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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Desculpas Esfarrapadas

Pessoas que são boas em arranjar desculpas
raramente são boas em qualquer outra coisa.
(Benjamin Franklin)


Existe um velho jargão, muito utilizado por pregadores pentecostais, que diz: - Deus não escolhe capacitados, ele capacita os escolhidos. Não concordo. As escolhas de Deus me dizem o contrário. 

Abraão foi escolhido porque possuía uma fé inabalável. 
Jó foi escolhido por sua longanimidade sem precedentes. 
Davi foi escolhido por ter um coração quebrantado. 
Paulo foi escolhido porque priorizava a causa divina. 

Deus sempre escolheu pessoas detentoras de qualidades especiais, e então, as potencializou. Isso mesmo. Somos escolhidos porque aos olhos de Deus, já temos algo especial. Então, quando dizemos que não temos “capacidade” para realizar uma tarefa destinada a nós pelo Senhor, banalizamos uma escolha divina e questionamos abertamente a sabedoria de Deus.

A mecânica é simples de entender. A Obra de Deus aqui na Terra é realizada por mãos humanas, direcionadas por seu Santo Espírito. Algumas destas mãos, deslizam por teclas de pianos. Outras, manejam pás e picaretas. Todas têm valor, e cada uma, possui especialidades distintas. Então, Deus as escolhe, separa e designa para trabalhos que condizem com estas habilidades. O Senhor nos usa naquilo em que somos bons.  Não com base no que achamos, mas sim, do que Ele já sabe. Até, porque, foi exatamente as mãos do Criador que nos fizeram assim. 

A verdade crua e nua, é que, se Deus te escolheu e te chamou para sua obra, não adianta alegar falta de capacidade, pois Ele já sabe que você é capaz. E o texto bíblico de Êxodo 3 e 4 tem muito a nos ensinar sobre esta questão.

Hoje lembramos de Moisés como um dos mais importantes homens da história. Foi ele o responsável por libertar seu povo da escravidão, e conduzi-los a terra da promessa. Moisés é um herói da fé, realizador de obras portentosas, o homem que sozinho, venceu o maior império de seu tempo. Porém, quando o encontramos no deserto de Midiã, sua estima estava mais baixa que patas de formiga. Deus lhe apareceu na sarça ardente no alto do Monte Horebe, e informou que ele era o “escolhido” para resgatar Israel da escravidão. Assim, deveria voltar ao Egito, marcar uma audiência com faraó, e dizer ao rei que levaria embora toda a mão de obra que sustentava a economia egípcia. Humildemente, Moisés declinou da proposta, sem entender que aquilo não era um convite, e sim uma convocação.

Moisés nasceu e cresceu no Egito, sendo criado e educado no palácio de Faraó, ocupando um posto na linhagem real. Foi instruído em todas as ciências dominadas pelos egípcios, como engenharia e medicina. Estudou a arte da guerra e se aperfeiçoou nas relações diplomáticas. Moisés foi criado para liderar, governar e dominar. Mas, apenas isto não bastava para a grande missão que lhe estava destinada. Exilado no deserto, Moisés iniciou um novo ciclo de aprendizado. Ele se tornou pastor de ovelhas, e aprendeu a lidar com rebanhos grandiosos e seus cordeiros saltitantes. Por quarenta anos se dedicou a encontrar pastagens em meio ao mar de areia. Aprendeu sobre rochas, poços e serpentes venenosas. O pastor sabia liderar e o príncipe tinha aprendido a apascentar. Moisés estava pronto. 

Deus já sabia disso. Moisés ainda tinha muitas dúvidas.

O Senhor se apresentou a Moisés como sendo o Deus de Abraão, Isaque e Jacó. Imediatamente, ele reconheceu a voz do Deus dos hebreus, e nem por um segundo, duvidou da identidade do Senhor. Suas dúvidas não orbitavam a existência de Deus, mas sim, suas condições pessoais. Ao saber que tinha sido o escolhido para libertar Israel, imediatamente, Moisés se sentiu pequeno e incapaz, mesmo o Senhor já tendo validado sua capacitação. Foi aí, que o príncipe pastor, dedicou os próximos minutos da vida, tentando convencer à Deus de que a escolha estava errada. Exatamente, o que fazemos com uma regularidade absurda.

