Arquivo do blog

sexta-feira, 29 de junho de 2018

Os Degraus da Montanha


É impossível um homem aprender aquilo que ele acha que sabe.
(Epictetus)



Moisés sempre foi um homem de montanhas...

Nas montanhas de Horebe, encontrou o Deus de Israel em meio a sarça ardente. No alto do Monte Sinai, recebeu do Senhor os mandamentos que, ainda hoje, paramentam o comportamento moral e espiritual de pessoas do mundo inteiro. Usou os montes Ebal e Jerazim como altares, no momento de apresentar ao povo a escolha mais importantes de suas vidas. Já no cume de Pisga (localizado no Monte Nebo), avistou a Terra Prometida antes de ali morrer, e ser sepultado pelo próprio Deus no vale de Moabe.

Durante os quarenta anos de peregrinação, sempre que Moisés subia em uma montanha, Josué fazia questão de estar presente, acampando sozinho na base, até que seu líder espiritual retornasse em segurança. Ele era um discípulo fiel e dedicado, que sabia o valor de cada dia vivido a sombra de Moisés, homem íntegro e temente, que conversava com Deus face a face. Estar junto à Moisés, era também estar próximo do Senhor, e Josué fez deste aprendizado, o objetivo de sua vida. O “topo” da montanha já tinha um inquilino vitalício, e o jovem aprendiz nunca se importou em estar a sombra de alguém “maior” que ele.

Antes de sua última escalada, Moisés reuniu todo o povo de Israel para aconselhá-los. Suas palavras demostravam confiança no cuidado do Senhor com o povo ao qual liderou nas últimas décadas. Segundo ele, o próprio Deus lhe havia falado sobre as vitórias futuras, e como Israel derrotaria nações poderosas que usurparam o território de Canaã. Na força do Senhor, os israelitas iriam recuperar a posse das terras de seus antepassados, Abraão, Isaque e Jacó. Diante de toda a nação, Moisés revelou ao povo que não seria ele que os conduziria nesta jornada vitoriosa, mas sim Josué, um novo líder escolhido a dedo pelo próprio Deus. Mais uma vez, o patriarca ressaltou a importância da obediência aos mandamentos do Senhor, que seria a chave de suas grandes conquistas. Depois, pediu a toda Israel, que se animassem com a nova liderança, unissem suas forças com Josué, e avançassem sobre a terra sem medir esforços ou temer qualquer inimigo. Afinal de contas, embora Moisés não estivesse mais com a nação, Deus jamais abandonaria seu povo (Deuteronômio 31:1-6).

Após falar com toda a nação, Moisés se dedicou a dar instruções precisas a Josué, passando em suas mãos um verdadeiro manual legislativo. Também aconselhou seu sucessor a ter bom ânimo, pois era “ele” o homem escolhido para conduzir o povo até o cumprimento definitivo da promessa que Deus tinha feito a Israel. Certamente, o Senhor se manteria fiel em cada juramente e, portanto, Josué também precisaria estar revestido de fidelidade.

E a transição de poder não poderia ser mais bela. Conforme orientado pelo Senhor, Moisés reuniu todos os hebreus diante da Tenda da Congregação, e se dirigiu a eles, ladeado por Josué. Então, uma nuvem desceu sobre a tenda, e o Senhor se manifestou nela, falando pessoalmente com toda a nação. Deus os lembrou da ingratidão de seus pais, e de como sua ira se ascendeu contra aquela geração. Falou também sobre o tipo de relacionamento íntimo que gostaria de ter com seu povo, salientando que o pecado, infelizmente, o mantinha afastado de seus filhos. Depois, ratificou a promessa de levá-los em segurança para dentro da Terra Prometida (Deuteronômio 31:7-30). Agora, com o final da jornada de Moisés se aproximando, caberia a Josué conduzi-los. Enorme honra. Imensa responsabilidade.

Em seu último ato como líder daquele povo, Moisés transformou as palavras do Senhor em uma canção, e a ensinou a todos os hebreus, que deveriam ensiná-la as próximas gerações (Deuteronômio 32:1-47). Moisés havia terminado sua missão. Com Josué oficializado na liderança da nação, Deus orientou Moisés a subir ao Monte Nebo, onde teria a oportunidade de visualizar toda a Terra que seria dada a Israel. E ali, certo da fidelidade de Deus, o Libertador de Israel, finalmente pode descansar em paz (Deuteronômio 32: 48-52).

Segundo o texto de Judas 1:9, assim que Moisés fechou seus olhos, o próprio Satanás tentou roubar o seu corpo, mas Deus enviou o Arcanjo Miguel para protege-lo. Enquanto Miguel repreendia o inimigo no nome do Senhor, Deus, pessoalmente, se encarregou de sepultar Moisés. Alienado ao embate cósmico, e imune a qualquer apego pelo poder, Josué, ainda nutria esperanças que seu mentor descesse “são e salvo “da montanha. Toda a nação se mantinha imóvel, esperando o retorno de Moisés. Foi então que o próprio Deus tratou de oficializar a morte do grande líder, e conclamar a Josué para que ele assumisse definitivamente a responsabilidade de passar o Jordão.

Canaã nunca esteve tão próxima. A promessa agora, já era uma realidade.

E que lições podemos retirar desta transição de liderança? Muitas, certamente. Porém, uma delas é vital em nosso tempo. A paciência na preparação para o exercício de um ministério. Nunca na história da igreja, vivemos um período de tantas etapas queimadas. Novos convertidos já se julgam experientes e banalizam o discipulado. Jovem pregadores se lançam na vida de intinerância, antes mesmo de possuir uma convicção teológica bem definida. Alunos querem ensinar seus professores, confundindo excesso de informação com sabedoria. Obreiros neófitos desrespeitam seus pastores baseados em achismos e conceitos extraídos de tutorias da internet. Um número incontável de apóstolos autodeclarados e bispos pseudos-consagrados surgem todos os dias, com seus ensinamentos inconsequentes e práticas mirabolantes. Todos querendo chegar no topo da escada, sem precisar subir os degraus. E quase sempre, o argumento desta gente é o mesmo: “a obra tem pressa”. E realmente tem.  O que eles se esquecem é que a Obra do Senhor é feita com “ordem e decência” (I Coríntios 14:40). Em regra geral, quem faz a colheita são os lavradores, e não o dono da plantação. Logo, que sentido há na pressa de assentar-se na varanda como um “Senhor da Casa Grande”, enquanto se verbaliza o amor por um trabalho braçal feito no campo? É preciso ser um aluno muito bom, para se tornar um professor razoável. E, infelizmente, nossa geração não gosta de aprender ou escutar. Assim, o exemplo de Josué se torna um soco no estômago para muita gente. Afinal, antes de se tornar o líder da nação, ele passou por quatro décadas de aprendizado. Quarenta anos estudando com Moisés, e mesmo assim, ainda tenha plena consciência de que não tinha aprendido quase nada. E este senso de responsabilidade é o alarme no painel nos alertando sobre a total dependência de Deus. A chave de um ministério bem sucedido.

