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terça-feira, 12 de junho de 2018

Esse tal... "Final Feliz"


O casamento faz de duas pessoas uma só,
difícil é determinar qual será.
(William Shakespeare)


Qual o “final feliz” que autores de fábulas, livros e novelas geralmente dão a seus protagonistas "apaixonados" preferidos? Sim! Um belo e suntuoso casamento.

Enquanto a “mocinha sofredora" e o “galã corajoso” trocam juras de amor diante do sacerdote (não importando muito a crença ou devoção), somos levados a uma viagem por rostos felizes e lágrimas emocionadas. Em off, o narrador faz questão de massagear nossos ouvidos (e inclinações emocionalistas) com a frase mais ficcional da história: - "E eles viveram felizes para sempre!" Depois de doses cavalares deste "romantismo romanceado", lá vamos nós, sonhar com “princesas maravilhosas” e “príncipes encantados” (inexistentes), que (nunca) tornarão em realidade os sonhos cultivados entre “VHS verdes com selo holográfico da Disney” ou “papéis de carta perfumados e coloridos”. Alguém de sorte, certamente descobrirá a inveracidade desta conclusão sofista, antes de dizer o “sim” diante do altar.

O casamento não é o final feliz recomendado para nenhuma história com os “pés” calçados no mundo real. Na verdade, é apenas o fechamento de um capítulo que antecede as páginas onde as maiores batalhas da vida são descritas em minúcias. Como alguém sabiamente já ponderou, “casar é muito bom... ruim é acordar na manhã seguinte é tomar consciência do tamanho do problema no qual você (voluntariamente) se envolveu”. Quando “dois” se tornam “um”, existem mais percas que ganhos, ainda que seja possível “ganhar ao se perder”. Mas, será que estaremos dispostos ao aprendizado? E você pode frequentar dezenas de cursinhos pré-matrimoniais que as lições teóricas jamais irão te preparar para as experiências práticas. A quantidade de variáveis em um relacionamento inviabiliza qualquer fórmula previamente estabelecia.

Pense no curriculum escolar. O namoro corresponde ao pré-primário. O noivado, ao Jardim da Infância. Assim, o casamento nada mais é que uma matricula no ensino básico, e já dentro dele, você vai evoluindo para as próximas etapas. Até chegar ao primeiro "mestrado", serão anos a fio de estudo intenso e muitas reprovações. E quando conseguir (se conseguir) um PhD, haverá centenas de outras disciplinas aguardando sua atenção. Todas ao mesmo tempo. Amor não é matéria de TCC a ser trabalhada uma única vez na vida. É grafia incrustrada na pele, na alma, na mente e no coração. Faculdade da vida, sem direito a diplomas ou colação de grau.

Exatamente por estas (e outras tantas) razões, sou pouco crédulo no “amor à primeira vista”. Acredito que as pessoas confundam “afeição fulminante” ou “encantamento mistificado” com “amor genuíno”. E como num imã de polos transitórios, a atração de hoje pode se tornar a rejeição de amanhã. O misticismo de qualquer encanto vai embora na primeira falha do encantador. Por isso, a paixão é tão instável.  Amar em plenitude requer convivência, respeito mútuo e carinho compartilhado. O amor amadurece com o tempo, e se consolida nas experiências mútuas, boas ou ruins. Exatamente por isso, tantos casamentos passionais se desfazem nos primeiros meses, enquanto relacionamentos baseados em contratos e arranjos familiares sobrevivem as intempéries dos anos.

Em I Coríntios 13, quando Paulo listou as características do amor em sua forma mais intensa, deixou claro que é preciso amar com “consciência”. O amor sadio e funcional não pode ser impulsivo, tempestuoso ou inconsequente. Ele pensa. Pondera. Importa-se. Age com justiça e caminha sobre os trilhos da equidade. No "verdadeiro amor" não existe espaço para “loucuras” e “incertezas”. Corpos em chamas nada valem se os corações estiverem frios. A estrada do amor é pavimentada por rosas de pétalas aveludadas e espinhos pontiagudos. Logo, é preciso saber onde se quer chegar e quem te acompanhará na jornada, já que a caminhada solitária é insuportável.

Mas, caminhar junto é um exercício de paciência. “Amando” na maioria das vezes. “Suportando” sempre que preciso...

Quando éramos pequenos, eu, meus irmãos e algumas crianças da comunidade brincávamos de “Cultinho”. Mas, antes de ir à “igreja” era preciso formar as “famílias” (as crianças de hoje já não são como as de antigamente). O primeiro passo era escolher um “casal” para ser o “papai” e a “mamãe” (no sentido mais inocente, pudico e lúdico que você possa imaginar). E não é que bastavam alguns minutos de “vida matrimonial imaginativa” para que as primeiras divergências surgissem? Lembro da vez que “meu” casamento ficcional acabou quando tentávamos decidir a cor de uma casa que não existia. Não houve acordos para “paredes brancas e janelas azuis” ou “paredes azuis com janelas brancas". Fim de brincadeira. Divórcio litigioso.

Casar é fácil.... Difícil é aceitar que a missão de um cônjuge não é buscar a própria felicidade, mas sim, doar sua vida para fazer o outro feliz. Se ambos forem bem sucedidos neste propósito, então os anjos nos céus irão dizer um sonoro “amém”.O grande problema é que poucos estão (sinceramente) dispostos a abrir mão de si mesmo.  a maioria espera que o "outro(a)" faça isso primeiro. A vida a dois é um exercício diário de entrega, sacrifício e abnegação. Portanto, precisa incondicionalmente estar revestida de amor e cumplicidade.

