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terça-feira, 3 de julho de 2018

Alguns minutos a mais

Viver é a coisa mais rara do mundo. 
A maioria das pessoas apenas existe.
(Oscar Wilde)


Nunca ouvi um morto reclamando sobre as rotinas do dia a dia. Somente os vivos possuem este direito “quase” sagrado de balbuciar desgostos e tristezas sobre as mazelas da existência. Em outras palavras, “como é bom estar vivo para poder reclamar da própria vida”. E não é esta, uma ironia sem tamanho? Porque colocamos tantos obstáculos entre o “agora” e a “felicidade”, uma vez que ser feliz, não é de fato tão complicado assim?

O problema é que somos exigentes demais. Nos norteamos pelo sucesso alheio e o resultado é uma frustração que parece nunca ter fim. A verdade, é que nesta busca incessante pelo “tudo”, “nada” é suficiente. O sonhado “carro” do ano deixa de existir alguns meses após a compra. A casa projetada por décadas torna-se monótona depois dos primeiros anos. O celular de última geração mostra-se obsoleto na manhã seguinte. Exatamente por isso, cada conquista é quase sempre seguida por uma crise existencial. Quando se chega a um destino previamente determinado, deixa-se de ter um lugar para ir, e a vida, parece perder o sentido. Fracasso decorrente do sucesso. A tristeza irradiando da alegria. Vai entender.... O desejo de ser feliz, faz com que a maioria de nós se torne triste. Parafraseando Tiche Nhat Hanh, "não existe caminho para a felicidade... A felicidade é o caminho". Andamos sobre esta estrada sem olhar para baixo, e quando percebemos já estamos quilômetros fora da rota. E como bem sabemos, "buscas" incorretas produzem "encontros" desastrosos. 

Exatamente por isso, a beleza da jornada consiste em apreciar o caminho. Observar as placas. Perceber o sutil tocar da brisa no rosto e sentir o atrito entre os pés e o chão. Belas paisagens. Dores inquietantes. Evidências plenas que estamos vivos. Felicidade em cada passada, não no final do percurso.  E não há maior conquista do que acordar pela manhã vislumbrando as possibilidades de cada alvorecer. Erros para ser corrigidos. Acertos esperando novas tentativas.

Mas, ao invés de aproveitar as páginas em branco para escrever nupérrimas histórias, gastamos folhas e grafites (raros) rascunhado desdéns e murmúrios rancorosos. Sorrimos ao ver a lágrima alheia e choramos ressentidamente pelo sucesso de outras pessoas. Perdemos horas preciosas cuidando (improdutivamente) da vida de alguém, enquanto o mundo a nossa volta desmorona sem qualquer intervenção construtiva. E então, de repente, percebe-se que o bonde passou e não embarcamos nele, mesmo tendo o bilhete (já pago) nas mãos.

O tempo urge. A vida passa. Os dias voam. E enquanto isso, o que fazemos? Recentemente fui consultar uma data no calendário do escritório, e só então percebi que a primeira página remontava a dois meses atrás. A rotina se espreme dentro de agendas apertadas, e quando damos conta, os meses já se tornaram anos. Na ânsia pela vida, esquecemos de viver. E cada segundo desperdiçado escoa para os ralos do passado, onde jamais poderão ser tocados outra vez.

Quer um conselho? Deixe o passado para trás e espere o futuro acontecer. Viva o hoje, entregando para Deus o ontem e o amanhã. Anos atrás, estava almoçando no restaurante da empresa em que trabalhava, quando uma equipe especializada na montagem de estruturas verticais sentou na mesa ao lado. Todos estavam cheios de disposição, rindo alto de piadas despretensiosas e fazendo planos para a próxima viagem. Entre eles, um rapaz de aproximadamente vinte anos se mostrava o mais sorridente e vivaz, realizado com seu primeiro emprego "com registro na carteira". Logo após o almoço, enquanto desmontavam o protótipo de uma torre de telefonia móvel, o cinto de segurança daquele moço se soltou da estrutura, causando uma queda de vinte metros. Morte instantânea. Tragédias costumam mandar avisos com apenas alguns segundos de antecedência. Entre a “notificação” e a “cobrança”, não existe tempo de contra-argumentar.

Desde aquele fatídico dia, sempre que me vejo diante do "prato", faço questão de apreciar cada nuance da refeição, mesmo que seja arroz sem sal e ovo estalado. Sabe o porquê? É que talvez ela seja a última. Nunca vou ter certeza... E aqueles cinco minutinhos de pura preguiça que a função “soneca” do despertador nos presenteia todas as manhãs? Aproveite-o. Não existem garantias que você irá voltar para a cama ao anoitecer. Se a vida fosse um ensacado de biscoitos, o “agora” seria a “última bolacha do pacote”. Preciosa demais para ser banalizada. Valiosa demais para ser ignorada. Simplesmente, não desperdiçável...