Não importa seu nome ou os títulos que ostenta. Se Deus não for contigo, você não passa de um nada que nunca chegará a lugar algum... Moisés liderou Israel com esta convicção, e ela foi a mais valiosa lição que Josué fez questão de aprender...

Josué era filho de Num, e pertencia a tribo de Efraim, sendo originalmente chamado de Oséias. Nascido e criado no Egito, vivenciou na própria pele os sofrimentos da escravidão e testemunhou em loco o poder do Deus de Israel. Estas experiências colaboraram para que desenvolvesse uma fé inabalável no Senhor, e uma confiança inquestionável na liderança de Moisés. Ele é citado pela primeira vez num contexto militar, quando os israelitas, recém-saídos do Egito, foram atacados no deserto pelos amalequitas. Os hebreus não tinham experiência em combate, e nem possuíam destreza com armas. Moisés, então, encarregou o jovem eframita para formar (e liderar) um exército que subiria contra os inimigos.

Mesmo sendo uma investida aparentemente suicida, Oséias aceitou aquele desafio, certo que Deus lutaria por seu povo. Moisés, aproveitando a sonoridade parecida dos nomes em hebraico, passou a chamar Oséias (que significa: “Salva! ”), de Josué, cujo significado é “O Senhor Salva! ”. Assim, ele se tornou o primeiro general da história de Israel, formando, treinando e liderando o primeiro exército hebreu. Apesar das impossibilidades, Israel derrotou seus inimigos, e Josué se tornou um herói nacional (Êxodo 17). Deste ponto, até sua oficialização como líder, muito tempo de passou.

Josué se tornou o mais leal seguidor de Moisés, sem jamais estar envolvido em qualquer rebelião, levante ou investida contra a liderança de Moisés. Pelo contrário, Josué era um defensor de Moisés, se opondo as calúnias que insistiam em rodear o acampamento, visando enfraquecer e manchar a imagem de Moisés (Números 13:16). Fazia questão de acompanhar Moisés em seus momentos de isolamento e meditação. Mesmo quando era impedido de subir aos montes com Moisés, esperava o seu mentor na base da montanha, mesmo que a espera fosse longa e tediosa. Representou sua tribo na malfadada missão de espionagem a terra prometida, e junto com Calebe, se opôs ao relatório pessimista dos demais espias. Agredidos pelos revoltosos, foram salvos pelo próprio Deus, que lhes prometeu ingresso em Canaã, mesmo depois da morte daquela geração.

Em Números 27:18-23, Moisés designa Josué para estar constantemente ao lado do sumo sacerdote Eleazar. Esta era uma posição de grande destaque, já que sob a responsabilidade de Eleazar ficava as pedras Urim e Tumim, usadas para consultar ao Senhor sobre questões nacionais (se a resposta fosse afirmativa, as pedras brilhavam). Em todo registro Bíblico, nenhum outro homem ocupou posição tão honrosa. Juntos, eles foram responsáveis pela distribuição das terras que estavam aquém do Jordão entre as tribos de Ruben, Gade e Manassés. Josué, neste momento, dava sinais do grande líder que seria para a nação.

Durante quarenta anos, Josué recebeu instruções diretas de Moisés. E prontamente, aceitava suas orientações, porque sabia que seu líder era um servo de Deus. Ele nunca tentou ocupar uma posição para o qual não foi designado, mas também, nunca se omitiu das responsabilidades para as quais foi chamado. Uma boa maneira de resumir a vida de Josué, é dizendo que ele chegou ao topo da escada, fazendo uso de cada degrau. Nunca exigiu posição de destaque, mas se preparou para estar lá. Não fazia lobby para participar de grandes empreitadas, mas não se recusava a enfrentar os desafios, por mais complexos que fossem. E acima de tudo, Josué escutou a voz de Deus pelos lábios de Moisés por quarenta anos, sem nunca duvidar que o Senhor vaticinava cada decisão de seu mentor. Isso o credenciou a estar diante de Deus, quando a hora certa chegou.

Moisés talvez seja o homem que desfrutou de maior intimidade com Deus, tendo liberdade falar com o Senhor, olhos nos olhos. Quarenta anos depois de conhecer Moisés, agora Josué recebe de Deus uma promessa que poucos tiveram o prazer de experimentar: - Eu serei contigo, assim como fui com Moisés!

sábado, 23 de junho de 2018

A Hora e o Lugar


Não adianta apressar aquilo que só Deus decide.
(Regina Coeli)


Planejar a própria vida é como zombar do acaso. O amanhã não consulta agendas antes do raiar do sol. Ele simplesmente acontece, alheio as nossas aspirações. Devemos sim nos preparar para o futuro, mas, cientes que quando ele chegar, dificilmente estaremos, de fato, preparados para enfrentá-lo.

E não. Esta não é visão pessimista da vida. Apenas a constatação verossímil da realidade. Anos de preparo podem se tornar obsoletos dependendo do lado da rua que decidimos caminhar. Acidentes não são planejados. Diagnósticos devastadores não fazem parte da pauta. Já contamos com o retorno para a cama depois de um dia cansativo, antes mesmo de sair dela pela manhã. Muitos, não retornam. O imponderável nos aguarda na próxima esquina, com a boca escancarada e os dentes afiados.

A vida é surpreendente. Curta demais. Acidentada em todos os trechos. Até sabemos para onde ir, mas não existem garantias que chegaremos lá. Um simples telefonema pode mudar toda a rota traçada. O rosto aflito do médico durante o exame pré-natal liga o sinal vermelho no painel. Nada será como foi planejado. Luto. Quebra de confiança. Assinatura no RH. Perícias. Laudos. Curvas fechadas demais. Assaltos. Bala perdida.  Não controlamos as próprias células do organismo, quem dirá a ação de outras pessoas. Viver é um risco que estamos dispostos a correr, mesmo sabendo dos perigos. E para aliviar a carga emocional, nos refugiamos em cofres de segurança. Denominação Religiosa. Trabalho. Faculdade. Família. Programamos corretamente o mecanismo para as mazelas sejam mantidas trancadas do lado de fora, sem ao menos nos atinar que a bomba relógio pode estar escondida num órgão vital do próprio corpo. Ou será que alguém planeja ataques cardíacos, paradas respiratórias e derrames cerebrais?

