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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Campo de Sangue

Nenhum homem merece uma confiança ilimitada. Na melhor das hipóteses, 
a sua traição espera uma tentação suficiente.
(H. L. Mencken)


Judas Iscariotes é, sem dúvidas, um dos mais enigmáticos personagens de todo cânon sagrado. Citado sempre por último na listagem dos doze discípulos, nada sabemos sobre sua vocação e muito pouco de sua vida foi revelado pelos evangelistas. Num contexto onde suposições soterram os fatos comprovados, uma informação sobre Judas tem sua veracidade autenticada pelo próprio Cristo. Ele era amigo de Jesus.

O nome, “Judas” significa “abençoado”, e é um dos mais comuns no Novo Testamento. São pelo menos “sete” homônimos conhecidos. O fato de Judas ser identificado como “Iscariotes”, talvez nos indique o local de seu nascimento, Cariotes ou Kerioth, um lugarejo perto de Hebrom e muito próximo da Judéia, onde, provavelmente, teve seu primeiro encontro com Jesus. É possível também que ele ocupasse uma posição política na sociedade judaica, como membro do partido dos sicários, uma ramificação mais radical dos zelotes.  Porém, tudo o que se falar sobre as origens de Judas Iscariotes, tramitará no âmbito das especulações, pois todas as citações referentes a ele nos quatro evangelhos, ignoram os aspectos pessoais e sociais de Judas, e apontam apenas para seu declínio espiritual, que culminou no famoso beijo da traição.

Mas o que fez de Judas um traidor? Quais motivos levaram um discípulo devotado a conspirar contra a vida de seu próprio mestre? 

Os evangelhos de Mateus e Marcos fazem menção da ganância de Judas e sua forma materialista de enxergar o ministério do Cristo. Lucas, por sua vez, relata que as ações extremadas de Judas foram motivadas por Satanás, que literalmente, “entrou nele” (Lucas 22:3). João vai ainda além, pois não só ratifica a influência satânica sobre o discípulo renegado, como também aponta seu desvio de caráter e o liga a pequenos furtos (João 12:6).

Com este histórico, Judas se tornou um “ícone da maldade”, uma personificação pulsante da falsidade e da traição. No folclore brasileiro, o chamado “sábado de aleluia” (pós “sexta-feira da paixão”) é marcado pela “Malhação de Judas”, onde um boneco é amarrado pelo “pescoço”, surrado e queimado numa demonstração de aversão aos atos do discípulo traidor. Esta tradição, remonta a portugueses e espanhóis, e se espalha ainda hoje pela América Latina. Entre muitas comunidades cristãs da Alemanha, é expressamente proibido citar o seu nome, e em alguns dicionários, o verbete “Judas” tem entre seus significados expressões como “falso amigo” ou “traidor”.

Porém, apesar de todo o ódio popular demostrado por ele, Judas Iscariotes possui muitos simpatizantes. No século II, uma comunidade gnóstica redigiu o controverso “Evangelho de Judas”, que foi encontrado recentemente no Egito. Escrito em copta e datado com mais de 1700 anos, o manuscrito aponta Judas como um herói, pervertendo a narrativa dos evangelhos canônicos. Ali, Judas é apresentado como o mais próximo discípulo de Jesus e o único a compreender a verdade sobre ele. Cristo, então, teria revelado para Judas que estava “preso” em um corpo carnal, e informa ao seu discípulo que o mesmo estava destinado a ser superior aos demais homens, pois seria o responsável por “sacrificar o corpo que o vestia”. Assim, todo o plano tramado por Judas, na verdade era uma ordenança do próprio Cristo, que culminaria em sua morte e “libertação”. Assim, a atitude de Judas não teria sido uma traição, mas sim um ato de devoção e fé. Não é preciso nem dizer, que tal ensinamento se opõem a tudo que sabemos sobre Jesus.

Heresias e incongruências a parte, é inegável que Judas tinha o respeito e a confiança de todo os discípulos. Não haviam motivos para eles duvidarem de suas intenções. Um discurso de Jesus registrado em João 6:70-71, deixa muito claro que, entre os doze discípulos, havia um que seria dominado pelo mal. Porém, naquele momento, a identidade da “ovelha negra” não foi revelada ao grupo. Até porque, a intenção de Jesus não era acusar um deles, mas sim, alertar a todos sobre um perigo real oriundo das profundezas do inferno. As trevas os rodeava de perto.

Lucas 22:31-32, nos fala sobre uma conversa íntima entre Jesus e Pedro, onde Cristo lhe revelou que Satanás estava investindo pesado contra sua vida. Em bom português, o inimigo desejava “rodopiar” por aí, com a alma do discípulo esquentadinho. Jesus, então, o aconselhou a se fortalecer na fé, para que o diabo não encontrasse brechas em sua vida. Depois, pediu para que Pedro ajudasse seus irmãos (os demais discípulos) a se manterem fortes também. Esta preocupação de Jesus nos revela algo interessante. O foco de Satanás não era Judas, mas sim Pedro. Felizmente, Simão fechou as portas para o inimigo. Infelizmente, Satanás saiu a procura de uma outra porta que estivesse aberta.

O polemizado texto de João 12:6 faz uma vigorosa acusação ao caráter de Judas, revelando que ele desviava parte das doações recebidas para o seu próprio bolso. Segundo o texto, Judas se mostrou muito incomodado com o fato de uma mulher derramar nos pés de Jesus um frasco inteiro do mais caro perfume da época. Para ele, o correto seria reverter o valor em dinheiro, e depois, empregá-lo em obras de caridade. Mas, na análise do evangelista, esta preocupação altruísta, na verdade, escondia interesses escusos e pessoais. Fato é, que em pequenas atitudes, Judas revelava-se, no mínimo, materialista. Sua visão estava desfocada. Ao invés de adentrar na dimensão espiritual proposta por Cristo, ele se atava a questões mesquinhas e efêmeras, dando com isso, lugar a Satanás.  

Judas era um bom administrador, tanto que foi escolhido pelos demais discípulos para ser o tesoureiro do grupo. Por ele passavam os ganhos e os custos financeiros do ministério de Jesus. Como o volume de dinheiro que transitava nos cofres “apostólicos” era baixo, sempre margeando o vermelho, Judas demostrava habilidade de gerenciamento, provendo verbas para alimentação, hospedagem e para as obras de caridade realizadas pelo grupo. Porém, a maior virtude de Judas, também era sua maior fraqueza. Ele mudou o foco de seu ministério, inverteu as prioridades e passou a valorizar o “ter” mais que o “ser”.

Seu comportamento tornou-se inadequado, sua interpretação era questionável e seu julgamento, digno de repreensão. Ele enxergava os valores sem se atentar para as intenções, e isto começou a corroê-lo de dentro para fora, abrindo uma brecha espiritual para que Satanás lançasse seus dardos inflamados (Efésios 6:6). Enquanto os demais discípulos se desprendiam do mundo material e adentravam passo a passo o Reino dos Céus, Judas fazia um caminho inverso, afastando-se do espiritual e abraçando as coisas da terra. Com suas próprias mãos, Judas abria a porta de seu coração para o mal, e seu amor ao dinheiro, foi também a raiz de sua ruína.

O apóstolo Paulo nos advertiu que o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males, e que por cobiçarem o dinheiro, muitos desviaram-se da fé, atormentando-se com muitos sofrimentos (I Timóteo 6:10). Dinheiro é uma coisa boa, e possui-lo de modo nenhum caracteriza-se como um pecado. O problema começa quando nosso coração é aprisionado por ele (Mateus 6:21).  Satanás identificou a fraqueza de Judas e a potencializou. Da mesma forma, o inimigo ainda hoje tem rondado nossas vidas procurando nossas “brechas” afim de identificar nossa maior fraqueza e usá-la para “abrir” a porta de nosso coração, dando-lhe entrada.

