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sábado, 29 de abril de 2017

Coração de Pedra

Purifica o teu coração antes de permitires que o amor entre nele,
pois até o mel mais doce azeda num recipiente sujo.
(Pitágoras)


Meu grande amigo Emerson Ciacco, se tornou pai alguns anos antes de mim. Um dia, enquanto conversamos sobre os bônus e ônus da paternidade, ele me disse uma frase que guardei com carinho no coração: - Quando você tiver um filho, compreenderá com maior profundidade quem é Deus. Sábias palavras. Meu filho Nicolas, no auge de seus seis anos, é hoje, o meu professor de teologia preferido. Ele me ensina coisas grandiosas sobre Deus. Das mais singelas formas. Como, por exemplo, em seu terceiro dia de aula.

No início deste ano, o Nicolas começou sua vida acadêmica no ensino fundamental. Nos dois primeiros dias de aula, pude entrar com ele nas dependências do colégio e levá-lo até a sala. Mas, no terceiro dia, a escola proibiu a entrada dos pais. Já no portão, senti sua imensa insegurança. Segurou forte em minhas mãos e me disse com voz embargada: - Vou ter que ir sozinho?

E lá foi ele. Confesso que sou um pouco coruja, e exatamente por isso, me camuflei junto ao muro, numa posição estratégica para que o Nicolas não me visse, e fiquei ali, observando seus passos. Era começo de ano letivo. Novos alunos, novas professoras, novos funcionários. Todo mundo ainda estava tentando se “achar”, e no meio daquele emaranhado de pessoas indo e vindo, pude notar como meu filho estava deslocado. Ele olhava para todos os lados, buscando um rosto amigo. Não encontrava ninguém. Dava voltas em torno de si mesmo, tentado encontrar uma direção. Estava perdido. Então, deixou sua mochila no chão, e começou a “esfregar os olhos” com os punhos cerrados. E eu sabia bem o que aquilo significava.

Toda criança chora. Os motivos são variados. Fome, manha, remorso, birra. Estou me versando em todos os tipos de choros infantis. Mas, o Nicolas, quando “esfrega os olhos”, está tentando disfarçar as lágrimas. Um choro que não tem a intenção de ser notado. É um choro íntimo, pessoal. Naquele momento, como pai, pude enxergar além das aparências, e visualizei com clareza o seu coraçãozinho. Tum-tum-tum acelerado. Estava apertado, contrito, quebrantado. Não aguentei. 

- Que a regra me perdoe, mas, vou quebrá-la

Me esgueirei até o portão. De soslaio, deslizei por entre os funcionários, e correndo o risco de ser advertido, caminhei pelo pátio, na direção do meu filho. Ele não me viu chegar, pois lutava bravamente contra as lágrimas. Me aproximei e pus a mão sobre seu ombro. Ele virou. Seu rostinho se iluminou ao me ver. Espontaneamente, me deu um abraço apertado, e só disse uma palavra: - Papai!

Naquele instante, eu é que tive de esfregar os punhos cerrados nos olhos. Segurei sua mãozinha, e o levei até a sua sala de aula, onde ele já sentia seguro. Em troca, recebi um beijo terno e um “eu te amo” de extrema sinceridade.  Enquanto voltava para casa, me peguei meditando no Salmo 34:18:

- Perto está o Senhor dos que tem um coração quebrantado, e salva o espírito abatido.

Numa metáfora simples, entendi que Deus é como um pai no alambrado, observando o primeiro dia de aula dos filhos. Ele não se ausenta, ainda que as regras exijam que mantenha-se afastado. Porém, quando um de seus filhos derrama o coração em quebrantamento, o muro vai ao chão. As portas fechadas se abrem milagrosamente. O Pai desce dos céus para nos abraçar. Deus não resiste a um coração quebrantado.

O profeta Isaías foi enfático em sua mensagem. Entre profecias messiânicas e escatológicas, ele conclamou seu povo a ter um reencontro com Deus:

- Ouçam o que digo. As mãos do Senhor estão estendidas para nós e seus ouvidos estão abertos para ouvir as nossas orações! Mas, infelizmente, nossas iniquidades têm criado uma barreira entre nós e nosso Deus. Os nossos pecados escondem nosso rosto dos seus olhos. E por isso, o Senhor não nos responde! (Isaías 59:1-2)

Deus desejava ardentemente participar da vida diária de seu povo. Ele queria atender suas orações e agir em seu favor sempre que fosse necessário. Porém, Israel o mantinha afastado. A santidade de Deus não pode coexistir com o pecado e a iniquidade. Um ambiente de maldades e transgressões, cerca-se com um alambrado pernicioso que mantem Deus do lado de fora. Não por que Ele deseja estar lá, mas, por que trancamos a porta. E Deus respeita nossas escolhas, mesmo que não concorde com elas.

Isaías aponta as iniquidades que permeiam Israel. As mãos da nação estavam manchadas de sangue e seus dedos pingavam culpas. Seus lábios se moviam em mentiras e a língua se tornara produtoras de murmurações e palavras agressivas. Ninguém se importava com a justiça, e os tribunais se apoiavam em palavras vazias. Maldade destilada. Para o profeta, o resultado desta vida pregressa, estava levando Israel a ruína. Eles chocavam ovos de cobra e se vestiam com teias de aranhas. Se alimentavam de morte e se cobriam em nudez (Isaías 59:3-7).

E qual a posição de Deus diante de tamanha transgressão? Ele continuava do lado de fora do muro, esperando uma oportunidade para entrar: - Fiz uma aliança com este povo, e vou honrá-la até o fim (Isaías 59:21). 

O maior problema com o pecado, é exatamente as mutações que ele provoca em nosso corpo. Enturvece nossos olhos e solidifica o nosso coração.