Exatamente por isso, acho muito pertinente a metáfora que compara a vida a uma roda gigante, girando e girando, alternado seus altos e baixos. E lá estamos nós, presos na cadeira, apenas observando o movimento do grande aro, sem ter nas mãos o poder do reagir. Por mais controle que tenha sobre as suas atividades diárias, o mecanismo que faz a roda da vida girar nunca será controlado por você.

E quem está no controle?

Quando estamos “por cima”, observando do alto as pessoas e as instituições, é muito fácil dar créditos a Deus pelo sucesso. – Trabalhei muito, é verdade, mas se o Senhor não tivesse me ajudado, não teria conseguido! Quando a roda da vida nos leva as alturas, é bom demais viver! O louvor flui com tanta facilidade, que chega a soar superficial. Bênçãos acumuladas e ausência de dores é uma combinação excessivamente maravilhosa, o que pode se tornar um perigo. Cedo ou tarde, todo excesso se revela danoso. Logo, é preciso viver sistematicamente os ciclos, fazendo visitas regulares as regiões periféricas, onde podemos relembrar quem somos, de onde viemos e para onde queremos ir. São nestes momentos, onde o declínio humano encontra seu auge, que entendemos a supremacia de Deus sobre as saídas da vida.  O controle de tudo está em suas mãos, mesmo que Ele nos permita autonomias pontuais durante o processo.

Imagine-se fazendo uma prova com questões de múltiplas escolhas, sem ter qualquer conhecimento pleno sobre os assuntos pautados. No “uni-du-ni-tê”, você vai assinalando as respostas, confiando apenas na intuição pessoal ou na sorte. Até que o avaliador lhe entregue o resultado, haverá mais duvidas que certeza.  A iniciativa é nossa, mas o controle não. E todos os dias fazemos estas escolhas do nascer ao pôr do sol. Quais vamos acertar é uma questão a ser respondida apenas na eternidade. Sombras de um futuro que nos esforçamos para enxergar com clareza.

Assim, preciso fazer o meu melhor e confiar no bom senso do avaliador. O Mestre de Máquinas controlando o girar da roda. O Dominador da Morte. O Dono da Vida. Ele é bom, justo e misericordioso. Sempre tem o melhor reservado aos seus filhos. Neste caso, basta tomar as decisões corretas, e certamente tudo ficará bem. Boas escolhas sempre resultarão em sucesso e prosperidade...

Será mesmo? 

Acho que Daniel discordaria deste argumento. Ele estava “por cima” na roda da vida, quando adversários invejosos conspiraram para destruir-lo. Porém, não haviam argumentos contra Daniel. Sua integridade não abria brechas para qualquer tipo de acusação. A melhor estratégia era afrontar a fé do hebreu. Dário foi convencido a assinar um decreto que proibia adoração a qualquer divindade que não fosse o próprio rei dos medo-persas. Quem descumprisse esta ordem, seria lançado na cova dos leões.

Bom, qualquer criança que frequente o maternal da Escola Bíblica conhece o final desta história. Daniel, de fato, acabou dentro de uma cova cheia de leões famintos. Por baixo. Seus inimigos gargalhando de contentamento. O rei desesperado por condenar à morte seu melhor administrador. Agora, pense. O que de fato levou Daniel para a cova? O plano? O decreto? Não... Foi a escolha. Quando se viu diante da questão mais importante de sua vida, Daniel não teve dúvidas em qual das opções assinalar:

 (    ) Orar ao rei persa e ter uma vida longa e próspera.
( X ) Orar ao Deus Israel e ser condenado a uma morte terrível.

O que levou Daniel para a cova não foram seus pecados. Foi sua vida de oração. A escolha correta seguida de uma consequência terrível. Deus girando a roda da vida no contratempo da vontade humana.

Nos meus trinta e “tantos” anos de vida, já me deparei com inúmeros porta-vozes da “justiça divina”, servos de um “deus” sanguinário, leviano e sádico, que causa sofrimentos indescritíveis apenas para seu bel prazer. Gente que aponta o dedo para o fracasso alheio e clama punição ao pecador. – Está colhendo o que plantou! O “meu” Deus tarda, mas não falha! O que diriam ao ver Daniel amarrado de pés e mãos, sendo arrastado por seus inimigos para a morte? Será que recriminariam o profeta por suas escolhas sem entender o propósito das provações alheias? Nem todo infortúnio é provocado por erros. Também pagamos o preço por nossos maiores acertos. 

Quer outro exemplo? Sadraque, Mesaque e Abdenego. Foram lançados na fornalha de fogo porque decidiram se manter fieis ao Deus de seus pais. Boa escolha. Consequência trágica. Nabuconosor mandou aquecer a fornalha sete vezes mais, antes de lançar os garotos hebreus para a chamas. Outra vez, a devoção e a fé atraindo dor, desgraça e morte.

Mas, não se desespere. Deus sabe o que faz. Por isso o controle é Dele, e não nosso. Agendas humanas falham. O planejamento do Senhor é perfeito. Tem lugar e hora. Nem antes, nem depois. A roda gira com a precisão necessária para que os desígnios eternos encontrem seu epicentro na história. Se fizermos as escolhas corretas, o resultado a longo prazo sempre será infalível, mesmo que nenhum sucesso momentâneo seja registrado. O lugar para Deus agir é dentro da cova dos leões. Não antes dela. A hora exata da providência divina é quando a fornalha já está em fogo alto. Não no primeiro lampejar da chama.

Apenas viva os ciclos. Deixe o Senhor virar a roda da vida. Segure na barra de segurança, e confie naquele que tem nas mãos o controle absoluto do universo. O mesmo que definiu os limites do mar e nomeou cada estrela a pontilhar os céus. Imagine-se tomando conta de um grão de açúcar em cima da mesa. Você não pode deixar que ele saia do lugar onde foi deixado. Sua missão é impedir o movimento desta minúscula pedrinha adocicada. Por acaso, esta seria uma atividade difícil para você realizar? É mais simples para Deus ter o controle de nossas vidas, do que seria para nós tomar conta de um grão de açúcar. Basta aceitar o poderio do Senhor, da mesma forma que a pedrinha açucarada não ousaria questionar sua soberania sobre ela.

