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sábado, 23 de junho de 2018

A Hora e o Lugar


Não adianta apressar aquilo que só Deus decide.
(Regina Coeli)


Planejar a própria vida é como zombar do acaso. O amanhã não consulta agendas antes do raiar do sol. Ele simplesmente acontece, alheio as nossas aspirações. Devemos sim nos preparar para o futuro, mas, cientes que quando ele chegar, dificilmente estaremos, de fato, preparados para enfrentá-lo.

E não. Esta não é visão pessimista da vida. Apenas a constatação verossímil da realidade. Anos de preparo podem se tornar obsoletos dependendo do lado da rua que decidimos caminhar. Acidentes não são planejados. Diagnósticos devastadores não fazem parte da pauta. Já contamos com o retorno para a cama depois de um dia cansativo, antes mesmo de sair dela pela manhã. Muitos, não retornam. O imponderável nos aguarda na próxima esquina, com a boca escancarada e os dentes afiados.

A vida é surpreendente. Curta demais. Acidentada em todos os trechos. Até sabemos para onde ir, mas não existem garantias que chegaremos lá. Um simples telefonema pode mudar toda a rota traçada. O rosto aflito do médico durante o exame pré-natal liga o sinal vermelho no painel. Nada será como foi planejado. Luto. Quebra de confiança. Assinatura no RH. Perícias. Laudos. Curvas fechadas demais. Assaltos. Bala perdida.  Não controlamos as próprias células do organismo, quem dirá a ação de outras pessoas. Viver é um risco que estamos dispostos a correr, mesmo sabendo dos perigos. E para aliviar a carga emocional, nos refugiamos em cofres de segurança. Denominação Religiosa. Trabalho. Faculdade. Família. Programamos corretamente o mecanismo para as mazelas sejam mantidas trancadas do lado de fora, sem ao menos nos atinar que a bomba relógio pode estar escondida num órgão vital do próprio corpo. Ou será que alguém planeja ataques cardíacos, paradas respiratórias e derrames cerebrais?

Exatamente por isso, acho muito pertinente a metáfora que compara a vida a uma roda gigante, girando e girando, alternado seus altos e baixos. E lá estamos nós, presos na cadeira, apenas observando o movimento do grande aro, sem ter nas mãos o poder do reagir. Por mais controle que tenha sobre as suas atividades diárias, o mecanismo que faz a roda da vida girar nunca será controlado por você.

E quem está no controle?

Quando estamos “por cima”, observando do alto as pessoas e as instituições, é muito fácil dar créditos a Deus pelo sucesso. – Trabalhei muito, é verdade, mas se o Senhor não tivesse me ajudado, não teria conseguido! Quando a roda da vida nos leva as alturas, é bom demais viver! O louvor flui com tanta facilidade, que chega a soar superficial. Bênçãos acumuladas e ausência de dores é uma combinação excessivamente maravilhosa, o que pode se tornar um perigo. Cedo ou tarde, todo excesso se revela danoso. Logo, é preciso viver sistematicamente os ciclos, fazendo visitas regulares as regiões periféricas, onde podemos relembrar quem somos, de onde viemos e para onde queremos ir. São nestes momentos, onde o declínio humano encontra seu auge, que entendemos a supremacia de Deus sobre as saídas da vida.  O controle de tudo está em suas mãos, mesmo que Ele nos permita autonomias pontuais durante o processo.

Imagine-se fazendo uma prova com questões de múltiplas escolhas, sem ter qualquer conhecimento pleno sobre os assuntos pautados. No “uni-du-ni-tê”, você vai assinalando as respostas, confiando apenas na intuição pessoal ou na sorte. Até que o avaliador lhe entregue o resultado, haverá mais duvidas que certeza.  A iniciativa é nossa, mas o controle não. E todos os dias fazemos estas escolhas do nascer ao pôr do sol. Quais vamos acertar é uma questão a ser respondida apenas na eternidade. Sombras de um futuro que nos esforçamos para enxergar com clareza.

Assim, preciso fazer o meu melhor e confiar no bom senso do avaliador. O Mestre de Máquinas controlando o girar da roda. O Dominador da Morte. O Dono da Vida. Ele é bom, justo e misericordioso. Sempre tem o melhor reservado aos seus filhos. Neste caso, basta tomar as decisões corretas, e certamente tudo ficará bem. Boas escolhas sempre resultarão em sucesso e prosperidade...

Será mesmo? 

