Coloque fé onde falta coragem.
(Tiago Proba)
Mohandas
Karamchand foi um revolucionário. Liderou os indianos na luta pela
independência política. Em 1947, a Inglaterra reconheceu a Índia como um país
livre, e ele se tornou um herói nacional. Seu feito é ainda mais admirável em
decorrência das armas que usou em sua árdua batalha: jejuns, marchas e boicotes
civis. Ideologia. Uma guerra vencida sem "guerra". Neste processo, sofreu inúmeras retaliações, sendo inclusive, condenado
a prisão. Ficou trancafiado em uma cela por mais de seis anos, e mesmo assim,
sua determinação jamais foi minada pelas dificuldades. Talvez você não conheça
Mohandas Karamchand, mas certamente já ouviu o nome pelo qual ficou conhecido
em todo mundo: Mahatma Gandhi. Um guerreiro pacifista... Não vou discorrer sobre sua história, ou me ater a belíssima biografia de sua vida
exemplar. Quero apenas transcrever uma frase dita por ele nos anos em que
esteve aprisionado, impossibilitado de lutar ao lado de sua gente: - Você pode me acorrentar, você pode me
torturar, pode até destruir o meu corpo, mas você nunca vai aprisionar a minha
mente.
E aqui,
encontro o “gancho” perfeito para falar sobre três jovens hebreus que
mantiveram intactas as crenças e preservaram suas identidades culturais,
mesmo diante da morte eminente. E antes de entendermos quem eles “eram”, é
preciso compreender de “onde” vieram.
Jerusalém
sempre foi uma cidade de enorme importância, pela localização
privilegiada, o simbolismo religioso e a cultura milenar. Historicamente, atraiu
muitos olhares cobiçosos para suas multiformes riquezas. Foi estabelecida por
Davi como capital de Israel, e nela estava sediada a Casa Real e o grandioso
Templo de Salomão. Com a separação de Israel em dois reinos, Jerusalém passou a
ser a capital de Judá (Reino do Sul).
Em decorrência da fidelidade de reis como Joás, Josafá e Ezequias, a cidade foi
poupada das mãos do exército Assírio, que já havia conquistado o Reino do Norte
(Israel) cerca de um século antes.
Porém, como
predito pelos profetas Isaías e Jeremias, havia chegado à hora de Judá ser
castigada por seus pecados. E esta punição se daria na forma de um
septuagenário exílio em terras babilônicas. Tudo começou
em 606 a.C, no quarto ano do reinado de Jeoaquim. A Babilônia como estado
suserano, que expandia seus domínios sobre o mundo daquela época, fez de Judá
um estado vassalo (escravo). Quando os judeus tentaram reverter esta situação,
o rei Nabucodonosor II atacou Judá, sitiou a capital Jerusalém e facilmente
subjugou a nação. O
inexperiente rei judeu acabou poupado pelos caldeus, com a condição de submeter-se as vontades da Babilônia. Obviamente, ele aceitou. Para garantir que Jeoaquim
se mantivesse leal aos caldeus, Nabucodonosor levou como reféns, um grande
número de “príncipes”, título dado aos filhos das famílias mais nobres do reino.
Nesta leva de exilados estavam, Daniel, Hananias, Misael e Azarias. Foi também
nesta invasão que o Templo de Jerusalém foi saqueado, e seus tesouros levados
para adornar templos pagãos da Babilônia.
O rei
Jeoaquim, homem de coração endurecido para a voz de Deus e seus profetas,
decidiu parar de pagar tributos, certo que a Babilônia estava ocupada demais
para se preocupar com ele. Esta arriscada estratégia deu certo até o ano de 598
a.C, quando Nabucodonosor marchou contra Jerusalém mais uma vez. Rapidamente a
cidade foi tomada pelos babilônicos, que ali permaneceram por mais de um ano. Neste
período o rei Jeoaquim faleceu. Seu filho Jeconias reinou em seu lugar por
apenas três meses, até se render as tropas estrangeiras. Ao retornar vitorioso
para sua terra, Nabucodonosor levou consigo um grande número de prisioneiros,
incluindo o rei e sua família, toda a nobreza judaica, os oficiais militares e
os melhores artesões. Nabucodonosor elegeu Zedequias, como novo rei de Judá, que,
vislumbrado por uma aliança militar feita com o Egito, comandou um novo levante
contra o opressor.