Quanto ao movimento da roda. Relaxe... Não se preocupe com o “quando” e o “porque”. Você sempre vai estar no exato ponto onde precisa estar. É ali que Deus faz cumprir em nossas vidas os propósitos que ainda não entendemos. Esta é a "hora" e este é o "lugar". O “onde” e o "quando" são detalhes que só o Senhor conhece e faz questão de manter em sigilo.

Olhe para cima e veja Deus. Olhe para baixo e encontre Deus ali também. Todos os 360 graus convergem sempre para a mesma direção. Até porque, na lógica divina, descemos para subir, e subimos para descer. Acredite num Deus que reverte a ordem e que chama para a existência as coisas que não existem. E não se preocupe demais com planejamentos e autocontroles excessivos. Deixe o Senhor controlar a sua vida com a mesma competência que  tem controlado as galáxias ao longo dos séculos.

quinta-feira, 14 de junho de 2018

Quem é feliz de verdade?

Tome cuidado com a sua vida,
talvez ela seja o único evangelho que as pessoas leiam.
(Francisco de Assis)


Quer ser um cristão de verdade? Não é preciso decorar os preceitos da lei mosaica ou seguir todos os ritualismos do Velho Testamento. Basta praticar as diretrizes apontadas por Jesus no Sermão da Montanha, registrado com minúcias em Mateus 5, 6 e 7. Simples, assim. Três capítulos da Bíblia que resumem de forma perfeita a essência do cristianismo, apresentando de forma clara e inquestionável os pré-requisitos exigidos para “todos” aqueles que desejam postular o título de “Cidadão dos Céus”.

A mensagem de Cristo quebrou conceitos que os séculos consolidaram. Jesus lançou ao chão dogmas centenários tratados socialmente como verdades absolutas. Os judeus estavam convictos que seus preceitos doutrinários lhes justificavam diante de Deus, e que boas ações públicas valiam mais que as intenções egoístas ao praticá-las. Os religiosos da Judeia sentiam-se “santificados” por um código legislativo aplicado quando preciso, e ignorado se necessário. Dois pesos e duas medidas. Ineficiente absoluta.

A sociedade judaica estava impregnada com a herança filosófica dos gregos e sua interpretação maniqueísta de sucesso, onde “bem-sucedido”, é um homem pleno de felicidade e aplaudido por seus iguais. A arrogância do império romano também se alastrava por entre as ruas de Jerusalém, mesmo que abafada por um surto de nacionalismo tendencioso. Em resumo, os judeus nada tinham para aprender com carpinteiro de Nazaré, pois estavam seguros em si mesmo, confiantes na justificação pessoal e ambiciosos por conquistas políticas e ganhos pessoais.

E o que fez Jesus transitar entre a “popularidade instantânea” e a “impopularidade imediata”? Ele confrontou o pensamento humano com a legislação celeste, onde o “ser” é mais importante que o “ter”.

No Reino de Deus, as intenções do coração possuem a mesma importância que o movimento definitivo das mãos. Jesus catapultou a filosofia para o limbo da eternidade, e em seu lugar implantou uma doutrina espiritual pautada em renúncia, resignação e amor ao próximo. Mais de seiscentos complexos e pesarosos preceitos legislativos resumidos num único parágrafo objetivo, simples e perfeitamente funcional: 

- Ame ao Senhor Deus sobre todas as coisas, e o próximo como a você mesmo.

Entendeu a lógica? A cadência do mandamento é linear... Deus... O próximo... Você. O oposto de nossas convicções. Nunca o contrário.

Logo, o pensamento coletivo entrou em colapso. - Como é possível alcançar o sucesso se a prioridade do homem não for sua felicidade plena num contexto de integridade e harmonia? E se não bastece confrontar o modo de vida de toda aquela sociedade preconceituosa e negligente no cuidado com os desfavorecidos, Jesus ainda apontou o dedo na direção dos homens mais bem-sucedidos de seu tempo e lhes revelou o completo fracasso:

- Vocês não passam de fraudes ambulantes. Pecadores com fantasias de santidade. Cegos que fingem enxergar. Mortos espirituais sepultados em carcaças humanas. Pode existir tristeza maior?

E então, dos olhares vitrificados da turba que se aglomerava ao redor do jovem rabino, emergiu a pergunta silenciosa, cuja resposta inquietante, daria início ao maior sermão da história:

- Quem, de fato, é feliz?

Os judeus não estavam preparados para ouvir a verdade. Nós, também não estamos. Fingimos concordar com os lábios, quando no coração fazemos questão de discordar (ou apenas ignorar). Assim como os religiosos de Israel, ainda nos respaldamos em religiosidade supérflua. Como os gregos de outrora, também achamos que nosso pensamento deve ser a “forma” onde se molda o caráter de todos em volta. Como os romanos do primeiro século, estamos tão convictos da própria soberania, que o único intuito da existência é conquistar. Mais sucesso midiático. Mais poder de influenciar as pessoas. Mais verba para satisfazer as demandas hedonistas. E nesta ânsia pelo "mais", vivemos "menos". Nossa existência é consumida por horas extras e acessos ilimitados. Na busca pela felicidade acima de "tudo e todos", não percebemos o quanto nos tornamos infeliz. E ineficazes...

Mas, quem é feliz de verdade? Quais são as pessoas mais bem-sucedidas da terra?

E a resposta de Jesus ainda ressoa tão inquietante, quanto soou aos ouvidos dos religiosos de Israel, dois milênios atras...

Felizes são os pobres de espírito, dependentes de Deus por escolha e vontade. O reino dos Céus pertence a eles.

Felizes são os que choram, cujos corações quebrantados se derramam diante do Santíssimo Altar. Eles serão consolados.

Felizes são os mansos, de alma dócil e espírito zeloso. A terra das promessas lhe será dada em herança.

Felizes são os famintos por justiça e os sedentos pela verdade. Eles terão suas almas saciadas.

Felizes são os misericordiosos, dispostos a estender a mão aos necessitados. A misericórdia será alcançada por eles.

Felizes são os que preservam seus corações afastados de toda a sujeira que impregna este mundo. Eles estão aptos para olhar a face do Senhor.

Felizes são os semeadores da paz, que fazem do amor seu lema de vida. Deus é o Pai de cada um deles.

Felizes são os perseguidos por proclamarem a justiça e os condenados por defenderem a verdade. O Reino dos Céus abrirá suas portas para recebê-los.

Felizes são todos vocês, coagidos, injuriados e desmerecidos por abraçarem a causa do Cristo. Há um grandioso galardão reservado nos céus para todos que glorificam o Pai em meio as aflições. A mesma glória futura reservada aos profetas do passado!

Nada disto parece fazer sentido. Felicidade encontrada nas lágrimas, no sofrimento e nas perseguições?

