Não
adianta apressar aquilo que só Deus decide.
(Regina
Coeli)
Planejar a própria vida é como zombar do acaso. O
amanhã não consulta agendas antes do raiar do sol. Ele simplesmente acontece,
alheio as nossas aspirações. Devemos sim nos preparar para o futuro, mas,
cientes que quando ele chegar, dificilmente estaremos, de fato, preparados para
enfrentá-lo.
E não. Esta não é visão pessimista da vida. Apenas
a constatação verossímil da realidade. Anos de preparo podem se tornar obsoletos
dependendo do lado da rua que decidimos caminhar. Acidentes não são planejados.
Diagnósticos devastadores não fazem parte da pauta. Já contamos com o retorno
para a cama depois de um dia cansativo, antes mesmo de sair dela pela manhã. Muitos,
não retornam. O imponderável nos aguarda
na próxima esquina, com a boca escancarada e os dentes afiados.
A vida é surpreendente. Curta demais. Acidentada
em todos os trechos. Até sabemos para onde ir, mas não existem garantias que
chegaremos lá. Um simples telefonema pode mudar toda a rota traçada. O rosto
aflito do médico durante o exame pré-natal liga o sinal vermelho no painel.
Nada será como foi planejado. Luto. Quebra de confiança. Assinatura no RH. Perícias.
Laudos. Curvas fechadas demais. Assaltos. Bala perdida. Não controlamos as próprias células do organismo,
quem dirá a ação de outras pessoas. Viver é um risco que estamos dispostos a
correr, mesmo sabendo dos perigos. E para aliviar a carga emocional, nos
refugiamos em cofres de segurança. Denominação Religiosa. Trabalho. Faculdade. Família.
Programamos corretamente o mecanismo para as mazelas sejam mantidas trancadas
do lado de fora, sem ao menos nos atinar que a bomba relógio pode estar
escondida num órgão vital do próprio corpo. Ou será que alguém planeja ataques cardíacos,
paradas respiratórias e derrames cerebrais?
Exatamente por isso, acho muito pertinente a metáfora
que compara a vida a uma roda gigante, girando e girando, alternado seus altos
e baixos. E lá estamos nós, presos na cadeira, apenas observando o movimento do
grande aro, sem ter nas mãos o poder do reagir. Por mais controle que tenha sobre as suas
atividades diárias, o mecanismo que faz a roda da vida girar nunca será
controlado por você.
E quem
está no controle?
Quando estamos “por cima”, observando do alto as
pessoas e as instituições, é muito fácil dar créditos a Deus pelo sucesso. – Trabalhei muito, é verdade, mas se o
Senhor não tivesse me ajudado, não teria conseguido! Quando a roda da vida
nos leva as alturas, é bom demais viver! O louvor flui com tanta facilidade, que
chega a soar superficial. Bênçãos acumuladas e ausência de dores é uma
combinação excessivamente maravilhosa, o que pode se tornar um perigo. Cedo ou
tarde, todo excesso se revela danoso. Logo, é preciso viver sistematicamente os
ciclos, fazendo visitas regulares as regiões periféricas, onde podemos relembrar
quem somos, de onde viemos e para onde queremos ir. São nestes momentos, onde o
declínio humano encontra seu auge, que entendemos a supremacia de Deus sobre as
saídas da vida. O controle de tudo está
em suas mãos, mesmo que Ele nos permita autonomias pontuais durante o processo.
Imagine-se fazendo uma prova com questões de múltiplas
escolhas, sem ter qualquer conhecimento pleno sobre os assuntos pautados. No “uni-du-ni-tê”, você vai assinalando as
respostas, confiando apenas na intuição pessoal ou na sorte. Até que o avaliador
lhe entregue o resultado, haverá mais duvidas que certeza. A iniciativa é nossa, mas o controle não. E todos os dias fazemos estas escolhas do nascer ao pôr do sol. Quais vamos acertar é uma questão a ser
respondida apenas na eternidade. Sombras de um futuro que nos esforçamos para enxergar com clareza.
Assim, preciso fazer o meu melhor e confiar no bom
senso do avaliador. O Mestre de Máquinas controlando o girar da roda. O Dominador
da Morte. O Dono da Vida. Ele é bom, justo e misericordioso. Sempre tem o melhor reservado aos seus filhos. Neste caso, basta tomar
as decisões corretas, e certamente tudo ficará bem. Boas escolhas sempre resultarão em sucesso e
prosperidade...
Será
mesmo?
