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quinta-feira, 17 de maio de 2018

A Benção da Ignorância


Nunca encontrei uma pessoa tão ignorante que não pudesse
ter aprendido algo com a sua ignorância.
(Galileu Galilei)


Agregar conhecimento é sempre proveitoso. Mas, convenhamos, dependendo do contexto,a ignorância pode ser a maior de todas as bençãos. Acredite. Seria incalculavelmente frustrante saber tudo o que as pessoas verdadeiramente pensam sobre você. Os nomes a serem inclusos em sua lista negra privativa alcançariam números surpreendentes. Tapinhas nas costas e sorrisos ensaiados são até bem-vindos em certas ocasiões. Reconfortantes, mesmo camuflando intenções hostis. A sinceridade exacerbada, geralmente, acaba se revelando uma arma poderosa e letal.

Se ouvir pensamentos alheios já seria um fardo pesado demais para carregar, enxergar claramente o próprio futuro, poderia gerar efeitos catastróficos e irreversíveis. A ciência prévia dos fracassos, nos transformaria em vegetais ambulantes, trilhando os caminhos da vida sem qualquer perspectiva ou motivação. A esperança, mesmo débil,  é um imã que atrai cada um de nós na direção do futuro, e é o desconhecido que nos impulsiona a assumir riscos, abraçando irrestritamente a fé.

Exatamente por isso, “o Deus que tudo sabe”, veta algumas informações a nós, reles mortais. Não por mero capricho ou egoísmo, mas sim pelo fato que não saberíamos como lidar com elas. Deus tem propósitos em seus mistérios. Responsabilidade em cada enigma. Revelação precisa e ocultação necessária. Nem todos possuem ouvidos preparados para entender a mensagem ministrada por um trovão (Apocalipse 10:3-6).

Mas, não se assuste com as cortinas fechadas. Propositalmente, uma fresta foi deixada aberta, por onde é possível vislumbrar a grandeza do espetáculo. O caminho cerceado de névoa não esconde o destino final. Sabemos para onde estamos indo antes mesmo do primeiro passo. É a jornada que apresenta percalços inesperado e paradas não planejadas pelo caminhante. E esta ausência de detalhes no mapeamento, nem de longe é um erro divino. Pelo contrário, é a estratégia de Deus para nos manter focados e alertas no trajeto, sem prognósticos prévios de tragédia e caos anunciado.

Deixe me ilustrar este pensamento com exemplos bem conhecidos.

Deus revelou a José que seu futuro seria glorioso, revestido de autoridade, pompas e reverências. Obviamente, o jovem sonhador aceitou de bom grado esta “difícil” missão. Agora pense. A mesma escolha teria sido feita, se o Senhor lhe revelasse o trajeto entre as pastagens de Canaã e o Palácio do Egito? Estaria José interessado numa jornada que incluía períodos de escravidão e anos a fio numa cela mofada?

Será que Moisés teria a mesma disposição em liderar Israel no retorno para a Terra Prometida, se soubesse previamente que a caminhada pelo deserto iria consumir os últimos quarenta anos de sua vida?

Quantos discípulos teriam permanecido ao lado de Jesus em seu primeiro ano ministerial, se já no momento do chamado, Cristo lhes revelasse que a semente do evangelho seria regada com sangue? Foi a maturidade que trouxe a convicção que os fortaleceu diante da morte. Meninos migrando progressivamente do leite para a comida sólida, dentro de um cronograma estabelecido pela presciência divina. Informação precisa no tempo perfeito.

O “onde” já sabemos. O “como” ainda não conhecemos. E isto nos mantêm dependentes de Deus durante o trajeto. Vivenciando experiências transformadoras todos os dias.  Se o Senhor nos revelasse cada passo com antecedência, certamente seriamos dominados por um sentimento de autossuficiência, e impelidos a escutar a voz do “coração”, com seus discursos errantes e deturpados. Enxergando amplamente todas as possibilidades, não teríamos motivos para confiar no Deus dos impossíveis, e com isso, nos acomodaríamos a viver na esfera do “natural”. E quem se acomoda com a terra, não almeja mais o céu.

Há alguns anos atrás (quando o Nicolas ainda morava na barriga da mamãe) estava eu na belíssima cidade de Serra Negra, tomando sorvete sob a sombra de um aconchegante quiosque, imerso em “pensamento nenhum”. Domingo ensolarado, mas não escaldante. Nem quente demais, nem frio de menos. Perfeição! Dia de folga onde as preocupações ficaram a alguns quilômetros de distância. Sem patrões no encalço, telefonemas emergenciais ou boletos em atraso. Apenas eu, a Val (em modo “paz e amor”), a paisagem exuberante daquela estância hidromineral e o delicioso sorvete de “sabe lá o que”. Enquanto flertava com esta ociosidade reconfortante, avistei meu amigo Ronaldo no outro lado do parque. Acenei faceiro, e ele, solicito como sempre, se aproximou. Papo vai, papo vem, ficou evidenciado que o dia estava sendo agradabilíssimo para ambos. No afã da empolgação, e quase num tom melodramático de desabafo, comentei:

- Bem que todos os dias poderiam ser assim...

E a resposta do Ronaldo (singela e objetiva), foi uma aula instantânea equivalente a seis meses de curso teológico:

- Melhor não... Se todos os dias fossem assim, não sentiríamos saudades do céu!