Lucas 22:3 registra esta catarse maléfica sofrida por Judas. Ao contrário do que pensamos sobre “possessões demoníacas”, quando Satanás entrou em sua vida, Judas não virou o pescoço em 360 graus. Também não ficou com a pele viscosa ou com a voz mais grossa. Não esbugalhou seus olhos ou gorfou jatos verdes. Pelo contrário, assim que o diabo entrou em sua vida, ele continuou a ser um dos doze discípulos, jantando na mesma mesa, e ouvindo atentamente cada palavra proferida por Cristo. Por fora, nada mudou, e ele continuava um discípulo exemplar. Por dentro, Judas estava matando Jesus lentamente em seu coração. E quando a oportunidade surgiu, não hesitou em barganhar a vida de seu Mestre. O preço? Trinta moedas de prata. O valor que o império romano pagava por seus escravos.

Durante as discussões sobre a legalização do aborto no Brasil, um manifestante propôs que ao invés da retirada do feto por um médico especializado, uma arma fosse dada nas mãos das mãe, para que ela mesma, matasse seu filho na hora do nascimento. É claro que nenhuma mulher, por mais indesejada que fosse a gravides, concordaria com tamanha barbaridade. Aborto é uma coisa. Assassinato outra, muito pior. Algumas "culpas" são suportáveis. Outras, aniquilam a própria existência. Esta é uma ilustração perfeita para a apostasia espiritual, que em muito, nos assemelha com Judas.  Não temos a coragem para crucificar Jesus, cravá-lo no madeiro e observar impassível o sangue escorrer. Não somos carrascos. Não somos homicidas. Mas, o traímos constantemente, trocando Jesus por valores, bens e desejos materiais. E quando assim procedemos, não estamos o levando para a cruz também? Quantas moedas o mundo precisa oferecer antes de assinarmos o contrato de venda? Apontamos para Judas e censuramos a sua tabela de preço, mas a grande verdade é que temos vendido Jesus por bem menos.

A via-dolorosa até a cruz passou pela ambição de Judas. No jardim do Getsêmani, seu beijo colocou um alvo em Jesus, que culminou em sua prisão, julgamento e morte. Entrou para a história como um traidor que, não podendo suportar as consequências de seus atos, se esqueceu do quanto era amado e desejou profundamente morrer. Seu remorso desesperançado e seu coração tomado pelas trevas, se quer cogitaram a possibilidade de encontrar o perdão absoluto que emanaria da própria cruz. Judas se deixou dominar pela carne, dando ouvidos a voz do maligno. E estas vozes soavam tão alto, que ele mal conseguiu ouvir as últimas palavras que Jesus lhe disse no ápice da traição: -  Meu amigo! (Mateus 26:50). Judas abandonou Jesus. Jesus nunca abandonou Judas. A traição está na lista de Deus entre os pecados perdoáveis. Desde que haja arrependimento.

Outros escritos apócrifos justificam o ato de Judas como sendo uma tentativa de iniciar a revolução política tão desejada pelos judeus.  Segundo esta teoria, Judas acreditava que quando Jesus estivesse cercado pelos soldados romanos, finalmente se revelaria como o grande Messias, que livraria Israel da opressão estrangeira. Membro do partido dos sicários, Judas era um homem de atitudes extremadas, afinal, a maior característica de seus pares políticos era, exatamente, esconder um punhal sobre as vestes, para usado sem remorsos, sempre que fosse preciso. Assim, era necessário levar Jesus a uma situação extrema, para que Ele desse início a guerra contra o império opressor. Se de fato, esta fosse a intenção de Judas, ficaria ainda mais evidente o quão distante ele estava de compreender os ensinamentos de Jesus, que apontavam para o Reino de Deus, e não se detinham em questões terrenas. Neste caso, as portas continuariam abertas. Não se pode ocultar o sol com uma peneira.  Judas se deixou dominar pela carne e encontrou um fim trágico que o catapultou para uma eternidade obscura.

Mateus, testemunha ocular dos acontecimentos, conta que após a traição contra Jesus, Judas foi tomado por um remorso imensurável, e desesperado, correu até os príncipes dos sacerdotes e aos anciões judeus, e tentou devolver o dinheiro que tinha recebido. Esperava com isso, impedir a morte de seu Mestre. Em prantos ele jogou as moedas de prata na direção daqueles homens, enquanto se lamentava dizendo: - “Pequei, traindo o sangue inocente”. Porém, este gesto não comoveu aos líderes religiosos de Israel, que em resposta apenas disseram: - “O que isso nos importa? ”.

Acreditando que não havia mais meios de corrigir seu erro, Judas saiu dali e se enforcou. Então os príncipes dos sacerdotes chegaram à conclusão que era ilícito depositar aquele dinheiro no cofre de ofertas do templo, pois estava sujo de sangue. Após deliberaram, decidiram comprar com aquela quantia, um lugar chamado “Campo do Oleiro”, e o transformaram em um cemitério para estrangeiros. Posteriormente, o local recebeu o nome de “Campo de Sangue”.

“Aceldama” ou “Campo de Sangue” era uma propriedade que ficava localizada em Jerusalém, ao lado de um lixão público conhecido por Geena, para onde era levado todo o lixo da cidade, bem como as imundícias provenientes da limpeza realizada após os sacrifícios de animais. Agora, o fato mais relevante sobre este campo, é exatamente sua geografia, pois se tratava de um penhasco rochoso. Neste lugar também era encontrado um tipo de argila vermelha muito utilizado por oleiros, e daí talvez tenha se originado de fato seu nome.  A história por trás da compra deste lugar é tão interessante quanto o fato ali ocorrido (Mateus 1:1-8). Em Atos 1:16-19, Pedro diz que Judas adquiriu este campo com o galardão da iniquidade; e precipitando-se nele, rebentou pelo meio, e todas as suas entranhas se derramaram.

Juntando os relatos, é fácil a compreensão do histórico de compra daquela propriedade. Judas de fato morreu ali e o local foi comprado pelos líderes religiosos judeus que o transformaram em uma área de sepultamentos. Entretanto, o dinheiro usado nesta compra, pertencia a Judas Iscariotes. Logo, subjetivamente (e na interpretação de Pedro), ele era de fato, o dono do lugar. Quanto a causa da morte, não existem discrepância entre os textos, mas sim mudança na perspectiva do narrador. Podemos então dizer que Mateus trata do suicídio, e Lucas (em Atos) descreve as consequências deste evento. Judas de fato, correu até o “Campo do Oleiro” e se enforcou. Considere que nos arredores de Jerusalém, por questões geográficas e histórias, não existiam árvores de grande porte para viabilizar um suicídio, e, portanto, ele provavelmente precisou escolher uma árvore pequena, mas que estivesse à beira de um penhasco. Amarrou uma corda (ou algo semelhante) nesta árvore, atou-a também em seu pescoço e se lançou para baixo. Aparentemente, a corda se rompeu (ou o galho quebrou), de modo que o corpo de Judas despencou de uma altura considerável, e se arrebentou nas rochas abaixo.

E na morte, Judas nos deixa mais uma lição tenebrosa. Seu fim trágico está ligado ao Campo de Sangue, comprado com o dinheiro que ele recebeu por trair Jesus. Junto ao Campo de Sangue temos o Geena, uma área onde o lixo alimentava as chamas de um fogo que nunca se apagava, e onde os vermes não estavam dispostos a morrer. Vida miserável em meio a sujeira e ao fogo. Jesus usou este lugar para descrever o inferno definitivo, conhecido também como Lago de Fogo (Marcos 9:47-49 / Apocalipse 19:20). 

Você entendeu a gravidade da escolha de Judas?

Na verdade, Judas não trocou Jesus por trinta moedas, mas sim por um “Campo de Sangue” que trazia a tiracolo o Geena. Judas abriu mão de Jesus para abraçar o próprio inferno. E este foi, sem dúvidas, o pior negócio da história. Prejuízo eterno. E infelizmente, a negociata continua a todo vapor, com milhares de pessoas, diariamente, aceitando lances mínimos para abrir mão de Jesus, sem sequer, entender o que, de fato, vão “lucrar” com tal barganha. Alegrias momentâneas que gerarão lágrimas perpétuas. Sucesso irreal que culminará em fracasso total. Prazeres passageiros que se transformarão em dores eternais. Não vale a pena nem cogitar a troca.