Acho que Daniel discordaria deste argumento. Ele
estava “por cima” na roda da vida, quando adversários invejosos conspiraram
para destruir-lo. Porém, não haviam argumentos contra Daniel. Sua integridade
não abria brechas para qualquer tipo de acusação. A melhor estratégia era afrontar
a fé do hebreu. Dário foi convencido a assinar um decreto que proibia adoração
a qualquer divindade que não fosse o próprio rei dos medo-persas. Quem
descumprisse esta ordem, seria lançado na cova dos leões.
Bom, qualquer criança que frequente o maternal da
Escola Bíblica conhece o final desta história. Daniel, de fato, acabou dentro
de uma cova cheia de leões famintos. Por baixo. Seus inimigos gargalhando de contentamento.
O rei desesperado por condenar à morte seu melhor administrador. Agora, pense.
O que de fato levou Daniel para a cova? O plano? O decreto? Não... Foi a
escolha. Quando se viu diante da questão mais importante de sua vida, Daniel
não teve dúvidas em qual das opções assinalar:
( ) Orar
ao rei persa e ter uma vida longa e próspera.
( X )
Orar ao Deus Israel e ser condenado a uma morte terrível.
O que levou Daniel para a cova não foram seus pecados.
Foi sua vida de oração. A escolha correta seguida de uma consequência terrível.
Deus girando a roda da vida no contratempo da vontade humana.
Nos meus trinta e “tantos” anos de vida, já me
deparei com inúmeros porta-vozes da “justiça divina”, servos de um “deus”
sanguinário, leviano e sádico, que causa sofrimentos indescritíveis apenas para
seu bel prazer. Gente que aponta o dedo para o fracasso alheio e clama punição ao
pecador. – Está colhendo o que plantou! O
“meu” Deus tarda, mas não falha! O que diriam ao ver Daniel amarrado de pés
e mãos, sendo arrastado por seus inimigos para a morte? Será que recriminariam
o profeta por suas escolhas sem entender o propósito das provações alheias? Nem todo infortúnio é provocado por erros. Também pagamos o preço por nossos maiores acertos.
Quer outro exemplo? Sadraque, Mesaque e Abdenego. Foram
lançados na fornalha de fogo porque decidiram se manter fieis ao Deus de seus
pais. Boa escolha. Consequência trágica. Nabuconosor mandou aquecer a fornalha
sete vezes mais, antes de lançar os garotos hebreus para a chamas. Outra vez, a devoção e a fé atraindo dor, desgraça e morte.
Mas, não se desespere. Deus sabe o que faz. Por
isso o controle é Dele, e não nosso. Agendas humanas falham. O planejamento do
Senhor é perfeito. Tem lugar e hora. Nem antes, nem depois. A roda gira com a
precisão necessária para que os desígnios eternos encontrem seu epicentro na
história. Se fizermos as escolhas corretas, o resultado a longo prazo sempre
será infalível, mesmo que nenhum sucesso momentâneo seja registrado. O lugar
para Deus agir é dentro da cova dos leões. Não antes dela. A hora exata da providência
divina é quando a fornalha já está em fogo alto. Não no primeiro lampejar da
chama.
Apenas viva os ciclos. Deixe o Senhor virar a roda
da vida. Segure na barra de segurança, e confie naquele que tem nas mãos o
controle absoluto do universo. O mesmo que definiu os limites do mar e nomeou
cada estrela a pontilhar os céus. Imagine-se tomando conta de um grão de açúcar
em cima da mesa. Você não pode deixar que ele saia do lugar onde foi deixado. Sua
missão é impedir o movimento desta minúscula pedrinha adocicada. Por acaso,
esta seria uma atividade difícil para você realizar? É mais simples
para Deus ter o controle de nossas vidas, do que seria para nós tomar conta de
um grão de açúcar. Basta aceitar o poderio do Senhor, da mesma forma que a
pedrinha açucarada não ousaria questionar sua soberania sobre ela.
Quanto ao movimento da roda. Relaxe... Não se
preocupe com o “quando” e o “porque”. Você sempre vai estar no exato ponto onde
precisa estar. É ali que Deus faz cumprir em nossas vidas os propósitos que
ainda não entendemos. Esta é a "hora" e este é o "lugar". O “onde” e o "quando" são detalhes que
só o Senhor conhece e faz questão de manter em sigilo.
Olhe para cima e veja Deus. Olhe para baixo e encontre
Deus ali também. Todos os 360 graus convergem sempre para a mesma direção. Até
porque, na lógica divina, descemos para subir, e subimos para descer. Acredite
num Deus que reverte a ordem e que chama para a existência as coisas que não
existem. E não se preocupe demais com planejamentos e autocontroles excessivos.
Deixe o Senhor controlar a sua vida com a mesma competência que tem controlado as galáxias ao longo dos séculos.
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