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terça-feira, 7 de março de 2017

Orações e Perfumes

Sussurros que não podem ser expressos em palavras são frequentemente orações que não podem ser recusadas.
(C. H. Spurgeon)


Em meados do Século XV, a Reforma Protestante se espalhava pela Europa com uma força avassaladora. Na Inglaterra medieval, subiu ao trono a primeira rainha bretã a professar publicamente o protestantismo. Elizabeth. Muito próximo dali, uma inimiga íntima destilava veneno contra a jovem monarca. Seu nome era Maria Stuart, rainha da Escócia. O Reino Unido não estava tão “unido” assim, e fervilhava com a eminência de um confronto entre as nações co-irmãs.

Maria Stuart se opunha ferrenhamente ao protestantismo, travando uma guerra civil contra John Knox, o pai da reforma protestante escocesa. Segundo seus biógrafos, Knox orava incansavelmente pedindo ao Senhor que lhe desse a Escócia, caso contrário, morreria de tristeza pelas almas não salvas. Católica fervorosa, Maria não aceitava o avanço do protestantismo pelo seu país. Também não tolerava o fato da Inglaterra ser governada por uma “herege”. Ameaças e insinuações se tornaram constantes. Tensão cada vez mais latente. A jovem (e inexperiente) rainha Elizabeth, foi questionada pelos conselheiros sobre seus temores de um possível ataque liderado pela rainha escocesa. Então, ela surpreendeu a todos com a resposta que se tornaria numa das mais celebres frases da história: 

- “Não tenho medo da armada escocesa... Só da oração de John Knox. ” 

Sábias foram as palavras ditas por esta mulher, que compreendia o poder da oração feita por um servo de Deus. Na linguagem cristã, a oração pode ser entendida de muitas maneiras. Alguns a entendem como uma “linha telefônica” direta para o céu, outros dizem que ela é uma conversa franca e profunda entre “pai e filho”, ou ainda um diálogo revigorante com o “melhor amigo”. Todos estes pensamentos, guardadas as devidas proporções, estão corretos em seu entendimento. Orar é estreitar nosso vínculo com o Criador. É avançar diariamente numa relação de intimidade com o Salvador do Mundo. É falar diretamente com aquele que tem o poder absoluto sobre todas as coisas.

Um cristão que não mantém em sua vida uma rotina constante de oração, pode ser comparado a uma chama da qual se retira o oxigênio. Inevitavelmente, ela irá se apagar. 

O homem sempre precisou da instrução divina afim de sobreviver espiritualmente as descobertas do mundo. No Jardim do Éden, Adão e Eva eram como duas crianças se descobrindo, e Deus fazia questão de todas as tardes, visitar os seus filhos para instruí-los em todos os aspectos da arte de viver. Literalmente, Deus “conversava” com o primeiro casal sobre os mais variados aspectos da vida. Infelizmente, a desobediência quebraria esta aliança. No desejo de serem iguais a Deus, eles acabaram se afastando de Deus, perdendo a inocência e violando a santidade. Já não podiam olhar a face de Deus e nem serem visitados com cordialidade ao pôr do sol (I Timóteo 6:16).

Mas dentro deles, ainda habitava o espírito que clamava por Deus. Mesmo que a carne do homem se sobreponha ao seu espírito, jamais irá calar sua voz. Ele estará lá dentro, desesperado, inquieto e aflito, sabendo que Deus é o oxigênio que mantém acessa a chama da vida eterna. Na ausência do Senhor, cedo ou tarde, até mesmo a mais resistente fagulha se extinguirá.

Daí nasce o vazio interior, a busca desenfreada por prazeres passageiros, a ausência completa de paz. O homem saiu do jardim, mas o Jardim ainda está no homem. Mudou-se a forma, porém, a conversa diária com o Criador ainda é necessária. Sem dialogar com Deus e buscar sua orientação, o homem jamais será plenamente feliz. Mesmo que visitas vespertinas "tangíveis" do Criador não sejam uma opção para nós, a prática do diálogo é possível, e não se faz necessários agendamentos prévios ou formalidades desnecessárias. E esta é a essência da oração. Esta é a necessidade que nos impele ao habito de orar.