Judas se deixou dominar pela ambição, pelo desejo, pela ganância, e com isso entregou a “VIDA” de bandeja para a “MORTE”.  Encontrou um fim trágico que o catapultou para uma eternidade obscura. Que trilhemos o caminho inverso ao deste malfadado discípulo, abrindo mão do mundo pelo céu, escancarando nosso coração para Cristo e fechando definitivamente as portas para Satanás.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O homem da mão mirrada

Quer você acredite que consiga fazer uma coisa ou não, você está certo.
(Henry Ford)


A grande maioria da população mundial é destra, ou seja, executa a maior parte de suas atividades tendo os membros do lado direito como base da ação. Embora não existam estudos conclusivos sobre a proporcionalidade, as pesquisas realizadas apontam sempre um número inferior a 13% de pessoas no mundo que se consideram canhotas. Então, a maioria esmagadora, seja por fatores genéticos, hereditários ou sócio-culturais, tem a sua mão direita como mestra.

Na cultura judaica, a mão direita representava a autoridade, o que pode ser observado em Gêneses 48:14, quando Jacó no momento em que abençoava os filhos de José, inverteu as mãos, colocando sua destra sobre a cabeça do caçula Efraim, delegando a ele a autoridade, que teoricamente, deveria ser transmitida para Manassés, o neto mais velho. Logo, a mão direita, além de funcional, tinha grande representatividade cultural e espiritual. Mateus 12, registra a história de um homem sofrendo de atrofia em seu braço direito. Mas, a enfermidade, e posteriormente, a cura, ganham novos contornos de imensa simbologia, quando entendemos as consequências sociais e religiosas desta paralisia.

O famoso caso do homem da mão mirrada (ou ressequida), é mais uma daquelas histórias envolvendo anônimos, que comprovam que o mais relevante não é o milagre em si, e sim os fatores que o envolviam. Uma vez que Jesus interferia nestas situações, a certeza de uma manifestação miraculosa era absoluta e de difícil compreensão, mas os caminhos do milagre sempre têm muito a nos ensinar.

Os líderes religiosos estavam furiosos com Jesus, pois pouco tempo antes, Ele havia permitido que seus discípulos colhessem espigas para se alimentar, mesmo sendo sábado. Quando tentaram recriminar Jesus, ouviram sua poderosa declaração que “Ele” era o “Senhor do Sábado” (Lucas 6:1-5). Enquanto caminhava para dentro da cidade, Jesus manifestava sua misericórdia a todos que se achegavam, despertando ainda mais a fúria dos fariseus. Ao entrar na Sinagoga, foi seguido por diversos religiosos que queriam encontrar algum argumento para condenar Jesus.

Ali, um homem cujo nome não sabemos, vivia um drama pessoal muito intenso. Acometido de uma grave enfermidade degenerativa, ele viu, dia após dia, sua mão direita se atrofiar. Nesta condição, ele estaria proibido pela lei de entrar no templo, para não contaminar a Casa do Senhor. Porém, contrariando a sistemática religiosa que lhe era imposta, ele ocultou a mão enferma sobre as vestes e adentrou a Sinagoga para meditar na Palavra de Deus.

Embora lhe dissessem que aquele era um lugar onde um “deficiente físico” não poderia frequentar, o homem desta história parece ter lido o Salmo 73:17, e compreendido que as respostas para algumas de nossas questões mais relevantes só são encontradas no Templo. Naquele dia, enquanto devorava as palavras dos rabis, tentando entender a teoria, ele viveu a experiência prática de um encontro com aquele do qual os profetas testificaram. Seus olhos se cruzaram com os olhos de Jesus.

Imediatamente, os olhos do Mestre descortinaram seu segredo, e então, diante de todos os presentes, Jesus o chamou para o meio da congregação.

Olhos maliciosos se atentaram para a cena, buscando um argumento que desmerecesse as ações do Cristo. Jesus pediu ao homem que estendesse a sua mão, a mesma que ele escondia da sociedade. Mas ali, numa atitude de fé, mesmo correndo o risco de sofrer represálias, o homem estendeu sua mão para Jesus. E ao invés da atrofia, ele sentiu cada nervo, cada músculo, cada tendão, cada osso responder prontamente ao seu comando. Jesus tinha lhe devolvido mais do que os movimentos da mão, Ele restaurou sua dignidade.  

Os fariseus se retiraram indignados, pois Jesus havia “desrespeitado” o sábado. Saindo dali, iniciaram seus planos para matar o pregador de Nazaré. Já o homem agraciado com o milagre só tinha motivos para agradecer.

Certa vez, um cego que também fora curado num sábado, quando questionado sobre as motivações de Jesus ao “ confrontar” a lei, replicou com uma resposta brilhante: - “Só sei que era cego, e agora estou vendo” (João 9:25). O homem cuja mão ressequida foi restaurada por Jesus talvez tenha feito algo parecido. Diante das acusações e das indagações dos fariseus, ergueu as mãos para o céu, e depois, aplaudiu calorosamente ao Senhor em agradecimento.

Quantos de nós estamos escondendo nossas atrofias da sociedade. Temos vergonha das limitações que nos impedem de se destacar em uma área específica da vida, e então, hibernamos espiritualmente. Queremos cantar como a líder de louvor da igreja, e por não conseguir, nos calamos. Queremos pregar como aquele conferencista afamado, mas como não temos a mesma eloquência, deixamos de anunciar Jesus. Escondemos a mão atrofiada, e nos esquecemos que a outra mão é totalmente funcional. E o pior. Nos esquecemos que Jesus tem o poder (e o desejo) de nos curar de qualquer atrofia espiritual.

E porque, muitas vezes, continuamos atrofiados? Talvez porque não sigamos Jesus, distraindo nossa atenção com os fariseus e suas palavras caluniosas. Talvez porque não entremos no templo, preferindo visitar casas e estabelecimentos onde Cristo não está. Ou, quem sabe, o que nos falta é a coragem de descortinarmos nossas vergonhas e debilidades, estendermos nossa mão atrofiada para o Mestre, por medo do que as pessoas em nossa volta possam pensar. E o que Cristo pensa? Como Ele se sente diante de nossa incredulidade? 

Quem aponta nossos defeitos degenerativos, pouco (ou nada) pode fazer para corrigi-los. Mas, se apontarmos nossas debilidades, na direção de Jesus, então, Ele é poderoso para transformar nossas fraquezas, numa fonte inesgotável de força e inspiração. Nenhuma mão mirrada, será capaz de limitar as ações, de quem faz do Senhor a sua destra (Isaías 41:10).


quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Mangas, Corvos e Viúvas

Eu confio em Deus. E Deus confia em mim.
(Mara Chan)


Acho que seria irresponsabilidade de minha parte, começar este texto sem um alerta. Aqui, vamos falar sobre pássaros garçons, panelas misteriosas que multiplicam os alimentos e árvores que produzem tipos variados de frutas. Se você não acredita que tudo isto é possível, então eu recomendo que esta leitura seja interrompida agora mesmo. Caso sua fé seja suficiente para continuar, então, siga por sua conta e risco.

Nossa primeira parada será as margens do ribeiro de Querite. 

I Reis 17 nos apresenta o profeta Elias. Um homem temente a Deus, que se tornou o maior opositor do corrompido reinado de Acabe em Israel. Uma verdadeira pedra no sapato (ou nas sandálias) da casa real. 

Entenda. 

Acabe não tinha boas referências paternas, já que seu pai Onri, se tornou rei em meio a uma guerra civil, e uma vez no governo, se mostrou dotado de grande iniquidade. Tanto, que cometeu sozinho, mais perversidades do que todos os reis anteriores. E o fruto não caiu longe da árvore. Embora Acabe tivesse boa governabilidade em Israel, ele permitiu que o culto a Baal se propagasse por todo o reino, muito por influência de sua esposa fenícia. Jezabel era filha de Etbaal, rei de Tiro e Sidom. Nascida e criada na cidade de Sarepta, desde a mais tenra idade, devotou sua vida a adoração dos deuses pagãos Baal e Asera. Após seu casamento com Acabe, importou seus cultos e rituais para dentro da religião judaica, perseguindo e matando os profetas que se mantinham fieis ao Deus de Israel.