O primeiro argumento de Moisés, é também um dos mais usuais em nosso tempo: - Quem sou eu? Pobre Moisés, já estava com oitenta anos de idade, e ainda não sabia quem era. Nascido numa época onde a lei mandava os pais matarem os próprios filhos, ele teve sua vida poupada, e milagrosamente, sobreviveu ao Nilo. O bebe escravo acabou nos braços da princesa regente, e se tornou num príncipe do Egito. Mesmo assim foi criado pela própria mãe, contratada como ama de leite, o que permitiu que desde a mais tenra idade, tivesse conhecimento da história de seu povo. Após o exílio, sobreviveu as intempéries do deserto, e constituiu uma nova família em Midiã. E mesmo assim, não sabia quem era? 

Sua vida era fruto de uma sucessão de milagres, e ele não sabia quem era?

Quantas vezes nos vemos a volta com esta mesma indagação. Quem sou? Porque estou aqui? O que Deus vê em mim? Nestas horas, o que nos falta não é conhecimento, e sim memória. Se nos lembrássemos de onde fomos tirados, saberíamos quem somos. Se olhássemos para cima e contemplássemos a face de nosso Deus, saberíamos quem somos. Se trouxéssemos a lembrança o cuidado do Senhor ao longo de nossa vida, saberíamos quem somos. 

A resposta de Deus a Moisés deveria pôr uma pedra sobre nossas indagações em relação a capacidade que temos para realizar ou não sua obra: -  Moisés, eu serei contigo! Quem somos é um detalhe pequeno, quando compreendemos a grandeza de quem está conosco.  Ele “é”, por isso, “somos” também.

Em seu segundo argumento, Moisés terceirizou a responsabilidade de um possível fracasso. No Egito, todos os deuses tinham nome e rosto, e logo, ninguém acreditaria num deus sem nome e que ninguém pudesse ver. Ir ao Egito seria uma incursão improdutiva, já que todos ignorariam a mensagem a ser transmitida. - Eles não vão acreditar em mim, porque não conhecem você! 

Ah... Como é bom responsabilizar outras pessoas por nossos insucessos. Mas, as desculpas que funcionam com homens que só enxergam o exterior, não convencem o Deus que detêm todo o conhecimento. Logo, o argumento de Moisés foi pulverizado por uma afirmação que diz tudo o que precisamos saber sobre Deus: 

- Diga a eles que o “EU SOU O QUE SOU” te enviou. Diga a eles que Eu Sou o Deus de seus antepassados, o Deus de Abraão, Isaque e Jacó!   

Temos falhado miseravelmente em apresentar Deus ao mundo, porque queremos fazer isto usando fórmulas mirabolantes e teologia rebuscada. Se Deus distribuísse cartões de visitas, este seria o nome escrito em letras douradas: EU SOU O QUE SOU (Êxodo 3:14 / Isaías 43:11). Deus não se define por alegorias e metonímias. Ele é quem é. Obviamente, Deus se revelou ao homem, dando-lhe o privilégio de conhece-lo (e chamá-lo) por nomes que explicitam seu caráter e poder. Mas, nenhuma nomenclatura resume sua essência quanto a revelada a Moisés no Horebe: יהוה - "EU SOU O QUE SOU". 

Numa transliteração do hebraico, encontramos o termo “Yud Hei Wav Hêi”. Como o escriba israelita, por respeito e temor, evitava escrever o nome de Deus em seu texto, nasceu o tetragrama YHWH, que por não ser pronunciado em obediência ao terceiro mandamento, teve sua fonética esquecida com o tempo (Êxodo 20:7). Estudiosos modernos recorreram as vogais das palavras Elohim e Adonai (expressões substitutivas para o nome de Deus no vocabulário hebraico), e criaram a palavra híbrida “YeHoWaH”, ou em sua forma latinizada “Jehowah”, adaptada em nossa língua para Jeová. Este é, a rigor, o único nome próprio para Deus. Ele é o que é. E fim. Se cremos ou não, se aceitamos ou não, se entendemos ou não, é um mero detalhe na linha da eternidade. Ele continua sendo, como sempre foi e para sempre já é.