Sem a oração, o crente se torna uma lembrança esquecida, uma lágrima perdida no meio da tempestade, cinzas de um holocausto nuclear. A falta da intimidade com Deus é um passaporte para a escuridão eterna, pois se não desejamos estar próximos ao Senhor nestes breves anos terrenos, é paradoxal desejar estar ao seu lado por toda a eternidade. Assim, é preciso entender a oração como um “teste” que demonstra a intenção de nossos corações para com Deus, e um “exercício espiritual”, que nos mantém preparados para uma maratona eterna de louvor e adoração. E esta constância não é fácil. 

Podemos dizer que a prática diária da oração exige abnegação, sacrifícios e renúncias, sendo por vezes uma rotina cansativa e até pesarosa. Martin Lutero descrevia a oração como sendo o “suor da alma”. Porém, uma vida dedicada a oração se torna prazerosa, pois nada pode trazer mais paz e felicidade ao coração humano do que desfrutar da intimidade com Deus. 

A rotina da oração pode sim ser pesarosa, já que traz em seu bojo a questão da sobrevivência. Afinal, é preciso orar para “não” morrer no sentido espiritual. Porém, o tempo e a persistência vão deixando esta prática cada vez mais agradável. O homem que faz da sua oração um hino de louvor, passa a orar não por uma necessidade mesquinha, mas, sim, porque deseja estar perto de seu Deus, conversar com seu melhor amigo, desabafar e ser aconselhado por seu pai.

Neste ponto, a oração se torna uma atividade tão prazerosa, que já não é mais possível deixar de praticá-la. Quando o evangelista inglês Smith Wigglesworth, famoso por realizar obras portentosas em nome de Jesus, foi questionado sobre sua vida de oração, prontamente respondeu: - "Eu nunca oro mais do que cinco minutos, e eu nunca fico mais do que dez minutos sem orar".

Segundo os relatos de pessoas que acompanharam o ministério de Wigglesworth, este homem era dotado de tamanha comunhão com Deus, que sua oração foi capaz de ressuscitar mortos. Como isto é possível? Quando Elizabeth se referia ao poder da oração de John Knox, evocava as palavras de Tiago, que foi categórico em afirmar que a oração de um justo pode muito em seus efeitos. Ela é poderosa e eficaz (Tiago 5:16). 

A oração é o único elemento produzido na Terra que consegue a proeza de atravessar por entre as potestades e legiões celestiais, e literalmente, rasgar os céus. E ali, onde reina pureza e perfeição, as orações realizadas pelos Servos de Deus, são recebidas com júbilo e alegria, pois tem a capacidade incompreendida de perfumar o próprio paraíso. João testemunhou em loco esta realidade, e a descreveu em suas revelações: 

- E, havendo tomado o livro, os quatro animais e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo todos eles harpas e salvas de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos (Apocalipse 5:8). 

Um pouco mais a frente, João se aproxima do Trono do próprio Deus, e avista diante dele um altar de ouro. Então um anjo imponente se apresenta, tendo em suas mãos um incensário de ouro. Em seu interior uma grande quantidade de incenso, que será usado para manter a chama do altar acessa. Para que tal “combustão” aconteça, primeiro é necessário agregar um novo componente a esta mistura: 

- E foi-lhe dado muito incenso, para o pôr com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro, que está diante do trono. E a fumaça do incenso subiu com as orações dos santos desde a mão do anjo até diante de Deus (Apocalipse 8:3-4).

Que linda revelação. São as nossas orações que mantem acessa a chama do altar que está diante do Trono de Deus. Pode haver privilégio maior? Nenhuma arma fere Deus. Nenhuma tecnologia consegue alcançá-lo. Nenhum exército pode confrontá-lo. Mesmo assim, a mais singela oração feita aqui na terra, tem o poder de fazê-lo se levantar de seu Trono, para simplesmente, sentir o cheiro suave que emana de uma prece. E o que acontece depois é absolutamente poderoso. Fogo, trovões, relâmpagos e terremotos (Apocalipse 8:5).

Se não bastasse tamanho poder, a oração ainda tem a capacidade ímpar de comover o coração de Deus em "nosso" favor, fazendo-o mover suas mãos em "nosso" auxilio, bradando dos céus em "nosso" socorro. Deus ouve todas as nossas orações, já que seus ouvidos nunca se fecham ao "nosso clamor" (Isaías 51:1). E o Senhor responde a cada uma delas: -  Porque todo o que pede, recebe; e quem busca, acha; e ao que bate, a porta se abre” (Mateus 7:8). E como é agradável a promessa de termos nossas orações atendidas. 

