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quarta-feira, 30 de maio de 2018

De quem é a culpa?

Brasileiros, chegou a hora de realizar o Brasil.
(Mário de Andrade)


Brasil! O gigante que acreditávamos ter acordado, mas que na verdade, só estava tendo uma crise de sonambulismo. Um país indiferente as mazelas vividas, que faz piada das próprias desgraças e se acomodou a ser surrado por um sistema tributário escravizador. Pouco importa! Temos cinco copas do mundo e lideramos as estatísticas sobre produção de “memes” para redes sociais. Desde que o "WhatsApp" esteja em pleno funcionamento, todo o restante estará bem. 

Que pena! 

Tanto potencial desperdiçado! 

Poderíamos ser a maior potencial econômica do planeta, mas, desde o início fomos “pilhados” pelos colonizadores europeus. Deveríamos ser uma potência espiritual, porém, estamos sendo saqueados por uma horda de mercenários da fé. E de novo, tudo bem! Já estamos acostumados a aceitar pacificamente qualquer forma de exploração. É reconfortante terceirizar a culpa e sentir-se vitimizado pelos poderosos. Este tipo de sentimento valida a omissão diante das lutas sociais e regulamenta a “Lei de Gerson": - Sempre que possível, levar vantagem em tudo!

Como bem dizem por aí, o melhor do Brasil é o brasileiro. E o pior também...

Enquanto os caminhoneiros ocupavam estradas reivindicando a redução no preço do óleo diesel, grande parte da população se sujeitava as filas quilométricas nos postos de gasolina, pagando valores cada vez mais arbitrários para ter o “tanque cheio”. Farinha pouca, meu pirão primeiro! Mesmo que eu tenha que vender o pirão, para comprar a farinha. O resultado disto tudo? Quem explora o petróleo está cada vez mais rico e o cidadão ainda mais pobre. O governo arrecadando impostos as custas do indivíduo, enquanto este mesmo indivíduo fica no Facebook postando frases de ordem contra o presidente. Adianta alguma coisa? Desde que os impostos estejam em dia, os políticos de Brasília não se importam nem um pouco com a sua “insignificante” vida digital. Sabe o que realmente faz um governo se mexer? O povo nas ruas. O grito popular. Mas, infelizmente, a temperatura caiu e é mais cômodo reclamar dos políticos ao lado da esposa tomando chocolate quente embaixo do edredom. No máximo, vociferar indignação com o motorista do carro da frente na imensa fila de automóveis que serão abastecidos com combustível aditivado a base de H2O, mesmo tendo preço de vinho francês. As vozes que mais se elevam neste país são as dos "polêmicos anônimos". Sem rosto. Sem credibilidade. 

Sou da tese que o “povo” sempre terá o governo que fizer por merecer. A própria Constituição Brasileira de 1988, em seu primeiro artigo, determina que “o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente. É difícil de entender que somos nós quem elegemos os corruptos que inflam os “palacetes” da nação e se esbaldam com o dinheiro público?

Quem votou neles?  

Eu. 
Você. 
O povo. 

A escolha foi nossa. 

E qual critérios usamos? 

Grande parte da população escolhe seu candidato com base em algum benefício que possa ter, seja pessoal, corporativo, assistencialista ou até mesmo religioso. Não são poucos os que votam no candidato indicado por uma denominação eclesiástica, sem ao menos conhecer o indivíduo, ou ouvir suas propostas. E o discurso ensaiado é sempre o mesmo: - Quando o justo governa o povo se alegra, e quando o ímpio domina o povo geme. Vamos com calma, aí...  A Bíblia não é uma coletânea de frases de efeito. Ela precisa ser vivida. Contextualizada com as ações de quem a verbaliza. Agora, faça as contas. Quantos homens “justos” governam este país?

Com este mantra retirado de Provérbios 29:2, líderes religiosos manobram massas para delegar “poder” a verdadeiros bandidos que se escondem atrás da Bíblia. Gente preocupada em defender apenas os próprios interesses, empregando esforços para “viabilizar” recursos para a instituição “X” ou livrar a “barra” dos grandes evangelistas “televisivos” que os apadrinharam. Sempre que um líder cristão der a cara para bater na defesa de algum governante, desconfie da generosidade. Tem caroço no angu. O brasileiro já está bem grandinho para ainda acreditar no discurso espiritualizado desta corja de “homens justos” que retiram seu lucro da iniquidade.

Sabe o que mais favorece a corrupção na esfera política? O poder do voto. Deputados, senadores e vereadores precisam ser convencidos a votar em projetos de lei. Nem sempre o argumento é convincente pois na maioria das vezes, o próprio projeto é pernicioso. Então, nada melhor que um “agradinho” para faze-los mudar de ideia. Propinoduto. Mensalão. Dinheiro público descendo pelo ralo para favorecer os membros da panelinha milionária. E para “garantir” que ele também coma uma bela fatia deste “bolo”, o político em questão, simplesmente vota contra a própria ideologia. Ignora os interesses do povo que o elegeu. Se corrompe. 

E como ficamos indignados com isso! 
Como pode um político se vender tão facilmente?

- O político se vende com facilidade?

Que nada! Eles barganham. Negociam. Fecham contratos milionários. São mimados com carros importados e maletas repletas de dinheiro. Quem se vende fácil é o eleitor. Cota de Gás. Cesta Básica. Caixinha de remédio. Carona para o hospital.  Promessa de emprego. Garantias de casa própria. - Aceita R$ 50,00? – Se me pagar R$ 100,00, consigo mais cinco votos na família! É demais pedir para que o cidadão faço um rápido exercício de consciência?  Se um político se propõem a comprar seu voto, fica evidente que enxerga a política como um mercado financeiro. Jogo de barganha. Investimento, geração de receita e lucro. Hoje ele compra seu voto, amanhã irá vender o dele. E enquanto o gás por você recebido acaba em poucos dias, o político vai tirar dinheiro do seu bolso por vários anos. 

E tem mais lógica envolvida. 

Se o candidato oferece garantias que irá te contemplar com uma casa própria num sistema onde as moradias são distribuídas através de sorteios, está dizendo com todas as letras: - Minha gestão será marcada por cambalachos, irregularidades e barganhas políticas. E mesmo assim, eles são eleitos!!!!! Somos cegos, mudos ou simplesmente, burros?

Políticos corruptos se elegem através de um eleitorado corrompido. Conseguimos “alguma” vantagem sobre eles no ano eleitoral, e depois ficamos indignados que eles levem vantagens sobre nós pelos “longos” anos de mandato. O brasileiro gosta muito de um perfuminho mequetrefe chamado hipocrisia.