Novamente
Judá foi sitiada, num cerco que durou dezoito meses e levou as pessoas de dentro
das cidades a cometerem a antropofagia, tamanha era a fome. Quando os
babilônicos finalmente romperam os muros de Jerusalém, encontraram um povo
desamparado e indefeso, e o que se viu, foi um massacre sem precedentes. A
família de Zedequias foi brutalmente assassina, o rei teve seus olhos vazados e
foi levado cativo para o exílio. Desta vez, Nabucodonosor promoveu uma
deportação massiva, deixando em solo pátrio apenas os cidadãos considerados
“imprestáveis”. Ele nomeou Gedalias como governante desta gente, mas, dois
meses depois, esse líder foi assassinado por rebeldes revoltosos. O povo
assustado e temendo represálias, fugiu para o Egito, deixando Jerusalém sem
habitantes e em ruínas. Os
prisioneiros levados cativos para a Babilônia, só ganhariam o direito de
regressar para a casa setenta anos depois, quando o império Medo- Persa já
havia conquistado os caldeus. Nessa época, ao ler um texto do profeta Isaías, o
rei Ciro encontrou seu nome em uma profecia escrita cem anos, dizendo
que seria "ele" o responsável pelo retorno dos judeus a sua pátria (Isaías 44:28,
45:1). Comovido, Ciro emitiu um decreto, concedendo aos cativos o direito de
voltar para casa.
O período em
que os judeus estiveram no exílio, nos deixou muitas histórias inspiradoras.
Verdadeiras lições de fé, lealdade, coragem e devoção ao único e verdadeiro
Deus. Entre os
primeiros deportados, Nabucodonosor exigiu que alguns jovens fossem separados
para servir no palácio. Eles não poderiam apresentar defeitos físicos, deveriam
possuir conhecimento em ciência e ter boa desenvoltura social. Entre os
selecionados, quatro moços teriam imenso destaque nas páginas do livro de
Daniel. Um deles, é o próprio Daniel, e os outros três são Hananias, Misael e
Azarias. Para muitos,
estes nomes podem até soar desconhecidos, pois assim que chegaram à Babilônia,
esses moços foram conduzidos ao palácio de Nabucodonosor a fim de iniciar um
treinamento de três anos, que os versaria na cultura babilônica, tornando os
aptos a exercer cargos de relevância dentro do próprio governo. Uma das
primeiras medidas tomadas por Aspenaz, o responsável pela preparação dos jovens
hebreus, foi mudar os seus nomes, dando a eles nomenclaturas caldeias.
Daniel, cujo
nome significava “Deus é meu Juiz” passou a ser chamado de Beltessazar, que
significava “Tesouro de Bel”.
Hananias,
cujo nome significava “Deus foi gracioso comigo” passou a ser conhecido como
Sadraque, que significa “Inspiração do Sol”.
Misael, cujo
nome significava “Quem é como Deus?”, recebeu o nome de Mesaque, que
significava “Aquele que pertence à deusa Sheshach”.
Por sua vez,
Azarias, cujo nome significava “Deus é quem me ajuda”, passou a ser chamado de
Abede-Nego, que significava, “Servo de Nego””.
Aqueles
moços, cuja idade variava de catorze a dezesseis anos, estavam muito longe de
casa e o seu vínculo com a religiosidade judaica progressivamente era desfeito.
Seus nomes que exaltavam o Deus de Israel, foram substituídos por nomenclaturas
pagãs que glorificavam a deuses estrangeiros. Nos anos vindouros, eles teriam
contato direto com a cultura babilônica, repleta de ritos e misticismo, a
começar pelos pomposos jantares bancados pelo rei. Assim como
seus compatriotas fizeram, eles poderiam se adaptar à nova condição, e viver
uma vida de regalias dentro dos preceitos pagãos. Porém, os quatro jovens
optaram por preservar intacta a essência, conservar sua origem e se manter
fiel ao único e verdadeiro Deus.
