Para quem sabe esperar, tudo vem a tempo.
(Clément
Marot)
Um homem estrangeiro vindo de terras longínquas bateu na porta da casa de Betuel com uma
proposta muito suspeita: - Quero levar
sua filha para meu país, onde ela se casará com o senhor de nossa terra. Como gesto de boa vontade, darei a vocês
algumas jóias, peças de ouro e prata, além de belos vestidos para as damas da
casa. Imediatamente, todos os olhos se voltaram para o centro da sala onde
a belíssima Rebeca se mantinha serena apesar de todas as pressões emocionais
que a cercavam.
- Você quer ir embora com este
homem? – Perguntou o pai.
- Sim. Eu quero! –
Respondeu a moça sem nenhuma dúvida na voz.
Estaria
a incauta jovem embasando sua decisão em impulsos carnais e intuição cognitiva?
Seria prudente uma donzela da Mesopotâmia embarcar numa jornada cega por
planícies desérticas em direção à uma terra desconhecida para se casar com alguém
que ela sequer tinha certeza da existência? E se o “servo” dedicado fosse
apenas um milionário psicopata em busca de satisfação e prazer mórbido? Caso a
história fosse verdadeira, o fato de procurar uma esposa num lugar tão distante,
não tornaria o “tal” noivo num potencial suspeito? Se o “herdeiro” de Abraão
era um ótimo partido, porque as mulheres da sua terra não se candidataram ao
posto de “Lady Isaque”? Seria ele, um
homem violento? Estaria o anonimato escondendo um rosto deformado?
Tantas questões...
Tantas questões...
Rebeca
não tinha resposta para estas perguntas por um único e óbvio motivo. Ela não
fez questionamentos. Estava absolutamente certa da decisão. Sua resposta
positiva ao convite de Eliezer não refletia desejos efêmeros ou ambições
futuras. Era o resultado de uma escolha feita por ela muitos anos antes. Afinal
de contas, quem opta pela espera consciente, entende muito bem a lógica de uma
oportunidade única.
Na verdade, esta não é uma história de decisões instintivas e inconsequentes. Cada “SIM” foi provado, testado e conferido antes da afirmativa ser pronunciada. Todas as dúvidas já haviam sido disseminadas durante o tempo da espera, submetidas ao crivo da vontade de Deus. E quando isto acontece, a possibilidade de erros crassos é reduzida para “zero”. Porém, antes de qualquer “benefício”, uma série de aparentes prejuízos colocam em cheque este estilo longânime de viver a vida. Renúncias. Resignações. Isolamento Social... Paciência, muita paciência. E talvez esta seja a maior das dificuldades.
Na verdade, esta não é uma história de decisões instintivas e inconsequentes. Cada “SIM” foi provado, testado e conferido antes da afirmativa ser pronunciada. Todas as dúvidas já haviam sido disseminadas durante o tempo da espera, submetidas ao crivo da vontade de Deus. E quando isto acontece, a possibilidade de erros crassos é reduzida para “zero”. Porém, antes de qualquer “benefício”, uma série de aparentes prejuízos colocam em cheque este estilo longânime de viver a vida. Renúncias. Resignações. Isolamento Social... Paciência, muita paciência. E talvez esta seja a maior das dificuldades.
Somos
apressados por natureza, pois já nascemos condenados a morte. Com a urgência
dos dias, é preciso “matar” o leão de hoje, com a alcateia arranhando a porta
da sala. Então, corremos. Aceleramos rumo ao futuro escolhendo entre as opções que já
foram apresentadas, sem ao menos ponderar que ainda existem possibilidades mantidas
em segredo. Este é o grande dilema. Agilidade no “hoje” para assegurar o “amanhã”,
ou paciência para esperar o “amanhã” e nele garantir um “futuro” muito mais
profícuo?