Acho que Daniel discordaria deste argumento. Ele estava “por cima” na roda da vida, quando adversários invejosos conspiraram para destruir-lo. Porém, não haviam argumentos contra Daniel. Sua integridade não abria brechas para qualquer tipo de acusação. A melhor estratégia era afrontar a fé do hebreu. Dário foi convencido a assinar um decreto que proibia adoração a qualquer divindade que não fosse o próprio rei dos medo-persas. Quem descumprisse esta ordem, seria lançado na cova dos leões.

Bom, qualquer criança que frequente o maternal da Escola Bíblica conhece o final desta história. Daniel, de fato, acabou dentro de uma cova cheia de leões famintos. Por baixo. Seus inimigos gargalhando de contentamento. O rei desesperado por condenar à morte seu melhor administrador. Agora, pense. O que de fato levou Daniel para a cova? O plano? O decreto? Não... Foi a escolha. Quando se viu diante da questão mais importante de sua vida, Daniel não teve dúvidas em qual das opções assinalar:

 (    ) Orar ao rei persa e ter uma vida longa e próspera.
( X ) Orar ao Deus Israel e ser condenado a uma morte terrível.

O que levou Daniel para a cova não foram seus pecados. Foi sua vida de oração. A escolha correta seguida de uma consequência terrível. Deus girando a roda da vida no contratempo da vontade humana.

Nos meus trinta e “tantos” anos de vida, já me deparei com inúmeros porta-vozes da “justiça divina”, servos de um “deus” sanguinário, leviano e sádico, que causa sofrimentos indescritíveis apenas para seu bel prazer. Gente que aponta o dedo para o fracasso alheio e clama punição ao pecador. – Está colhendo o que plantou! O “meu” Deus tarda, mas não falha! O que diriam ao ver Daniel amarrado de pés e mãos, sendo arrastado por seus inimigos para a morte? Será que recriminariam o profeta por suas escolhas sem entender o propósito das provações alheias? Nem todo infortúnio é provocado por erros. Também pagamos o preço por nossos maiores acertos. 

Quer outro exemplo? Sadraque, Mesaque e Abdenego. Foram lançados na fornalha de fogo porque decidiram se manter fieis ao Deus de seus pais. Boa escolha. Consequência trágica. Nabuconosor mandou aquecer a fornalha sete vezes mais, antes de lançar os garotos hebreus para a chamas. Outra vez, a devoção e a fé atraindo dor, desgraça e morte.

Mas, não se desespere. Deus sabe o que faz. Por isso o controle é Dele, e não nosso. Agendas humanas falham. O planejamento do Senhor é perfeito. Tem lugar e hora. Nem antes, nem depois. A roda gira com a precisão necessária para que os desígnios eternos encontrem seu epicentro na história. Se fizermos as escolhas corretas, o resultado a longo prazo sempre será infalível, mesmo que nenhum sucesso momentâneo seja registrado. O lugar para Deus agir é dentro da cova dos leões. Não antes dela. A hora exata da providência divina é quando a fornalha já está em fogo alto. Não no primeiro lampejar da chama.

Apenas viva os ciclos. Deixe o Senhor virar a roda da vida. Segure na barra de segurança, e confie naquele que tem nas mãos o controle absoluto do universo. O mesmo que definiu os limites do mar e nomeou cada estrela a pontilhar os céus. Imagine-se tomando conta de um grão de açúcar em cima da mesa. Você não pode deixar que ele saia do lugar onde foi deixado. Sua missão é impedir o movimento desta minúscula pedrinha adocicada. Por acaso, esta seria uma atividade difícil para você realizar? É mais simples para Deus ter o controle de nossas vidas, do que seria para nós tomar conta de um grão de açúcar. Basta aceitar o poderio do Senhor, da mesma forma que a pedrinha açucarada não ousaria questionar sua soberania sobre ela.

Quanto ao movimento da roda. Relaxe... Não se preocupe com o “quando” e o “porque”. Você sempre vai estar no exato ponto onde precisa estar. É ali que Deus faz cumprir em nossas vidas os propósitos que ainda não entendemos. Esta é a "hora" e este é o "lugar". O “onde” e o "quando" são detalhes que só o Senhor conhece e faz questão de manter em sigilo.

Olhe para cima e veja Deus. Olhe para baixo e encontre Deus ali também. Todos os 360 graus convergem sempre para a mesma direção. Até porque, na lógica divina, descemos para subir, e subimos para descer. Acredite num Deus que reverte a ordem e que chama para a existência as coisas que não existem. E não se preocupe demais com planejamentos e autocontroles excessivos. Deixe o Senhor controlar a sua vida com a mesma competência que  tem controlado as galáxias ao longo dos séculos.

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