Nabucodonosor
ordenou que seus “convidados” fossem alimentados com a mesma comida servida
para a família real. Ótimos vinhos, elaboradas massas, vegetação orgânica e
carnes selecionadas. O problema é que na cozinha do palácio, os sacerdotes
pagãos eram tão influentes quanto os chef´s. Toda refeição, antes de ir
para mesa, era oferecida e consagrada ao deus Bel, ou qualquer outra
deidade babilônica. Pratos belos, saborosos e contaminados pelo pecado. Daniel e
seus companheiros tomaram uma decisão arriscada, e assentaram em seus corações
uma forte resolução. Não se contaminariam com as iguarias do rei. Com
muita sabedoria, convenceram Aspenaz a lhes fornecer uma dieta a base de
legumes e água. Ao final do período de treinamento, foram eles que apresentaram
os melhores resultados físicos e intelectuais. Anos depois,
quando os hebreus já estavam adaptados ao novo país e exercendo posição de
destaque na política local, Sadraque, Mesaque e Abde-Nego enfrentaram uma
verdadeira prova de fogo.
O rei
projetou e construiu um verdadeiro monumento ao ego. A megalomaníaca estátua idealizada por
Nabucodonosor era uma impressionante peça de ouro com absurdos 29, 4 metros de
altura e aproximadamente 3 metros de largura, erigida na planície de Dura,
província da Babilônia, O aspecto e a forma da escultura não foram descritos no
texto bíblico, mas supõe-se que pode ter sido uma homenagem a Nabopolassar
(pai de Nabucodonosor), um ídolo de Bel (o deus oficial da Babilônia), ou
ainda, como acreditam a maioria dos estudiosos, uma representação do próprio
monarca. No ápice de
seu orgulho e altivez, o rei convocou para a inauguração de sua obra prima,
toda a população da Babilônia, incluindo os sátrapas, juízes, políticos,
tesoureiros e régulos de todas as províncias. Durante a cerimônia, a grande
orquestra executaria uma música especialmente composta para o evento, e ao final
da mesma, quando as buzinas tocassem, todos, sem exceção, deveriam se ajoelhar
perante a estátua. Quem
desobedecesse tal ordem, seria lançado imediatamente em uma fornalha ardente.
Contrariando
as expectativas, enquanto todos se curvaram, Sadraque, Mesaque e Abede-Nego se
mantiveram irredutíveis... Em pé. Firmes como rocha. O espanto foi geral. Alguns
se revoltaram com a irreverencia dos moços. Outros se corroeram de inveja da
coragem demostrada pelos três. Imediatamente,
os três jovens foram denunciados: - Há
uns homens judeus, que tu constituíste sobre os negócios da província de
Babilônia: Sadraque, Mesaque e Abede-Nego; esses homens, ó rei, não fizeram
caso de ti.
O rei ficou
furioso... Consumido pelo orgulho próprio, Nabucodonosor se recusava em aceitar
uma negativa ao seu decreto, e ordenou que o ritual fosse repetido. Na
interpretação vaidosa do rei, certamente os retardatários haviam perdido o
“tempo” correto para prostar. Tudo não tinha passado de um grande
mal-entendido. Ritual
repetido. Música tema executada. Silêncio. Joelhos dobrados. Quando todos se
curvaram pela segunda vez, os três jovens hebreus continuaram em pé, mais
firmes do que nunca. Levados a presença do rei, a coragem de suas ações também
reverberou nas palavras proferidas: - "Ó
Nabucodonosor, não precisamos defender-nos diante de ti. Se formos atirados na
fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos
livrará das suas mãos, ó rei. Mas, se ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não
prestaremos culto aos seus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste
erguer".
A mais corriqueira curiosidade
sobre o episódio da fornalha é onde estava Daniel quando seus amigos mais
precisaram dele. A resposta para esta pergunta é mais simples do que
parece, já que Daniel havia se tornado um estadista influente e respeitável.
Com a Babilônia vassalando dezenas de nações ao redor do mundo, é perfeitamente
plausível que Daniel estivesse em uma viagem diplomática. Porém, quando nos
atamos apenas neste detalhe da história, perdemos o foco de uma valiosa lição, e nos esquecemos que Deus tem projetos "personalizados" para seus filhos.