Pois é! Quer ser um cidadão do céu? Se submeta a legislação celeste apresentada por Jesus. O céu é lugar para corações humildes e espíritos retos. Quem irá abrir as portas do Paraíso é aquele que voluntariamente morreu por todos nós na cruz do Calvário, mesmo que ainda fossemos maus e pecadores. Será que sacrificar-se um pouquinho pelo bem-estar do "próximo" não é o mínimo de gratidão que podemos demonstrar?

Jesus não pretendia que seus seguidores vivessem uma vida de religiosidade estereotipada. Ele desejava que o amor fosse vivido com intensidade. Não apenas em palavras ou ações pragmatizadas. Para seguir o Cristo, é preciso uma transformação no interior. Mudança de paradigmas. Abandono de dogmas. Metamorfose de pensamento. A vivencia com Cristo nos leva a enfrentar as adversidades com otimismo, certos que a vontade de Deus é soberana, e que existe propósito em cada lágrima derramada. Agir de forma diferente por pensar de forma diferente. Enquadrar o senso de justiça individual na legislação do céu. Enxergar as pessoas pelo prisma do amor incondicional. Ser mais como Jesus e menos como “nós” mesmo. Entender que quanto menos as pessoas merecem nosso amor, mas devemos amá-las.

Que desafio, hein?

Um “evangelho” que não questiona, confronta e transforma, não pode ser considerado legítimo. A palavra “evangelho” remonta a ideia de se receber uma “notícia tão maravilhosa” que a vida já não pode ser como era antes. Quem roubava, distribui. Quem odiava, ama até seus inimigos. Quem cobiçava, compartilha. Quem traía, apregoa fidelidade. Quem matava, se torna em portador da mensagem de vida eterna. E se reencontrar um rumo definitivo para a própria história (na qual inúmeras pessoas testificam o poder transformador de Deus e se influenciam a viver as próprias catarses espirituais), não for motivo suficiente para ser feliz (apesar dos percalços da estrada), sinceramente não sei o que pode ser chamado de “felicidade”...

Quando a obra está completa no interior do homem, ele se torna um representante de Cristo na terra. Embaixador do Reino de Deus. Apto para ser um agente de transformação na sociedade. Jesus deixou claro este processo. Um coração transformado é um coração transformador. “O pobre de espírito” também é o “sal da terra”. A “alma contristada” se torna “luz do mundo”. Os “mansos e misericordiosos” são como "cidade edificada sobre a rocha". Os “famintos por justiça” se equiparam a um abajur acesso no quarto escuro. Homens refletindo a glória de Deus num ambiente recoberto pelas trevas. Sendo diferente para fazer a diferença!


terça-feira, 12 de junho de 2018

Esse tal... "Final Feliz"


O casamento faz de duas pessoas uma só,
difícil é determinar qual será.
(William Shakespeare)


Qual o “final feliz” que autores de fábulas, livros e novelas geralmente dão a seus protagonistas "apaixonados" preferidos? Sim! Um belo e suntuoso casamento.

Enquanto a “mocinha sofredora" e o “galã corajoso” trocam juras de amor diante do sacerdote (não importando muito a crença ou devoção), somos levados a uma viagem por rostos felizes e lágrimas emocionadas. Em off, o narrador faz questão de massagear nossos ouvidos (e inclinações emocionalistas) com a frase mais ficcional da história: - "E eles viveram felizes para sempre!" Depois de doses cavalares deste "romantismo romanceado", lá vamos nós, sonhar com “princesas maravilhosas” e “príncipes encantados” (inexistentes), que (nunca) tornarão em realidade os sonhos cultivados entre “VHS verdes com selo holográfico da Disney” ou “papéis de carta perfumados e coloridos”. Alguém de sorte, certamente descobrirá a inveracidade desta conclusão sofista, antes de dizer o “sim” diante do altar.

O casamento não é o final feliz recomendado para nenhuma história com os “pés” calçados no mundo real. Na verdade, é apenas o fechamento de um capítulo que antecede as páginas onde as maiores batalhas da vida são descritas em minúcias. Como alguém sabiamente já ponderou, “casar é muito bom... ruim é acordar na manhã seguinte é tomar consciência do tamanho do problema no qual você (voluntariamente) se envolveu”. Quando “dois” se tornam “um”, existem mais percas que ganhos, ainda que seja possível “ganhar ao se perder”. Mas, será que estaremos dispostos ao aprendizado? E você pode frequentar dezenas de cursinhos pré-matrimoniais que as lições teóricas jamais irão te preparar para as experiências práticas. A quantidade de variáveis em um relacionamento inviabiliza qualquer fórmula previamente estabelecia.

Pense no curriculum escolar. O namoro corresponde ao pré-primário. O noivado, ao Jardim da Infância. Assim, o casamento nada mais é que uma matricula no ensino básico, e já dentro dele, você vai evoluindo para as próximas etapas. Até chegar ao primeiro "mestrado", serão anos a fio de estudo intenso e muitas reprovações. E quando conseguir (se conseguir) um PhD, haverá centenas de outras disciplinas aguardando sua atenção. Todas ao mesmo tempo. Amor não é matéria de TCC a ser trabalhada uma única vez na vida. É grafia incrustrada na pele, na alma, na mente e no coração. Faculdade da vida, sem direito a diplomas ou colação de grau.

Exatamente por estas (e outras tantas) razões, sou pouco crédulo no “amor à primeira vista”. Acredito que as pessoas confundam “afeição fulminante” ou “encantamento mistificado” com “amor genuíno”. E como num imã de polos transitórios, a atração de hoje pode se tornar a rejeição de amanhã. O misticismo de qualquer encanto vai embora na primeira falha do encantador. Por isso, a paixão é tão instável.  Amar em plenitude requer convivência, respeito mútuo e carinho compartilhado. O amor amadurece com o tempo, e se consolida nas experiências mútuas, boas ou ruins. Exatamente por isso, tantos casamentos passionais se desfazem nos primeiros meses, enquanto relacionamentos baseados em contratos e arranjos familiares sobrevivem as intempéries dos anos.

Em I Coríntios 13, quando Paulo listou as características do amor em sua forma mais intensa, deixou claro que é preciso amar com “consciência”. O amor sadio e funcional não pode ser impulsivo, tempestuoso ou inconsequente. Ele pensa. Pondera. Importa-se. Age com justiça e caminha sobre os trilhos da equidade. No "verdadeiro amor" não existe espaço para “loucuras” e “incertezas”. Corpos em chamas nada valem se os corações estiverem frios. A estrada do amor é pavimentada por rosas de pétalas aveludadas e espinhos pontiagudos. Logo, é preciso saber onde se quer chegar e quem te acompanhará na jornada, já que a caminhada solitária é insuportável.

