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sábado, 14 de janeiro de 2017

Como nossos Pais

Filhos de Deus? É Pai Nosso? Ei, somos irmãos!
(Francismar Preste Leal)


Desde que fui agraciado com a paternidade, desenvolvi um hábito que acredito ser comum, em pais cujos filhos estão na “fase da descoberta", e que querem fazer do mundo seu laboratório particular (no meu caso, aliás, tenho a sensação de estar lidando com um Macgyver que frequenta o Jardim da Infância).  

E que hábito é esse? Simples. Sempre que vejo uma criança, reclinado calmamente sobre o ombro de seu pai ou sua mãe, chamo a atenção de meu filho para a cena e disparo: - “Veja Nicolas como aquele “nenê” é bonito e quietinho... Você também já foi assim um dia...  Porque não faz igual a ele e fica quieto só um pouquinho”

Entenda o meu raciocínio. Sei que minha mente é bem mais evoluída que a do meu filho, e que exatamente por isso, toda minha retórica soará como meras palavras em seu inexperiente ouvido. Caso eu decida me posicionar com exaspero em relação as suas peraltices infantis, um acesso de fúria (que aliás é bem provável) lhe será entendido apenas como mera maldade, e minha complacência, poderá parecer aos seus olhinhos como aprovação. Então se eu lhe mostrar que alguém de sua mesma realidade pode ter o mesmo tipo de comportamento que eu desejo que ele tenha, talvez haja de fato, um efeito mais satisfatório sobre ele. Ensinar pelo exemplo de outro; de alguém com quem o aprendiz possa se identificar.

Tudo bem, a psicologia moderna talvez desconsidere completamente este meu conceito, mas sei de alguém que já o aplicou inúmeras vezes e algum resultado positivo sempre surgiu. Aliás, você também deve conhece-lo muito bem. Seu nome é EU SOU, mas pode chama-lo de “Pai Nosso que estas nos céus”.

Palavras já não surtiam efeito sobre o povo de Israel. Mais mimado que filho único na casa da avó, mais rebelde que adolescente em festa de formatura, mais irresponsável que um jovem apaixonado pela pessoa errada. Centenas de profetas ao longo dos séculos, mais de seiscentos preceitos da lei passados de geração a geração, e nada disso estava gerando o resultado que se esperava.  Então entra em cena um novo conceito e para aplica-lo, Deus levanta um profeta que terá por bandeira ministerial a celebre frase: EDUCAR PELO EXEMPLO.

Eu estou falando de Jeremias, filho do sacerdote Hilquias, jovem humilde, meigo, introspectivo, poético, grande pesquisador (alguns creditam a ele os relatos do Livro dos Reis), garoto escolhido desde o ventre de sua mãe para pregar arrependimento e destruição em Judá, Jerusalém e no Egito. Seu difícil ministério lhe trouxe muitos aborrecimentos pois foi desprezado pela família, humilhado pelo povo, foi preso e lançado num calabouço, teve sua morte decretada pelo rei Jeoaquim e chegou até a duvidar da veracidade de sua própria profecia. Mas a grande peculiaridade do ministério de Jeremias foi trazer a revelação de Deus usando elementos reais e palpáveis para que a mensagem fosse plenamente entendida. Exemplos simples do cotidiano para as mais complexas realidades espirituais. 

Da popular descida a casa do oleiro para o entendimento da capacidade da restauração que há na mão Deus através do vaso que se quebrava e era consertado (Jeremias 18), até o fétido cinto de linho usado pelo profeta após ter sido deixado por  meses sob uma pedra limbenta a beira do rio Eufrates  para que o povo contemplasse com os próprios olhos a podridão de seus pecados (Jeremias 13), Jeremias quebrou uma botija diante dos sacerdotes para exemplificar o que Deus faria com a casa de Judá (Jeremias 19); comprou de volta as terras perdidas por seu primo distante Hamamel numa mensagem prática de que Deus resgataria seu povo do exílio caldeu (Jeremias 32) e escondeu pedras dentro da casa de Faraó para evidenciar que aquele lugar seria tomado por Nabucodonosor (Jeremias 48), além disso o profeta não pode se casar, como um sinal dos filhos que não nasceriam por causa da mortandade e destruição que estavam por vir (Jeremias 16). Tudo muito prático. Exemplos fáceis de serem entendidos pelo povo. Pena que o povo nunca quis entender. Mas quero me atentar ao que acontece no capitulo 35 de seu livro. Uma aula prática e literal sobre obediência, prudência e comprometimento.