Em países mais “conscientizados”, um político teme que algum erro de sua vida pessoal seja exposto ao público, porque isto acabaria com sua carreira política. Se o cidadão "trai a mulher" ou é "pego dirigindo embriagado", não serve mais para representar a população. Simples assim. No Brasil, dezenas de parlamentares, mesmo atrelados a corrupção, continuam se reelegendo com o nosso voto. Clamamos para que os corruptos sejam julgados, mas, lhes presentemos a cada quatro anos com um “salvo-conduto” chamado reeleição, cujo laço vermelho na caixa de presente é o famigerado “foro privilegiado”. E quando achamos que não dá para piorar, somos surpreendido com “pesquisas” apontando que um dos poucos corruptos condenados (exatamente por ter perdido o "foro"), mesmo de dentro da cela, lidera a corrida presidencial. Nada faz sentido neste país.

A  culpa é do governo? Sim. 
Quem elegeu o governo? Nós!

O poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente. Então, a culpa também é nossa. E não me venha com esta historinha de “golpe”, pois todo mundo sabe muito bem como as coisas funcionam por aqui. O mesmo voto que elege um presidente também elege seu vice. Aliás, em menos de três décadas escolhendo nossos presidentes, já vivenciamos dois impeachments. É muito erro para tão pouco tempo. Já está na hora de aprender, começando por uma reeducação cultural. Um povo ético, íntegro e moralmente inabalável, consequentemente  terá sobre si um governo justo.

Mas estamos longe disto. Como bem disse Jô Soares, no Brasil, se o feriado é religioso, até ateu comemora.

Em 2011, quando a costa leste do Japão foi atingida por um tsunami que matou mais de quinze mil pessoas, os japoneses passaram a comprar apenas os itens necessário para o consumo pessoal, afim de que os recursos fossem distribuídos igualitariamente entre a população atingida. Alguns anos antes, em agosto de 2005, o estado americano da Florida foi atingido pelo furacão Katrina. Para ajudar as famílias vitimadas pelos ventos, os comerciantes passaram a vender bens essenciais como comida, roupa e água a preço de custo. Recentemente, em novembro de 2015, enquanto Paris era assolada por uma série de atentados terroristas, os taxistas franceses realizavam corridas gratuitas, para que os compatriotas chegassem em segurança nas suas casas. Você consegue imaginar atos de cidadania coletivos no Brasil? Veja o exemplo da tragédia de Mariana. Enquanto parte da população se mobilizava no envio de ajuda humanitária aos moradores atingidos pelos rompimento da barragem, outros se empenhavam em desviar as doações. Quer outro exemplo? Um mais familiar?  Vá até um posto de gasolina. No momento onde todos deveriam repartir, quem pode mais, chora menos. Paga-se o que for preciso por alguns litros de um "etanol" capaz de apagar incêndio. Se um seguimento da sociedade toma a iniciativa de lutar por direitos cívicos, os outros cruzam os braços. Ou pior. Lucram! O que fizemos diante da paralisação dos caminhoneiros? Aumentamos o preço de tudo, exploramos o desespero do próximo e aceitamos pacificamente qualquer imposição arbitrária.

A culpa é do governo? Sim. 
Os governantes estão no poder para gerir com equilíbrio os recursos do país. 

Fazem isto? Não! 

Reclamamos? Mais ou menos. 

E em outubro, o que faremos? 

A menos que uma catarse de consciência decaia sobre os brasileiros, provavelmente, iremos reeleger os mesmos políticos para mais quatro anos de descaso e exploração. O colunista Gilberto Dimenstein, certa vez explicou o Brasil da seguinte maneira: - Uma nação de espertos que reunidos formam uma multidão de idiotas.

Triste. Mas não deixa de fazer sentido... Parafraseando Mario Covas, por aqui, quem tem ética parece anormal...

Quer um governo justo. Comece praticando a justiça em seu dia a dia. Deseja se livrar de políticos corruptos? Não se corrompa durante as eleições.  E não adianta ficar apenas na oração pela pátria, recitando II Crônicas 7:14. Joelhos dobrados é só o primeiro passo. Deus não orienta que o povo comece a clamar por socorro em períodos de crise. Ele conclama "a" um “povo” que invoca “seu nome” em todo tempo, para uma mudança de comportamento. Se o "povo" que se "auto-intitula" “Povo de Deus” realmente passar a agir como Deus deseja, então a mudança virá sobre a terra.

- E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra

O poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos diretamente. Deus pede para que “seu povo” tenha um coração quebrantado, desejo ardente pela presença divina e facilidade em reconhecer os próprios erros. Um povo que assim procede, será governado por homens realmente justos, e consequentemente terá motivos para sorrir. É preciso deixar de ser “gigante pela própria natureza” e se tornar pequeno debaixo das grandiosas mãos de Deus. Posicionamento cívico em conformidade com a legislação celeste e oração contristada em todo tempo, são ferramentas que podemos usar para consertar o Brasil, que no momento se encontra despedaçado em partes totalmente desiguais.

Difícil mesmo é atender estes pré-requisitos numa terra onde qualquer um é dono da verdade, e todos se negam a girar um grau da posição de conforto que já foi estabelecida. Sem renúncia. Sem empatia.  Sem humilhação. Sem arrependimentos. Sem cura. E isso inclui o “povo” que se chama pelo “nome de Deus”, que por estar tão focado nos próprios interesses e cego pelas ambições, ao invés de ser um antídoto contra esta doença que se alastra pela nação, tem se juntado as fileiras das bactérias infecciosas que corroem o Brasil de dentro para fora e de fora para dentro. O Brasil precisa explorar com urgência a sua riqueza, porque a pobreza não aguenta mais ser explorada (Max Nunes). 

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Quando o Inverno te Abraça

Se o inverno chegou, a primavera não estará distante.
(Percy Bysshe Shelley)


Sou daquele tipo de pessoa que abertamente declara amor pelo frio, mesmo que as vezes, este relacionamento apresente sérios desgastes. Embora existam muitas controvérsias, realmente acredito que baixas temperaturas estão sempre acompanhadas de inúmeros benefícios. Jantares suculentos. Banhos terapêuticos. Sono aconchegante. Indumentária trabalhada na pura elegância. Desde que a função “inverno” do chuveiro esteja em pleno funcionamento e tendo o guarda-roupas devidamente abastecido com edredons, meias e luvas, não me incomodo se o "Polo Norte" abrir uma filial na rua de minha casa.

Eu sei que este pensamento é um “tanto” egoísta, afinal, muitas pessoas não tem uma “cama quentinha” para se aninhar nas noites gélidas (ou um "cobertorzinho de orelha” ávido por compartilhar calor humano numa aconchegante "conchinha"). A solidão é fria. E as várias facetas do  frio castigam severamente os desabrigados, desprotegidos e marginalizados. Pessoas morrem em decorrência das baixas temperaturas, enquanto outros tomam chá com biscoitos em frente da lareira.

