uma numerosa família, tornando-se mais tarde o líder de uma poderosa nação do deserto, originando os povos árabes da atualidade.

Por outro lado, Isaque, o filho da promessa, seria o patriarca da mais importante nação da história humana: Israel. A promessa feita por Deus a Abraão se cumpriria piamente na linhagem de seus filhos, e pode ser testemunhada ainda hoje nas nações que ocupam o oriente médio. Como Jesus Cristo nasceu da linhagem de Judá, cumpriu-se também a promessa de que, em Abraão, todas as famílias da terra seriam abençoadas. E mais que um “pai de nações”, Abraão também foi perpetrado na história como o “pai de todos aqueles que creem” (Romanos 4:11).

Uma família de números incalculáveis, assim como as estrelas do céu. Mas, muito antes de que sua família se tornasse em nação, a fé de Abraão passou por um teste definitivo, que redefiniria todos os conceitos de confiança nas promessas de Deus. Ele teria que devolver para Deus o filho que de Deus recebera. Isaque tinha que ser sacrificado. 

Mas, porque?

A chamada de Abraão foi um marco não apenas na vida do patriarca, como também na história da humanidade. Ele obedeceu a voz de seu Deus e partiu em direção a uma terra desconhecida, sem ao menos entender a grandiosidade do projeto divino para sua vida. Abraão passou a viver por Deus e para Deus, sendo guiado por fé em suas decisões, escolhas e caminhos.

A chegada de Isaque lhe trouxe novas prioridades. O filho tornou-se o centro de sua vida. O coração de Abraão pulsava pelo menino, e nele estava centralizado todo o afeto do velho. Obviamente, não existe nada a se censurar na relação afetuosa de pai e filho, mas aos poucos, Abraão deixou que Isaque tomasse o lugar que antes era de Deus em seu coração. E aí está o problema.

Deus precisa estar entronizado em nossos corações, isto é um fato que não se pode mudar. Por vezes, deixamos que pessoas, coisas ou lugares ocupem este posto, e relegamos o Senhor para uma condição secundária. Ainda o amamos e damos ouvido a sua voz. Porém,  Ele já não é o centro e a essência do nosso viver.

Deus deseja ser nossa prioridade, pois somos sua prioridade também. Ele nos ama de forma incondicional, sua fidelidade é inabalável e suas promessas infalíveis. Em contrapartida, o Senhor deseja habitar em nossos corações e mentes, realizando em nós tanto o seu querer "quanto" o "efetuar" (Filipenses 2:3). Como Deus não aceita estar em segundo plano, toda vez que priorizarmos outro elemento em seu lugar, seremos levados a um ponto de decisão, onde precisaremos escolher a quem de fato servir (Mateus 6:24).

Isaque estava para Abraão numa posição que deveria ser de Deus. Assim, o patriarca foi chamado pelo Senhor para uma decisão sacrificial onde as prioridades de sua vida seriam definitivamente estabelecidas. Abraão amava a Deus inquestionavelmente, mas amava seu filho incontrolavelmente. Agora, seria necessário optar por um deles. E, Abraão, escolheu seu amor mais antigo. A fonte de sua vida e das promessas.

Mais do que sacrificar o filho no altar do Senhor, o patriarca precisou realizar um verdadeiro rito onde confrontou seus próprios sentimentos. Planejar a viagem a Moriá, rachar a lenha que seria usado no holocausto e afiar a lâmina de seu cutelo para imolar Isaque. Cada uma dessas ações foi importante para que uma nova inversão de prioridades acontecesse no coração de Abraão. Em meio a este doloroso processo, ele finalmente entendeu que sem ISAQUE ainda haveria um DEUS, mas sem DEUS, sequer existiria um ISAQUE.

A longa jornada até Moriá foi fúnebre e silenciosa. Cada passo aproximava pai e filho de um destino cruel. A inocente ignorância do olhar de Isaque contrastava com os olhos pesarosos e marejados de Abraão. Ele estava certo que no alto da montanha, teria que tirar a vida do próprio filho, parti-lo ao meio, escorrer o sangue e depois queimar seu corpo. Mas enquanto pensava na morte, Abraão se enchia de vida. Ele se lembrava das promessas de Deus, e como o Senhor tinha sido fiel no cumprimento de cada uma delas.

Sua fé se potencializava na obediência e o “vale da sombra da morte” ganhava contornos de esperança. Pouco a pouco uma certeza imergiu do coração de Abraão como um facho de luz que dissipa as trevas: - Ainda que das cinzas, Deus vai trazer Isaque de volta para vida (Hebreus 11:17-18). Neste instante, mesmo sem saber, a fidelidade de Abraão já tinha sido provada e aprovada. Sem derramar uma única gota de sangue, Abraão já tinha sacrificado Isaque no altar de seu coração. Ele havia chegado a um patamar espiritual que sequer imaginava ser capaz. Mas, Deus conhecia este potencial. Isaque, por sua vez, sem ainda ter conhecimento dos propósitos do Senhor em Moriá, realizou um sacrifício de valor inestimável. Ele deitou-se sobre o altar.

Pai e filho. Portador e herdeiro da promessa. No alto da montanha, longe de olhos humanos e aplausos populares, ambos se submeteram a vontade de Deus, por mais alto que fosse alto o preço da renúncia. Sem esperar recompensas terrenas, eles mostraram para o Senhor, até onde estavam dispostos a obedecer. Não por que precisavam, e sim porque desejaram. Afinal, Deus já conhecia a grandeza destes corações, antes mesmo dos tempos em Ur.


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