O terceiro argumento de Moisés também é baseado na possível descrença do povo. Mesmo se apresentando como mensageiro do “EU SOU O QUE SOU”, dificilmente os líderes hebreus lhe dariam ouvidos. Seria necessária uma demonstração física do poder de Deus. Mas, o que Moisés considerava um evento cósmico irrealizável, para o Senhor, era apenas um passeio no Jardim. Neste ponto, o hebreu recebe do próprio Deus a capacidade de transformar cajados em serpentes, tornar leprosas mãos sãs e fazer água virar sangue, para depois reverter tudo ao estado original. Como dizem, a mensagem fala, mas o milagre grita. Se alguém não acreditasse no Senhor pelas palavras de Moisés, certamente creria em seus sinais.

O inacreditável, é que temos perdido uma oportunidade imensa de impactar o mundo com sinais e obras portentosas. Nos acomodamos com liturgias genéricas, repletas de almas feridas e corpos enfermos. Onde está nossa autoridade para, em nome de Jesus, curar e libertar?  A capacidade de realizar proezas sobre-humana é uma das maiores ferramentas que Deus disponibilizou aos seus servos ao longo de toda a história. Patriarcas, juízes e profetas utilizaram em larga escala deste recurso para os fins mais diversos, como livrar a nação de um inimigo, prover sustento ao povo, ajudar pessoas desesperadas, humilhar deuses pagãos e desafiar reinados ditatoriais, visando sempre, a glória de Deus e a oblação do nome poderoso do Senhor. A igreja herdou este legado, mas, tem se escondido atrás de desculpas para não usá-lo.

Quando comissionou seus discípulos a continuarem a obra por Ele iniciada, Jesus concedeu para aqueles homens poder e autoridade, além do respaldo de sua presença divina. Com essa legalidade espiritual, e fazendo do nome de Jesus sua "arma", os seguidores de Cristo tornam-se capazes de curar enfermos, expulsar demônios, falar idiomas específicos e sobreviver a investidas mortais de possíveis inimigos (Marcos 16:17-18 / Lucas 10:19). Se toda a nossa fé está centrada em Jesus e abalizada pela sua palavra, temos também que crer na atualidade dos milagres, pois a verdadeira igreja não teve mudanças em sua essência. A obra que foi confiada aos apóstolos ainda é a mesma que urge em nossas mãos. 

As ferramentas disponibilizadas aos primeiros cristãos para viabilizar este trabalho, ainda estão em perfeito estado de conservação. A diferença, é que, pela incredulidade latente nos dias de hoje, preferimos uma zona de conforto. E assim, embora nossa mensagem diga que Jesus opera grandes milagres, na prática, pouco trabalhamos para que os mesmos aconteçam. Com isto, perdemos a chance de mudar o pensamento desta geração incrédula, que talvez, seria realmente impactada pelo evangelho, se presenciasse a teórica do milagre se tornando realidade palpável.

O quarto argumento de Moisés e baseado em suas limitações físicas. Ele alega debilidades de fala, o que dificultaria a compreensão da mensagem a ser transmitida. Alguns dizem que Moisés era gago, outros afirmam que era tímido em excesso, e tem até quem acredite que os anos no deserto lhe roubaram as palavras. Fato é, que o outrora príncipe, estava inseguro quanto as próprias condições. A eloquência não era sua virtude mais visível, e ele tinha receio de “travar” ao falar em público. Boca e língua pesadas. Deus responde a este argumento com uma indagação retórica e retumbante: 

- Quem fez a sua boca? Não fui eu? 

O Senhor conhece nossas limitações e deficiências, porque foi Ele quem nos fez assim.