Em nosso cérebro existe uma “central de gerenciamento” chamada "hipotálamo" que é responsável por regular a temperatura interna do corpo . Para manter tudo funcionando na base dos 37ºC, ela idealiza e produz diversas reações nos músculos e células. "Suor "em dias quentes (para liberar calor). "Tremores" em dias frios (para conservar a temperatura). Quando o ambiente externo é dominado pelo frio extremo, o “hipotálamo” fica sobrecarregado, entra em colapso e a temperatura interna do organismo vai caindo continuadamente. De início, a resposta física é manifestada em arrepios, respiração mais lenta e mãos dormentes. Mas, o quadro tende a se agravar, caso a pessoa não esteja adequadamente protegida. Uma exposição prolongada ao frio de apenas 10ºC, provoca letargia nos movimentos, falta de oxigenação nas extremidades do corpo e desorientação sensorial. Em menos de cinco horas, o sangue adquire uma consistência viscosa e a capacidade de raciocínio é suprimida. Sintomas avançados da “hipotermia”, efeito responsável pela morte de centenas de pessoas em cada inverno. No ápice do resfriamento corporal, o pulso cardíaco e a respiração vão diminuindo progressivamente, deixando as atividades celulares severamente comprometidas. O resultado inevitável é a morte clínica do indivíduo em menos de trezentos minutos.

O frio tem seu charme, mas também é um assassino implacável. A sobrevivência depende dos recursos lançados para manter o corpo aquecido, quando a temperatura do ambiente estiver álgida. Daí, a dubiedade do inverno. Ame ou odeie. Difícil mesmo, é ficar impassível diante de sensações térmicas que fariam pinguins e ursos polares sentirem calafrios.

Minha esposa é uma destas pessoas avessas ao frio. Bastam alguns segundos na frente da geladeira aberta, para que seu “hipotálamo” entre em “curto-circuito”. Curitiba está para ela, o que a Antártida é para mim. Não exagero ao dizer que durante o inverno, a Val se transforma numa “bomba hipotérmica ambulante”. Literalmente, uma mulher alérgica ao frio. Muitas cobertas, vários agasalhos e mesmo assim, são comuns crises de tremores, letargia e dificuldade de respiração. Se a Valquíria fosse a Supergirl, o nevoeiro numa manhã de inverno seria sua kripitonita vermelha. E nosso filho Nicolas, parecer ter herdado esta mesma fraqueza...

- Miquéias... Meu tempo é precioso! Me dei ao trabalho de vir até esta página esperando encontrar uma mensagem de edificação! Porque você está me fazendo perder tempo com detalhes da relação de sua família com o frio?

Desculpe-me pela introdução longa e talvez desnecessária. É meu velho excesso de zelo falando alto. Na verdade, quero que os próximos parágrafos estejam muito bem contextualizados. Afinal, não foram escritos por mim, e sim pela própria Valquíria. No máximo, tomei certas liberdades poéticas e realinhei algumas frases. A experiência é toda dela, e a "epifania" vivenciada também.

Mais do que uma família tentando se adaptar ao inverno, estamos numa jornada por compreensão, tentando entender os planos de Deus para nossas vidas. É verdade que temos falhado em muitos destes tentames, porém aprendemos que “não entender” é o primeiro passo para a “total confiança” nos desígnios do Senhor. Entretanto, não é do feitio divino nos deixar no escuro, e Ele se revela a nós de maneiras surpreendentes. Quando o frio te abraça e a mão da morte lhe aperta com força o pescoço, o toque caloroso do Senhor pode ser sentido nas profundezas do coração. O abraço reconfortante de Deus reaquecendo a esperança, mesmo que nuvens de aflição transformem o caminho num inverno sem fim. O calor dos braços de Cristo, sempre foi o antidoto mais eficiente para a hipotermia da alma.

E dito tudo isto, dou voz e vez a quem tem mais a ensinar com o inverno do que eu...

Seis e meia da manhã, e lá estou descendo a rua da minha casa para levar o Nicolas na escola, quando o frio veio todo solicito me desejar “bom dia”. Mesmo com as juntas do corpo doendo por causa deste abraço gelado, mantive a passada firme em direção ao meu objetivo. Pensava comigo: - Coragem, mulher... Nem está tão frio assim. Você aguenta!

Então, dobramos a esquina. Neste ponto, meu olhar foi limitado por um denso nevoeiro. A rua em questão se estende linearmente por longos metros, até chegar num pequeno riacho que corta a cidade. "Frio" e "Umidade" nunca foi minha combinação favorita. Não dava para ver nada, apenas o cinza opaco e denso da neblina que envolvia a mim e meu filho. Calafrios! Agonia! Meu sangue quase coagulando nas veias. A respiração cada vez mais pesada. A pele explodindo em comichões. Os lábios queimando na friagem.... Olhei para o Nicolas, e falei: - Agora, complicou! Que Deus tenha misericórdia de nós!

Mais que mãe e filho, somos parceiros na luta contra o frio. Ele agarrou-se em meu braço, e juntos adentramos no nevoeiro, sem enxergar em detalhes o próximo metro a ser trilhado. Com o rio se aproximando, a minha respiração ficava mais dificultosa. A cada inspiração, o pulmão parecia encher-se de agulhas. E então, com o objetivo de atravessar rapidamente a estreita ponte de metal que separa as margens, começamos a correr. Boa tentativa, péssima ideia. O resultado da pressa foi uma crise de tosse que parecia estar fadada a adentrar os portais da eternidade. - Morreríamos asfixiados em meio a neblina?

Então, comecei a pensar na vida... Tudo parece estar indo muito bem. Cada pingo em seu “i” e toda panela com sua tampa. Uma estrada florida, perfumada e tranquila. Porém, quando dobramos a esquina, as coisas mudam drasticamente, e lá esta gigantesca “tempestade” nos esperando voluptuosa com raios, trovões e muita fumaça escura. Neblina densa. Nevoeiro palpável. E como não estávamos esperando nada disto, ficamos sem saber o que fazer. Completamente indefesos. O frio nos pega de calças curtas e blusinha baby-look. 

- E agora?

Preparados ou não, a única opção é atravessar. Ser corajoso não é deixar de ter medo, mas sim, enfrentar os próprios temores. O segredo para sobreviver ao inverno não é fugir do frio, e sim, se manter aquecido por dentro. Só existe um caminho a ser trilhado, e independente dos obstáculos que surgirem na estrada, temos que seguir em frente, sem olhar para os lados. Eu e o Nícolas, tínhamos uma “viela” feita de aço revestido com “nitrogênio” para atravessar e então, simplesmente, atravessamos.

Logo depois da ponte sob o rio, a rua ficou ingrime e começamos a subida. A escola que o Nicolas frequenta fica numa parte mais alta da cidade. A cada passo que dávamos, a neblina se revelava menos densa, até que finalmente, ficou para traz. E para minha surpresa, adivinha o que encontramos do outro lado?

- SOL! 

Um lindo sol. Um vívido, reluzente e receptivo sol. Eu me agoniando com o frio acentuado pela neblina, e o sol revigorante, me esperando de braços abertos do outro lado da cortina de névoa. Que lição para a vida! Entendi que a fronteira separando a minha  batalha mais terrível da grandiosa vitória que Deus reservou para mim, nada mais é que um muro de fumaça. Denso, é verdade. Porém, facilmente dissipável. E quanto mais eu “subo”, mais me afasto dele...

