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quinta-feira, 24 de maio de 2018

Quando o Inverno te Abraça

Se o inverno chegou, a primavera não estará distante.
(Percy Bysshe Shelley)


Sou daquele tipo de pessoa que abertamente declara amor pelo frio, mesmo que as vezes, este relacionamento apresente sérios desgastes. Embora existam muitas controvérsias, realmente acredito que baixas temperaturas estão sempre acompanhadas de inúmeros benefícios. Jantares suculentos. Banhos terapêuticos. Sono aconchegante. Indumentária trabalhada na pura elegância. Desde que a função “inverno” do chuveiro esteja em pleno funcionamento e tendo o guarda-roupas devidamente abastecido com edredons, meias e luvas, não me incomodo se o "Polo Norte" abrir uma filial na rua de minha casa.

Eu sei que este pensamento é um “tanto” egoísta, afinal, muitas pessoas não tem uma “cama quentinha” para se aninhar nas noites gélidas (ou um "cobertorzinho de orelha” ávido por compartilhar calor humano numa aconchegante "conchinha"). A solidão é fria. E as várias facetas do  frio castigam severamente os desabrigados, desprotegidos e marginalizados. Pessoas morrem em decorrência das baixas temperaturas, enquanto outros tomam chá com biscoitos em frente da lareira.

Em nosso cérebro existe uma “central de gerenciamento” chamada "hipotálamo" que é responsável por regular a temperatura interna do corpo . Para manter tudo funcionando na base dos 37ºC, ela idealiza e produz diversas reações nos músculos e células. "Suor "em dias quentes (para liberar calor). "Tremores" em dias frios (para conservar a temperatura). Quando o ambiente externo é dominado pelo frio extremo, o “hipotálamo” fica sobrecarregado, entra em colapso e a temperatura interna do organismo vai caindo continuadamente. De início, a resposta física é manifestada em arrepios, respiração mais lenta e mãos dormentes. Mas, o quadro tende a se agravar, caso a pessoa não esteja adequadamente protegida. Uma exposição prolongada ao frio de apenas 10ºC, provoca letargia nos movimentos, falta de oxigenação nas extremidades do corpo e desorientação sensorial. Em menos de cinco horas, o sangue adquire uma consistência viscosa e a capacidade de raciocínio é suprimida. Sintomas avançados da “hipotermia”, efeito responsável pela morte de centenas de pessoas em cada inverno. No ápice do resfriamento corporal, o pulso cardíaco e a respiração vão diminuindo progressivamente, deixando as atividades celulares severamente comprometidas. O resultado inevitável é a morte clínica do indivíduo em menos de trezentos minutos.

O frio tem seu charme, mas também é um assassino implacável. A sobrevivência depende dos recursos lançados para manter o corpo aquecido, quando a temperatura do ambiente estiver álgida. Daí, a dubiedade do inverno. Ame ou odeie. Difícil mesmo, é ficar impassível diante de sensações térmicas que fariam pinguins e ursos polares sentirem calafrios.

Minha esposa é uma destas pessoas avessas ao frio. Bastam alguns segundos na frente da geladeira aberta, para que seu “hipotálamo” entre em “curto-circuito”. Curitiba está para ela, o que a Antártida é para mim. Não exagero ao dizer que durante o inverno, a Val se transforma numa “bomba hipotérmica ambulante”. Literalmente, uma mulher alérgica ao frio. Muitas cobertas, vários agasalhos e mesmo assim, são comuns crises de tremores, letargia e dificuldade de respiração. Se a Valquíria fosse a Supergirl, o nevoeiro numa manhã de inverno seria sua kripitonita vermelha. E nosso filho Nicolas, parecer ter herdado esta mesma fraqueza...

- Miquéias... Meu tempo é precioso! Me dei ao trabalho de vir até esta página esperando encontrar uma mensagem de edificação! Porque você está me fazendo perder tempo com detalhes da relação de sua família com o frio?

Desculpe-me pela introdução longa e talvez desnecessária. É meu velho excesso de zelo falando alto. Na verdade, quero que os próximos parágrafos estejam muito bem contextualizados. Afinal, não foram escritos por mim, e sim pela própria Valquíria. No máximo, tomei certas liberdades poéticas e realinhei algumas frases. A experiência é toda dela, e a "epifania" vivenciada também.

Mais do que uma família tentando se adaptar ao inverno, estamos numa jornada por compreensão, tentando entender os planos de Deus para nossas vidas. É verdade que temos falhado em muitos destes tentames, porém aprendemos que “não entender” é o primeiro passo para a “total confiança” nos desígnios do Senhor. Entretanto, não é do feitio divino nos deixar no escuro, e Ele se revela a nós de maneiras surpreendentes. Quando o frio te abraça e a mão da morte lhe aperta com força o pescoço, o toque caloroso do Senhor pode ser sentido nas profundezas do coração. O abraço reconfortante de Deus reaquecendo a esperança, mesmo que nuvens de aflição transformem o caminho num inverno sem fim. O calor dos braços de Cristo, sempre foi o antidoto mais eficiente para a hipotermia da alma.

