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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Anno Domini

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem,  
e que amanhã, recomeçarei a aprender.
(Cecília Meireles)


É comum, ao lermos livros de história, encontrarmos uma data qualquer, seguida das iniciais “A.D.”, abreviatura para “Anno Domini”, ou “Ano do Senhor”. Esta expressão, usada principalmente no mundo ocidental, é utilizada para indicar o “ano um” dos calendários que usam a cronologia da “Era Cristã” ou “Era Comum”. Para evitar uma série de explicações burocráticas, basta dizer que o chamado “ano um”, é exatamente o “ano do nascimento de Cristo”. Deixando de lado as discussões sobre a exatidão das datas, basta dizer que Jesus é um divisor de histórias. Quando Ele chega, tudo se renova. Há um recomeço para todas as coisas. Seja na história da humanidade. Seja na história de uma única vida.

A grande motivação para Jesus deixar a glória, e se tornar o verbo encarnado, vivendo e morrendo como um de nós, não foi a possibilidade de ser citado em livros e calendários do mundo todo. Ele veio para redimir o homem com Deus (João 3:16). Por mais que nos esforcemos, sem um vínculo profundo com Deus, somos atraídos para as trevas de nossos impulsos e tentações. Parafraseando o mais verdadeiro dos jargões, “a carne é fraca”. E esta fraqueza nos torna presas fáceis. Todos os dias, mesmo sem perceber, somos levados a prática do mal, mesmo que por vezes, tais ações sejam imperceptíveis. O pecado habita em nós (Romanos 7:15-20).

Mas, é se pudéssemos ter domínio sobre todo esse mal? E se ao invés da fragilidade da carne, fossemos dominados por um espírito forte e inquebrável? A boa notícia, é que apesar de muito difícil, esta transformação é possível. Carne e espírito estão em um constante combate. As condições são igualitárias, e o embate segue em equilíbrio. O que determina, o vencedor é a quantidade de alimento que cada um absorve. E quem fornece a alimentação, somos nós. 

Podemos alimentar nosso espírito que almeja desesperadamente à Deus, e com isso enfraquecermos nossa carne; ou podemos fazer exatamente o contrário, alimentando nossa carne que deseja o mundo e com isso enfraquecer nosso espírito. O mundo que nos cerca, é uma abundante fonte de alimentos para a nossa carne, por isso, nossas inclinações carnais são tão intensas. Mas, independentemente de a quanto tempo estamos maturando nossa carne, quando Jesus chega, Anno Domini, tudo se faz novo.

Nenhum trecho da Bíblia apresenta um contraste mais nítido entre o modo de vida do homem cheio do Espírito Santo e de outro controlado pela natureza humana pecaminosa, do que o texto de Gálatas 5:16-25. Nestes versos, escritos por Paulo para a igreja da Galacia, o apóstolo não somente examina as diferenças gerais do modo de vida destes dois tipos de homens ao enfatizar que a carne e o espírito estão em conflito, como também inclui uma lista com as obras e frutos produzidos a partir da inclinação para um dos lados.

Digo, porém: Andai em Espírito, e não cumprireis a concupiscência da carne. Porque a carne cobiça contra o Espírito, e o Espírito contra a carne; e estes opõem-se um ao outro, para que não façais o que quereis. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais debaixo da lei. Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei. E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito (Gálatas 5:16-25). 

As obras da carne (do grego – SARX) são oriundas de uma natureza pecaminosa com seus desejos corruptos, que infelizmente continuam no cristão mesmo após sua conversão, tornando-se o arqui-inimigo de seu espírito (Romanos 8:6-13). Aqueles que se deixam controlar por tais impulsos carnais não poderão entrar no Reino de Deus.  Exatamente por este motivo, tal natureza carnal precisa ser resistida e mortificada, o que só será possível, mediante uma intensa batalha espiritual que o crente trava contra seus próprios instintos pela força do Espírito Santo.

Quando Nicodemos foi ter com Jesus, buscando respostas para suas dúvidas espirituais, o Mestre lhe afirmou que não se pode entrar no Reino de Deus sem que antes experimente um novo nascimento (João 3:1-4). Apesar de sua grande sabedoria, aquele homem ficou pasmo diante da tal afirmação, não entendendo como um homem velho poderia retornar para o ventre de sua mãe e reiniciar a vida. Jesus então lhe revelou que o ingresso no Reino dos Céus está condicionado a uma transformação espiritual e a uma mudança radical de comportamento e hábitos.

É preciso nascer da Água e do Espírito.  Neste contexto, ambos os “nascimentos” mencionados estão intrinsecamente ligados, paralelos um ao outro, complementos de uma mesma ação. Anno Domini.

Em Ezequiel 36:25, quando Deus propõem a Israel uma Nova Aliança, menciona dois elementos vitais para uma relação profícua entre Deus e Homem, que são exatamente a “Água” e o “Espírito”: -  Então, aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados, de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificareis.  E vos darei um coração novo e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei o coração de pedra da vossa carne e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis.

Assim, o nascimento da água pode ser entendido como um processo de purificação, onde o homem, através de sua fé em Cristo, é limpo de todo seu pecado e lavado pelo Sangue de Cristo, símbolo máximo da Aliança Neo Testamentária (I Coríntios 11:25).

Já, o nascer do Espírito, remete a uma mudança completa na forma de pensar e agir, quando o velho homem é crucificado com Cristo, amortizando assim a vontade da carne e dando vazão ao espírito que desde o princípio clama por Deus.

Esta transformação leva o um indivíduo a um novo estado de prioridades, onde elementos terrenos, antes causadores de tristezas e frustrações permanentes, são renegados a um status de inferioridade, sendo nossa mente ocupada por temas “eternais”. E se esperamos em Deus e no seu Reino, vivemos em graça e esperança, acalentados pelas promessas fiéis de nosso Deus.

Mas Jesus não nos prometeu uma vida cor-de-rosa, livre de tribulações e afrontas. Pelo contrário, nos enviou como “ovelhas para o meio de lobos” (Mateus 10:26). Porém, a beleza do Evangelho é exatamente transformar o mal em bem, a dor em regozijo, a tristeza em alegria, a perseguição em honra, o perigo em galardão, a lágrima em sorriso, o agora na eternidade. Quem nasceu da Água e do Espírito, encontra motivos para ser feliz mesmo nos dias mais tristes e cinzentos, pois a fonte de sua felicidade não é deste mundo. Elas provem de Deus, Pai das Luzes, em quem não há sombra de dúvidas ou variação (Tiago 1:6). Assim, nossa inclinação ao que é espiritual, não depende de beatitudes ou promessas de prosperidade. Nosso espírito estará sempre seguro em Deus, se nossa vida estiver segura em Cristo.

Sim. É possível renovar a partir das coisas antigas. É possível superabundar graça, onde antes abundava pecado (Romanos 5:20). Jesus divide a história, e nos dá nas mãos uma caneta para escrever os novos capítulos. Anno Domini. Todo ano. Todo dia.

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