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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

O Mar do Esquecimento

Deus perdoa o maior dos nossos pecados, segundo a nossa interpretação, mas não desconsidera o efeito do menor, pois todos são iguais.
(Helgir Girodo)


Ainda no Jardim do Éden, o primeiro casal foi informado que o pecado decorrente da desobediência cobraria um preço muito alto. Infelizmente, esta advertência não impediu que Adão e Eva caíssem em desgraça após a astuta encenação da serpente. Por livre e espontânea vontade, eles assumiram uma dívida pesada demais para ser paga, endividando toda a humanidade, que geração após geração, também se deixou corromper pelo pecado. Ora, o preço do pecado é morte, e esta dívida se estende a todos nós (Gêneses 2:17).

O homem foi criado imagem e semelhança de Deus, envolto em inocência e pureza, mas acabou se deixando contaminar pela influência de Satanás. O agente contaminante é o pecado, que deturpa nossos conceitos e vontades, escravizando a alma numa condição pecaminosa. O problema com o pecado, é que embora seu efeito aprazível seja tênue e efêmero, suas consequências repercutem na eternidade.  

Desde o primórdio da criação, a “morte” foi estipulada como sendo a “paga” pelo pecado. Toda alma que pecar, fatalmente vai morrer (Romanos 6:23 / Ezequiel 18:20). O pecado constrói uma barreira entre criatura e Criador, sendo que este muro define a separação eterna entre Deus e homem.  O distanciamento perpétuo, daquele que é a fonte de toda vida, pode ser entendido como sendo a “morte definitiva”, que em muito excede a morte física pela qual todos iremos passar (Eclesiastes 12:7).

Quando pecamos, assinamos uma cédula promissória de culpa e a entregamos para Deus. Imerso em pecados, interrompemos o processo de santificação em nossas vidas, sem o qual não é possível ver a face do Senhor (Hebreus 12:14). Logo, o pecado lavra a sentença de morte física e espiritual, nos afastando progressivamente de nosso Deus. A dívida vai se acumulando e por nós mesmos, jamais teríamos recursos para pagá-la. Nosso crédito para com o Criador já está no vermelho, e cada vez mais nos afundamos em débitos pecaminosos. E o SERASA espiritual, nos persegue diariamente com boletos não pagos e acusações infindas.

Em relação ao pecado, não há negociação ou salvo-conduto. Não existe margem interpretativa ou abertura de exceção. Pecado é sempre pecado, e o preço por ele cobrado é a morte, impreterivelmente. Porém, existe um mecanismo habilmente engendrado pelo próprio Deus, que tem a capacidade de quebrar o ciclo vicioso pecado-morte, e derrubar a barreira da separação. 

Para isto, um inocente precisa morrer no lugar do pecador.

Imagine que alguém deva uma fortuna imensa num banco. Endividada, esta pessoa já não tem crédito algum, e mesmo assim, uma ordem judicial a obriga comparecer no tribunal para quitar sua dívida. Não há o que se fazer. O inadimplente já está condenado antes mesmo de qualquer sentença ser proferida. Porém, quando o juiz se prepara para aplicar as sanções previstas em lei, alguém entra correndo pelas portas do tribunal, e esbaforido, clama em alta voz:  - Esta dívida fica por minha conta. Eu pago!

Surpreendente? E se esse bom feitor, fosse exatamente o gerente do banco? Credor e fiador ao mesmo tempo.

De fato, seria bom se alguém assumisse as nossas dívidas. Existem tantos milionários no mundo que poderiam com uma fração minúscula de sua fortuna, saldar todas as inadimplências de um cidadão comum. O problema, é que nossa dívida espiritual só pode ser paga com o bem máximo que cada indivíduo tem. E quem, em sã consciência, daria a própria vida (ou a vida de seu filho) em benefício de alguém que é essencialmente mal e pernicioso? 

“Porém, Deus comprova seu amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido em nosso benefício quando ainda andávamos no pecado” (Romanos 5:8). 

Foi exatamente isso que Cristo fez, com seu ato sacrificial na cruz. Existiam débitos pendentes (meus e teus) que jamais poderíamos pagar. Preço de sangue. Custo de vida. E Ele, com seu infinito amor, sabendo que o pecado havia extinguido o nosso crédito com Deus, num ato de amor inigualável, pagou o preço da nossa redenção. Então, todas aquelas acusações, cobranças e execuções que haviam contra nós, Cristo arrancou das mãos do credor, e as cravou na cruz. Nos fez livres. Dívidas pagas. Crédito restaurado. Conta no azul.

Cristo riscou a cédula da nossa dívida com seu próprio sangue, e este sacrifício perfeito, quando aliado a fé do indivíduo, não apenas neutraliza a sentença de morte, como também assegura a vida eterna. Na cruz, Cristo levou sobre si nossas transgressões, pagou o preço do resgate, e nos redimiu de nossas culpas, sentenças e acusações: 

“Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo”.  (Colossenses 2:14-17). 

A grande verdade é que Deus jamais se omite em relação ao pecado. Porém, quando aceitamos o sacrifício de Cristo, e nos submetemos a sua multiforme graça, Ele lança nossas transgressões no “mar do esquecimento”, e dos nossos pecados já não se lembra mais.

Por mais que procuremos, não iremos encontrar o famoso “Mar do Esquecimento”, nas páginas da Bíblia. E porquê?  Simples. Ele “não” está lá.  Mas, embora este seja apenas um “jargão” popular do cristianismo, acaba sendo a metáfora perfeita para ilustrar a grandiosidade do perdão divino. Esta ideia parte basicamente de dois textos bíblicos, que se mesclam em um só.  Em Miquéias 7:19, o Senhor diz que voltará a ter piedade de seu povo, subjugando suas iniquidades e lançando seus pecados no mar. Já Isaías 43:2, afirma que, por amor, Deus apaga as transgressões de seu povo e não se lembra mais dos seus pecados. 

O conceito é bem simples de entender quando o próprio “perdão” é plenamente compreendido. Perdoar é inocentar alguém de toda a culpa que tenha. É como se, quem foi perdoado, jamais tivesse cometido qualquer transgressão.

Na prática, o pecado não foi esquecido, mas deixou de ter qualquer validade. Uma vez que o perdão de Deus é pleno e perfeito, somos levados de volta a um estado de pureza, onde o pecado antes cometido, já não tem peso, legalidade ou valor perante Deus. O Senhor teria todo o direito de nos cobrar esta dívida, mas como Cristo “riscou” a cédula, não temos mais pendências ou débitos para com o Pai.

Assim, Deus escolhe não se lembrar de nossas transgressões, sepultando os nossos pecados no mar. O que antes era para nós uma sentença de morte, em Cristo se torna um convite para vida, redigido em amor e selado com a graça. Nisto deve sempre exultar nossa alma, em louvores de júbilo e preces de gratidão: 

Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nenhum de seus benefícios. Ele é o que perdoa todas as tuas iniquidades, que sara todas as tuas enfermidades. Que redime a tua vida da perdição; que te coroa de benignidade e de misericórdia (Salmo 103:2-4).
  

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