Em seu livro “A Bíblia que Jesus Lia”, o escritor e articulista Philip Yancey resume o casamento numa única (e surpreendente) palavra, e remonta ao livro de Oséias para vislumbrar este conceito: “DEPENDÊNCIA

Oséias exerceu seu ministério durante os reinados de Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias (reis de Judá), período em que Jeroboão foi rei em Israel. Mais do que palavras, a mensagem deste profeta foi (literalmente) “vivida” por ele. Orientado pelo Senhor, Oséias escolheu uma meretriz chamada Gômer para ser sua esposa. Apesar do “escândalo” desta união, Oséias constituiu família e teve com ela três filhos. Jezreel, Lo-Ruama e Lo-Ami. O tempo passou, Gômer se apaixonou pelo melhor amigo de seu marido, e acabou abandonando a família. Oséias estava com seu coração sangrando, criando os filhos sozinho, sendo escárnio da sociedade. A vida de Gômer também não estava fácil. A paixão que a levou para longe de casa se esfriou rapidamente, e agora, lá estava ela, desamparada e sem ter para onde ir. Voltou para a casa de prostituição, onde acumulou uma grande dívida com seus agenciadores. 

Deus voltou a falar com Oséias, ordenando que ele procurasse por Gômer, e a aceitasse de volta como sua esposa, amando outra vez uma mulher adúltera por natureza e dada a prostituições. Oséias prontamente atendeu a controversa ordem, e para ter de volta sua esposa, pagou por ela quinze moedas de prata e alguns quilos de cevada. De volta ao lar, Gomer não só foi amada intensamente, como também amou com intensidade. E nunca mais regressou para sua vida pregressa. Deus usou o casamento de Oséias como uma poderosa declaração de amor para com Israel, pois ainda que seu povo o tivesse abandonado e se prostituído com deuses estranhos, Ele ainda os amava, e estava disposto a pagar o preço da redenção.

Esta alegoria (onde Deus se coloca no lugar de um esposo traído, mas ainda apaixonado, sendo Israel a esposa adultera que se enveredou por caminhos tortuosos), persiste ao longo dos primeiros capítulos do livro de Oséias, até que, de repente a abordagem se transforma. Deus se põe no lugar de um pai que deseja ser amado por seus filhos: - Quando Israel era menino, eu o amei, e do Egito chamei o meu filho... Ensinei a andar a Efraim, tomei-os pelos seus braços... Atraí-os com cordas humanas, com cordas de amor (Oséias 11:1-4 – editado).

Qual relação ilustra melhor o genuíno amor? Um cônjuge que perdoa ou um pai que se dedica?

Segundo Philip Yancey, a essência dos dois relacionamentos é a mesma. Total dependência em sentidos inversos. Uma criança nasce dependente de todas as formas possíveis. Alguém precisa alimentá-la, senão morrerá de fome. Se não houver quem a tome em seus braços, ficará sempre restringida ao mesmo lugar. Todos nascemos sobre esta condição, e se estamos aqui, é porque alguém renunciou a si mesmo, e se dedicou a nossa dependência. 

A vida é uma série de conquistas diárias que vai nos levando rumo a autossuficiência.  Num dia aprendemos a nos alimentar sozinhos, no outro a andar por contra própria. E por aí vai.... Cada descoberta, cada aprendizado é um passo prodigioso em direção da independência pessoal. Alcançando cada vez mais alto, chegando cada dia mais longe... E quando os anos já pesam sobre os ombros, estamos completamente livres! Já não dependemos de nossos pais para pagar as contas ou tomar decisões importantes. O céu é o limite. A mundo é um playground. E, então quando estamos vivendo a plena liberdade, escolhemos pegar o caminho de volta e depender completamente de alguém mais uma vez.

O nome desta “incoerência” é... casamento. E quer saber, nada é mais coerente!

O casamento une duas pessoas de forma tão intensa e profunda, que a vida de “um” passa a ser viabilizada (ou não) pelo “outro”. Nos protocolos da lei brasileira, quando um casal “marca” oficialmente a data de seu casamento, o cartório exige que seja entregue as “certidões de nascimento” de ambos os nubentes. No momento da oficialização do matrimônio, o Juiz de Paz responsável, entrega ao casal apenas "uma" certidão, a de "casamento", que substitui os documentos entregues anteriormente pelos dois. Agora, até mesmo diante da lei dos homens, suas vidas estão interligadas, e perante Deus, se tornaram uma só carne.

Nossa dependência ao nascer é inerente a vida e não oferece qualquer alternativa. O casamento, por outro lado, é uma dependência voluntária, desejada e escolhida, motivada por sentimentos e emoções. No livro de Oséias nos deparamos com um Deus que cuidou de seu filho e o fez independente, mas almejava que de livre e espontânea vontade, Israel escolhesse depender Dele, assim como um cônjuge escolhe depender do outro.

E esta é exatamente a beleza do casamento.... Abrir mão da liberdade conquistada, para estar preso novamente a alguém. Desta vez, amarrado com Cordas de Amor.

Assim, brinque de casinha sem perder a responsabilidade. Ame de forma a constranger um amor recíproco e profundo. Casamento basicamente são duas pessoas cheias de imperfeições buscando juntas o aperfeiçoamento. Que “um” seja o espelho que reflita a renúncia do “outro”! E ainda em tempo, esqueça este negócio de final feliz. Encontre na vida a três (os dois + Cristo), motivos para ser feliz até o final. 

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