É neste cenário de degradação espiritual que surge Elias, profetizando sobre a nação um período de longa estiagem, no qual, os céus se fechariam sobre a terra. E por mais de três anos, nenhuma gota de chuva caiu sobre aquela região. Para preservar com vida o seu profeta, Deus levou Elias até o ribeiro de Querite. Ali, enquanto bebia a água fresca do riacho, o profeta era alimentado diariamente por corvos, que lhe traziam carne todos os dias. Para um entendimento modernizado destes eventos, podemos dizer que o céu se transformou numa churrascaria, Deus era o churrasqueiro, e os pássaros cumpriam a função de garçons. Elias nunca, em toda sua vida, tinha comido tão bem.

Israel estava enfrentando dias de fome e sede, mas o profeta desfrutava de pão, sombra e água fresca. A nascente do riacho situava-se nas montanhas de Efraim, cujo nome significa “Deus me fez prosperar na terra das minhas aflições” (Gêneses 41:52). Ele percorria por toda a região da alta Galiléia, até desaguar no Jordão, rio cujo significado do nome é “aquele que desce”. 

Os nomes não poderiam ser mais significativos. Depois de alguns dias de fartura na terra da escassez, Elias se viu às voltas com dias de insegurança e humilhação. O padrão de vida desceu.  As águas do Querite se secaram, e os corvos deixaram de visitá-lo. E agora? O que fazer?

Foi então que Deus lhe deu uma nova (e controversa) direção. Descer até Sarepta, onde uma viúva, iria prover seu sustento até a fim da estiagem. Mas, Sarepta? Terra natal de Jezabel? O ninho da serpente? Exatamente. Antes da benção, Deus prova nossa fé. O filósofo suíço Soren Kierkegaard dizia que a fé nasce da coragem. E não deixa de ter razão. Para chegar até Sarepta, era preciso sair do esconderijo e caminhar mais de quinze quilômetros por estradas patrulhadas, sendo que o objetivo das tropas era um só. Encontrar Elias. Haja coragem. E fé.

A jornada perigosa valeria a pena, se ao chegar no destino, ele encontrasse uma viúva abastada que lhe garantisse fartura nos próximos meses. Ledo engano. Chegando em Sarepta, Elias encontrou-se com uma mulher sofrida, que recolhia alguns gravetos no campo. Não toras de madeira ou generosos nacos de lenha. Gravetos. Com os gravetos ela assaria um bolo feito com o restante de farinha e azeite que tinha em casa. Dividiria o assado com seu filho, e depois, ambos morreriam de fome. O que? Tanto risco para nenhum benefício?

Não. O profeta merecia pelo menos um pedaço deste bolo. Então, pediu para aquela viúva, que assim que o assado estivesse pronto, ele deveria comer primeiro, e não o filho. O problema é que um pequeno pedaço daquele bolo, era exatamente o bolo inteiro. Gravetos, lembra?  Mas, junto com o pedido, Elias inseriu uma promessa: - “Se você alimentar este profeta primeiro, então a farinha da panela não vai faltar, e o azeite na vasilha, não irá acabar. Estas são as palavras do Senhor, o Deus de Israel”. E o que aquela viúva, moradora de uma terra dominada por idolatrias e perniciosidade fez? Ela creu. Tudo o que ela tinha, ofereceu ao Senhor.

Ok. Esta é uma história muito antiga, e que se encontra a quilômetros de sua realidade, certo? Então, deixe-me dar um exemplo mais pessoal. Meu irmão, Ev. Lucas Gomes, relembra com os olhos marejados desta história. Certo dia, depois de um jantar sofrido, já que consumiu os últimos grãos existentes na casa, sua filhinha Libine queria comer uma fruta de sobremesa. Como você já deve ter entendido, a geladeira, a dispensa, a fruteira e os bolsos, estavam completamente vazios. Tudo que eles tinham era uns aos outros, lágrimas nos olhos, e um clamor preso na garganta. Então, eles oraram e dormiram. Na manhã seguinte, meu irmão se dirigiu ao fundo da casa, afim de pegar no varal, uma toalha para o banho. Então, parou diante de uma mangueira plantada no quintal, e para sua surpresa, lá estava uma única fruta, linda, suculenta e temporã. Imediatamente ele colheu a manga, louvando aos céus pela providência. Já imaginou a alegria de sua filha, quando acordasse e se deparasse com a manga na cabeceira de sua cama. Mas então, ele parou e pensou. E depois?

Num ato de fé, chamou sua esposa Hellen, pegou uma enxada, abriu um buraco na terra, e enterram aquela manga. Então, regando a semeadura com lágrimas, eles oraram: - “Senhor, obrigado por este fruto que nos deste. Receba-o de volta. Estas são as nossas primícias, que com imensa gratidão, depositamos aos seus pés”. Loucura?

Bom, no começo deste texto, eu avisei que esta é uma leitura para quem se simpatiza com coisas aparentemente loucas. A grande verdade, é que eles agiram da mesma forma que a viúva de Sarepta, oferecendo tudo o que tinham ao Senhor, crendo que Deus supriria suas necessidades. No agora, e no depois.

O profeta Elias comeu o bolo como se não houvesse amanhã. Ele não deixou para aquela família pobre nem mesmo uma misera migalha. E então, sem nenhum pudor, se ofereceu para almoçar na casa da viúva. Afinal, aquele tira gosto matinal, não tinha servido nem para forrar sua barriga faminta. O final desta história, você já deve conhecer. Quando entraram na casa, a panela estava cheia de farinha, e a vasilha transbordava azeite. Quanto mais se tirava, mas farinha e azeite eles tinham para comer. E o efeito milagroso durou por mais de três anos, até que as chuvas voltaram a cair do céu e a terra se tornou produtiva outra vez.

E quanto a manga plantada no fundo do quintal? Pois é. No mesmo dia, uma árvore nasceu, cresceu e frutificou. Antes do pôr do sol, mangas tão grandes quanto melões, se amontoavam pelo chão. Não acredita? É, você tem razão. Deixe-me de contar o que de fato aconteceu.

Ainda pela manhã, o Lucas saiu para atender um compromisso ministerial. A obra não pode parar. Quando voltou na hora do almoço, as panelas estavam a todo vapor. Os cheiros se mesclavam no ar e ele tentava discerni-los. Arroz, feijão, carne e legumes. Sim, todos estavam lá. Ele abriu a geladeira, e os compartimentos estavam abarrotados, incluindo o freezer. Então, foi conferir os armários, e a cada porta aberta, pacotes e caixas de mantimentos brigavam por um espaço. Sim, a Helen tinha tido muito trabalho para guardar tudo. E de onde tinham surgido tantos alimentos?

Naquela manhã, enquanto eles plantavam sua preciosa semente no quintal, uma outra família, entrava no supermercado para as compras do mês. Enquanto andavam pelos corredores, enchendo seus carrinhos, o Espírito Santo visitou o coração do patriarca daquela família. Por um daqueles motivos que só a fé explica, ele sentiu o desejo de realizar uma compra extra, e levá-la, ainda antes do almoço, na casa de um jovem e promissor evangelista. Quem? Ah! Você entendeu.

Já disse que meu irmão conta esta história com lágrimas nos olhos? Metade desta emoção, não é por recebido uma benção inesperada, mas sim, porque pode abençoar outras pessoas. Segundo ele, a quantidade de mantimentos entregue naquela manhã era tão grande, que os sustentou por muitos dias, até que tivessem condições próprias para novas compras. E mesmo assim, ainda havia mantimentos suficiente para eles repartiram com mais duas famílias carentes. Sem nada faltar a ninguém. A benção de Deus nos transforma em abençoadores.

E a outra metade da emoção? Ah, sim! Falta falar da sobremesa. Aquele bem-feitor (que nada mais é que uma versão modernizada do “corvo” de Elias), enquanto realizava sua compra adicional, fez uma longa parada no setor de hortifrúti do supermercado. Deus teve o cuidado de abastecer a fruteira da casa de meu irmão. Mangas, bananas, maças, peras, laranjas, uvas, morangos, melão, melancia. Quem diria que uma única manga plantada, resultaria numa árvore que produziria frutas tão diversificadas? A pequena Libine, se esbaldou. Vai entender o trabalhar do Senhor!