Olhei para o Nicolas e começei a rir. – Olha filho, o sol estava de brincadeira, né... A gente quase morrendo lá no meio da neblina, e ele aqui, brilhando para as outras pessoas... 

Pois, é. Ninguém vai enfrentar suas lutas por você. Ela é tua. Feita sob medida. No tamanho exato desta força existente em seu interior. A prova é somente sua, como apenas sua será a aprovação. Então, se esforce e seja aprovado. Segura na mão de Deus e vai! Ele é o autor da neblina e o Criador do sol. Senhor dos Invernos e Rei dos Verões! O calor é Dele, e o frio também! Lutas e Vitórias são estações que se revezam sob a batuta de Deus.

Acho que você já entendeu a mensagem, não é? Mesmo assim, me permita um último conselho: - Não corra na neblina. Seus pulmões não foram feitos para isto. E, quer saber? Não há motivos para ter pressa...  Por mais longo, escuro e frio que seja o caminho, haverá sempre um sol de justiça te esperando do outro lado. Como bem descobriu o romancista francês Albert Camus: - No meio de um inverno, eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível...


Crédito: A parte final deste texto foi adaptado de uma postagem realizada por  Valquíria Aparecida Gomes.

domingo, 20 de maio de 2018

Batalha pela Alma

Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo,
a alma está de joelhos.
(Victor Hugo)

Por mais pacífico e amigável que você seja, diariamente estará envolvido em guerras. E a mais intensa de todas elas, é exatamente a que se passa dentro da sua mente. Um campo minado onde exércitos poderosos engalfinham-se, lançando mão de todas as armas possíveis e estratégias imagináveis. E considerando que o cenário do conflito é a mente, imaginação nunca vai faltar. Assim, constantemente, somos apanhados de surpresa por armadilhas emocionais aquém da compressão, e bombardeados com sentimentos que sequer sabíamos da existência. Fogo cruzado numa terra de ninguém, que na verdade, deveria pertence apenas você!

E pertence.

Se um cenário de guerra é caótico demais para qualquer compreensão, vamos reduzir a metáfora a um duelo de enxadrista. Neste caso, sua mente é o tabuleiro, e os concorrentes são “Você” e “Você Mesmo”. Um em cada lado da mesa. As peças são posicionadas aleatoriamente, já que aqui, as regras não costumam ser bem definidas. E nada de “peões”, “torres”, “bispos” ou “rainhas”. O nível é outro! Os artefatos esparramados na mesa não são entalhados na madeira e nem forjados no metal. São esculpidos a partir de pedaços do coração. O seu coração.

Antes da partida, realizemos um breve check-list: Apostasia, Divagação, Ansiedade, Dúvida, Temor, Mágoa, Angústia, Desespero, Impotência, Aflição, Baixa Estima, Insegurança, Jocosidade, Orgulho, Inoperância, Avareza, Soberba, Preconceito, Medo... Sim, estas são as peças com as quais jogamos todos os dias. Mal acordamos, e todas já estão dispostas no tabuleiro, avidas por serem acionadas na próxima jogada. “Você” encarando “Você Mesmo”, antes da partida começar. Qual será o primeiro movimento do dia? Qual sentimento dominará suas ações quando os olhos se abrirem pela manhã?

A mente em conflito. A alma em perigo. O tiroteio é ferrenho e não se importa com civis. A disputa acirrada caminha para as últimas consequências. Tragédia anunciada, que não raras vezes, se torna realidade antes mesmo do café da manhã. Você perdeu, e isto é muito ruim. Você ganhou, e isto é pior ainda. Em regra geral, somos maus perdedores e péssimos ganhadores. A vitória de "um" depende da derrota "do" outro, e tendemos a tripudiar sobre os derrotados, usando soldados moribundos como escada para o sucesso. Uma pilha de corpos ensanguentados formando o pódio no momento da premiação. E cegos pelo calor da batalha, sequer percebemos que o pelotão pisoteado no caminho, é na verdade um exércitos de clones. Todos são “você”. Todos eles são fragmentos do "eu mesmo".

Não se engane. Para alcançar determinados objetivos, alguma coisa muito valiosa precisa ser abandonada no caminho. Na batalha pela alma, inevitavelmente, alguém será mortalmente ferido. Sumariamente executado sem ao menos ter tempo de esboçar qualquer reação. Na guerra não existe “assassinato a sangue frio”, apenas sobrevivência. Tudo é valido e permitido, desde que a motivação original seja a preservação da vida. Ou do "estilo" de vida que se pretende viver. Então, dependendo das escolhas feitas na arena, em decorrência do movimento das peças no tabuleiro, “Você” ou “Você Mesmo” será derrotado pela última vez. 

A alma do homem pode ser a maternidade onde ele renasce para uma nova vida em Cristo, ou a sepultura de onde ele é despachado para o “nunca mais”. Afastamento perpétuo de Deus.

Esta guerra interior, embora seja subvalorizada pelos exércitos envolvidos, é fundamental na formação do caráter. Determina "quem" somos, em “que” nos tornamos e para "onde" estamos indo. Sobreviver aqui pode ser um presságio para a morte eternal. A batalha que se passa na mente, tem o poder de decretar a falência da alma. O resultado? Corpo e espírito conectados de forma incorreta, seguindo juntos na mesma direção equivocada. Sem contestação espiritual, a consciência se cauteriza e já não temos mais sensibilidade para sentir a presença de Deus. Nos afastamos Dele. Literalmente, quem venceu a batalha, perdeu definitivamente a guerra.

O homem é um ser tricotômico, formado por corpo, alma e espírito. Nosso corpo interage com o mundo em que vivemos e nosso espírito se liga a Deus, com quem queremos viver. A alma é a manteiga do pão. O cimento entre tijolos. A ponte ligando as margens. Ela é o ponto de equilíbrio entre o “legalidade” e a “moralidade”, a tênue linha separando o “lícito” e o “conveniente”. Nela se centraliza os anseios, os desejos e as emoções. O centro de controle onde são tomadas as decisões que norteiam a vida. O epicentro de toda escolha, catarse e transformação. A alma define quem se sobressai na luta entre o corpo e o espírito. Ela decreta a sentença contra o velho homem, ou lhe contempla com salvo- conduto. Se a alma decreta falência, a última barreira é derrubada, o tribunal da autojulgamento é dissolvido e o espírito fica exposto a contaminação externa.

Porém, apesar de sua relevância eternal, a alma do homem funciona nas sutilezas, sempre discreta e silenciosa, por vezes, passando desapercebida e sendo vítima de nossa omissão. Supervalorizamos o "coração" e ignoramos a alma, onde de fato, tudo acontece. Na luta entre corpo (a carne) e espírito, menosprezamos a alma sem atinar que ela é quem mais influência no resultado da batalha. Mario Quintana, poeticamente definiu a alma como sendo “aquela coisa” que nos pergunta se a “alma existe”. Filtro. Barreira. Proteção. Analise Intimista. Antivirus que detecta a iniquidade no amago da individualidade. Em sua falência, é imposta ao “homem” uma derrota sumária e quase irreversível. Quase...