Mas, caminhar junto é um exercício de paciência. “Amando” na maioria das vezes. “Suportando” sempre que preciso...

Quando éramos pequenos, eu, meus irmãos e algumas crianças da comunidade brincávamos de “Cultinho”. Mas, antes de ir à “igreja” era preciso formar as “famílias” (as crianças de hoje já não são como as de antigamente). O primeiro passo era escolher um “casal” para ser o “papai” e a “mamãe” (no sentido mais inocente, pudico e lúdico que você possa imaginar). E não é que bastavam alguns minutos de “vida matrimonial imaginativa” para que as primeiras divergências surgissem? Lembro da vez que “meu” casamento ficcional acabou quando tentávamos decidir a cor de uma casa que não existia. Não houve acordos para “paredes brancas e janelas azuis” ou “paredes azuis com janelas brancas". Fim de brincadeira. Divórcio litigioso.

Casar é fácil.... Difícil é aceitar que a missão de um cônjuge não é buscar a própria felicidade, mas sim, doar sua vida para fazer o outro feliz. Se ambos forem bem sucedidos neste propósito, então os anjos nos céus irão dizer um sonoro “amém”.O grande problema é que poucos estão (sinceramente) dispostos a abrir mão de si mesmo.  a maioria espera que o "outro(a)" faça isso primeiro. A vida a dois é um exercício diário de entrega, sacrifício e abnegação. Portanto, precisa incondicionalmente estar revestida de amor e cumplicidade.

Em seu livro “A Bíblia que Jesus Lia”, o escritor e articulista Philip Yancey resume o casamento numa única (e surpreendente) palavra, e remonta ao livro de Oséias para vislumbrar este conceito: “DEPENDÊNCIA

Oséias exerceu seu ministério durante os reinados de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias (reis de Judá), período em que Jeroboão foi rei em Israel. Mais do que palavras, a mensagem deste profeta foi (literalmente) “vivida” por ele. Orientado pelo Senhor, Oséias escolheu uma meretriz chamada Gômer para ser sua esposa. Apesar do “escândalo” desta união, Oséias constituiu família e teve com ela três filhos. Jezreel, Lo-Ruama e Lo-Ami. O tempo passou, Gômer se apaixonou pelo melhor amigo de seu marido, e acabou abandonando a família. Oséias estava com seu coração sangrando, criando os filhos sozinho, sendo escárnio da sociedade. A vida de Gômer também não estava fácil. A paixão que a levou para longe de casa se esfriou rapidamente, e agora, lá estava ela, desamparada e sem ter para onde ir. Voltou para a casa de prostituição, onde acumulou uma grande dívida com seus agenciadores. 

Deus voltou a falar com Oséias, ordenando que ele procurasse por Gômer, e a aceitasse de volta como sua esposa, amando outra vez uma mulher adúltera por natureza e dada a prostituições. Oséias prontamente atendeu a controversa ordem, e para ter de volta sua esposa, pagou por ela quinze moedas de prata e alguns quilos de cevada. De volta ao lar, Gomer não só foi amada intensamente, como também amou com intensidade. E nunca mais regressou para sua vida pregressa. Deus usou o casamento de Oséias como uma poderosa declaração de amor para com Israel, pois ainda que seu povo o tivesse abandonado e se prostituído com deuses estranhos, Ele ainda os amava, e estava disposto a pagar o preço da redenção.

Esta alegoria (onde Deus se coloca no lugar de um esposo traído, mas ainda apaixonado, sendo Israel a esposa adultera que se enveredou por caminhos tortuosos), persiste ao longo dos primeiros capítulos do livro de Oséias, até que, de repente a abordagem se transforma. Deus se põe no lugar de um pai que deseja ser amado por seus filhos: - Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu filho... Ensinei a andar a Efraim, tomei-os pelos seus braços... Atraí-os com cordas humanas, com cordas de amor (Oséias 11:1-4 – editado).

Qual relação ilustra melhor o genuíno amor? Um cônjuge que perdoa ou um pai que se dedica?

Segundo Philip Yancey, a essência dos dois relacionamentos é a mesma. Total dependência em sentidos inversos. Uma criança nasce dependente de todas as formas possíveis. Alguém precisa alimentá-la, senão morrerá de fome. Se não houver quem a tome em seus braços, ficará sempre restringida ao mesmo lugar. Todos nascemos sobre esta condição, e se estamos aqui, é porque alguém renunciou a si mesmo, e se dedicou a nossa dependência. 

A vida é uma série de conquistas diárias que vai nos levando rumo a autossuficiência.  Num dia aprendemos a nos alimentar sozinhos, no outro a andar por contra própria. E por aí vai.... Cada descoberta, cada aprendizado é um passo prodigioso em direção da independência pessoal. Alcançando cada vez mais alto, chegando cada dia mais longe... E quando os anos já pesam sobre os ombros, estamos completamente livres! Já não dependemos de nossos pais para pagar as contas ou tomar decisões importantes. O céu é o limite. A mundo é um playground. E, então quando estamos vivendo a plena liberdade, escolhemos pegar o caminho de volta e depender completamente de alguém mais uma vez.

O nome desta “incoerência” é... casamento. E quer saber, nada é mais coerente!

O casamento une duas pessoas de forma tão intensa e profunda, que a vida de “um” passa a ser viabilizada (ou não) pelo “outro”. Nos protocolos da lei brasileira, quando um casal “marca” oficialmente a data de seu casamento, o cartório exige que seja entregue as “certidões de nascimento” de ambos os nubentes. No momento da oficialização do matrimônio, o Juiz de Paz responsável, entrega ao casal apenas "uma" certidão, a de "casamento", que substitui os documentos entregues anteriormente pelos dois. Agora, até mesmo diante da lei dos homens, suas vidas estão interligadas, e perante Deus, se tornaram uma só carne.

Nossa dependência ao nascer é inerente a vida e não oferece qualquer alternativa. O casamento, por outro lado, é uma dependência voluntária, desejada e escolhida, motivada por sentimentos e emoções. No livro de Oséias nos deparamos com um Deus que cuidou de seu filho e o fez independente, mas almejava que de livre e espontânea vontade, Israel escolhesse depender Dele, assim como um cônjuge escolhe depender do outro.

E esta é exatamente a beleza do casamento.... Abrir mão da liberdade conquistada, para estar preso novamente a alguém. Desta vez, amarrado com Cordas de Amor.