Deus é especialista numa matéria na qual somos complemente ignorantes. O impossível. Então, o Senhor escolhe meios inexplicáveis para abençoar seus filhos. Nosso erro, é tentar sempre explicar seus planos, quando na verdade, só precisamos vive-los. É preciso coragem para viver um milagre, pois eles são forjados na fornalha da fé.  E a fé nasce da nossa confiança em Deus, e em sua real providência. É preciso coragem para aceitar esta verdade, e caminhar com segurança pelo desconhecido.

Coragem para enfrentar a solidão do Querite. Coragem para estender um tapete de boas vindas a corvos. Coragem para enfrentar as estradas perigosas de Sarepta. Coragem para dormir no ninho da serpente. Coragem para comer o último bolo sem se preocupar com a próxima refeição. Coragem para enterrar a única manga madura da estação. E porquê?

Acho que podemos encontrar uma resposta satisfatória para todos os “porquês” que insistentemente batem em nossa porta, parafraseando o pregador norte-americano Martin Luther King: - “Eu tive muitas coisas que guardei em minhas mãos, e as perdi. Mas tudo o que eu guardei nas mãos de Deus, eu ainda possuo”. Um bolo em suas mãos é só um bolo. Nas mãos de Deus, é uma confeitaria. Uma manga nas suas mãos é só uma manga. Nas mãos de Deus é um pomar. Creio que o Lucas concorda com estas afirmações. E a viúva de Sarepta, concordaria também!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O Sábado

Quando descanso? Descanso no amor.
(Madre Teresa de Calcutá)


Os dez mandamentos dados por Deus para a nação de Israel, pode muito bem ser dividido em dois fascículos distintos, de fácil compreensão e que se completam mutuamente. O primeiro pode ser entendido como um manual do relacionamento entre a nação e o próprio Deus, e o segundo apresenta as diretrizes para uma relação cordial entre os homens.

No que tange ao relacionamento verticalizado com seu Criador, Israel é ensinado a não ter outros deuses além do grande “Eu Sou”, não fazer imagens de esculturas para adorá-las, não banalizar o nome de Deus e guardar o sábado como um dia exclusivo de consagração ao Senhor. Já quanto aos relacionamentos horizontais, visando a fraternidade entre israelitas, foi lhes ordenado que honrassem seus pais, e que não praticassem assassinatos, adultérios, furtos e perjúrios, além de banirem a cobiça de suas vidas. Soma-se ao decálogo, mais de 600 preceitos legislativos, popularmente conhecido como “Lei de Moisés” que davam as diretrizes sociais, morais e religiosas da nação. Este compendio de leis, a “mitzvot”, está registrado no texto sagrado do Pentateuco, e contém cerca de 365 “proibições” diretas e 248 “recomendações”.

Jesus nasceu numa época dominada por religiosidade vazia, onde líderes judaizantes “amarravam fardos pesados sobre os ombros do povo, mas eles mesmos não se dispunham a mover um único dedo para ajudá-los a carregar” (Mateus 23:4).

A intenção de Jesus nunca foi se opor a lei. Pelo contrário, Ele mesmo a cumpriu com rigor (Mateus 5:17). O objetivo de Cristo era ensinar que a verdadeira religião ultrapassava a frieza da lei, e era preciso que a obediência a Deus não estivesse atrelada a uma imposição constitucional, mas sim, a um desejo genuíno de adorá-lo por quem Ele, de fato, “é”. Assim, toda a mensagem de Cristo apontava para o REINO DE DEUS, ensinando o caminho de volta para o Pai.

Jesus tinha autoridade sobre a lei, pois não apenas participou ativamente de sua revelação, mas porque a cumpriu integralmente como homem. Por este conhecimento de causa, Jesus pode reinterpretar a lei para seus discípulos de forma que ela fosse clara e cristalina para os cristãos que viriam depois. A visão de Cristo para a lei é singela, porém profunda, e torna obsoleta toda veneração exclusivista por qualquer um dos seus preceitos. Segundo Jesus, mestre da lei e Filho de Deus, toda a “mitzvot” pode (e deve) ser condensada (e praticada) num único mandamento: - “Ame ao Senhor, teu Deus, de todo coração, de toda a sua alma, com todas as suas forças e com toda a sua capacidade intelectual. Feito isto, ame ao teu próximo como se ele fosse você. ” Quando não é embasada em amor para à Deus e às pessoas, toda e qualquer religião é nula e sem proveito (Tiago 1:22-27).

Jesus estabeleceu um novo padrão para sua igreja, livre de legalismo e avesso a religiosidade pragmática. Seu mandamento é que penhoremos nossa vida em amor. Paulo foi taxativo quando escreveu aos crentes em Roma, que não deveriam ter qualquer dívida para com a sociedade, exceto o amor, pois aquele que ama cumpre a lei (Romanos 13:8). Ações que não se baseiam em amor puro e genuíno, não tem qualquer sustento diante de Deus.

Jesus foi insistente neste ensinamento, ora com palavras, ora com ações, questionando o falido sistema religioso de seu tempo, que usava a máscara do “zelo” para justificar suas atitudes egoístas e seu descaso com os menos favorecidos, colocando a guarda do sábado como um obstáculo para o fim do sofrimento que consumia a vida de um homem. Onde os “zelosos” fariseus viram uma afronta à lei de Moisés, o “amoroso” Jesus viu a oportunidade de transformar uma história, honrando a Deus no sábado, como honrava em todos os demais dias da semana, amando ao próximo e estendendo sua mão ao necessitado.

O mandamento da guarda do sábado nada mais era que a oficialização legal de um exemplo dado pelo próprio Deus na criação do mundo, ou seja, a necessidade de um dia para descansar (Gênesis 2:2). O ser humano foi criado do barro, e em decorrência do pecado, este corpo corruptível tem um prazo de validade muito curto, se deteriorando com a passagem do tempo. Para aumentar a vida útil da “máquina humana”, é preciso alguns cuidados rigorosos, e entre eles, o repouso necessário.

Deus desejava que o homem tivesse a consciência desta necessidade, mas sabedor da inclinação egoísta pelo “ter cada vez mais” tão inerente em todos nós, incluiu este preceito no decálogo para fazer com que o ser humano descansasse na “marra”, tendo um tempo específico para se dedicar a coisas menos efêmeras. O Salmo 39:6 faz uma interessante análise sobre a vida: “Com efeito, passa o homem como uma sombra; em vão se inquieta... Amontoa tesouros e não sabe que os levará”... De nada vale trabalhar toda uma vida, ajuntar bens e tesouros, e nada ter para levar na eternidade (Lucas 12:15-21).

Durante seis dias, o homem deveria trabalhar e retirar do “suor” de seu rosto o sustento para sua família (Gêneses 3:19). Porém, no último dia da semana, toda a agitação deveria ser substituída pela introspecção, e o labor pesaroso daria lugar a um merecido repouso. Neste dia em particular, o homem deveria estreitar sua relação com Deus, que infelizmente, é afetada diretamente pelo excesso de atividades diárias. É uma via de mão dupla, onde Deus dá ao homem a condição de recuperar suas energias físicas, e ao mesmo tempo, ter um momento de intimidade com seu Senhor.

O problema, é que os religiosos deturparam este princípio, e um mandamento que deveria trazer descanso para o corpo, se tornou um peso para alma. Os discípulos foram julgados por colher espigas no sábado. Enfermos foram censurados por serem curados no sábado. O dia do descanso se tornou o dia do legalismo. O dia em que o zelo sobrepujava o amor.

Então, chega Jesus para modificar esta realidade. Sua mensagem é um convite para todos que estão cansados e sobrecarregados: - Vinde a mim, e eu vos aliviarei... Exatamente por isso, Jesus era um verdadeiro imã de problemas. Bastava andar algumas horas ao lado para estar cercado de pessoas marginalizadas, esquecidas pela sociedade, cansadas da vida e sobrecarregas pelas imposições legalistas da religião. Jesus ia até elas sempre com a mesma proposta: - “Deixe o seu fardo pesado comigo, e passe a carregar o meu, pois o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (Mateus 11:25).

O tal “jugo” ao qual Jesus se refere, é uma peça de madeira também conhecida como canga, que serve para unir dois bois, fazendo com que andem numa mesma passada. Jesus não apenas propõem uma troca de fardo, como também se voluntaria para caminhar lado a lado, dividindo o peso e facilitando a jornada. Assim sendo, Jesus utilizou o sábado para oferecer “alívio” para almas sobrecarregadas pelos encargos da lei (Mateus 12:9).  

