Poços Entulhados

A perseverança não é uma longa corrida;

Ela é muitas corridas curtas, uma depois da outra.

(Walter Elliott)

Água é vida. Se dividíssemos nosso planeta em três partes iguais, duas delas seriam formadas por rios, mares e oceanos. Dependendo do biótipo de cada indivíduo, o corpo humano tem em sua composição entre 60% e 75% de água. Em regra geral, se não ingerir nenhum líquido, o tempo de sobrevivência de uma pessoa não passa dos cinco dias. Água é fundamental. Felizmente, hoje encontramos água em abundância abrindo uma simples torneira. Podemos acionar um disk-entregas e uma grande quantidade de água límpida e refrescante é deixada em nossa porta. Abraão não tinha tanta facilidade.

Enquanto caminhava errante rumo a terra prometida, o patriarca peregrinou com sua esposa Sara pelas terras de Gerar. Ali, Abraão cavou sete poços, afim de suprir as necessidades de sua família, servos e rebanhos. Porém, os moradores da cidade, fazendo uso de grande violência, tomaram para si os poços.

Deus, então, despertou em Abmeleque, rei dos filisteus, um grande temor para com Abraão. Buscando conviver em paz com o patriarca, o governante de Gerar propôs uma aliança pacífica de lealdade entre os dois. No acordo, além de receber de volta seus poços, Abraão se tornou proprietário daquela terra, a qual chamou de Berseba, que significa “Poço de Sete” ou “Poço do Juramento”.

Abraão habitou em Berseba por muitos anos. Naquela terra, seu filho Isaque nasceu e foi criado. Naquele solo, o patriarca plantou uma tamareira, e debaixo dela invocou o nome do Senhor. Aquela árvore seria um monumento a fidelidade de um Deus que apazígua conflitos (Gêneses 21:22-34).

Os poços de Berseba faziam parte da herança deixada por Abraão para seu filho. Aliás, a vida de Isaque está muito relacionada a poços de águas cristalinas. Quando Abraão enviou Eliezer para a Mesopotâmia, afim de encontrar uma noiva para seu filho, o prudente servo encontrou Rebeca retirando água de um poço. Aquela bela jovem, por quem Isaque se apaixonaria à primeira vista, tornou-se a mãe de seus filhos. Jacó e Esaú.

Após a morte de Abraão, Isaque foi morar com sua família junto a Beer-Laai-Roi, cujo nome significa, “o poço daquele que vive e me vê”. Foi neste lugar, que anos antes, seu meio-irmão Ismael, foi salvo da morte por desidratação, pelas águas de um poço (Gêneses 21:8-21). Mais uma vez, Isaque bebia águas cristalinas, de poços que ele não tinha cavado. Porém, uma grande seca se abateu sobre aquela região, e Isaque decidiu voltar para Berseba, onde estavam os poços de sua herdade.

Abmeleque ainda era o rei de Gerar, e rapidamente, tratou de renovar em Isaque a aliança feita com Abraão. E Isaque foi muito abençoado naquela terra. Com a benção de Deus em sua vida, colheu cem vezes a medida do que plantou. Seus rebanhos se multiplicaram grandiosamente, e ele se tornou o homem mais rico da região. Seus poços de águas cristalinas eram sinal de seu grande poder econômico e elevado status social. Logo, olhos invejosos se voltaram para ele.

Primeiro, os moradores da cidade entulharam os poços cavados por Abraão, os enchendo de terra. Depois, Abmeleque expulsou Isaque da cidade, temendo sua crescente influência naquele território.

Isaque optou por acampar num vale onde seu pai já havia morado. Ali, existiam alguns poços abertos por Abraão, mas, que também tinham sido entulhados pelos filisteus. Nos dias seguintes, o patriarca liderou seus servos na reabertura dos poços de seu pai. Porém, como o consumo da caravana era grande, seria preciso mais água. Havia chegado a hora de Isaque abrir seus próprios poços.

Por quarenta anos, enquanto Israel peregrinava pelo deserto entre o Egito e Canaã, Deus sustentou o seu povo. As vestes cresciam no corpo, uma nuvem gigantesca lhes dava sombra, a coluna de fogo os aquecia de noite, e toda manhã, chovia pão do céu. Mas, quando os israelitas passaram o Jordão e montaram seu primeiro acampamento na terra prometida, Deus parou de “mimá-los”. Em Gilgal, a nuvem foi embora, o fogo se apagou, as roupas perderam a elasticidade, e o maná parou de cair. Era chegada a hora de Israel plantar suas próprias sementes, colher seus próprios trigos, e fazer pães com as próprias mãos (Josué 5:10-12). Deus nunca abandonaria seu povo. Apenas havia chegado o momento de Israel fazer a sua parte. O possível.

Quando o impossível bate em nossa porta, Deus move céus e terra em nosso favor. Porém, se as circunstâncias nos apresentarem possibilidades, o Senhor não moverá uma palha para nos ajudar. A divisão de tarefas é simples assim. Deus se encarrega do impossível, e o possível é responsabilidade do homem. Por vezes precisamos de fé para que Deus nos leva ao pico das montanhas impossíveis de serem escaladas. Outras vezes, é preciso perseverança, para subirmos os montes possíveis de se escalar.

