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quinta-feira, 23 de março de 2017

Vasos de Barro

A humildade é a única base sólida de todas as virtudes.
(Confúcio)


Os primeiros raios de sol entravam pela sua janela, quando voz do Senhor acordou Jeremias: - Levanta-se, vá até uma olaria, porque ali, tenho algo para te falar. Ainda meio sonolento, o profeta levantou, lavou o rosto, se vestiu e caminhou pelas ruas de Jerusalém até chegar à casa do oleiro. Quando lá chegou, o artesão preparava a argila com a qual moldaria um belo vaso.

Jeremias se assentou em um banquinho de madeira, enquanto observava o oleiro trabalhar. A argila, previamente amassada para ganhar consistência e uniformidade, foi colocada sobre uma pequena mesa circular ligada a polias e pedais. Enquanto o oleiro fazia a mesa girar com seus pés, as mãos hábeis moldavam o barro. Pouco a pouco, aquela massa marrom começou a ganhar contornos e formas. Uma base robusta, um tronco afilado, uma boca habilmente esculpida. As mãos do artista corriam com agilidade por toda a estrutura, moldando-a por fora, enquanto esvaziava seu interior. Um belíssimo vaso estava surgindo.

Porém, um pequeno acidente colocou em risco toda a fabricação. O vaso se quebrou ainda nas mãos do oleiro. Jeremias se levantou assustado, numa tentativa nula de oferecer ajuda. O que poderia ele fazer? Percebeu que a serenidade do oleiro não condizia com a gravidade da situação. Tranquilamente, o artesão pegou o vaso quebrado, o levou para a mesa de preparo, e o amassou até virar barro novamente. Ele iria recomeçar do zero.

Ao final daquele dia, um vaso novo e perfeito estava pronto para ser queimado na fornalha da olaria. Uma matéria prima abundante e comum, havia se transformado em obra de arte, mesmo que durante o processo, tenha sido necessário um recomeço. E qual a mensagem de Deus para o profeta após esta aula prática de artesanato?

- Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? Diz o Senhor. Eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel. (Jeremias 18:6)

Barro nada mais é do que a mistura de argila e água. Basicamente, é o pó da terra bem hidratado. Foi esta a matéria prima escolhida por Deus na criação do homem. O barro "in natura" é abundante e não possui valor comercial elevado. Mas, em mãos talentosas, se transforma em peças valiosas, disputadas por colecionadores em leilões da alta elite. O mérito não é do barro. É do oleiro.

Fomos feitos do barro para que Deus manifestasse sua glória através de nossa existência. Sem competições egocêntricas. Podemos dizer que o Espírito Santo de Deus que habita em nós é uma pepita de ouro depositada num recipiente de argila. Se fossemos feitos de ouro, a vaso teria mais valor que o tesouro nele guardado.  O apóstolo Paulo nos advertiu em II Coríntios 4:7 que a excelência do poder que há em nós, vem (e é) de Deus, e Ele deposita seus tesouros dentro de vasos comuns.

Mas, não se sinta menosprezado por ser feito de barro. É exatamente esta condição que atrai sobre nós a misericórdia e o cuidado de Deus. Paulo se alegrava desta fragilidade. Quando se sentia fraco, na verdade estava mais forte, já que o poder de Deus se aperfeiçoava em suas fraquezas (II Coríntios 12:9-10). No Salmo 103, Davi faz uma dissertação ainda mais aprofundada sobre o tema, concluindo que “as quebras” são inerentes ao processo de fabricação do vaso. A matéria prima é quebradiça, e Deus conhece estas limitações.

Davi começa o Salmo 103 conclamando sua alma para bendizer ao Senhor com todas as forças do seu ser. O motivo desta adoração é citado já no verso abaixo: - “Não se esqueça de nenhuma de suas bênçãos” (Salmo 103:2). Deus está inabalável no seu Santuário e nenhuma ação humana pode desestabiliza-lo. Ele é o dono do universo e tem cada fragmento da imensidão sobre seu controle. Deus não tem nenhuma obrigação para com o ser humano, já que este tem lhe voltado as costas e traído sua confiança desde os primórdios do tempo. Mesmo assim, o Senhor tem cuidado de nós, desde quando ainda éramos informes (Salmo 139:15-16).