E dito tudo isto, dou voz e vez a quem tem mais a ensinar com o inverno do que eu...

Seis e meia da manhã, e lá estou descendo a rua da minha casa para levar o Nicolas na escola, quando o frio veio todo solicito me desejar “bom dia”. Mesmo com as juntas do corpo doendo por causa deste abraço gelado, mantive a passada firme em direção ao meu objetivo. Pensava comigo: - Coragem, mulher... Nem está tão frio assim. Você aguenta!

Então, dobramos a esquina. Neste ponto, meu olhar foi limitado por um denso nevoeiro. A rua em questão se estende linearmente por longos metros, até chegar num pequeno riacho que corta a cidade. "Frio" e "Umidade" nunca foi minha combinação favorita. Não dava para ver nada, apenas o cinza opaco e denso da neblina que envolvia a mim e meu filho. Calafrios! Agonia! Meu sangue quase coagulando nas veias. A respiração cada vez mais pesada. A pele explodindo em comichões. Os lábios queimando na friagem.... Olhei para o Nicolas, e falei: - Agora, complicou! Que Deus tenha misericórdia de nós!

Mais que mãe e filho, somos parceiros na luta contra o frio. Ele agarrou-se em meu braço, e juntos adentramos no nevoeiro, sem enxergar em detalhes o próximo metro a ser trilhado. Com o rio se aproximando, a minha respiração ficava mais dificultosa. A cada inspiração, o pulmão parecia encher-se de agulhas. E então, com o objetivo de atravessar rapidamente a estreita ponte de metal que separa as margens, começamos a correr. Boa tentativa, péssima ideia. O resultado da pressa foi uma crise de tosse que parecia estar fadada a adentrar os portais da eternidade. - Morreríamos asfixiados em meio a neblina?

Então, comecei a pensar na vida... Tudo parece estar indo muito bem. Cada pingo em seu “i” e toda panela com sua tampa. Uma estrada florida, perfumada e tranquila. Porém, quando dobramos a esquina, as coisas mudam drasticamente, e lá esta gigantesca “tempestade” nos esperando voluptuosa com raios, trovões e muita fumaça escura. Neblina densa. Nevoeiro palpável. E como não estávamos esperando nada disto, ficamos sem saber o que fazer. Completamente indefesos. O frio nos pega de calças curtas e blusinha baby-look. 

- E agora?

Preparados ou não, a única opção é atravessar. Ser corajoso não é deixar de ter medo, mas sim, enfrentar os próprios temores. O segredo para sobreviver ao inverno não é fugir do frio, e sim, se manter aquecido por dentro. Só existe um caminho a ser trilhado, e independente dos obstáculos que surgirem na estrada, temos que seguir em frente, sem olhar para os lados. Eu e o Nícolas, tínhamos uma “viela” feita de aço revestido com “nitrogênio” para atravessar e então, simplesmente, atravessamos.

Logo depois da ponte sob o rio, a rua ficou ingrime e começamos a subida. A escola que o Nicolas frequenta fica numa parte mais alta da cidade. A cada passo que dávamos, a neblina se revelava menos densa, até que finalmente, ficou para traz. E para minha surpresa, adivinha o que encontramos do outro lado?

- SOL! 

Um lindo sol. Um vívido, reluzente e receptivo sol. Eu me agoniando com o frio acentuado pela neblina, e o sol revigorante, me esperando de braços abertos do outro lado da cortina de névoa. Que lição para a vida! Entendi que a fronteira separando a minha  batalha mais terrível da grandiosa vitória que Deus reservou para mim, nada mais é que um muro de fumaça. Denso, é verdade. Porém, facilmente dissipável. E quanto mais eu “subo”, mais me afasto dele...

Olhei para o Nicolas e começei a rir. – Olha filho, o sol estava de brincadeira, né... A gente quase morrendo lá no meio da neblina, e ele aqui, brilhando para as outras pessoas... 

Pois, é. Ninguém vai enfrentar suas lutas por você. Ela é tua. Feita sob medida. No tamanho exato desta força existente em seu interior. A prova é somente sua, como apenas sua será a aprovação. Então, se esforce e seja aprovado. Segura na mão de Deus e vai! Ele é o autor da neblina e o Criador do sol. Senhor dos Invernos e Rei dos Verões! O calor é Dele, e o frio também! Lutas e Vitórias são estações que se revezam sob a batuta de Deus.

Acho que você já entendeu a mensagem, não é? Mesmo assim, me permita um último conselho: - Não corra na neblina. Seus pulmões não foram feitos para isto. E, quer saber? Não há motivos para ter pressa...  Por mais longo, escuro e frio que seja o caminho, haverá sempre um sol de justiça te esperando do outro lado. Como bem descobriu o romancista francês Albert Camus: - No meio de um inverno, eu finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível...


Crédito: A parte final deste texto foi adaptado de uma postagem realizada por  Valquíria Aparecida Gomes.

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