Jesus reinterpretou a lei e modificou um dos seus mais dogmáticos conceitos. Não no proposito, mas sim no alcance. Em Cristo, o sábado se se tornou símbolo de um descanso completo, não apenas para o corpo, mas também para a alma.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O bem mais precioso

A renúncia é a libertação. Não querer é poder.
(Fernando Pessoa)


Existem grandes equívocos na forma como muitos entendem a adoração. Louvores, orações, exercício ministerial e prática de boas obras são apenas reflexo de uma vida vivida em adoração e não a essência do conceito. O adorador por excelência, não restringe sua adoração a momentos específicos ou situações pertinentes. Ele a vive intensamente e completamente, ocupando cada minuto do seu dia, cada célula do seu corpo com Deus e para Deus.

Este estilo de vida requer resignação e desprendimento, pois a natureza humana tende a prioridades que se opõem completamente aos princípios da Palavra de Deus. O adorador precisa, antes de mais nada, crucificar o velho homem, para poder estar definitivamente, livre do domínio do pecado. Mas este processo, apesar de necessário, é pesaroso e contrário as nossas próprias vontades. Ele exige muita abnegação e renúncia (Tiago 1:14-15). É preciso negar quem somos, para sermos quem Deus deseja que sejamos. E este caminho de volta a Cristo, passa pela cruz (Marcos 8:34). É uma via dolorosa que requer inúmeros sacrifícios.

Um sacrifício, consiste na troca de algo muito valioso por outro de ainda maior valor. Mas, neste caso, os valores não são medidos em espécies, e sim em sentimentos e emoções. Por exemplo, num cenário de crise, onde o alimento torna-se escasso em um lar, os pais tendem a sacrificar sua porção de sustento em prol da nutrição dos filhos. Eles abrem mão de algo valioso (seu alimento) e obtém em troca algo mais valioso ainda, ou seja, a satisfação de ver os filhos alimentados. Mesmo que para alcançar esta alegria, eles mesmos, continuem famintos. O sacrifício, portanto, vale a pena! 

Deus abriu mão de seu próprio filho em prol da restauração do homem, e Jesus entregou sua vida por resgate de todos nós (Isaías 53:10-11). Abraão abriu mão do bem que julgava mais precioso (seu filho), em troca de algo que de fato lhe tinha valor inestimável e incalculável, a sua fidelidade para com Deus (Gêneses 22:1-18). O adorador por excelência é aquele que sempre pauta suas escolhas priorizando o que é eterno, mesmo que para isso, precise deixar de usufruir prazeres efêmeros tão desejáveis por sua natureza humana.

Nisto reside a nobreza da renúncia e a beleza da obediência. Renunciar é desistir por bom grado de algo que foi conquistado por direito. É sair da zona de conforto, abnegando-se do certo pelo duvidoso. Não há garantias físicas em uma renúncia e, portanto, no contexto espiritual, ela se baseia apenas na fé. A ordenança de Jesus aos discípulos foi que renunciassem a eles mesmos, tomassem sobre seus ombros uma cruz e o seguissem, mesmo que fossem enviados como ovelhas para o meio de lobos (Mateus 16:24 / Lucas 10:30).

A adoração genuína tem início exatamente neste desprendimento do próprio “eu”, numa submissão plena aos desígnios do Senhor, mesmo que com isto caminhemos rumo a morte. Estaremos certos que uma eternidade com Deus é o bem mais valioso que podemos almejar, tornando qualquer valor terreno (por maior que seja) em quinquilharias desprezíveis (II Timóteo 4:7).

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A serpente e o calcanhar

Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, 
não precisa temer o resultado de cem batalhas.
(Sun Tzu)


Somos uma geração que deseja pisar na cabeça do diabo. O problema, é que temos nos esquecido de um “pequeno” efeito colateral desta ação. O ferimento no calcanhar.

No Jardim do Éden, a primeira profecia messiânica teve como emissário o próprio Deus. A serpente (que representava o inimigo), foi avisada que, da semente da mulher nasceria um, que pisaria em sua cabeça. Porém, uma informação muito relevante é acrescentada: "e a serpente irá ferir o seu calcanhar" (Gêneses 3:15). É jargão usual em muitas pregações, a ordenança de se pisar na cabeça de Satanás, e crentes incautos tem se lançado nesta empreitada desastrosa, declarando a plenos pulmões que o diabo está embaixo de seus pés. E o pior é que muita gente tem se aventurado a pisar na cabeça da serpente com pés desprotegidos.

É neste momento, que o inimigo inocula seu veneno em calcanhares incautos. Exatamente por isso, temos tantos crentes de andar cambaleante, e outros que já não conseguem mais caminhar. E uma vez no organismo, o veneno não para de subir. Quem fere a cabeça de Satanás, também acaba mortalmente ferido. Jesus cumpriu está missão, mas no processo, foi abraçado pela morte. Felizmente, Cristo é imune ao veneno desta víbora infernal. Nós não.

A autoridade de pisar na cabeça da "serpente" (singular) pertence apenas a Jesus Cristo, que por sua vez é capaz de suportar o ferimento colateral. Nós temos outras "serpentes" (plural) para nos preocuparmos, e escorpiões também. Para estas "forças" que se intrometem em nosso caminho diariamente, estamos autorizados por Jesus, a literalmente, passar por cima (Lucas 10:19-21). Agora, quando agimos por contra própria, desafiando Satanás com nossos pés, subestimamos o mais letal dos adversários e provarmos ignorância quanto a nossa própria condição. O diabo não está preocupado com os "pés". O calcanhar é apenas uma porta de entrada. O alvo dele é bem mais acima. A triste verdade, é que a nossa geração “esmagadora de serpentes”, é também uma geração de corações e mentes envenenadas. O inimigo é hábil em perder uma batalha, para depois, ganhar a guerra. Então, todo cuidado é pouco.

Em Hebreus 12:9, Deus é identificado como sendo o “pai” dos espíritos, ao qual devemos obedecer como “filhos”. Aqui, nos é descortinada a extensão do mundo espiritual, com seus mistérios ainda não revelados e suas batalhas constantes e acirradas, que embora não vejamos, estamos no centro do embate.

Deus é um ser espiritual, bem como também o é, as primícias da criação. Antes dos mundos físicos existirem, Deus criou seus anjos, que hoje podem ser identificadas como ministros espirituais a serviço do Senhor, cumprindo desígnios e tornando-se visíveis aos homens apenas em ocasiões especiais (Gênesis 32:1-2 / Daniel 8:15-17 / Lucas 22:43). Se os anjos do Senhor são espíritos, logo a terça parte dos renegados, que foram expulsos do paraíso também o são. Espíritos maldosos e enganadores, que atuam nas esferas celestes (céu cósmico), aos quais comumente denominamos “demônios”.

O homem também possui um espírito dentro de si, que foi dado e será recolhido por Deus (Eclesiastes 12:7), recebendo então uma destinação final baseado no julgamento de seus atos enquanto vivente (Hebreus 9:27). Assim, estamos todos interligados nesta esfera ainda incompreendida em decorrência de nossa “corruptibilidade”. Mas, nossa ignorância a muitos elementos desta realidade espiritual, não nos imuniza dos efeitos práticos dos eventos cósmicos que se desenrolam ali. Até porque, o mais letal dos inimigos espirituais, anda ao nosso derredor, rugindo como um leão, buscando a quem devorar (I Pedro 5:8).

Em decorrência desta investida satânica, é necessária vigilância constante e irrestrita. Satanás é um adversário sutil, perspicaz e ardiloso, que embora não deva ser “temido”, jamais pode ser desmerecido, subestimado ou enfrentado sem a estratégia adequada. Caso contrário, ele tem a assustadora capacidade de “cirandar” com a alma do homem (Lucas 21:31). Neste texto, Jesus fez menção ao ato de cirandar o trigo, que consistem em “moer” e “peneirar” os grãos. Para bom entendedor, fica a mensagem clara e objetiva: o diabo não está de brincadeira.

