Tome cuidado com a sua vida,
talvez ela seja o único evangelho que as pessoas
leiam.
(Francisco
de Assis)
Quer ser um cristão de verdade? Não é preciso decorar os preceitos da lei mosaica ou seguir todos os ritualismos do Velho Testamento. Basta praticar as diretrizes apontadas por Jesus no Sermão da Montanha, registrado com minúcias em Mateus 5, 6 e 7. Simples, assim. Três capítulos da Bíblia que resumem de forma perfeita a essência do cristianismo, apresentando de forma clara e inquestionável os pré-requisitos exigidos para “todos” aqueles que desejam postular o título de “Cidadão dos Céus”.
A mensagem de Cristo quebrou conceitos que os séculos consolidaram. Jesus lançou ao chão dogmas centenários tratados socialmente como verdades absolutas. Os judeus estavam convictos que seus preceitos doutrinários lhes justificavam diante de Deus, e que boas ações públicas valiam mais que as intenções egoístas ao praticá-las. Os religiosos da Judeia sentiam-se “santificados” por um código legislativo aplicado quando preciso, e ignorado se necessário. Dois pesos e duas medidas. Ineficiente absoluta.
A sociedade judaica estava impregnada com a herança filosófica dos gregos e sua interpretação maniqueísta de sucesso, onde “bem-sucedido”, é um homem pleno de felicidade e aplaudido por seus iguais. A arrogância do império romano também se alastrava por entre as ruas de Jerusalém, mesmo que abafada por um surto de nacionalismo tendencioso. Em resumo, os judeus nada tinham para aprender com carpinteiro de Nazaré, pois estavam seguros em si mesmo, confiantes na justificação pessoal e ambiciosos por conquistas políticas e ganhos pessoais.
E o que fez Jesus transitar entre a “popularidade instantânea” e a “impopularidade imediata”? Ele confrontou o pensamento humano com a legislação celeste, onde o “ser” é mais importante que o “ter”.
No Reino de Deus, as intenções do coração possuem a mesma importância que o movimento definitivo das mãos. Jesus catapultou a filosofia para o limbo da eternidade, e em seu lugar implantou uma doutrina espiritual pautada em renúncia, resignação e amor ao próximo. Mais de seiscentos complexos e pesarosos preceitos legislativos resumidos num único parágrafo objetivo, simples e perfeitamente funcional:
- Ame ao Senhor Deus sobre todas as coisas, e o próximo como a você mesmo.
Entendeu a lógica? A cadência do mandamento é linear... Deus... O próximo... Você. O oposto de nossas convicções. Nunca o contrário.
Logo, o pensamento coletivo entrou em colapso. - Como é possível alcançar o sucesso se a prioridade do homem não for sua felicidade plena num contexto de integridade e harmonia? E se não bastece confrontar o modo de vida de toda aquela sociedade preconceituosa e negligente no cuidado com os desfavorecidos, Jesus ainda apontou o dedo na direção dos homens mais bem-sucedidos de seu tempo e lhes revelou o completo fracasso:
- Vocês não passam de fraudes ambulantes. Pecadores com fantasias de santidade. Cegos que fingem enxergar. Mortos espirituais sepultados em carcaças humanas. Pode existir tristeza maior?
E então, dos olhares vitrificados da turba que se aglomerava ao redor do jovem rabino, emergiu a pergunta silenciosa, cuja resposta inquietante, daria início ao maior sermão da história:
- Quem, de fato, é feliz?
Os judeus não estavam preparados para ouvir a verdade. Nós, também não estamos. Fingimos concordar com os lábios, quando no coração fazemos questão de discordar (ou apenas ignorar). Assim como os religiosos de Israel, ainda nos respaldamos em religiosidade supérflua. Como os gregos de outrora, também achamos que nosso pensamento deve ser a “forma” onde se molda o caráter de todos em volta. Como os romanos do primeiro século, estamos tão convictos da própria soberania, que o único intuito da existência é conquistar. Mais sucesso midiático. Mais poder de influenciar as pessoas. Mais verba para satisfazer as demandas hedonistas. E nesta ânsia pelo "mais", vivemos "menos". Nossa existência é consumida por horas extras e acessos ilimitados. Na busca pela felicidade acima de "tudo e todos", não percebemos o quanto nos tornamos infeliz. E ineficazes...