Estamos
todos expostos a esta rotina de escolhas impactantes e impactadoras, mesmo que
elas se revelem diferentes para cada um de nós. Você não entende minhas
escolhas e eu não entendo as suas. Rebeca também passou pela encruzilhada das decisões e por muito tempo conviveu com os percalços da rota escolhida. Como
homem (dotado de senso pragmático e visão
objetiva) não tenho a sensibilidade necessária para entender os sacrifícios
pessoais feitos por Rebeca. Logo, tenho dificuldades em desenvolver empatia por
suas convicções. Exatamente por isto, prefiro observar o comportamento da garota
mesopotâmica por olhos mais sensíveis. Tempos atrás, li um ótimo texto escrito
pela minha amiga Élita Pavan sobre o “a beleza da espera” onde ela faz a
seguinte análise sobre Rebeca:
Rebeca era uma jovem solteira, belíssima,
bondosa e obediente. Cuidava das ovelhinhas de seu pai. Era hospitaleira,
agradável e prestativa. Rebeca não reclamava por não ter um companheiro e nem
sofria com isso. Rebeca ocupava seus dias servindo ao Senhor! É evidente que
Rebeca tinha a postura de uma legítima Mulher de Deus. Estava “sendo produtiva”
quando foi encontrada pelo empregado de Isaque, e ainda se revelou “serva”
quando lhe serviu água. Este comportamento,
fez o servo entender que ela era a mulher perfeita para seu senhor. A esposa
que Deus tinha escolhido para Isaque. Em
nenhum momento vemos Rebeca se “oferecendo”, mas sim esperando, mesmo sem saber
“se” e “quando” seria encontrada. Ela não precisou insinuar-se para seu
pretendente, enviar mensagens instigantes pelo WhatsApp, postar fotos sensuais
no Facebook, realizar longas chamadas telefônicas melosas ou marcar encontros
privativos para um “melhor conhecimento”. Ela simplesmente estava convicta de
sua escolha e fez a parte que lhe convinha fazer. ESPERAR. Deus também fez a
parte dele, e na hora certa, agiu em seu favor. Ela se preservou e o Senhor a
honrou. Era linda, jovem e inteligente. Uma nora desejável e uma esposa sonhada
por dez em cada dez homens de sua terra. Mesmo assim, não se sentia mal por não
ter um esposo ou um casamento já arranjado pela família... Ela entendeu que
havia um tempo para cada coisa acontecer em sua vida. E no tempo certo,
tudo aconteceu...
Se
a perseverança de Rebeca é louvável, outros personagens não se fazem de rogado
no mesmo quesito. A começar pelo contraponto desta história. Isaque nasceu no crepúsculo
da vida de seus pais. Abraão e Sara já formavam um casal centenário enquanto o
pequeno herdeiro derrubava as botijas de farinha pela tenda. Os dias de
“família feliz” seriam escassos. Assim, Isaque também fez uma escolha de vida
altruísta, optando por cuidar de seus pais, ao invés de pensar em encontrar uma
parceira para constituir sua própria prole. Ele já era um homem na casa dos
quarenta anos quando Sara morreu. A ausência da mãe lhe roubou o sorriso, e foi
presenciando a tristeza do filho, que Abraão achou prudente lhe arranjar um
casamento.
E
neste ponto, temos mais uma lição de perseverança, paciência e certeza daquilo
que “se quer” em “sujeição” a vontade de Deus. Abraão não queria que Isaque
tivesse como esposa uma mulher aleatória escolhida pelas conveniências
culturais. Aquele não seria um casamento baseado em barganhas políticas ou
lucros financeiros. Em Isaque seria
ratificada a Aliança Abraâmica, logo, ele precisaria estar ladeado por uma
mulher condizente com os termos da promessa. Então, o patriarca chamou seu
servo de maior confiança, e o recomendou que fosse até a Mesopotâmia, e dentre
a parentela de Naor, escolhesse uma esposa para seu filho. Desta maneira, a
pureza da linhagem estaria preservada e a semente de obediência plantada por Abraão
em Ur dos Caldeus, seria regada por fé, afeto e amor.
-
Eliezer, meu servo... Vá até a casa de
meus parentes, e encontre entre as filhas daquela terra, uma mulher para ser a
esposa de meu filho.
- Mas como saberei qual é esta
mulher, meu senhor? – Perguntou Eliezer
- O Deus que me tirou da casa de
meus pais vai enviar um anjo que te ajudará nesta escolha. Apenas jure pelo
Senhor que, de boa vontade, trará uma donzela honrada para constituir família
com Isaque!
- Eu juro! - Respondeu
o servo! – Mas, e se eu encontrar a
mulher perfeita para seu filho, e ela se recusar a viajar comigo? Devo levar
Isaque até ela?
- Não, meu bom servo. Isaque
jamais deverá regressar para a terra de meus antepassados. Se a moça escolhida
se negar a te acompanhar, você estará livre de seu juramento.