Assim, brinque de casinha sem perder a responsabilidade. Ame de forma a constranger um amor recíproco e profundo. Casamento basicamente são duas pessoas cheias de imperfeições buscando juntas o aperfeiçoamento. Que “um” seja o espelho que reflita a renúncia do “outro”! E ainda em tempo, esqueça este negócio de final feliz. Encontre na vida a três (os dois + Cristo), motivos para ser feliz até o final. 

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Sobrevivendo a própria Vida


Aprenda como se você fosse viver para sempre.
Viva como se você fosse morrer amanhã.
(Isidoro de Sevilha)

A vida é um exercício de sobrevivência. Matar um leão por dia, enfrentando todo o bando vez ou outra. Nas horas vagas, passamos mais tempo cuidando dos ferimentos da guerra, que nos preparando para o próximo conflito. Assim, mesmo antevendo as batalhas futuras, somos sempre surpreendidos com a intensidade de cada uma delas. Viver, com certeza, não é uma aventura para os fracos. Nem poderia ser. 

Então, meu amigo, qual seu nível de força? Ainda tem disposição para encarar a vida de frente apesar dos olhares ameaçadores que recebe de volta?

Um dos meus versículos bíblicos favoritos é Eclesiastes 4:2-3. Talvez seja uma das ponderações mais pessimistas registradas nas escrituras, mas reflete com perfeição o ápice da crise existencialista. Salomão já observava o mundo por olhos cansados, e sob esta óptica, só conseguia enxergar a escuridão da alma humana. Homens cruéis e opressores levando vantagem sobre o próximo, disseminando maldade pela terra. O poder estava nas mãos dos maus, e não havia consolo e conforto para o justo. Ninguém ousava militar pela causa dos oprimidos. A conclusão do sábio pregador é um banho de água fria para os otimistas de plantão:

- Felizes são os mortos! Pois é melhor morrer do que estar vivo. Ainda mais feliz é aquele que nunca nasceu, e jamais viu as iniquidades que se praticam neste mundo!

Forte, não é? Exatamente o mesmo discurso que tanto vomitamos em tempos de crise. Pedimos pela morte. Questionamos à Deus por “recolher” nossos entes queridos e nos deixar para trás. Velórios são frequentados por pessoas que preferiam estar no lugar do defunto. Pelo menos, na teoria.... Afinal, apenas os vivos costumam reclamar da vida...

- Eu não pedi para nascer!

Se você nunca disse esta frase, certamente conhece alguém que a proferiu. Mesmo não sendo a verdade. Indistintamente, todo ser humano desejou muito passar pelas portas da vida. Lutou por este direito. Milhares de espermatozoides ficaram pelo caminho, enquanto apenas “um” deles continuou superando todos os obstáculos da jornada, até finalmente fecundar o óvulo e dar origem a um novo indivíduo, com suas próprias particularidades e percepções. Só está vivo quem se esforçou muito para nascer, e portanto, “viver” não é uma recompensa a ser menosprezada. Por mais desagradável que esteja sendo a sua vida, você já é um vencedor por estar vivendo-a. Logo, não seja perdulário. Aproveite-a com sabedoria. Se não der para “viver com folga”, engula o choro, caminhe para frente, olhe para cima e insista em sobreviver!

No aclamado filme “Náufrago”, o personagem Chuck Noland (brilhantemente interpretado por Tom Hanks), após sofrer um acidente aéreo, se vê isolado numa ilha deserta, longe da civilização e afastado das pessoas que amava. Anos depois, quando já era oficialmente considerado morto até mesmo pela esposa, ele retorna para casa após ser resgato com vida no meio do oceano. Questionado sobre como conseguiu manter a sanidade durante os anos de sua provação, deu uma resposta “poética” que pode muito bem ser usada para descrever a “veracidade” da própria existência humana:

- Todos os dias eu só pensava em sobreviver, até que o mar me trouxesse uma vela...

Quem disse que viver é fácil? Nossos dias são abarrotados de preocupações, cobranças e ansiedades. Trabalhamos horas a fio por salários que raramente nos asseguram alguma possibilidade de descanso. Somos sobretaxados ao nascer, e ao morrer, geramos novas dívidas para aqueles que deixamos enlutados. Desilusões amorosas. Frustrações Acadêmicas. Decepções religiosas. A vida é um bate-estaca imparável que nos empurra cada vez mais para baixo, até literalmente estarmos à sete palmos do chão. Certa vez, alguém muito perspicaz descreveu a “vida” como “uma encomenda que a parteira envia para o coveiro”. Não poderia haver melhor metáfora.

Nosso tempo é ínfimo, não passando de um pixel num minúsculo ponto incrustado na eternidade. Entre milhares de galáxias que compõem o cosmo, temos alguma relevância? Qual o real impacto da ausência de um único indivíduo no planeta? A vida é transitória, efêmera e sazonal; mesmo assim, não deixa de ser valiosíssima.  Um bem único, pessoal e intransferível, que nos leva a extremos para preservá-la, ainda que no “caminhemos” maldizendo a própria existência. Dias atrás, durante uma ministração, perguntei ao quórum presente quantos deles desejavam ver Jesus face a face. Todos levantaram suas mãos. Então acrescentei: - Quem deseja ter este encontro ainda hoje? No puro reflexo, praticamente todas as mãos foram abaixadas. É verdade que queremos morar no céu... Mas, para que ter pressa?

A vida é difícil? Sim. Complicada? Muito. Mas, gostamos de estar vivos (esta é verdade), mesmo que a existência nos traga dor. Portadores de câncer se submetem ao desagradabilíssimo tratamento com quimioterapia porque desejam viver. Pessoas com atrofia nos rins passam pelo doloroso processo da hemodiálise porque almejam prolongar sua vida. A minha existência pode não ter qualquer relevância cósmica, mas para mim, significa absolutamente tudo. Assim como tem imenso valor para Deus. É durante o pouco espaço de tempo entre a “maternidade” e o “cemitério” que tenho a possibilidade de sonhar e realizar, amar e ser amado, honrar meus pais e educar meus filhos. E o mais importante é que durante a minha existência terrena, construo as edificações da eternidade. Calibro a distância que manterei de Deus quando todas as coisas encontrarem seu fim. Onde estarei na “não existência”, depende daquilo que faço enquanto eu “existir”.