O cenário é de desolação espiritual. Judá, o reino do Sul, vive dias negros sob o reinado de Jeoaquim. Ostracismo e apostasia são as palavras de ordem. A nação santa age como uma criança desobediente e as palavras do Pai todo poderoso já não surtem efeito. Então Deus decide trazer uma criança bem-comportada para dentro da casa, e através do seu bom exemplo, mostrar ao filho mal-educado como é que se deve comportar. Judá é a criança desobediente que vem da linhagem de Abraão. A visita comportada vem da linhagem de Recabe. Nunca a inversão de valores foi mais plausível e evidente.

A ordem é simples e direta. Deus ordena ao profeta que vá aos recabitas e os convide a subir a casa do Senhor. Chegando lá, o profeta os deveria conduzir a uma das câmaras e lhes servir vinho. E assim o profeta fez. Os recabitas não se opõem a nada. Jeremias entre em consenso com Jazanias o chefe da família, e todos, obedientemente seguem ao seu líder, sobem a casa do Senhor, entram na câmara e se assentam. Mas quando o vinho é servido, Jeremias se vê diante de uma inesperada negativa:  - “Obrigado, mas não bebemos vinho.”

Não bebem vinho? Mas por quê? Os judeus amavam uma boa taça de vinho. Não haveria motivo para continuar uma festa se o vinho acabasse. E agora, mesmo sendo uma garrafa especial, de uma safra especial, de um vinhedo especial, os recabitas se negavam a degustar uma única gota dessa preciosidade. Este era um fato realmente inusitado. 

Vem então a pergunta lógica: - Porque vocês os recabitas não bebem vinho? E a resposta foi um duro golpe para um povo tão desobediente. – Porque nosso pai Jonadabe disse para que nós nunca bebêssemos vinho.

Uau. Filhos obedientes a voz de um pai. Isso sim era novidade em Judá. Jonadabe viveu por volta de 200 anos antes de Jeremias. Não era judeu, e logo seus descendentes também não seriam. Mas, nem por isso deixou de aproveitar das bênçãos abraâmicas selando um pacto de amizade com o rei Jeú. Este pacto, aliás, foi forjado no zelo e lavrado com sangue. 

Após assumir o trono de Israel e varrer a casa de Acabe do mapa; Jeú decidiu limpar a nação da imoralidade religiosa exterminado todos os servos de Baal que ainda estavam vivos. Enquanto se dirigia para o covil da idolatria, ele se encontrou com Jonadabe que seguia na mesma direção e com o mesmo propósito. Ao vê-lo caminhando sob o sol, o rei parou o carro e lhe inquiriu quanto a sua intenção. E neste momento, mediante a exposição da verdade, uma união é estabelecida e eles se tornam aliados.

Reto é o teu coração, como reto é o meu coração? É – respondeu Jonadabe. Então se é, dá-me a mão, e fê-lo subir em seu carro. E disse: - Vai comigo, e veras o meu zelo para com o Senhor. E o puseram no seu carro (II Reis 10:15,16).

Juntos, eles expurgaram a idolatria de Israel e reacenderam a chama do zelo do Senhor. Deles contaram-se histórias, e de ambos se ouviram os ensinamentos. Os descendentes de Jeú se esqueceram das palavras de seu pai. Os filhos de Jonadabe não. Os recabitas viviam livres, habitavam em tendas e não cultivavam plantações. Estavam cercados por um povo apostata, mas, faziam questão de serem fieis as suas origens. Olhavam pela janela e viam maus exemplos por todo o lado, e mesmo assim, mantinham leais ao exemplo dado dentro de sua casa.