O nome “Satanás” é uma transliteração do hebraico para Satan, que significa “ACUSADOR”, mas nem sempre foi assim. Em Ezequiel 28, ao falar da influência maligna sobre os grandes reinos da Terra, o profeta revela algumas nuances da origem de Satanás.  Ele foi criado pelo próprio Deus, sendo um sinete de perfeição, cheio de sabedoria e formosura. Era um anjo de elevada glória (acima dos demais), ornado de ouro, sendo querubim de guarda, ungido e perfeito em seus caminhos. Habitava num tipo de “jardim mineral”, (“Éden – Jardim de Deus”), estabelecido no “Monte Santo do Senhor”, onde caminhava entre pedras “afogueadas” (sárdio, topázio, diamante, berilo, ônix, jaspe, safira, carbúnculo e esmeralda). Seu nome era “Lúcifer”, que quer dizer, “anjo de luz” (Isaías 14:12). 

Esta condição gloriosa se manteve por longas eras, até que Deus vislumbrou iniquidade no coração angelical. Ele se tornou arrogante em sua beleza e posição, decidindo  se assentar em um trono que fosse acima de Deus (Isaías 14:13-14 / Ezequiel 28:15 / I Timóteo 3:6). O orgulho de Lúcifer o levou à queda.  Ele subiu aos céus e usando de sua influência perspicaz, corrompeu a terça parte dos anjos, que devotaram lealdade ao insurgente. Por causa de seu pecado, Deus expulsou Satanás e seus asseclas do Paraíso. Com grande violência, ele caiu vertiginosamente em direção a terra, e como muitos teólogos acreditam, promoveu grande destruição, a ponto de o Criador precisar reformar o planeta (Gênesis 1:1-2). Quando questionado sobre a atuação de seu maior adversário, Jesus testificou de sua queda declarando que tinha o visto cair como um raio (Lucas 10:18). Desde então, Satanás, embora seja um ser espiritual, atua na atmosfera humana.

Satanás se tornou o governante dos reinos do mundo que se afastaram de Deus. É também o príncipe das potestades do ar (João 12:31 / II Coríntios 4:4 / Efésios 2:2). Como ele não é dotado de onipresença, onisciência e onipotência (que são atributos exclusivamente divinos), existe uma vasta estrutura muito bem organizada que converge para a liderança maléfica de Satanás, o grande arqui-inimigo da igreja (Efésios 6:12).

Porém a recomendação bíblica em relação a este adversário não é o enfrentamento, como muitos insistem em ensinar. Efésios 6:11-13 diz que devemos nos revestir da armadura de Deus para estar firmes contra as astutas ciladas do Diabo, revelando que nossa posição estratégica nesta guerra é a de defesa, enquanto o ataque pertence ao Senhor. A Bíblia nos ensina em Tiago 4:7, a “sujeitar” a Deus, “resistir” ao Diabo e então, "ele" fugirá. O homem que decide “enfrentar” a Satanás com suas próprias forças, será derrotado e consumido.

Efésios 6 é facilmente identificado como o texto que fala sobre a “Armadura de Deus”. Mas na verdade, é um grande tratado sobre a OBEDIÊNCIA. Nele, Paulo aconselha aos filhos que honrem seus pais, que os pais tenham bom senso nas tratativas educacionais, que servos sejam leais aos seus senhores e que trabalhadores se empenhem como se trabalhassem para o próprio Cristo. Em resumo, o apóstolo nos aconselha que todas as possíveis portas de entrada para o maligno sejam trancadas (lembre-se do calcanhar)

Somente a partir deste ponto, nos é revelada a famosa “ARMADURA DE DEUS”, disponibilizada ao cristão fiel e obediente aos princípios antes citados.  A ordem inicial é para se fortalecer em Cristo, na força de “seu” poder, deixando claro que não temos condições naturais para suportar tamanha batalha. Em seguida, é explicitado que a função prática desta armadura é a resistência, e não o ataque. Com ela, poderemos estar firmes contra as astutas ciladas do diabo, e não agir afim de “desarmá-las”, sendo esta uma atribuição do próprio Deus.

A primeira “peça” a ser revelada é um tipo de malha que deve cingir o lombo, funcionando como uma base de toda a armadura, e ela é a VERDADE. Sua importância se deve exatamente ao fato de Satanás ser repelido pela verdade, já que vive numa dimensão de engôdos e falsidades, sendo atribuída a ele a paternidade da mentira (João 8:44). A Bíblia também afirma que os mentirosos não herdarão o Reino dos Céus (Apocalipse 22:14:15). A verdade liberta e santifica. Sem ela, as demais peças da ARMADURA simplesmente deixam de ter qualquer funcionalidade.

O próximo passo é vestir a COURAÇA DA JUSTIÇA. A couraça era uma armadura feita de metal ou couro, usada por soldados sobre o peito e as costas para protegê-los de golpes inimigos em órgãos vitais. Aqui, estamos falando da Justiça de Cristo, imputada por Deus e recebida pela fé. Ela guarda os nossos corações contra as acusações de Satanás e protege o nosso ser interior contra seus ataques mortais. 

Dorso protegido, agora é a vez de proteger os pés. Segundo o apóstolo, os mesmos devem ser calçados na preparação de EVANGELHO DA PAZ. Numa zona de guerra, os pés sempre estarão expostos a perigos de armadilhas, irregularidades do terreno, tropeços e até fragmentos cortantes. Por muitas vezes, os pés estão desprotegidos pelo nosso raio de visão e vulneráveis aos perigos escondidos na estrada, sendo também uma porta de entrada para doenças, vírus e bactérias. O salmista Davi testifica que a Palavra de Deus é lâmpada para seus pés e luz em seu caminho (Salmo 119:105). Só conseguiremos avançar por territórios inóspitos com segurança, se nossos pés estiverem protegidos pelo Evangelho de graça, misericórdia e poder, guia fiel mesmo em veredas tortuosas e fonte de luz em rotas de escuridão. Proteção contra ferimentos no calcanhar.

Já nas mãos, é obrigatório o uso do ESCUDO DA FÉ. II Coríntios 5:7 revela que nossa caminhada é por Fé e não por vista, logo, cada passo que damos neste terreno espinhoso precisa sem primeiramente dado em fé e por fé. Esse escudo é nossa confiança total e irrestrita em Deus, tendo a certeza que ele é nosso guia protetor, socorro bem presente que não falta na tribulação. O CAPACETE DA SALVAÇÃO surge como a garantia de nossa justificação, o que protege nossa mente das possíveis duvidas lançadas por Satanás. É uma peça de suma importância, pois qualquer ferimento na cabeça, pode trazer danos irreversíveis.

O último elemento desta armadura é também o único item de ataque em toda a lista: A ESPADA DO ESPÍRITO. O apóstolo Paulo a identifica como sendo a Palavra de Deus. Esta é de fato, a única arma que o cristão está autorizado a usar contra Satanás. Quando foi tentado no deserto, o próprio Jesus se fez valer desta ferramenta, citando por três vezes o livro de Deuteronômio, repelindo com as escrituras, todos os ataques do maligno. (Mateus 4:1-10). Outro exemplo grandioso pode ser encontrado no verso 9 da epístola de Judas, onde nos é revelado que quando Moisés morreu, Satanás tentou usurpar seu corpo. Miguel, comandante dos exércitos angelicais foi enviado para intervir, porém se recusou a um confronto direto, usando como arma as palavras do próprio Deus: O Senhor te repreenda. Jó, ao ser tocado por Satanás, o venceu através da adoração (Jó 1:20, 2:10, 42:10).

Quem se atrever a enfrentar Satanás com armas alternativas que não seja a PALAVRA DE DEUS, não encontrará legalidade de ataque e estará espiritualmente desprotegido. A ordem é sujeitar a Deus em obediência, resistir ao diabo usando a armadura de Deus, e então “ELE”, fugirá de nós! (Tiago 4:7). Vença ao Inimigo, sem precisar encostar nele. Afinal, para que insistir na teimosia de pisar na cabeça da serpente, mesmo sabendo que Cristo já a esmagou!

domingo, 22 de janeiro de 2017

Estrada para Moriá

A coragem vem da fé.
(Soren Kierkegaard)


Uma das etapas mais importantes do plano divino da redenção, era criar sua nação modelo, tão temente e fiel, que serviria de parâmetro aos reinos da terra. Desta linhagem viria o Salvador do Mundo. Deus, então, escolheu um homem chamado Abrão para ser o “pai” desta multidão.