Análise perfeita. O comodismo nos faz acreditar que o “bom” substitui o “melhor”. Se tudo aqui na terra acontecer conforme o planejado pelo coração do homem, não há motivos para ansiarmos por coisas que nunca vimos, ouvimos ou sonhamos. Exatamente o que Deus preparou para seus filhos.

Quando leio as páginas do Apocalipse e me deparo com o esforço de João para transcrever tudo o que estava contemplando nos céus, fico emocionado e desejoso em conhecer o Santuário de Deus. Ruas de ouro, mar de cristal, paredes cravejadas de rubis, ametistas e esmeraldas. Quem não se interessaria em fazer turismo num lugar como este? Mas, é quando enfrento a dor, o choro e o sofrimento diário, que me desespero pelo céu. Se pudesse, deixaria o mundo para trás agora mesmo, e voaria na velocidade da luz ao encontro do meu Cristo. E não seria uma visitinha ocasional. Eu pediria exílio perpétuo. Uma eternidade de paz numa cidade reluzente onde a tristeza não pode entrar e as decepções nunca terão visto aprovado. Esta é a esperança que me mantém focado no futuro e vigilante na estrada. Sei para onde estou indo, e o que me espera lá. Parafraseando o escritor Max Lucado, “Deus nunca disse que a jornada seria fácil, mas prometeu que a chegada valeria a pena.”

Em sua infinita sabedoria, o Senhor não me permite enxergar além da próxima curva, mesmo já tendo revelado o ponto de chegada. E as incertezas do caminho me estimulam a nunca deixar de olhar o mapa. Ouvir a voz no GPS. Parar no acostamento, observar os céus e me guiar pelas constelações. Uma seta de luz me apontando a direção. Um rastro de sangue marcando o trajeto. Um socorro bem presente quando a gasolina entra na reserva ou o estepe é rasgado por pedras pontiagudas.

Deixe me partilhar um segredo com você. Meu senso de direção é terrível. Se fechar os olhos e der um giro de 360 graus, não consigo achar a porta do quarto. E isso me deixa em maus lençóis cada vez que caio na estrada. Literalmente, tenho dificuldade para identificar se estou indo ou voltando. Norte e sul, parecem convergir sempre para as mesmas coordenadas. Desorientação total. Então, a decisão mais sábia que posso tomar, é assentar-me silenciosamente no banco do passageiro, e deixar que alguém mais capacitado conduza o veículo por um trajeto seguro. E se tratando da jornada rumo ao céu, a possibilidade de alhear-me no percurso é ainda mais latente. Minha única opção, é deixar que o “Caminho” me conduza, a “Verdade” me guie e a “Vida” me oriente.

- Disse Jesus: Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida! (João 14:6)

Se a estrada é escura, Ele é a Luz. Se o trajeto é problemático, Jesus sempre é a Solução. Para os mistérios e enigmas da vida, Cristo é a Resposta definitiva. Veredas tortuosas? O Senhor é especialista em alinhamentos (Provérbios 3:6). Nosso problema é querer saber cada vez mais, apenas para embasar conclusões individualistas. Aí mora o perigo.  

Você se lembra de como a serpente convenceu Eva a comer do fruto proibido?

Oferecendo conhecimento desnecessário (Gêneses 3:5).

- Se comerem da árvore do conhecimento do bem e do mal, serão iguais a Deus...

Adão e Eva deixaram de confiar na sabedoria do Criador e desejaram absorver todo o conhecimento existente. O “bem” eles já tinham. Agora, queriam o "mal". Erro crasso. Drástico. Condenou toda a humanidade.

O casal conhecia o jardim.  Conheceram o mundo.
Adão conhecia o trabalho. Conheceu a fadiga.
Eva conhecia a maternidade. Conheceu a dor.
A serpente conhecia o solo. Conheceu o pó.
A terra conhecia a rosa. Conheceu o espinho.

E em todos estes casos, a ignorância se revelou uma benção desdenhada. Que por teimosia, continuamos a desdenhar. Não entendemos que o "silêncio" é Deus nos poupando de informações com as quais não saberíamos lidar, porque ainda não temos a maturidade necessária. Escrevendo para a igreja de Corinto, Paulo nos ensina que devemos ter pleno conhecimento (teórico e prático) sobre o verdadeiro amor, e por hora, isto basta. O restante, ainda é entregue em “partes". Profecias, visões e ensinamentos. Todos parciais. Ainda enxergamos o sobrenatural como se fosse um reflexo num espelho embaçado. Mas, chegará o dia em que veremos a face de Deus em todo seu esplendor. O conheceremos como somos por ele conhecidos (Coríntios 13:8-12). O fim de todos os mistérios

Infelizmente, este dia não é hoje. 

Logo, tenha paciência e não se exponha ao conhecimento pernicioso. Prudência de serpente e simplicidade de pomba (Mateus 10:16). Contente-se em aprender o que Deus deseja lhe ensinar. Repita diariamente a oração de Davi registrada no Salmo 25:4: - Me reveles o teu caminho, Senhor, me ensine os teus “atalhos”! Caminhe com confiança pelo conhecido e despreocupadamente sobre o desconhecido, certo que o mesmo Deus que te aguarda na chegada, também te acompanha durante toda a viagem. Ele planejou a rota. Desenhou a estrada. Te conhece, melhor que você mesmo.

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