Os reflexos se notam no corpo e no espírito. Perde-se o brilho no rosto e a luminosidade do olhar. Os sonhos morrem e as emoções são sepultadas numa cova tão profunda quanto o inferno. Quando a alma enfrenta a falência, o coração se fecha sem data para reabertura, e geralmente, as chaves são jogadas num pântano de frustração, sendo difícil encontrá-las outra vez. Com isso, nos tornamos rudes e insensíveis, pois a doçura no trato e no falar, é proveniente exatamente dos nossos sentimentos mais nobres, os mesmos que ficaram esquecidos, empoeirados e inacessíveis dentro de uma fortaleza impenetrável.

Já não se pode amar, pois ninguém consegue oferecer aquilo que não tem...

Neste ponto, as verdades "são" individuais e nada mais importa. Não se confia em ninguém. A opinião dos outros é desnecessária. Autossuficiência assumida e proclamada. Independência de tudo e todos, incluindo Deus. O vislumbrado vencedor, incapaz de perceber que na verdade não passa de mais um entre os derrotados. E que situação triste é essa! Não enfrentamos a batalha da mente com a determinação necessária, e agora temos como únicos recursos o escapismo, o vitimismo e a negação. Fugindo para um deserto onde cada grão de areia é feito de decepção e descrença. Fugitivos que correm na direção oposta à liberdade. E mesmo assim, se sentem livres. Soberanos. Maiorais. Fracassados.

Esta condição não precisa ser definitiva!

Jesus tem o poder de reverter o quadro da falência e reabrir o coração, revelando que guardado no porão da nossa existência, ainda existe algo muito bom. Cristo entra na batalha da mente, e seu escudo forte nos protege das setas de Satanás. Com um espírito reto, quebrantado e fortalecido, o corpo se torna num recipiente para receber e abrigar o melhor de Deus. A alma se valoriza e enriquece. O brilho volta para o rosto e a luz enche os olhos mais uma vez. E como é bom sentir coração pulsar novamente, vívido e apaixonado! As fortalezas emocionais destrancadas para a visitação celestial. 

Mente vazia, oficina do diabo para fabricação de qualquer porcaria. Certamente você já ouviu este conceito em algum lugar. Martin Lutero certa vez escreveu que é impossível impedir os pássaros de sobrevoarem a mente, mas é possível impedi-los de fazer ninhos ali. A mente é a última fronteira protegendo a alma. Se o inimigo conquistá-la, a alma sucumbirá. Então, a proteja. Reforce a segurança. Use a Palavra de Deus como escudo e broquel. Asperja o sangue de Cristo em cada umbral. Jogue fora o velho tabuleiro e queime as peças no fogo. Desarme os soldados e desabilite as minas terrestres. Sua mente não foi projetada para ser um fronte de batalha, mesmo que guerra seja permanente. Tem uma maneira de pacificar o conflito.

Escrevendo aos filipenses, Paulo nos apresentou as armas a serem usados neste combate mental pelo domínio da alma. As peças que devem estar sobre a mesa quando “Você” duelar contra “Você Mesmo” no tabuleiro da existência:

- Verdade
- Honestidade
- Justiça
- Pureza
- Amor

Permita apenas que pensamentos virtuosos povoem sua mente. Pense em tudo que é agradável e com potencialidade para gerar esperança. Que em cada movimento, as peças no tabuleiro louvem ao Senhor. Que a cada avanço, os soldados no fronte glorifiquem o nome de Deus. Uma batalha no interior da mente para que Jesus seja o centro da vida. Cristo guardando em si mesmo, nossa mente e coração (Filipenses 4:7-8).  E neste caso, se “você” ganhar, o resultado será muito bom. Mas, se você perder, será ainda melhor!

Texto inspirado na ministração “A Falência da Alma” do Pr. Wilson Gomes.


quinta-feira, 17 de maio de 2018

A Benção da Ignorância


Nunca encontrei uma pessoa tão ignorante que não pudesse
ter aprendido algo com a sua ignorância.
(Galileu Galilei)


Agregar conhecimento é sempre proveitoso. Mas, convenhamos, dependendo do contexto,a ignorância pode ser a maior de todas as bençãos. Acredite. Seria incalculavelmente frustrante saber tudo o que as pessoas verdadeiramente pensam sobre você. Os nomes a serem inclusos em sua lista negra privativa alcançariam números surpreendentes. Tapinhas nas costas e sorrisos ensaiados são até bem-vindos em certas ocasiões. Reconfortantes, mesmo camuflando intenções hostis. A sinceridade exacerbada, geralmente, acaba se revelando uma arma poderosa e letal.

Se ouvir pensamentos alheios já seria um fardo pesado demais para carregar, enxergar claramente o próprio futuro, poderia gerar efeitos catastróficos e irreversíveis. A ciência prévia dos fracassos, nos transformaria em vegetais ambulantes, trilhando os caminhos da vida sem qualquer perspectiva ou motivação. A esperança, mesmo débil,  é um imã que atrai cada um de nós na direção do futuro, e é o desconhecido que nos impulsiona a assumir riscos, abraçando irrestritamente a fé.

Exatamente por isso, “o Deus que tudo sabe”, veta algumas informações a nós, reles mortais. Não por mero capricho ou egoísmo, mas sim pelo fato que não saberíamos como lidar com elas. Deus tem propósitos em seus mistérios. Responsabilidade em cada enigma. Revelação precisa e ocultação necessária. Nem todos possuem ouvidos preparados para entender a mensagem ministrada por um trovão (Apocalipse 10:3-6).

Mas, não se assuste com as cortinas fechadas. Propositalmente, uma fresta foi deixada aberta, por onde é possível vislumbrar a grandeza do espetáculo. O caminho cerceado de névoa não esconde o destino final. Sabemos para onde estamos indo antes mesmo do primeiro passo. É a jornada que apresenta percalços inesperado e paradas não planejadas pelo caminhante. E esta ausência de detalhes no mapeamento, nem de longe é um erro divino. Pelo contrário, é a estratégia de Deus para nos manter focados e alertas no trajeto, sem prognósticos prévios de tragédia e caos anunciado.

Deixe me ilustrar este pensamento com exemplos bem conhecidos.

Deus revelou a José que seu futuro seria glorioso, revestido de autoridade, pompas e reverências. Obviamente, o jovem sonhador aceitou de bom grado esta “difícil” missão. Agora pense. A mesma escolha teria sido feita, se o Senhor lhe revelasse o trajeto entre as pastagens de Canaã e o Palácio do Egito? Estaria José interessado numa jornada que incluía períodos de escravidão e anos a fio numa cela mofada?

Será que Moisés teria a mesma disposição em liderar Israel no retorno para a Terra Prometida, se soubesse previamente que a caminhada pelo deserto iria consumir os últimos quarenta anos de sua vida?