Deus move suas mãos em nosso favor sem que haja qualquer obrigação nisto. Ele cuida de nós simplesmente porque assim o deseja. De uma forma inexplicável, Deus nos ama acima de tudo. Dele provém a vida, o ar que respiramos, o alimento que nos sustenta, a água que sacia nossa sede, a força vital que nos mantem em pé. Se Deus decidisse cessar seus cuidados para conosco no dia de hoje, poderíamos viver outros cem anos, que ainda faltariam dias para agradecer pelo que ele já nos tem feito.

Porém, nossa ingratidão fala sempre mais alto, e tratamos Deus como um gênio da lâmpada com a obrigação de atender nossos desejos mesquinhos. Se isso não acontece, o substituímos em nosso coração. Mas, ao contrário do homem, tão reciproco em suas relações, Deus se mantem fiel apesar de nossas infidelidades, e seu cuidar nunca cessa (II Timóteo 2:13 / Salmo 103:17).

Ser grato é demostrar reconhecimento por alguém que prestou um benefício, favor ou auxilio. É uma dívida de honra que deve ser quitada para não manchar a índole ou o caráter de um indivíduo. É um ato de nobreza obrigatório e uma virtude que ressalta aos olhos de Deus aqueles que o amam de coração. A verdadeira gratidão não é aquela mostrada quando conseguimos um bom emprego, conquistamos a casa própria, trocamos de carro, fazemos a viagem dos sonhos ou obtemos uma promoção ministerial. Apesar de também precisamos ser gratos por cada benção alcançada (bem como pelas que ainda não conseguimos ou sequer vamos alcançar), devemos primeiramente ser gratos a Deus pelo que Ele “é” e não pelo que Ele “faz”. Deus sabe que somos feitos de pó, e mesmo assim revela em nos a sua glória (Salmo 103:14). Não porque somos merecedores, mas, por que Ele é generoso. E paciente.

No Salmo 103, Davi não conclama sua alma para ser grata pelas vitórias alcançadas, pelas riquezas acumuladas, pelo palácio luxuoso ou pelo crescimento monumental de Jerusalém. Ele quer que sua alma louve ao Senhor por coisas muito mais valiosas, que transformam as preciosidades da terra em latarias enferrujadas:

- Bendiga ao Senhor a minha alma! Bendiga ao Senhor todo o meu ser! É ele que perdoa todos os seus pecados e cura todas as suas doenças, que resgata a sua vida da sepultura e o coroa de bondade e compaixão.  O Senhor faz justiça e defende a causa dos oprimidos. O Senhor é compassivo e misericordioso, mui paciente e cheio de amor. Não acusa sem cessar nem fica ressentido para sempre; não nos trata conforme os nossos pecados nem nos retribui conforme as nossas iniquidades, ele afasta para longe de nós as nossas transgressões. Como um pai tem compaixão de seus filhos, assim o Senhor tem compaixão dos que o temem. (Salmo 103:1-14 – NVI ‘resumo’).

Deus é um oleiro que trata seus vasos como filhos. Deus é um pai que esculpe seus filhos como um vaso. Ele conhece muito bem o vaso e ainda melhor o barro.

O cristão precisa ter a consciência de que é proveniente do pó da terra. Assim sendo, somos vasos de barro na mão do oleiro e é necessário que estes vasos estejam desembocados para que o Espírito Santo os encha com o óleo precioso da unção. Uma vez que o crente entende que ser cheio do Espírito é uma dádiva concedida e não um mérito conquistado, ele estará apto a exercer com dignidade as atribuições que o Espírito lhe conceder. Vasos se sujeitam integralmente ao oleiro. Filhos respeitam e são gratos aos seus pais.


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