Mas, o servo do Senhor, sabe receber e aceitar qualquer resposta que venha do céu. O SIM e o NÃO.

Somos propensos a buscar o “sim” para todas as nossas petições. Nossa geração é incentivada a ver o nosso Deus como um mero serviçal que está sempre a postos para atender nossos mimos e nos propiciar o “melhor desta terra”. Não é isto que a Bíblia nos ensina, já que o próprio Cristo nos instruiu a entrar na presença de Deus em oração, convictos que a vontade “DELE” seja feita em nossas vidas, independente daquilo que pedimos ou almejamos. O modelo estrutural de uma oração, nos foi ensinado no contexto do Sermão do Monte, e basicamente é um hino de louvor a soberania de Deus, deixando a necessidade humana em plano secundário. Até porque, uma vez que a vontade de Deus seja soberana em nossa vida, seu Reino virá a nós intensamente (Mateus 6:9-13).

Orar não é “pedir”, mas sim, se sujeitar a Deus em humildade e reverência. O teólogo dinamarquês Soren Kierkegaard, definiu muito bem o propósito da oração na seguinte frase: - A função da oração não é influenciar Deus, mas especialmente mudar a natureza daquele que ora. A partir deste entendimento, podemos até apresentar ao Senhor nossas petições, mas saberemos lidar com sua resposta, principalmente quando a mesma é “NÃO”. Para o aclamado escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, "a grandeza da oração reside principalmente no fato de não ter resposta, do que resulta que essa troca não inclui qualquer espécie de comércio".

Deus se nega a atender alguns de nossos pedidos não por ser mau ou imprevisível, mas sim por nos amar e desejar o melhor para cada um de nós. Se um filho pequeno pedir ao seu pai um jogo de facas, certamente não terá seu pedido atendido, exatamente porque seu progenitor deseja protege-lo de cortes e ferimentos. Como uma criança incapaz de lidar com objetos cortantes, somos cada um de nós, com nossos desejos e ambições, que num futuro muito próximo, podem sim se transformar numa arma com a qual nos auto-mutilaremos. Deus já sabe disso. Nós, ainda não.

Assim, como um pai zeloso e protetor, o Senhor veda nossa vida com seu manto de amor e nos presenteia com um glorioso NÃO. E pode acreditar, o NÃO de Deus é sua resposta mais significativa. O problema, é que não sabemos lidar com esta realidade, e em decorrência deste condicionamento moderno que coloca o homem no centro do universo, muitos se frustram com Deus, sem compreender a grandeza de seu amor. 

Deus não fica alegre quando ficamos tristes com sua negativa. Mas, certamente se alegrará ao encontrar seus filhos no céu, e não no inferno. Lugar para o qual o seu “SIM” poderia nos enviar.

Quando lemos o texto de Mateus 7:7, ficamos convencidos de que a insistência nos levará a ter nas mãos o fruto de nossos planos, projetos e sonhos. Então, ao nos depararmos com uma porta fechada, a esmurramos insistentemente para que Deus a abra. Exigimos portas abertas. Mas a grande questão é: - O que tem do outro lado desta porta? 

Pois é. Deus sabe. É por isso que muitas vezes, Ele mantém a porta fechada, para nos proteger do mal que ainda não conseguimos enxergar. A benção que queremos hoje, pode se tornar na maldição de amanhã. Quando batemos, e a porta continua fechada, a melhor opção que temos é mudar de porta, confiando que aquele que tem nas mãos a Chave de Davi, abrirá apenas aquelas que nos levarão a caminhos de paz. 

Portanto, quando orarmos, que sejamos prudentes no bater, no pedir e no buscar, para que por mera teimosia, não encontremos o caos e a tragédia que se esconde em muitos “SIM`s”.

E Deus deseja que nosso futuro seja de glória e não de ruína. Muitas vezes, nosso presente é mantido na escassez para que o futuro seja de grande abastança. Em resumo, Deus sabe o que faz. O poder absoluto da oração reside exatamente na obediência. Orações realizadas em obediência, tem o poder inebriantes de aromatizar o Paraíso. É o marca de perfume que Deus se alegra em usar.

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