Quantos discípulos teriam permanecido ao lado de Jesus em seu primeiro ano ministerial, se já no momento do chamado, Cristo lhes revelasse que a semente do evangelho seria regada com sangue? Foi a maturidade que trouxe a convicção que os fortaleceu diante da morte. Meninos migrando progressivamente do leite para a comida sólida, dentro de um cronograma estabelecido pela presciência divina. Informação precisa no tempo perfeito.

O “onde” já sabemos. O “como” ainda não conhecemos. E isto nos mantêm dependentes de Deus durante o trajeto. Vivenciando experiências transformadoras todos os dias.  Se o Senhor nos revelasse cada passo com antecedência, certamente seriamos dominados por um sentimento de autossuficiência, e impelidos a escutar a voz do “coração”, com seus discursos errantes e deturpados. Enxergando amplamente todas as possibilidades, não teríamos motivos para confiar no Deus dos impossíveis, e com isso, nos acomodaríamos a viver na esfera do “natural”. E quem se acomoda com a terra, não almeja mais o céu.

Há alguns anos atrás (quando o Nicolas ainda morava na barriga da mamãe) estava eu na belíssima cidade de Serra Negra, tomando sorvete sob a sombra de um aconchegante quiosque, imerso em “pensamento nenhum”. Domingo ensolarado, mas não escaldante. Nem quente demais, nem frio de menos. Perfeição! Dia de folga onde as preocupações ficaram a alguns quilômetros de distância. Sem patrões no encalço, telefonemas emergenciais ou boletos em atraso. Apenas eu, a Val (em modo “paz e amor”), a paisagem exuberante daquela estância hidromineral e o delicioso sorvete de “sabe lá o que”. Enquanto flertava com esta ociosidade reconfortante, avistei meu amigo Ronaldo no outro lado do parque. Acenei faceiro, e ele, solicito como sempre, se aproximou. Papo vai, papo vem, ficou evidenciado que o dia estava sendo agradabilíssimo para ambos. No afã da empolgação, e quase num tom melodramático de desabafo, comentei:

- Bem que todos os dias poderiam ser assim...

E a resposta do Ronaldo (singela e objetiva), foi uma aula instantânea equivalente a seis meses de curso teológico:

- Melhor não... Se todos os dias fossem assim, não sentiríamos saudades do céu!

Análise perfeita. O comodismo nos faz acreditar que o “bom” substitui o “melhor”. Se tudo aqui na terra acontecer conforme o planejado pelo coração do homem, não há motivos para ansiarmos por coisas que nunca vimos, ouvimos ou sonhamos. Exatamente o que Deus preparou para seus filhos.

Quando leio as páginas do Apocalipse e me deparo com o esforço de João para transcrever tudo o que estava contemplando nos céus, fico emocionado e desejoso em conhecer o Santuário de Deus. Ruas de ouro, mar de cristal, paredes cravejadas de rubis, ametistas e esmeraldas. Quem não se interessaria em fazer turismo num lugar como este? Mas, é quando enfrento a dor, o choro e o sofrimento diário, que me desespero pelo céu. Se pudesse, deixaria o mundo para trás agora mesmo, e voaria na velocidade da luz ao encontro do meu Cristo. E não seria uma visitinha ocasional. Eu pediria exílio perpétuo. Uma eternidade de paz numa cidade reluzente onde a tristeza não pode entrar e as decepções nunca terão visto aprovado. Esta é a esperança que me mantém focado no futuro e vigilante na estrada. Sei para onde estou indo, e o que me espera lá. Parafraseando o escritor Max Lucado, “Deus nunca disse que a jornada seria fácil, mas prometeu que a chegada valeria a pena.”

Em sua infinita sabedoria, o Senhor não me permite enxergar além da próxima curva, mesmo já tendo revelado o ponto de chegada. E as incertezas do caminho me estimulam a nunca deixar de olhar o mapa. Ouvir a voz no GPS. Parar no acostamento, observar os céus e me guiar pelas constelações. Uma seta de luz me apontando a direção. Um rastro de sangue marcando o trajeto. Um socorro bem presente quando a gasolina entra na reserva ou o estepe é rasgado por pedras pontiagudas.

Deixe me partilhar um segredo com você. Meu senso de direção é terrível. Se fechar os olhos e der um giro de 360 graus, não consigo achar a porta do quarto. E isso me deixa em maus lençóis cada vez que caio na estrada. Literalmente, tenho dificuldade para identificar se estou indo ou voltando. Norte e sul, parecem convergir sempre para as mesmas coordenadas. Desorientação total. Então, a decisão mais sábia que posso tomar, é assentar-me silenciosamente no banco do passageiro, e deixar que alguém mais capacitado conduza o veículo por um trajeto seguro. E se tratando da jornada rumo ao céu, a possibilidade de alhear-me no percurso é ainda mais latente. Minha única opção, é deixar que o “Caminho” me conduza, a “Verdade” me guie e a “Vida” me oriente.

- Disse Jesus: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida! (João 14:6)

Se a estrada é escura, Ele é a Luz. Se o trajeto é problemático, Jesus sempre é a Solução. Para os mistérios e enigmas da vida, Cristo é a Resposta definitiva. Veredas tortuosas? O Senhor é especialista em alinhamentos (Provérbios 3:6). Nosso problema é querer saber cada vez mais, apenas para embasar conclusões individualistas. Aí mora o perigo.  

Você se lembra de como a serpente convenceu Eva a comer do fruto proibido?

Oferecendo conhecimento desnecessário (Gêneses 3:5).

- Se comerem da árvore do conhecimento do bem e do mal, serão iguais a Deus...

Adão e Eva deixaram de confiar na sabedoria do Criador e desejaram absorver todo o conhecimento existente. O “bem” eles já tinham. Agora, queriam o "mal". Erro crasso. Drástico. Condenou toda a humanidade.

O casal conhecia o jardim.  Conheceram o mundo.
Adão conhecia o trabalho. Conheceu a fadiga.
Eva conhecia a maternidade. Conheceu a dor.
A serpente conhecia o solo. Conheceu o pó.
A terra conhecia a rosa. Conheceu o espinho.

E em todos estes casos, a ignorância se revelou uma benção desdenhada. Que por teimosia, continuamos a desdenhar. Não entendemos que o "silêncio" é Deus nos poupando de informações com as quais não saberíamos lidar, porque ainda não temos a maturidade necessária. Escrevendo para a igreja de Corinto, Paulo nos ensina que devemos ter pleno conhecimento (teórico e prático) sobre o verdadeiro amor, e por hora, isto basta. O restante, ainda é entregue em “partes". Profecias, visões e ensinamentos. Todos parciais. Ainda enxergamos o sobrenatural como se fosse um reflexo num espelho embaçado. Mas, chegará o dia em que veremos a face de Deus em todo seu esplendor. O conheceremos como somos por ele conhecidos (Coríntios 13:8-12). O fim de todos os mistérios

Infelizmente, este dia não é hoje. 