Nascido e criado em Ur, ele era filho de Terá, um fabricante de ídolos pagãos. Abrão entra na história bíblica exatamente quando o Deus Criador lhe pede para que deixe sua cidade e sua família, e vá até uma terra que lhe seria indicada ao longo do caminho. Esta jornada consumiria muitos anos da vida de Abrão, que já avançado em idade, recebe de Deus a promessa que lhe daria novo sentido para viver. A sua descendência seria mais numerosa que as estrelas do céu. 

Seu nome é mudado para Abraão (pai de nações) e sua esposa “Sarai” se torna Sara (princesa). O problema é que o casal não tinha filhos, e Sara era estéril. Deus havia dito a Abraão que nele seria bendita todas as famílias da terra, mas os anos continuavam implacáveis com o casal, e a cada primavera passada, a esperança da promessa parecia distante e utópica. Talvez Deus estivesse falando por metáforas. 

Tentando reverter a situação, Sara cedeu sua serva Hagar ao marido, afim de que ele pudesse deixar uma semente sobre a terra. O plano pareceu dar muito certo. O que de fato, não era verdade.  Deste relacionamento nasceu Ismael, que apesar de sua importância histórica, não era o filho prometido, e mais tarde, desencadearia conflitos dentro do lar (Gênesis 12-18).

Abraão já era um homem centenário quando recebeu a visita de três moços em sua tenda, sem perceber que eram anjos do Senhor. São eles que informaram ao patriarca que, em um curto período de tempo, sua esposa estaria com um filho nos braços. Sara, que já estava com a idade avançada e o seu ciclo menstrual encerrado, ao ouvir a notícia começou a rir. Foi então que um dos visitantes declarou que o menino deveria receber o nome de Isaque, que significa, exatamente, “sorriso”.

Apesar das dúvidas de Sara, em poucos meses ela percebeu algumas mudanças em seu corpo, experimentando em plena velhice a benção da maternidade. O menino nasceu saudável, cercado de mimos e carinhos. Isaque se tornou o centro das atenções, e logo Ismael perdeu espaço dentro da casa.

Uma crise de ciúmes logo se instalou na família de Abraão, que acabou tomando a drástica decisão de enviar Hagar e seu filho para o deserto. Sobre a areia escaldante, a vida de Ismael esteve por um fio, mas, foi poupada por Deus que preparou suprimentos para garantir sua sobrevivência. Certos do cuidado divino, mãe e filho construíram uma casa, para ali habitarem (Gênesis 21). Os anos se passaram. Ismael se tornou um homem forte e respeitado. Ele tomou para si uma esposa egípcia (como sua mãe), e com ela deu início a uma numerosa família, tornando-se mais tarde o líder de uma poderosa nação do deserto, originando os povos árabes da atualidade.

Por outro lado, Isaque, o filho da promessa, seria o patriarca da mais importante nação da história humana: Israel. A promessa feita por Deus a Abraão se cumpriria piamente na linhagem de seus filhos, e pode ser testemunhada ainda hoje nas nações que ocupam o oriente médio. Como Jesus Cristo nasceu da linhagem de Judá, cumpriu-se também a promessa de que, em Abraão, todas as famílias da terra seriam abençoadas. E mais que um “pai de nações”, Abraão também foi perpetrado na história como o “pai de todos aqueles que creem” (Romanos 4:11).

Uma família de números incalculáveis, assim como as estrelas do céu. Mas, muito antes de que sua família se tornasse em nação, a fé de Abraão passou por um teste definitivo, que redefiniria todos os conceitos de confiança nas promessas de Deus. Ele teria que devolver para Deus o filho que de Deus recebera. Isaque tinha que ser sacrificado. 

Mas, porque?

A chamada de Abraão foi um marco não apenas na vida do patriarca, como também na história da humanidade. Ele obedeceu a voz de seu Deus e partiu em direção a uma terra desconhecida, sem ao menos entender a grandiosidade do projeto divino para sua vida. Abraão passou a viver por Deus e para Deus, sendo guiado por fé em suas decisões, escolhas e caminhos.

A chegada de Isaque lhe trouxe novas prioridades. O filho tornou-se o centro de sua vida. O coração de Abraão pulsava pelo menino, e nele estava centralizado todo o afeto do velho. Obviamente, não existe nada a se censurar na relação afetuosa de pai e filho, mas aos poucos, Abraão deixou que Isaque tomasse o lugar que antes era de Deus em seu coração. E aí está o problema.

Deus precisa estar entronizado em nossos corações, isto é um fato que não se pode mudar. Por vezes, deixamos que pessoas, coisas ou lugares ocupem este posto, e relegamos o Senhor para uma condição secundária. Ainda o amamos e damos ouvido a sua voz. Porém,  Ele já não é o centro e a essência do nosso viver.

Deus deseja ser nossa prioridade, pois somos sua prioridade também. Ele nos ama de forma incondicional, sua fidelidade é inabalável e suas promessas infalíveis. Em contrapartida, o Senhor deseja habitar em nossos corações e mentes, realizando em nós tanto o seu querer "quanto" o "efetuar" (Filipenses 2:3). Como Deus não aceita estar em segundo plano, toda vez que priorizarmos outro elemento em seu lugar, seremos levados a um ponto de decisão, onde precisaremos escolher a quem de fato servir (Mateus 6:24).

Isaque estava para Abraão numa posição que deveria ser de Deus. Assim, o patriarca foi chamado pelo Senhor para uma decisão sacrificial onde as prioridades de sua vida seriam definitivamente estabelecidas. Abraão amava a Deus inquestionavelmente, mas amava seu filho incontrolavelmente. Agora, seria necessário optar por um deles. E, Abraão, escolheu seu amor mais antigo. A fonte de sua vida e das promessas.

Mais do que sacrificar o filho no altar do Senhor, o patriarca precisou realizar um verdadeiro rito onde confrontou seus próprios sentimentos. Planejar a viagem a Moriá, rachar a lenha que seria usado no holocausto e afiar a lâmina de seu cutelo para imolar Isaque. Cada uma dessas ações foi importante para que uma nova inversão de prioridades acontecesse no coração de Abraão. Em meio a este doloroso processo, ele finalmente entendeu que sem ISAQUE ainda haveria um DEUS, mas sem DEUS, sequer existiria um ISAQUE.

A longa jornada até Moriá foi fúnebre e silenciosa. Cada passo aproximava pai e filho de um destino cruel. A inocente ignorância do olhar de Isaque contrastava com os olhos pesarosos e marejados de Abraão. Ele estava certo que no alto da montanha, teria que tirar a vida do próprio filho, parti-lo ao meio, escorrer o sangue e depois queimar seu corpo. Mas enquanto pensava na morte, Abraão se enchia de vida. Ele se lembrava das promessas de Deus, e como o Senhor tinha sido fiel no cumprimento de cada uma delas.

Sua fé se potencializava na obediência e o “vale da sombra da morte” ganhava contornos de esperança. Pouco a pouco uma certeza imergiu do coração de Abraão como um facho de luz que dissipa as trevas: - Ainda que das cinzas, Deus vai trazer Isaque de volta para vida (Hebreus 11:17-18). Neste instante, mesmo sem saber, a fidelidade de Abraão já tinha sido provada e aprovada. Sem derramar uma única gota de sangue, Abraão já tinha sacrificado Isaque no altar de seu coração. Ele havia chegado a um patamar espiritual que sequer imaginava ser capaz. Mas, Deus conhecia este potencial. Isaque, por sua vez, sem ainda ter conhecimento dos propósitos do Senhor em Moriá, realizou um sacrifício de valor inestimável. Ele deitou-se sobre o altar.

Pai e filho. Portador e herdeiro da promessa. No alto da montanha, longe de olhos humanos e aplausos populares, ambos se submeteram a vontade de Deus, por mais alto que fosse alto o preço da renúncia. Sem esperar recompensas terrenas, eles mostraram para o Senhor, até onde estavam dispostos a obedecer. Não por que precisavam, e sim porque desejaram. Afinal, Deus já conhecia a grandeza destes corações, antes mesmo dos tempos em Ur.