Sem
etapas queimadas. Nenhuma imposição autocrática. Olhos no futuro sem arrependimentos
pelas escolhas obedientes do passado. Tudo a seu tempo. Sem força ou violência.
Apenas o Arquiteto do Universo delineando com paciência seu plano magistral.
Peças importantes colocadas em pontos estratégicos da história. O “SIM” não foi
uma resposta aleatória que emergiu no calor das emoções. Ele já estava escrito
nos primórdios da criação, e Rebeca soube esperar o momento certo para dizê-lo.
Ela não gastou o corpo e as emoções com prazeres efêmeros e paixões sazonais.
Perdeu a conta de quantos “NÃOS” distribuiu para aventureiros antes que um
único e decisivo “SIM” redefinisse a história de sua vida e assegurasse o destino
de toda uma nação.
E
o que falar do servo de Abraão?
Quando
Eliezer chegou na cidade de Naor, não saiu afoito batendo de porta em porta
como era de se esperar. Não foi buscar referências junto aos homens assentados
na praça. Se manteve longe de bordéis e templos religiosos. Não seria enganado
por fachadas ou sussurros tendenciosos. Muitas moças se vislumbrariam com o
conto do “príncipe encantado” de Canaã. Seria fácil encontrar uma aspirante a princesa,
cheia de sonhos fúteis e repleta de alienações para com os planos de Deus. Mas,
o foco não era este. Seria preciso encontrar uma verdadeira rainha, mesmo que
não houvesse qualquer coroa no contrato de casamento. Ciente de sua
responsabilidade, Eliezer escolheu o caminho da perseverança, e colocou nas
mãos de Deus o poder da decisão. Assentou-se na entrada da cidade, junto a fonte
de onde as moças retiravam água para suas famílias. Depois de observar o
intenso movimento, e reconhecer a incapacidade de realizar um julgamento justo,
no cair da tarde ele orou ao Senhor:
- Deus de Abraão... Permita-me
ter sucesso ainda hoje! Seja bom para com meus senhores Abraão e Isaque...
Estou eu aqui ao lado desta fonte, e as moças da cidade de aglomeram para
retirar água. Dei-me a graça para reconhecer aquela que agrade tua vontade... E
então, eu lhe pedirei um pouco de água, e a tua escolhida dará de beber a mim,
e ainda se oferecerá para dar de beber a todos os camelos.
Sabe
o que Bíblia não revela? Quantas moças já tinham ouvido este pedido antes da
oração. Particularmente, acredito que foram muitas, afinal, nenhuma benção “épica”
bate em nossa porta sem provações prévias. Quantas disseram não? Quantas foram
gentis com o viajante e solicitas lhe serviram da água do poço? Mas, se voluntariar
para a ingrata missão de matar a sede da cáfila composta por camelos exauridos pela viagem, já
seria bondade demais.... Este, sem dúvidas, não era (ainda não é) o trabalho adequado para uma
dama.... Idas e vindas a parte, certo é, que antes mesmo que o "amém" da oração
fosse dito, Rebeca já estava junto ao poço. Que beleza radiante! Olhar meigo.
Traços finos como se fossem esculpidos a mão por um exímio artista. A resposta
personificada de uma prece. A recompensa de toda espera. Ou seria apenas mais
uma moça de aparência marcante e conteúdo nulo?
Se
Rebeca era a resposta para a oração de Eliezer, Isaque era a resposta para as
orações de Rebeca. E o tempo da espera estava se findando. Porém, a promessa
nunca vem com placa de identificação. É preciso reconhece-la. O príncipe não veio
montado num cavalo branco. Ele ficou em casa, e em seu lugar foram enviados camelos
sedentos. Antes da aliança circular o dedo anelar, seria preciso calejar as
mãos carregando o cântaro. Quando Eliezer se aproximou de Rebeca, ela sorriu
gentilmente. Precisou se conter para não a chamá-la de “My Lady”. – Moça! - Disse ele. - Poderia
me dar um pouco desta água?
- Pois não, meu senhor.
Rebeca
percebeu o cansaço do homem, o desgaste da comitiva e a fadiga dos animais. Imediatamente
se compadeceu dos viajantes. - Beba o quanto
desejar, bom homem... Você e seus companheiros de jornada.. Enquanto isto, vou
dar de beber aos teus camelos...