Até o ali, Isaque tinha sido abençoado por poços cavados por outras pessoas. Agora, Ele abençoaria outras pessoas com os poços que cavaria. Após um longo período de trabalho intenso, os servos de Isaque encontraram um poço de água nascente. Todo gado da caravana poderia ser abeberado com as águas torrenciais que jorravam do poço. Outros pastores da região também traziam seus rebanhos para beber ali. Logo, os interesses dos pastores se sobrepuseram as necessidades dos rebanhos. Os habitantes de Gerar se declaravam como os legítimos donos do poço, e, os servos de Isaque, contendiam com eles. Ao presenciar tamanha disputa pelas águas do vale, o patriarca decidiu deixar aquele poço para traz. E o chamou de ESEQUE, que significa “CONTENDA”.

Possibilidade não é o mesmo que facilidade. Existem coisas que podemos fazer, mas, dificilmente teremos sucesso na primeira tentativa. Isaque não permitiria que sua família se envenenasse com águas contaminadas pela contenda. Ao invés de travar uma guerra contra seus “inimigos”, o patriarca optou por um caminho de paz. Isaque saciou a sede daqueles que queriam roubar sua água.

- Deixem que os pastores de Gerar se esbaldem com as águas de ESEQUE. Vamos cavar um poço maior e melhor!

O vale era grande, e certamente Deus o levaria para um manancial muito mais abundante. E foi o que aconteceu. Rapidamente, seus servos cavaram um novo poço. Maior e melhor. Então, os pastores de Gerar, abandonando Eseque, cobiçaram também as águas que brotaram do poço recém cavado. Mais uma vez, os filisteus subiram contra Isaque, contendendo com sua gente. Novamente, o patriarca escolheu não guerrear, e partiu dali. Chamou aquele poço de SITNA, que significa “INIMIZADE”.

Isaque não beberia daquela água. Rebeca não lavaria as roupas da família com aquela água. Jacó não se banharia com aquela água. O patriarca não permitiria que a inimizade entrasse em sua casa com tanta facilidade. Etimologicamente, as palavras SITNA e SATANÁS tem a mesma raiz. Por vezes, abrimos poços que são também portas de entrada para o inimigo. Isaque não iria correr este risco. Tem horas, que perder é ganhar. A decepção pode ser um recado de Deus para nossas vidas, dizendo: - Tenho algo melhor preparado para você.

Isaque seguiu pelo vale, e novamente, se pôs a cavar.  O mesmo trabalho. O mesmo desgaste. A mesma possibilidade de fracasso. Nada disso impediu os trabalhadores. Um novo poço foi aberto. Maior. Mais abundante. E desta vez, ninguém tentou usurpar as águas encontradas pela família. Isaque, então, chamou aquele poço de REOBOTE, que significa, “DESCANSO”, “ALÍVIO”. Em Reobote, o patriarca louvou ao Deus de seu pai, que lhe deu um lugar para morar, e o fez prosperar sobre a terra.

Isaque poderia se conformar em beber a água barrenta de um poço entulhado, ou ainda adaptar seu paladar para o amargor de águas contaminadas por contentas e inimizades. Mas, ele insistiu em cavar poços, até encontrar um manancial limpo, puro e adocicado pela paz. O que aprendemos com Isaque, é que nossa persistência em cavar poços, precisa ser maior que a determinação de nossos inimigos em entulhá-los.

Por toda vida, Isaque bebeu de poços cavados por Abraão. Ele recebeu mananciais de águas como herança. Mas, agora, tinha um poço seu, um legado para seus filhos. O herdeiro deixaria uma herança para a posteridade.

Dali, Isaque partiu para Berseba, onde o Senhor lhe apareceu durante a noite, e renovou com ele, a aliança feita com Abraão: - E apareceu-lhe o Senhor naquela mesma noite, e disse: Eu sou o Deus de Abraão teu pai; não temas, porque eu sou contigo, e abençoar-te-ei, e multiplicarei a tua descendência por amor de Abraão meu servo. (Gêneses 26:24).

Ao acordar pela manhã, Isaque levantou um altar, montou a tenda de sua família, e pediu aos seus servos que um novo poço fosse aberto ali. Enquanto fazia uma oração de agradecimento, recebeu a visita de Abmeleque. Isaque ficou curioso quanto a inesperada visita, já que o rei dos filisteus o havia expulsado de Gerar. Porém, o desejo do monarca era restabelecer a aliança de paz que tinha quebrado, pois, todos os moradores da cidade, testemunhavam que o Senhor era na vida de Isaque.

O que fazer quando um inimigo bate à porta? Bem, para Isaque, havia algo a ser feito. Um banquete. O patriarca não apenas alimentou seus inimigos, como também lhes hospedou com cordialidade. Ele retribuiu contendas e inimizades, com generosidade e paz. Aos entulhadores de seus poços, ofereceu um odre com a refrescante água de Reobote.

No dia seguinte, os servos de Isaque voltaram animados. Eles haviam achado uma nova fonte de água em Berseba. O maior poço cavado até então. Isaque o chamou de Seba, que significa “PROMESSA” ou “JURAMENTO”. (Gêneses 26). Esta sim, era uma água que a família faria questão de tomar. 

Quando a perseverança do homem se alinha a fidelidade de Deus, não existem braços fortes o suficiente, para entulhar todos os poços que seremos capazes de cavar.