Alguém muito sábio, descreveu a vida como uma peça de teatro que não permite ensaios, e que exatamente por isso, faz se necessário cantar, chorar, sorrir e viver intensamente, antes da cortina fechar e a peça terminar sem aplausos. Metáfora perfeita. Por vezes ficamos tão obcecamos com o protagonismo, que esquecemos de desempenhar o papel fundamental que nos foi reservado. E a vida não é pausada cada vez que (por preciosismo) declinamos de vivê-la. As areias do tempo continuam escorrendo por entre os dedos, mesmo que a mão se mantenha fechada. Como bem disse o escritor romano Lúcio Aneu Sêneca: - “Apressa-te a viver bem, e pensa que cada dia é, por si só, uma vida! ”

Quando Jesus reuniu seus discípulos para a última ceia, sabia muito bem das intenções de Judas Iscariotes. Assim que o jantar terminasse, ele iria até os sacerdotes receber suborno para indicar o local secreto onde Cristo fazia suas orações. Ali, longe da multidão, o jovem rabino de Nazaré poderia ser preso sem que o povo intervisse em seu favor. Porém, antes mesmo que o discípulo traidor comesse o primeiro pedaço de pão, Jesus foi categórico na ordem: - Judas, o que você tem que fazer, faça depressa! (João 13:17).

E se existe pressa até para fazer o que é mal, porque somos tão letárgicos na pratica do bem?

Viva a vida, e a viva agora. Este é o único momento onde você tem controle sobre a própria existência. Ontem já foi e não volta mais. Amanhã ainda não é, e talvez nunca chegue a acontecer. Mas o “hoje”, este é real, tangível e maleável. Dá para fazer diferente e ser diferente. A vida em movimento e movendo-se para frente. O novo deixando para trás o velho. A sabedoria sobrepujando a imaturidade. Os planos de Deus sendo maiores que as ambições humanas. Em cada derrota, um aprendizado. Em cada queda, um recomeço. Basta a cada dia o seu mal, e que cada mal desapareça antes do fim de cada dia. Carlos Drummond já dizia que ser feliz sem motivos é a mais autentica forma de felicidade. Então, distribua sorrisos. Mesmo se não houver motivos para sorrir.

Quer saber? Aprenda equilibrar a balança. Está ciente que quando se levantar, seu dia de trabalho será terrível? Então faça o último minuto na cama valer a pena. Sorria para vida mesmo que ela feche a cara para você. Quebre-a com cordialidade. Vão gritar no seu ouvido? Antes disto acontecer, sussurre palavras de carinho para as pessoas que você ama. Crie reservas de bondade para não morrer de fome neste mundo mal. Não procrastine o que realmente é importante. Não se omita diante da responsabilidade de espalhar luz num ambiente de trevas. Se o mundo está coberto de cinzas, inunde-o com cores vividas e brilhantes. Você pode. É Filho de Deus. Embaixador do Reino dos Céus, onde impera a paz e a alegria. Então, para que a carranca? Que sentido há em tanta negatividade? Porque você tem se deixado dominar pelo desânimo? Alguma vez em toda a sua história, reclamar da vida foi a solução definitiva de seus problemas? Nas palavras de Johann Goethe, "na plenitude da felicidade, cada dia é uma vida inteira".

Refestele-se com última bolacha do pacote. Desfrute de cada banquete posto sobre a mesa, por mais simples que ele seja. Durma sossegadamente a última hora da noite. Não se afaste de abraços demorados. Expresse seu amor em voz alta e se silencie depois para ouvir a resposta. Ore sem a preocupação de reabrir os olhos. Descanse nos braços de Deus sem obrigação de levantar-se pela matina. Na leveza do “ser” a “existência” ganha peso. E que admirável é esta descoberta... Na pressa eu desacelero. No desacelerar, eu me apresso. 

Quanto mais pressa tenho por “viver” a vida, menos tempo eu tenho para burburinhos tolos e murmurações improdutivas. As coisas acontecem. Momentos são eternizados. O tempo, mesmo em sua fluidez imparável, por um instante, faz questão de parar. Alguns minutos a mais, que poderão durar para sempre. Particularmente, gosto muito de uma frase dita por Chico Xavier: - Viva como quem sabe que vai morrer um dia, e morra como quem soube viver direito.

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