Logo, tenha paciência e não se exponha ao conhecimento pernicioso. Prudência de serpente e simplicidade de pomba (Mateus 10:16). Contente-se em aprender o que Deus deseja lhe ensinar. Repita diariamente a oração de Davi registrada no Salmo 25:4: - Me reveles o teu caminho, Senhor, me ensine os teus “atalhos”! Caminhe com confiança pelo conhecido e despreocupadamente sobre o desconhecido, certo que o mesmo Deus que te aguarda na chegada, também te acompanha durante toda a viagem. Ele planejou a rota. Desenhou a estrada. Te conhece, melhor que você mesmo.

sábado, 12 de maio de 2018

A mulher estéril e seus sete filhos


Mães judiciosas sempre têm consciência de que são o primeiro livro lido 
e o último posto de lado, na biblioteca dos filhos.
(Charles Lenox Remond)


Meu coração se alegra no Senhor, é Ele quem me fortalece. Tenho mais motivos para sorrir que os meus inimigos, pois Deus retirou de mim as tristezas. Estou livre! Em sua sabedoria, o Senhor julga os feitos do homem e abate os orgulhosos. Todas as palavras revestidas de arrogância não podem resistir a presença do meu Deus!

Com estes versos confiantes, Ana iniciou sua canção. Uma mulher vibrante e cheia de vida, cujo coração transbordava de contentamento. Gratidão. Reverência. Louvor. Ana tinha motivos de sobra para cantar. No culto em Ações de Graças pelo "Dia das Mães", fazia questão de assentar-se no primeiro banco da congregação. Cercada e amada por sua numerosa família. 

Mas, nem sempre foi assim...

A ordem dada por Deus ao primeiro casal (Adão e Eva), foi “crescer e multiplicar”. Desde então (contradizendo o histórico de desobediência aos preceitos divinos), esta ordenança tem sido obedecida regiamente em cada geração (oito bilhões de pessoas no planeta é uma prova irrefutável de tamanho “comprometimento”). A necessidade de reprodução, alias,  é latente no ser humano, tanto em sua biologia, quanto na cultura que o cerca. Somente assim perpetuamos a espécie e podemos nos “prolongar” nos filhos e netos, que irão dar continuidade ao nosso nome e carregar o legado familiar rumo a posteridade.

A mulher sente esta necessidade biologia de forma ainda mais acentuada, pois seu corpo é projetado para gerar vida. Numa análise bem pragmática, basta relembrar que a mulher produz “óvulos” num ciclo repetitivo, cuja única finalidade é a fecundação. Na ausência dela, tudo é sumariamente descartado. Em regra geral, o organismo feminino “clama” pela maternidade, e o desejo de “ser mãe” é um sentimento instintivo e primal. Assim, a incapacidade de gerar filhos, tende a uma frustração imensurável. 

Durante muito tempo, difundiu-se o pensamento de que se um casal não tivesse filhos, a culpa certamente seria da mulher. Diagnostico cultural, que lançava sobre os ombros femininos o fardo da improdutividade. Hoje, com o avanço da ciência,é possível diagnosticar inúmeras causas da infertilidade (geralmente ligadas a alguma deficiência do organismo), bem como realizar tratamentos que contornem o problema. E já descobrimos a muito tempo que distúrbios genéticos também ocorrem no gênero masculino. Homens e mulheres carregando juntos o ônus pela ausência de prole.

Ana, porém, viveu num período onde a infertilidade era interpretada como uma “maldição” em decorrência de pecados cometidos pela “mulher”. Uma esposa que não gerava filhos, envergonhava sua família e era descriminalizada pela sociedade. Na maioria das vezes, a “mulher estéril” também era desprezada pelo marido, e relegada ao posto de esposa secundária, já que a poligamia era usual na antiguidade.

Não era o caso de Ana, que desfrutava de um privilégio que poucas mulheres obtiveram naqueles tempos patriarcais. Mesmo sendo estéril, e seu marido tendo uma segunda esposa que lhe dava filhos, Elcana - o esposo, amava Ana intensamente, dando-lhe prioridades em tudo. Mesmo assim, aquela mulher sentia-se profundamente angustiada e externava incisivamente esta tristeza, pelo fato do direito à maternidade lhe ter sido negado. A constante debilidade emocional de Ana, começou a criar um certo desgaste no casamento, ao ponto de Elcana a inquiriu ressentidamente dizendo: - Meu amor não te vale mais do que dez filhos?

Outro fator agravante para a avanço depressivo de Ana, foi a atuação deliberada de Penina (a segunda esposa de Elcana), que se aproveitando do fato de gerar filhos, buscava constantemente posição de destaque dentro da casa, utilizando a infertilidade de Ana como uma arma ofensiva. Em outras palavras, Penina “enfiava a faca na ferida que ainda sangrava”. Sentia-se poderosa com esta atitude, pois sempre que o tema era evocado na família, a esposa “mais” amada ficava em posição de inferioridade, enfraquecida e profundamente fragilizada. 

Mulheres são bem mais suscetíveis a estes ataques emocionais, e Elcana, turrão desprovido de sensibilidade, não conseguia entender a frustração da esposa. Penina, possuidora dos mesmos anseios e instintos maternos, poderia muito bem ser sua melhor amiga e confidente. Entretanto,  acabava usando a dor de Ana como uma poderosa ferramenta de insultos contra ela. Em níveis diferentes e escalas variadas, Ana era incompreendida por todos a sua volta. Diante de tal realidade, sem perspectiva para a realização de seu maior sonho, a pobre mulher não encontrava mais motivos para continuar viva, e assim concluiu que não valia a pena insistir em suas ambições, e simplesmente parou de se alimentar, definhando lentamente enquanto esperava a morte. 

Deus quebra o arco dos fortes e reveste de força os braços dos fracos. Quem esbanjava manjares, agora trabalha por comida,  enquanto os famintos são saciados com pão. A mulher estéril se tornou alegre mãe de sete filhos, e a parideira se fragilizou. O Senhor mata e preserva a vida. Ele faz o homem descer a sepultura e também o retira de lá. O Senhor é quem distribui a pobreza e a riqueza. Deus tem propósitos na humilhação e detém o poder para exaltar o humilhado.

Uma vez por ano, Elcana subia à Siloé para ofertar ao Senhor. Fazia questão de ter Ana ao seu lado. Sentia-se envaidecido ao caminhar pelas ruas da cidade de mãos dadas com uma mulher tão virtuosa. Ana, porém, estava quebrada. De todas as maneiras possíveis. A beira do colapso, a única opção encontrada foi recorrer ao Deus que transforma o caos em ordem. Uma conversa franca e definitiva, sem rodeios ou intermediários. A atitude de Ana pode até parecer simplista, mas estava revestida de muita vanguarda . Um ato de coragem motivado pelo desespero. Mulheres não faziam votos e nem dialogavam abertamente com Deus. Toda instrução religiosa passava primeiro pelo marido. Toda oferta era oferecida pelo chefe da família. 