Em resumo, viver é maravilhoso, mesmo que seja necessário sobreviver a própria vida. Suportar dias infindáveis de tristeza por raros momentos de alegria. Mas, tudo bem. Se fossemos felizes o tempo inteiro, a felicidade não seria medíocre, insossa e banalizada? Então, como saberíamos de fato o que é ser feliz? Só sabe a beatitude de uma cura, quem enfrentou a doença. Só entende o sorriso de um sol nascente, aquele que vivenciou uma intensa noite de choro. Apenas alguém que nada teve, consegue ser grato pelo pouco que tem. Quando o bafo gélido da morte nos sopra o cangote arrepiando a espinha, compreendemos o valor da vida, e passamos a apreciar cada nuance deste “presente maravilhoso” que tanto nos faz sofrer. Irônico? Paradoxal? Simplesmente, humano...

Somos competitivos, paramentados e comparativos. Gostamos de avaliar posições, elaborar conclusões precipitadas e rotular pessoas. Então, o Senhor, em sua infinita sabedoria usa todos estes fatores em nosso amadurecimento pessoal. O amor nos chama para Deus, mas é a dor que nos atrai. Se os freios do carro falham, por quem chamamos? Se o laudo médico é positivo, para quem recorremos? Puxe pela memória quais foram as suas experiências mais intensas com Deus. Tenho certeza que envolvem lágrimas, orações quebrantadas e coração ferido. Só descobrimos o real valor das coisas quando as perdemos, e por vezes, somos levados a vivenciar percas terríveis, apenas para nos lembrar do que realmente importa.

Dias atrás estava conversando com meu amigo Ronaldo Campos sobre as "reboots" que a vida nos impõem. Recomeços não planejados, sem recursos ou garantias. E como estas transições são assustadoras. Tudo é muito difícil e o próximo passo pode te catapultar para o fundo de um abismo sem fim. Então, em certo ponto da conversa, deixei de lado o discurso vitimistas e cravei com confiança: - Apesar dos pesares, a vitória será grande! E ele, com muita sabedoria, ponderou: - Não existe grande vitória depois de uma luta pequena. A vitória será grandiosa sim, mas se prepare porque a batalha terá o mesmo tamanho!

Perfeito. Almejamos grandes conquistas, então, o empenho tem que ser grandioso. Para que grandes decisões sejam tomadas, renúncias grandiosas precisam ser feitas. Certa vez ouvi uma frase que dizia: - “Sei que Deus reserva as maiores batalhas para os seus melhores soldados, mas acredito que Ele esteja me confundindo com o Rambo!”  Confesso que por vezes também tenho esta sensação. Olho a minha volta e me vejo cercado por campos minados e aranhas voadoras. Logo penso: - Deus! Desta vez eu não vou aguentar! É demais para mim!  E não é que no fim, eu acabo sobrevivendo! Ferido, sangrando e esbaforido. Porém, vivo. Grato pela vida. Honrado por ter sido escolhido para enfrentar tamanha batalha em nome de Deus. Com a sensação de dever cumprido, em saber que através de mim, pessoas puderam testemunhar o poderio do meu Redentor.

Sobrevivi. E neste processo, me aproximei de Deus. Compreendi com exatidão que as prioridades estabelecidas por mim não me levam a lugar algum se a vontade do Senhor não for soberana no meu viver. Parafraseando a cantora Sara Farias, posso dizer que ganhei enquanto perdia, subi enquanto descia, cresci enquanto diminuía, apareci enquanto desaparecia e na minha fraqueza, o poder de Deus se aperfeiçoou.

Que lindo isso. Lembra do “Chuck Noland” sobrevivendo todos os dias na ilha deserta na expectativa que o mar lhe trouxesse uma embarcação? Pois é. Temos mais sorte. Nossa ilha é Deus. Nosso mar é Deus. Nosso barco de volta para casa é Deus. Nossa vida é Dele e é por Ele que sobrevivemos todos os dias. Levados aos extremos para ultrapassarmos os limites estabelecidos diante do espelho. Superando as expectativas da sociedade através de transformações miraculosos. A glória de Deus se refletindo em nós. Sorrisos brilhantes em meio a lágrimas. Palavras de conforto ministradas por um coração em pedaços. O amor sendo compartilhado por aqueles que sentiram na pele a dor da rejeição.

Quer um conselho? Nunca permita que a frustração por sonhos não realizados lhe impeça de ajudar que outros realizem seus sonhos. O projeto pessoal fracassou? Invista nos projetos de alguém. Não deixe de acreditar no potencial existente em teu ministério, mas se realize no sucesso das pessoas a sua volta. Seja menos egoísta. Frustre-se menos. Não murmure das tuas lutas. Lembre-se que ninguém é ovacionado por se recuperar da gripe, mas sempre iremos admirar alguém que venceu o câncer. E ao longo da vida, você estará em lados opostos desta corda. Travará batalhas secretas que edificará apenas tua vida. Lutará em guerras públicas que edificará a vida de todo o exército. Nenhuma delas é aleatória ou desnecessária. Cada combate será colossal.  Grandes vitórias sucedem embates grandiosos. Então, lute! Se esforce! Não desista! Viva a vida! Sobreviva as tragédias! Fique de pé! A perseverança não é uma longa corrida. Ela é muitas corridas curtas, uma depois da outra. (Walter Elliott)

Pensa na vida como um pugilista profissional. Peso Pesado. Campeão Absoluto. Você é apenas uma pessoa comum, desprovida de treinamento e porte físico, que sem maiores explicações se candidatou à subir ao ringue para enfrentá-lo. E desde que o gongo soou para o primeiro round, tudo o que você fez foi apanhar. Gancho. Jab. Cruzado. Uppercut. Um alvo em sua testa, e o oponente soma cem por cento de aproveitamento. Os anos se passaram, e até agora nenhum de seus golpes encaixou-se com perfeição. Mas, não se engane com sangue no rosto e os hematomas no corpo. Você não é um fracasso, um erro de divino ou um aborto pretérito. Você é um Campeão de Deus, que apesar de levar tantos golpes, é forte o suficiente para ainda está de pé, sem beijar a lona, enquanto outros espadaúdos já foram nocauteados com muita facilidade.

Continue firme. Sobreviva. Faça valer a vida. Use a dor como uma ponte para Deus.  Samuel Johnson certa vez disse que "os grandes feitos são conseguidos não pela força, mas pela perseverança". Logo, persevere em Deus. Ele é quem nos fortalece. Dele procedem as saídas da vida.  O Senhor é teu amparo e teu guia. Desde do tempo em que o “escolhido” não passava de um “bichinho” (Isaías 41:14). E mesmo que tenha se esquecido, no quesito “sobreviver a jornada” e "viver uma história co propósito eternal" você já tem muita experiência!