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sexta-feira, 29 de junho de 2018

Os Degraus da Montanha


É impossível um homem aprender aquilo que ele acha que sabe.
(Epictetus)



Moisés sempre foi um homem de montanhas...

Nas montanhas de Horebe, encontrou o Deus de Israel em meio a sarça ardente. No alto do Monte Sinai, recebeu do Senhor os mandamentos que, ainda hoje, paramentam o comportamento moral e espiritual de pessoas do mundo inteiro. Usou os montes Ebal e Jerazim como altares, no momento de apresentar ao povo a escolha mais importantes de suas vidas. Já no cume de Pisga (localizado no Monte Nebo), avistou a Terra Prometida antes de ali morrer, e ser sepultado pelo próprio Deus no vale de Moabe.

Durante os quarenta anos de peregrinação, sempre que Moisés subia em uma montanha, Josué fazia questão de estar presente, acampando sozinho na base, até que seu líder espiritual retornasse em segurança. Ele era um discípulo fiel e dedicado, que sabia o valor de cada dia vivido a sombra de Moisés, homem íntegro e temente, que conversava com Deus face a face. Estar junto à Moisés, era também estar próximo do Senhor, e Josué fez deste aprendizado, o objetivo de sua vida. O “topo” da montanha já tinha um inquilino vitalício, e o jovem aprendiz nunca se importou em estar a sombra de alguém “maior” que ele.

Antes de sua última escalada, Moisés reuniu todo o povo de Israel para aconselhá-los. Suas palavras demostravam confiança no cuidado do Senhor com o povo ao qual liderou nas últimas décadas. Segundo ele, o próprio Deus lhe havia falado sobre as vitórias futuras, e como Israel derrotaria nações poderosas que usurparam o território de Canaã. Na força do Senhor, os israelitas iriam recuperar a posse das terras de seus antepassados, Abraão, Isaque e Jacó. Diante de toda a nação, Moisés revelou ao povo que não seria ele que os conduziria nesta jornada vitoriosa, mas sim Josué, um novo líder escolhido a dedo pelo próprio Deus. Mais uma vez, o patriarca ressaltou a importância da obediência aos mandamentos do Senhor, que seria a chave de suas grandes conquistas. Depois, pediu a toda Israel, que se animassem com a nova liderança, unissem suas forças com Josué, e avançassem sobre a terra sem medir esforços ou temer qualquer inimigo. Afinal de contas, embora Moisés não estivesse mais com a nação, Deus jamais abandonaria seu povo (Deuteronômio 31:1-6).

Após falar com toda a nação, Moisés se dedicou a dar instruções precisas a Josué, passando em suas mãos um verdadeiro manual legislativo. Também aconselhou seu sucessor a ter bom ânimo, pois era “ele” o homem escolhido para conduzir o povo até o cumprimento definitivo da promessa que Deus tinha feito a Israel. Certamente, o Senhor se manteria fiel em cada juramente e, portanto, Josué também precisaria estar revestido de fidelidade.

E a transição de poder não poderia ser mais bela. Conforme orientado pelo Senhor, Moisés reuniu todos os hebreus diante da Tenda da Congregação, e se dirigiu a eles, ladeado por Josué. Então, uma nuvem desceu sobre a tenda, e o Senhor se manifestou nela, falando pessoalmente com toda a nação. Deus os lembrou da ingratidão de seus pais, e de como sua ira se ascendeu contra aquela geração. Falou também sobre o tipo de relacionamento íntimo que gostaria de ter com seu povo, salientando que o pecado, infelizmente, o mantinha afastado de seus filhos. Depois, ratificou a promessa de levá-los em segurança para dentro da Terra Prometida (Deuteronômio 31:7-30). Agora, com o final da jornada de Moisés se aproximando, caberia a Josué conduzi-los. Enorme honra. Imensa responsabilidade.

Em seu último ato como líder daquele povo, Moisés transformou as palavras do Senhor em uma canção, e a ensinou a todos os hebreus, que deveriam ensiná-la as próximas gerações (Deuteronômio 32:1-47). Moisés havia terminado sua missão. Com Josué oficializado na liderança da nação, Deus orientou Moisés a subir ao Monte Nebo, onde teria a oportunidade de visualizar toda a Terra que seria dada a Israel. E ali, certo da fidelidade de Deus, o Libertador de Israel, finalmente pode descansar em paz (Deuteronômio 32: 48-52).

Segundo o texto de Judas 1:9, assim que Moisés fechou seus olhos, o próprio Satanás tentou roubar o seu corpo, mas Deus enviou o Arcanjo Miguel para protege-lo. Enquanto Miguel repreendia o inimigo no nome do Senhor, Deus, pessoalmente, se encarregou de sepultar Moisés. Alienado ao embate cósmico, e imune a qualquer apego pelo poder, Josué, ainda nutria esperanças que seu mentor descesse “são e salvo “da montanha. Toda a nação se mantinha imóvel, esperando o retorno de Moisés. Foi então que o próprio Deus tratou de oficializar a morte do grande líder, e conclamar a Josué para que ele assumisse definitivamente a responsabilidade de passar o Jordão.

Canaã nunca esteve tão próxima. A promessa agora, já era uma realidade.