Mas, quem é feliz de verdade? Quais são as pessoas mais bem-sucedidas da terra?
E a resposta de Jesus ainda ressoa tão inquietante, quanto soou aos ouvidos dos religiosos de Israel, dois milênios atras...
Felizes são os pobres de espírito, dependentes de Deus por escolha e vontade. O reino dos Céus pertence a eles.
Felizes são os que choram, cujos corações quebrantados se derramam diante do Santíssimo Altar. Eles serão consolados.
Felizes são os mansos, de alma dócil e espírito zeloso. A terra das promessas lhe será dada em herança.
Felizes são os famintos por justiça e os sedentos pela verdade. Eles terão suas almas saciadas.
Felizes são os misericordiosos, dispostos a estender a mão aos necessitados. A misericórdia será alcançada por eles.
Felizes são os que preservam seus corações afastados de toda a sujeira que impregna este mundo. Eles estão aptos para olhar a face do Senhor.
Felizes são os semeadores da paz, que fazem do amor seu lema de vida. Deus é o Pai de cada um deles.
Felizes são os perseguidos por proclamarem a justiça e os condenados por defenderem a verdade. O Reino dos Céus abrirá suas portas para recebê-los.
Felizes são todos vocês, coagidos, injuriados e desmerecidos por abraçarem a causa do Cristo. Há um grandioso galardão reservado nos céus para todos que glorificam o Pai em meio as aflições. A mesma glória futura reservada aos profetas do passado!
Nada disto parece fazer sentido. Felicidade encontrada nas lágrimas, no sofrimento e nas perseguições?
Pois é! Quer ser um cidadão do céu? Se submeta a legislação celeste apresentada por Jesus. O céu é lugar para corações humildes e espíritos retos. Quem irá abrir as portas do Paraíso é aquele que voluntariamente morreu por todos nós na cruz do Calvário, mesmo que ainda fossemos maus e pecadores. Será que sacrificar-se um pouquinho pelo bem-estar do "próximo" não é o mínimo de gratidão que podemos demonstrar?
Jesus não pretendia que seus seguidores vivessem uma vida de religiosidade estereotipada. Ele desejava que o amor fosse vivido com intensidade. Não apenas em palavras ou ações pragmatizadas. Para seguir o Cristo, é preciso uma transformação no interior. Mudança de paradigmas. Abandono de dogmas. Metamorfose de pensamento. A vivencia com Cristo nos leva a enfrentar as adversidades com otimismo, certos que a vontade de Deus é soberana, e que existe propósito em cada lágrima derramada. Agir de forma diferente por pensar de forma diferente. Enquadrar o senso de justiça individual na legislação do céu. Enxergar as pessoas pelo prisma do amor incondicional. Ser mais como Jesus e menos como “nós” mesmo. Entender que quanto menos as pessoas merecem nosso amor, mas devemos amá-las.
Que desafio, hein?
Um “evangelho” que não questiona, confronta e transforma, não pode ser considerado legítimo. A palavra “evangelho” remonta a ideia de se receber uma “notícia tão maravilhosa” que a vida já não pode ser como era antes. Quem roubava, distribui. Quem odiava, ama até seus inimigos. Quem cobiçava, compartilha. Quem traía, apregoa fidelidade. Quem matava, se torna em portador da mensagem de vida eterna. E se reencontrar um rumo definitivo para a própria história (na qual inúmeras pessoas testificam o poder transformador de Deus e se influenciam a viver as próprias catarses espirituais), não for motivo suficiente para ser feliz (apesar dos percalços da estrada), sinceramente não sei o que pode ser chamado de “felicidade”...
Quando a obra está completa no interior do homem, ele se torna um representante de Cristo na terra. Embaixador do Reino de Deus. Apto para ser um agente de transformação na sociedade. Jesus deixou claro este processo. Um coração transformado é um coração transformador. “O pobre de espírito” também é o “sal da terra”. A “alma contristada” se torna “luz do mundo”. Os “mansos e misericordiosos” são como "cidade edificada sobre a rocha". Os “famintos por justiça” se equiparam a um abajur acesso no quarto escuro. Homens refletindo a glória de Deus num ambiente recoberto pelas trevas. Sendo diferente para fazer a diferença!
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