Não são os nossos pecados que nos afastam de Deus, mas sim, a dureza de nossos corações. E uma coisa, esta intrinsecamente ligada a outra. O pecado é um poderoso catalisador, que acelera o processo de enrijecimento do coração. Nossas iniquidades são emulsificantes, que aos poucos, transformam corações de carne em coração de pedra. E aí temos a crise espiritual. Sem quebrantamento, Deus se mantem afastado.

Deus tem o poder (e o desejo) para perdoar o mais grave dos pecados. Porém, é preciso que o homem busque este perdão. Segundo o texto de Provérbios 28:13-14, o homem pecador que se arrepende de suas iniquidades, confessa e deixa as velhas práticas, alcança misericórdia. Em contrapartida, quem encobre suas transgressões não encontra prosperidade, e o homem que endurece seu coração abraça o mal.

A solução para o pecado é simples. Arrependimento. A dificuldade é se quebrantar diante de Deus, clamando por misericórdia e perdão. E pode ter certeza, quando o coração de pedra se quebra, Deus é atraído para ele, como uma abelha é atraída pela flor.

No Éden, no dia em que o homem sucumbiu à tentação do fruto proibido, imediatamente se escondeu de Deus. Quando o Criador se aproximou do Jardim, sua pergunta não foi “Adão, porque você pecou?”, mas, sim, “Adão, onde você se escondeu?”. Lá estava Deus do lado de fora no muro, observando seus filhos, esperando que quebrantassem seus corações. E eles não fizeram isso. Ao invés de se derramarem em arrependimento, cada um dos envolvidos tentou se esquivar da culpa, jogando a responsabilidade do erro no próprio companheiro. Até Deus foi acusado por Adão: -  Quem mandou o Senhor me dar uma mulher? (Gêneses 3:8-12).

Deus tratou do pecado realizando o sacrífico de um cordeiro. Quanto a dureza do coração, o remédio teve um gosto mais amargo. Adão e Eva foram expulsos do Jardim. 

Este é o ciclo. O pecado endurece nossos corações, e a dureza do coração mantem Deus do lado de fora. A ausência de Deus nos leva a uma vida de pecados e progressivamente o coração vai se tornando em pedra. Um caminho de iniquidades é também um caminho sem rumo definido, mas, com destino certo. Morte. E como o pecado também cega os olhos, o homem sequer consegue enxergar a própria condição. Isaías descreve com precisão este cenário:

Como cego caminhamos apalpando o muro, tateamos como quem não tem olhos. Ao meio-dia tropeçamos como se fosse noite. Entre os fortes, somos como os mortos. Todos nós urramos como urso e gememos como pombas. Procuramos justiça, e nada! Buscamos livramento, mas, está longe! (Isaías 59:10-11)

Que triste realidade. Tatear o muro da iniquidade, sem sequer perceber que Deus está do outro lado, ansioso por um abraço. Infelizmente, corações de pedra também perdem sensibilidade. E não culpe o pecado por esta rigidez emocional. Culpe a você mesmo. 

Davi nunca foi um exemplo de conduta impecável, e ao longo de sua vida, praticou inúmeras perversões. Matou muita gente por motivações políticas e militares. Premeditou o assassinato de um homem honrado e inocente. Cometeu adultério, praticou a poligamia e desobedeceu ordens diretas do Senhor. Provavelmente, a sua ficha criminal no céu está limpíssima, se comparada a de Davi. Porém, o rei belemita tinha um diferencial. Ele nunca deixou que o pecado endurecesse seu coração. Sempre se arrependeu. Sempre de quebrantou. Sempre encontrou misericórdia. É sua uma oração emblemática que deve ser repetida por nós. Todos os dias:

- Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração. Prova-me, e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno (Salmo 139:23-24).

Davi conhecia a única vulnerabilidade de Deus. Sua atração por corações quebrantados. Nunca entendi plenamente este conceito, até o dia que vi meu filho se quebrantar diante de meus olhos. Agora eu entendo Deus. Sei como Ele se sente quando meu coração é derramado na sua presença. 

Quando dos altos céus, o Senhor enxerga meu coração pequeno e apertado, desprovido de arrogância e auto-suficiência, Ele vem ao meu encontro. E se houver alguma mancha de pecado, meu Pai tem o poder de limpar. A grande verdade, é que infelizmente, nunca deixarei de pecar, enquanto viver. A boa notícia, é que posso impedir que o pecado endureça meu coração. Posso quebrantá-lo e atrair o Todo Poderoso para dentro dele.

 - Porquanto assim afirma o Alto e Sublime, Aquele que vive para sempre, e cujo nome é Santíssimo: Habito no lugar mais majestoso e santo do universo; contudo, estou presente com o contrito e humilde de espírito, a fim de proporcionar um novo ânimo ao quebrantado de coração e um novo alento ao coração arrependido! (Isaías 57:15). 

Deus deseja trocar nosso coração de pedra por um coração de carne (Ezequiel 11:19). E mais do que isso. O Senhor deseja habitar dentro deste novo coração. Para Ele, o coração quebrantado é a uma morada mais agradável que o céu. A grande questão é: - O que estamos esperando?

Reconheça que está perdido. Pare de olhar em direções aleatórias e lembre-se que Deus está do lado de fora do muro. Comece a esfregar os olhos com os punhos cerrados. Deixe as lágrimas amolecerem as escamas que tem te cegado. É neste momento que você poderá contemplar o rosto de Deus sorrindo para você.


Ele derrubou o muro. Ele se sobrepôs as regras. Moveu terra e céu para te abraçar. Aproveite o abraço, e não se conforme com apenas uma caminhada pelo pátio da escola. Convide Deus para morar em seu coração. Se estiver quebrantado, o Senhor não rejeitará o convite.

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