Sabe
quantos litros de água são necessários para matar plenamente a sede de um
camelo? Cem litros. Eliezer tinha dez camelos para serem abeberados. Tenho
certeza que você mentalmente já fez as contas. Um único cântaro nas mãos para
retirar mil litros de água do poço. Quantas viagens foram feitas pela moça?
Enquanto corria de um lado para o outro, Eliezer a observava com um sorriso no
rosto. Estava certo que o Senhor tinha “coroado a sua missão”. A joia desta
coroa tinha nome.
Como paga por seu trabalho voluntário, a moça recebeu duas pulseiras de ouro. Ela ainda não sabia, mas a devoção de toda uma vida estava começando a ser recompensada de forma gloriosa. - Diga-me, minha jovem.... Qual é teu nome? Quem são teus pais? Haveria lugar em sua casa para que minha comitiva pudesse passar a noite?
Como paga por seu trabalho voluntário, a moça recebeu duas pulseiras de ouro. Ela ainda não sabia, mas a devoção de toda uma vida estava começando a ser recompensada de forma gloriosa. - Diga-me, minha jovem.... Qual é teu nome? Quem são teus pais? Haveria lugar em sua casa para que minha comitiva pudesse passar a noite?
- Meu nome é Rebeca... Sou filha
de Betuel... Meus avós se chamam Milca e Naor... Nossa casa é grande e
certamente serão bem acolhidos pela minha família.
Ao
ouvir estas palavras, Eliezer não se conteve. Em lágrimas ele caiu com o rosto
ao chão, adorando e agradecendo ao Deus de Abraão: - Bendito seja o Senhor, Deus do meu senhor Abraão, que para sempre é
bom e fiel. Ele me conduziu em segurança para dentro da casa a qual foi instruído
a visitar!
A
família de Raquel era importante. Seu irmão mais velho se chamava Labão. Ele
pessoalmente hospedou Eliezer. Durante toda a noite conversaram sobre as bênçãos
que o Senhor derramou sobre a vida de Abraão. E todos se admiraram com os
relatos de Eliezer sobre seu encontro com Rebeca. Deus a havia escolhido para ser
esposa de Isaque. Mãe de muitas tribos. Herdeira de uma grandiosa promessa... Betuel
tinha autonomia para decidir o futuro da filha, mas se calou. Labão poderia
opinar sobre o futuro da irmã, porém se manteve em silêncio. Reconheceram que os
planos de Deus são bem maiores que planejamentos familiares. E mais...
Conheciam Rebeca. Sabiam de sua índole. Respeitavam sua voz. Caráter. Postura.
Comportamento. Então, a moça foi chamada para a sala. O direito de escolha
pertencia somente a ela.
- Você quer ir com este homem,
Rebeca?
Sem
pausas dramáticas...
- Sim! Eu quero! Eu vou!
A
viagem seria longa. Terra desconhecida. Casamento com um estranho. Nada disto
abalava Rebeca. Uma vida de espera lhe dava certeza da escolha realizada.
Quando se aproximava do acampamento de Abraão, a moça viu um homem que
caminhava sob o sol por entre as plantações: E com o coração disparado no
peito, perguntou aos "seus" servos: - Quem
é ele?
- Aquele homem? Ele é Isaque...
E
então Rebeca cobriu seu rosto com o véu....
Como bem escreveu minha amiga Élita
Pavan, "todo fruto delicioso amadurece
lentamente, frutas fora do tempo, além de serem rançosas, ainda fazem mal para a
saúde". Espere o tempo da colheita! Aguarde os campos estarem em flor... Rebeca e Isaque são duas rosas que brotaram em diferentes jardins, mas Deus os uniu no mesmo bouquet. Ela se apaixonou pela silhueta de Isaque antes mesmo de abraçar seu
corpo bronzeado pelo sol. Isaque se apaixonou por ela, antes mesmo de contemplar seu rosto de olhos vividos e afetuosos. Nada
de amor à primeira vista... Amor depois de muita espera... Amor que surge no horizonte e se aproxima lentamente, não deixando espaço para medos, dúvidas e
indagações... Amor que é bem mais que um mero sentimento... É a resposta
definitiva para as mais sinceras orações!
Texto adaptado do relato bíblico de
Gêneses 24
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