Eu nasci com uma deformidade chamada “lesão crâneo facial com fenda palatina”. Para resumir, sem muitos termos técnicos, basta dizer que o meu lábio era fendido e meu palato (céu da boca) não passava de uma cratera. Também não tinha a úvula (campainha da garganta), que entre outras funções, é fundamental na formação dos fonemas. Os médicos disseram aos meus pais que eu não teria condição de desenvolver a fala, e se com sorte, falasse, seria com muita dificuldade, numa entonação distorcida, impossibilitando que alguém me entendesse. Por mais de duas décadas, passei por implantes, enxertos, extrações e horas infindas em mesas de otorrinos, cirurgiões plásticos, ortodontistas e protéticos. Mas, apesar dos prognósticos da medicina apontarem para uma vida de silêncio, Deus me deu a condição de falar. E eu aproveitei. 

Falo mais que uma maritaca verborrágica. Sou professor de escola bíblica, prego desde os nove anos de idade, atuo como ministro de louvor, trabalhei por muitos anos como locutor de rádio e já discursei até em campanha eleitoral. Se é para falar, então me chamem! Desviem o olhar das sequelas físicas e se concentrem no resultado do milagre. Quando questionei ao Senhor sobre o porquê de minha deformidade, obtive a seguinte resposta: 

- Fiz tua boca assim, para tuas palavras edificarem as pessoas que te ouvirem! 

Perfeição na imperfeição. Beleza no que é feio. Possibilidades na impossibilidade. O Deus que me deu uma voz, é o mesmo que fez a boca de Moisés e os olhos de Bartimeu, . Tudo o que faz, tem um propósito (João 9:2-3). Quando nos chama, o Senhor já calculou com precisão, as implicações de nossas deficiências. Ele as respeita, compreende e as transforma em ferramentas de honra. Mesmo que, tenhamos imensa dificuldade de compreender seus desígnios.

Incrustada na desculpa dada pelo hebreu, o Senhor vislumbrou o medo e a ansiedade, e então, carinhosamente confortou o coração de seu servo - Não tenha medo meu filho, eu serei contigo, e te ensinarei o que falar. Eu fiz a boca do mudo e os olhos do cego. Eu conheço suas limitações, e nelas, meu poder se aperfeiçoará. Aquele era o momento de Moisés silenciar sua voz, e aceitar a vontade do Senhor para sua vida. Porém, ele tentou uma última cartada. A pior de todas.

O quinto argumento de Moisés irritou profundamente ao Senhor, da mesma forma, que o irrita, quando ainda o usamos à revelia: - Mande outro em meu lugar!

Ah! Deus se sente ofendido com este tipo de argumentação. Quando pedimos ao Senhor que envie outro em nosso lugar, declaramos nossa insegurança em seus desígnios. É como se cuspíssemos na face de Deus, escarnecendo de suas escolhas. E o Senhor, não lida muito bem com o escarnio. Na mesma hora, a ira de Deus se ascendeu contra Moisés, e só não o consumiu, porque a boca do homem finalmente se calou, para que apenas as palavras do Senhor ecoassem na montanha.

Tudo que Moisés ganhou com seus argumentos, foi a concessão para que Arão o auxiliasse em sua jornada. Mas, ao invés desta “ajuda” amenizar a responsabilidade de Moisés, ela a duplicou. No Egito, Moisés seria a boca, e o EU SOU seria Deus. Agora, Arão, seria a boca, e Moisés lhe seria por Deus. Antes mesmo de se registrar no RH, Moisés já tinha recebido uma promoção. Poder dobrado. Cobrança redobrada.

Não adiante se esquivar. Antes de nos convocar para sua Obra, Deus já nos preparou, nos moldando desde o ventre de nossa mãe. Quando Ele chama, já estamos capacitados. No chamado, o Senhor chancela sua escolha prévia. Tentar argumentar com Deus para fazê-lo mudar de ideia quanto a isto, apenas o fará enxergar ainda mais fundo dentro de nossa alma. E já sabemos muito bem o que tem lá. Exatamente a joia preciosa que nos torna especial aos olhos do EU SOU O QUE SOU. Tesouros em vasos de barro. Foi Ele mesmo quem a colocou ali! (II Corintios 4:7).

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