Sob os recabitas não pesava os encargos da Lei de Moisés. Eles, porém, guardavam e zelavam por três mandamentos deixados a mais de dois séculos por Jonadabe.

- Não beber vinho em nenhuma hipótese.
- Não construir casas de alvenaria e apenas habitar em tendas.
- Não plantar e nem colher.

Num primeiro momento, estes não parecem mandamentos com muita profundidade, afinal, que mal há numa dose de vinho, qual o problema de se ter uma boa casa e manter para si uma plantação? Mas quando paramos e refletimos nestas proibições, elas nos soam como alarme para três perigos muito reais:  a Loucura, a Acomodação e o Despreparo.

O Vinho da Loucura

Existem ao todo, mais de 230 referências ao vinho na Bíblia Sagrada, sendo que não encontramos nenhuma objeção formal quanto à apreciação deste produto em pequena quantia. Mas, em contrapartida, as referências que fazem menção direta ao consumo do mesmo, também nos mostram o quão nocivo ele pode vir há ser. O vinho como qualquer outra bebida alcoólica causa a curto prazo efeitos como resseca, cansaço, má aparência, distúrbios de personalidade, diminuição de raciocínio e comprometimento dos reflexos.

A longo prazo, os efeitos clínicos são ainda mais devastadores e quem diz isso nem é Bíblia, mas sim a medicina moderna. Entretanto os textos sagrados vão ainda mais além, colocando o beberrão a beira do abismo da loucura. Em sua carta aos Efésios (5:18), Paulo aconselha o afastamento do vinho, pois nele “existe contenda” (entenda se aqui um leque de variações: rixa, discórdia, rebelião, divorcio, intrigas, adultério, assassinato...). Salomão reforça este pensamento em Provérbios 14:17 dizendo que no vinho há violência e em Provérbios 20:1, ele diz que o vinho é escarnecedor”; e se fizermos uma rápida analogia com o Salmo 1, saberemos que o justo anda exatamente na direção oposta ao escarnecimento.

Para concluir este raciocínio quanto a loucura que está camuflada no vinho, lembremo-nos de mais uma perola do sábio Salomão quando escreveu que aquele que ama o vinho nunca será prospero (Provérbios 21:17), e do profeta Oséias que nos afirma que o vinho tira a inteligência (Oséias 4:11).

A Casa da Acomodação

Aos recabitas era proibido construir e morar em casa de alvenaria, portanto eles habitavam em simples tendas, para que nunca perdessem a essência de sua identidade absoluta. Eles poderiam viver muito bem em Judá, mas ainda eram peregrinos em uma terra estranha. Morar em casa de tijolos, imobiliada, com área de serviço e churrasqueira, poderia dar a sensação boa de conforto, estabilidade e segurança, mas por outro lado roubaria a agilidade na hora da partida.  Afinal, peregrinos vivem em prol de um único momento: o exato instante de voltar para casa.

A própria nação de Israel viveu assim durante os anos de peregrinação no deserto, morando em tendas desmontáveis e de fácil transporte, para que quando Deus desse a ordem e a nuvem movesse pelos céus, todo o povo pudesse desmontar as barracas e caminhar rumo ao lar. Se casas fossem construídas, talvez a grande maioria decidisse ficar pra trás. Pra que seguir em direção a um lar se você já construiu outro? E o que fazer com cada tijolinho suado, cada móvel comprado em suaves prestações?  É fácil se apegar a um lar e a tudo que ele possui e representa e num cenário espiritual isso nos leva a acomodação e perdemos a vontade de seguir em frente. De peregrinos em terra estranha passamos a moradores locais com os mesmos hábitos, as mesmas rotinas e os mesmos anseios das terras do exílio e provavelmente perderíamos a essência de nossa existência terrena: a saudade do céu.