Ana não tinha nada para ofertar, muito menos garantias que seria ouvida. Talvez,  como castigo por sua petulância, fosse incinerada antes do "amém". Sem parâmetros. Sem precedentes. Mesmo assim, ela tinha que tentar. Conhecia as histórias de Sara, Rebeca e Raquel. As matriarcas da nação não foram esquecidas pelo Deus dos hebreus. Teria ela alguma chance? Agarrada neste fiapo de esperança, Ana adentrou no templo, e se ajoelhou diante do altar, chorando copiosamente enquanto realizava uma oração que não necessitava de palavras. Apenas lágrimas, gemidos inexprimíveis e um coração liquefeito.

Enquanto orava, Ana era observada pelo sacerdote Eli. Velho e bonachão, o decadente religioso assistia a bucólica cena esparramado numa cadeira de acácia. Em decorrência da tristeza em sua alma, aquela mulher se jogou ao solo como se fosse um pano de chão recentemente usado, e sua boca apenas balbuciava palavras, sem que sons audíveis fossem emitidos. E lá vai Ana, mais uma vez, ser incompreendida por quem deveria compreende-la com perfeição. Seu líder espiritual, cego pelo preconceito, confundiu quebrantamento com embriaguez. E ainda a recriminou por isso:

- Você não tem vergonha de estar embriaga a esta hora da manhã, mulher? Não tem respeito pela Casa de Deus?

Tenha vergonha você, Eli! Ana não está afrontado Deus. Ela está se entregando à Ele. Devolvendo ao Senhor aquilo que não tinha recebido. Um tipo de oração sacrificial que poucos ainda tem a coragem de fazer:

- Ah, Senhor dos Exércitos! Se puderes me ouvir e compreender a humilhação da tua serva... Por favor... Não se esqueça de mim... Não despreze a minha aflição... Se te lembrares de mim, e me deres um filho de presente, eu o irei dedicar ao Senhor, para que ele seja Teu.  Meu filho será teu servo... Teu favor será a minha oferta! Uma vida por outra vida! 

Ao tomar conhecimento da história de Ana, imediatamente o sacerdote Eli abandonou sua posição inquiridora, e agiu como um verdadeiro homem de Deus precisa agir. Cuidando de pessoas. Semeando esperança em corações despedaçados. Edificando pilares entre as ruínas.

- “Vá em paz, e que o Deus de Israel lhe conceda o que você pediu" 

Bastaram estas palavras de ânimo, para que Ana tivesse suas forças revigoradas. A partir deste momento, as lágrimas cessaram e a tristeza foi embora. Seu semblante se transformou. A barriga imediatamente rugiu. Ana “convidou” seu marido para almoçar no melhor restaurante selv-service da cidade e não se importou em caminhar pelas mesas da casa tendo nas mãos um prato abarrotado. 

Na prática, Ana saiu do templo da mesma forma que entrou. Sem nenhum filho em seu ventre e ainda estéril. Mas agora, ancorada nas palavras de Eli, ela tinha certeza que Deus atenderia o pedido feito em oração. Promessa resultante de promessa, se torna certeza de realização. Ana não teve seu filho nos braços imediatamente, mas isso não a fez perder a esperança readquirida. Sabia que agora, tudo era uma questão de tempo. O Tempo de Deus.

E neste caso, Deus tinha pressa, propósito e recompensa. O sofrimento de Ana nunca foi casual. Era a cola unindo uma mulher problemática e o Deus que pode resolver todos os problemas. O Senhor a atraiu pela dor e foi atraído à ela pelo quebrantamento.

Na manhã seguinte ao seu voto, marido e mulher voltaram para casa ainda mais apaixonados. Uma nova lua de mel. Quando a noite caiu sobre Ramá, e a luz da lua irrompeu a janela do quarto, Ana e Elcana se entregaram sem reservas a uma enebriante paixão. Furor e doçura. E como resultado, ela engravidou. Nove meses após a ápice da desesperança, a esperança de toda uma nação era renovada pelo nascimento de uma única criança. Milagre com propósito!

A mulher estéril agora era uma alegre mãe. I Samuel 2:1-10 registra uma das mais belas passagens bíblicas, popularmente conhecida como o “CÂNTICO DE ANA”. Uma oração de agradecimento realizada por Ana, após desfrutar plenamente a benção da maternidade. Ela não somente louvou ao Senhor por sua fidelidade, como também ressaltou que a justiça vem de Deus, e que no tempo oportuno, Ele sempre age contra os maus, em favor dos bons.

Deus levanta do pó o necessitado e das cinzas reabilita o pobre, para fazê-lo assentar-se junto aos príncipes em suntuosos palácios. O Senhor honra o humilhado! Foi Ele quem firmou os alicerces do mundo! O Senhor guarda os pés de seus justos enquanto os ímpios são devorados pelas trevas. O sucesso vem pelas mãos de Deus e jamais pela força dos homens. Como um trovão, sua voz brada a justiça desde os céus, e julga até os confins da Terra, e quem se opõem ao Senhor é despedaçado. Feliz são aqueles que se sujeitam a sua vontade, pois é Deus quem estabelece o rei e fortalece seu ungido.

Um louvor. Uma profecia. Ana tinha em seus braços um bebezinho. Deus tinha nas mãos uma ferramenta multifuncional. Juiz. Profeta. Sacerdote.

Outra revelação inserida neste contexto, é que após entregar seu pequeno Samuel no templo, (onde o menino cresceu para se tornar o maior e último juiz de Israel, um sacerdote reformador e o homem responsável por ungir os dois primeiros reis de Israel - Saul e Davi); Ana ainda desfrutou da companhia de mais seis filhos. E Penina degustou longos jantares onde o "orgulho próprio" foi servido em bandejas de prata, com molho agridoce (mais "agri" do que "doce"):

- A mulher estéril se tornou alegre mãe de sete filhos, e a parideira se fragilizou. 

A mulher infrutífera agora era uma árvore frutífera, cuja vida se encheu de alegria com muitas crianças correndo pela casa. Para quem se dava por satisfeita com apenas um único filho, “sete herdeiros” parece-me um número muito além das expectativas. Mas é exatamente assim que Deus trabalha: - Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera (Efésios 3:20-21). 

E não para por aí...

Além de Ana, a Bíblia apresenta uma vasta gama de mulheres que padeceram deste mesmo mal. Sara, Rebeca, Raquel, Léia, Mical, Isabel e ainda outras que não tiveram seus nomes revelados, como a mulher de Suném e a esposa e Manoá. Ventres improdutivos que não impediram o crescimento de toda uma nação. A grande maioria delas, geraram vida por intermédio da intervenção milagrosa de Deus, tendo filhos que impactaram profundamente a  história da humanidade. Quer exemplos?

- Isaque
- Jacó
- Judá
- José
- Sansão
- Samuel  
- João Batista

A infertilidade momentânea da terra, pode muito bem ser uma estratégia de Deus, preservando intacto o solo para a grande plantação que Ele mesmo vai realizar no futuro! Apenas entregue previamente à Ele o seu Samuel, e começa a compor sua própria canção!