Naquele momento, a fornalha não era um teste para Daniel, e sim para seus
amigos. Para Daniel, estava reservada uma cova cheia de leões. Deus tem
batalhas "sob medida" para cada um de seus guerreiros. Ele conhece o limite de
nossas forças e a capacidade individual de suportar provações. Por vezes,
somos poupados da fornalha, apenas para cair na cova dos leões. Outros, são
poupados da cova enquanto estão na fornalha. Fato é, que todos seremos
provados. Mas, seremos aprovados?
As opções que se apresentavam a
Sadraque, Mesaque e Abede-Nego eram escassas. Negar o seu Deus ou morrer. Sem
titubear, eles tomaram uma decisão acertadíssima, colocando suas vidas nas mãos
de Deus. Viver ou morrer não era uma questão relevante. Vida ou morte
não dependia do decreto do rei. Deus é quem lhes daria a destinação desejada. E qual fosse, seria por eles aceita de bom grado: - Rei Nabucodonosor... Você pode me acorrentar. Você pode me torturar.
Pode até destruir o meu corpo. Mas você nunca vai aprisionar a minha mente. A
minha alma. O meu coração. Você não pode matar minha fé! Neste ponto, Nabuconosor
representa com perfeição o inimigo de nossas almas, que constantemente busca
nos atacar com fúria e vigor, visando nada menos que a total destruição. Neste intento, usa os mais
elaborados estratagemas. Por vezes, assusta. Mas, não deve impor medo.
Sabe-se hoje, que em situações
bem específicas, o corpo humano pode suportar um calor de até 120°, desde que
seja uma exposição muito rápida. Esta temperatura é facilmente conseguida em
qualquer forno doméstico. A fornalha de Nabucodonosor produzia temperaturas
muito mais elevadas. Mesmo assim, o rei ordenou que fosse setuplicada a
intensidade das chamas. Os três jovens hebreus não
ofereceram qualquer resistência à punição decretada. Impassível a esta
questão, o rei ordenou que eles fossem
amarrados, e que seus soldados mais fortes conduzissem os réus. Quando foram
lançados na fornalha, com pés e mãos atados, a intensidade do calor foi capaz
de matar os guardas que se aproximaram das chamas. Mesmo assim, nada pode fazer
contra os hebreus, exceto queimar as cordas que os prendiam. Quando
Nabucodonosor olhou para sua fornalha, percebeu que os jovens caminhavam
tranquilamente lá dentro, e não estavam sozinhos, pois um quarto homem, com
aspectos divinos lhes fazia companhia.
- Disse então Nabucodonosor: "Louvado seja o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que enviou o seu anjo e livrou os seus servos! Eles confiaram nele, desafiaram a ordem do rei, preferindo abrir mão de suas vidas a que prestar culto e adorar a outro deus, que não fosse o seu próprio Deus.Por isso eu decreto que todo homem de qualquer povo, nação e língua que disser alguma coisa contra o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego seja despedaçado e sua casa seja transformada em montes de entulho, pois nenhum outro deus é capaz de livrar ninguém dessa maneira" (Daniel 3:28)
- Disse então Nabucodonosor: "Louvado seja o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, que enviou o seu anjo e livrou os seus servos! Eles confiaram nele, desafiaram a ordem do rei, preferindo abrir mão de suas vidas a que prestar culto e adorar a outro deus, que não fosse o seu próprio Deus.Por isso eu decreto que todo homem de qualquer povo, nação e língua que disser alguma coisa contra o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego seja despedaçado e sua casa seja transformada em montes de entulho, pois nenhum outro deus é capaz de livrar ninguém dessa maneira" (Daniel 3:28)
Seria muito mais confortável, se o Senhor nos livrasse de todas as fornalhas destinadas à nossa provação. Infelizmente (para nós), nem sempre este é o plano de Deus. A chama purifica o ouro. O fogo refina a prata. O calor fortalece o vaso de barro. A fornalha forja nossa fé. Por vezes, ela é a portaria do salão onde celebraremos o triunfo. Passagem é obrigatória. A boa notícia, é que Deus até pode não nos livrar da fornalha, mas certamente, nos livrará nela.