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domingo, 15 de janeiro de 2017

Apenas uma cicatriz

Não levante a espada sobre a cabeça de quem te pediu perdão.
(Machado de Assis)


Perdoar é antes de mais nada um ato de Fé. Logo, meras palavras são insuficientes para explicar a sua capacidade miraculosa. É preciso vivenciar na prática. Ação e Reação.  Quem perdoa, inocenta o transgressor de sua culpa, mesmo que a afronta sofrida tenha causado danos irreparáveis. E esta é uma realidade que se opõem aos desejos humanos de vingança e justiça própria. Por isso, perdoar requer muita fé.

Quando Jesus revelou aos seus discípulos a necessidade de se perdoar uma mesma afronta 490 vezes ao dia, imediatamente eles pediram ao Senhor que a fé lhes fosse aumentada (Lucas 17:3-5). Para se liberar o perdão é necessário romper com vínculos perniciosos do passado, confrontar conceitos pré-estabelecidos e renunciar as próprias convicções, tornando o ato de perdoar em uma atitude de sacrifício e abnegação. Poderíamos comparar a afronta sofrida por alguém como sendo um profundo corte na própria carne, uma ferida aberta e exposta, que não se fecha em decorrência das impurezas que se alocam ali. O perdão é como um bálsamo curador, que tem o poder de purificar e curar ao mesmo tempo, cicatrizando a ferida.

Seria utópico imaginar que após este processo, a afronta sofrida seja completamente esquecida por quem a vivenciou, mas quando o perdão é genuíno, essa lembrança não passa de uma mera cicatriz, que embora esteja ali, evidenciando que aquele local específico foi ferido no passado, hoje já não causa desconforto e não incomoda mais. Não dói e nem sangra.

Não perdoar, é cometer um lento e doloroso suicídio espiritual, pois a mágoa guardada no coração é uma semente produtiva que germina com rapidez e alastra suas profundas raízes destruindo os alicerces da fé, da paz e da esperança. Segundo o poeta e dramaturgo inglês Willian Shakespeare, guardar rancor é como beber veneno esperando que outra pessoa morra. A mágoa pode ser descrita como uma pedra incandescente que alguém segura em suas mãos esperando o momento de jogá-la em seu desafeto.

Uma analogia ainda mais impactante sobre esta questão, nos remete a um terrível castigo da antiguidade. No antigo Egito, um assassino condenado era atado a sua vítima, testa a testa, olho a olho, boca a boca, mão a mão, abdômen a abdômen, e assim, deixado para morrer também. O mau cheiro, a carne putrefata e os vermes passavam de um corpo para o outro, numa morte lenta, agonizante e desesperadora. O mesmo processo acontece quando não conseguimos perdoar. Amarramo-nos a um defunto, nos alimentamos de podridão e morremos espiritualmente. Muitos estão acariciando a própria mágoa, amargurando os seus dias, desenvolvendo câncer de alma e alimentando maus espíritos com seu rancor. Se autodenominam vítimas, mas estão voluntariamente amarradas a um cadáver, onde já não é possível identificar quem está mais “podre” diante de Deus e dos homens. Perdoar é libertar-se deste flagelo, respirar ar puro e voltar a viver.

Perdão é um gesto de grandeza, é um ato que exige riqueza de alma e caráter. Ao mesmo tempo em que existe o sacrifício pelo mal perdoado, amontoa-se galardão pela decisão espiritual tomada. Se Jesus Cristo é o médico que cura almas, ao liberarmos perdão, nos tornamos instrumentos de sua honra e poder.  Para perdoar verdadeiramente, primeiro é preciso buscar uma força que só existe no amor do próprio Deus. Somente alguém que se sente plenamente amado pelo Senhor tem condições de perdoar voluntariamente, mesmo que não haja “justiça” humana nisto.

O perdão é essencial para todos aqueles que desejam entrar no Reino dos Céus, pois nossos pecados só são perdoados, mediante a nossa capacidade de perdoar (Mateus 18:23-35). Quando perdoamos as ofensas daqueles que nos tem ofendido, então temos nossas ofensas também perdoadas, e o perdão provindo de Deus fecha um ciclo glorioso de milagres, curando as feridas, sem nem ao mesmo, deixar cicatrizes para trás. 
  

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