Plantando o Despreparo

Até este ponto é fácil entender as proibições de Jonadabe. Mas encontrar um motivo plausível para entender a proibição de plantar e colher, soa bem mais desafiador. Orando e buscando uma direção do Senhor, me deparei com um texto do profeta Joel que diz: “Forjai espadas de vossas enxadas, e lanças de vossas foices, e diga o fraco: eu sou forte (Joel 3:10)”. Este texto revela um cenário bem interessante. Um povo ameaçado pelo inimigo, que ao abrir seu arsenal militar, só encontrou enxadas, foices e fraqueza. O tempo de paz e calmaria foi longo. Não houveram ameaças ou perigos; não haviam guerras ou batalhas por muito tempo. E o povo se esqueceu de como era lutar. Não haviam barreiras, obstáculos ou desafios. Então, o povo não precisou mais ser forte. Dançavam e cantavam despreocupadamente. Plantavam, colhiam e festejavam a boa colheita. Tudo ia muito bem, até que o dia mal chegou e eles não estavam preparados. Precisavam de espadas, mas só tinham enxadas. Precisavam de lanças, mas só tinham foices e arados. Precisavam de força, mas só acharam fraquezas. O povo se dedicou a plantar e a colher, mas se esqueceu de como guerrear. Adaptaram-se ao ciclo seguro da terra, mas se esqueceram dos imprevistos da vida. Viviam de estação a estação, mas renegaram o dia após o dia.

Quando não se planta, não se tem de onde se colher, e a batalha pela sobrevivência se torna diária, deixando nos alerta e preparados 24 horas por dia, 365 dias por ano. Nunca somos surpreendidos pelo dia mal ou por nossos inimigos. Quando eles chegam, já estamos armados e prontos para guerra.  O próprio Jesus contou a história de um homem que após a maior colheita de sua vida, ordenou a sua alma que descansasse, pois os celeiros estavam transbordando, mas naquela mesma noite sua alma foi pedida, e pra onde ia, aquele homem não tinha nada a levar (Lucas 12: 15-20). As vezes o pomar frondoso e os celeiros abarrotados, tiram o nosso foco do que realmente vale a pena ser cultivado.

Estas são apenas conjecturas que lampejam em minha mente no afã da madrugada. O zeloso patriarca dos recabitas teve lá suas próprias motivações ao estabelecer tais preceitos ao seu povo. Talvez as razões sejam ainda mais nobres e profundas para o meu limitado conhecimento, ou talvez fossem apenas por mero capricho (quem sabe ele fosse alérgico a vinho, sentisse raiva de pedreiros e tivesse sido picado por uma abelha em um pomar). Deus não questionou os preceitos e nem as motivações intrínsecas nos mesmos. Não disse se estavam corretos ou equivocados, se eram justos ou imponderáveis. Deus apenas elogiou a obediência dos recabitas aos mandamentos de seu antepassado e trouxe uma mensagem valiosa para Judá através do exemplo desta gente: 

“Sim, é possível obedecer a um mandamento. Sim, É possível mudar um comportamento. Sim, é possível dar ouvidos a voz de um pai!”

Os recabitas continuaram zelando por seus preceitos e por isso Deus lhes fez a promessa que estaria diante deles para sempre. Nas palavras de Francisco de Assis, “o profeta (Jeremias) morreu como viveu, de coração quebrantado pregando a um povo irresponsável”. Quanto a Judá, não ouviu a voz de seu pai antes, não aprendeu com o exemplo dado e continuou não ouvindo a voz de seu pai depois. Foi destruída como nação pelos babilônicos e seus sobreviventes experimentaram a dor do exílio por 70 anos, antes de retornarem para casa como filhos melhorados.

Como pai, minha primeira forma de disciplinar meu filho, é sempre falando com ele, apontando seu erro e mostrando como e onde corrigir (várias e várias vezes). Se ele não me entende, como disse no começo deste texto, vou procurar uma criança comportada em volta e tentar mostrar na prática como é bonito alguém que obedece ao seu papai. Se não funcionar,  aí só me resta aplicar nele um bom castigo. Sabe qual é o nome desta técnica em três etapas: AMOR. Aprendi com Deus, que corrige e açoita aqueles a quem ama (Apocalipse 3:19).

Falando nisso, pequena criança, como anda seu comportamento, hein?

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