E que lições podemos retirar desta transição de liderança? Muitas, certamente. Porém, uma delas é vital em nosso tempo. A paciência na preparação para o exercício de um ministério. Nunca na história da igreja, vivemos um período de tantas etapas queimadas. Novos convertidos já se julgam experientes e banalizam o discipulado. Jovem pregadores se lançam na vida de intinerância, antes mesmo de possuir uma convicção teológica bem definida. Alunos querem ensinar seus professores, confundindo excesso de informação com sabedoria. Obreiros neófitos desrespeitam seus pastores baseados em achismos e conceitos extraídos de tutorias da internet. Um número incontável de apóstolos autodeclarados e bispos pseudos-consagrados surgem todos os dias, com seus ensinamentos inconsequentes e práticas mirabolantes. Todos querendo chegar no topo da escada, sem precisar subir os degraus. E quase sempre, o argumento desta gente é o mesmo: “a obra tem pressa”. E realmente tem.  O que eles se esquecem é que a Obra do Senhor é feita com “ordem e decência” (I Coríntios 14:40). Em regra geral, quem faz a colheita são os lavradores, e não o dono da plantação. Logo, que sentido há na pressa de assentar-se na varanda como um “Senhor da Casa Grande”, enquanto se verbaliza o amor por um trabalho braçal feito no campo? É preciso ser um aluno muito bom, para se tornar um professor razoável. E, infelizmente, nossa geração não gosta de aprender ou escutar. Assim, o exemplo de Josué se torna um soco no estômago para muita gente. Afinal, antes de se tornar o líder da nação, ele passou por quatro décadas de aprendizado. Quarenta anos estudando com Moisés, e mesmo assim, ainda tenha plena consciência de que não tinha aprendido quase nada. E este senso de responsabilidade é o alarme no painel nos alertando sobre a total dependência de Deus. A chave de um ministério bem sucedido.

Não importa seu nome ou os títulos que ostenta. Se Deus não for contigo, você não passa de um nada que nunca chegará a lugar algum... Moisés liderou Israel com esta convicção, e ela foi a mais valiosa lição que Josué fez questão de aprender...

Josué era filho de Num, e pertencia a tribo de Efraim, sendo originalmente chamado de Oséias. Nascido e criado no Egito, vivenciou na própria pele os sofrimentos da escravidão e testemunhou em loco o poder do Deus de Israel. Estas experiências colaboraram para que desenvolvesse uma fé inabalável no Senhor, e uma confiança inquestionável na liderança de Moisés. Ele é citado pela primeira vez num contexto militar, quando os israelitas, recém-saídos do Egito, foram atacados no deserto pelos amalequitas. Os hebreus não tinham experiência em combate, e nem possuíam destreza com armas. Moisés, então, encarregou o jovem eframita para formar (e liderar) um exército que subiria contra os inimigos.

Mesmo sendo uma investida aparentemente suicida, Oséias aceitou aquele desafio, certo que Deus lutaria por seu povo. Moisés, aproveitando a sonoridade parecida dos nomes em hebraico, passou a chamar Oséias (que significa: “Salva! ”), de Josué, cujo significado é “O Senhor Salva! ”. Assim, ele se tornou o primeiro general da história de Israel, formando, treinando e liderando o primeiro exército hebreu. Apesar das impossibilidades, Israel derrotou seus inimigos, e Josué se tornou um herói nacional (Êxodo 17). Deste ponto, até sua oficialização como líder, muito tempo de passou.

Josué se tornou o mais leal seguidor de Moisés, sem jamais estar envolvido em qualquer rebelião, levante ou investida contra a liderança de Moisés. Pelo contrário, Josué era um defensor de Moisés, se opondo as calúnias que insistiam em rodear o acampamento, visando enfraquecer e manchar a imagem de Moisés (Números 13:16). Fazia questão de acompanhar Moisés em seus momentos de isolamento e meditação. Mesmo quando era impedido de subir aos montes com Moisés, esperava o seu mentor na base da montanha, mesmo que a espera fosse longa e tediosa. Representou sua tribo na malfadada missão de espionagem a terra prometida, e junto com Calebe, se opôs ao relatório pessimista dos demais espias. Agredidos pelos revoltosos, foram salvos pelo próprio Deus, que lhes prometeu ingresso em Canaã, mesmo depois da morte daquela geração.

Em Números 27:18-23, Moisés designa Josué para estar constantemente ao lado do sumo sacerdote Eleazar. Esta era uma posição de grande destaque, já que sob a responsabilidade de Eleazar ficava as pedras Urim e Tumim, usadas para consultar ao Senhor sobre questões nacionais (se a resposta fosse afirmativa, as pedras brilhavam). Em todo registro Bíblico, nenhum outro homem ocupou posição tão honrosa. Juntos, eles foram responsáveis pela distribuição das terras que estavam aquém do Jordão entre as tribos de Ruben, Gade e Manassés. Josué, neste momento, dava sinais do grande líder que seria para a nação.

Durante quarenta anos, Josué recebeu instruções diretas de Moisés. E prontamente, aceitava suas orientações, porque sabia que seu líder era um servo de Deus. Ele nunca tentou ocupar uma posição para o qual não foi designado, mas também, nunca se omitiu das responsabilidades para as quais foi chamado. Uma boa maneira de resumir a vida de Josué, é dizendo que ele chegou ao topo da escada, fazendo uso de cada degrau. Nunca exigiu posição de destaque, mas se preparou para estar lá. Não fazia lobby para participar de grandes empreitadas, mas não se recusava a enfrentar os desafios, por mais complexos que fossem. E acima de tudo, Josué escutou a voz de Deus pelos lábios de Moisés por quarenta anos, sem nunca duvidar que o Senhor vaticinava cada decisão de seu mentor. Isso o credenciou a estar diante de Deus, quando a hora certa chegou.

Moisés talvez seja o homem que desfrutou de maior intimidade com Deus, tendo liberdade falar com o Senhor, olhos nos olhos. Quarenta anos depois de conhecer Moisés, agora Josué recebe de Deus uma promessa que poucos tiveram o prazer de experimentar: - Eu serei contigo, assim como fui com Moisés!

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