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domingo, 4 de março de 2018

Linha de Chegada



Deus nunca disse que a jornada seria fácil.
Mas Ele disse que a chegada valeria a pena.
(Max Lucado)


A Bíblia é um manancial de promessas. Universais. Personalizadas. São mais de cinco mil no Antigo Testamento e outras três mil no Novo Testamento. Alguns estudos compilam 8.810 promissões nas páginas sagradas. A “Bíblia JFA – Edição Promessas”, cataloga 1.100 categorias de promessas seladas entre Deus e os homens, e destacadas pelos quarenta autores dos livros bíblicos. É muita benção agendada sobre o servo de Deus! 

Mas, nada de oba-oba! Existem critérios para vivenciar cada uma delas. Deus só tem promessas para vencedores!

O que vencer comerá do fruto da Árvore da Vida, que está no meio do Paraíso de Deus.

O que vencer não receberá o dano da segunda morte.

O que vencer partilhará do maná escondido.

O que vencer será chamado por um novo nome.

O que vencer julgará as nações com vara de ferro.

O que vencer vestirá roupas brancas.

O que vencer caminhará com o Senhor por ruas de ouro.

O que vencer manterá seu nome escrito no Livro da Vida.

O que vencer terá seu nome confessado pelo próprio Cristo.

O que vencer se edificará como coluna no Santuário celeste.

O que vencer levará sobre si o nome de Deus.

O que vencer dividirá um trono com o Jesus glorificado.

Não existe um só lugar na “Glória Eterna” que tenha sido reservado para os derrotados. O fracasso não consegue ultrapassar as catracas da Nova Jerusalém. O céu é o destino de campeões! Gente que superou os mais volumosos obstáculos, e por fé, ultrapassou os limites da própria capacidade humana. Imagine o Paraíso como um gigantesco pódio, apenas com a plataforma do primeiro colocado. O segundo lugar, infelizmente, vai ficar de fora.

E esta condição me deixa agoniado. Com oito bilhões de almas numa corrida desenfreada rumo a eternidade, qual é a probabilidade de meu nome constar entre os vencedores? Não importando qual a categoria, sei que sempre existirá milhões de pessoas mais credenciadas, capacitas e produtivas. Que chances tenho eu?

Nestas horas, quando a insegurança toca maliciosamente a campainha, preciso me lembrar que esta não é uma disputa no estilo “um” contra “todos”. Só existem dois concorrentes diretos. “Eu” vs “Eu”. “Homem Natural” vs “Homem Espiritual”. Só chega na Glória, e desfruta plenamente das promessas, aquele que vence a mais árdua das batalhas, e no ringue das prioridades, consegue derrotar a “si mesmo”. Como bem dizia minha amiga Eliana Felix: - O céu é ganho a força!

Imagine que seja oferecido a você um baú cheio de ouro. Gratuito e intransferível. Se não for seu, não será de mais ninguém. Na verdade, cada pessoa já nascida recebeu a mesma proposta. Um tesouro particular, único e exclusivo. Não existem motivos de disputa em torno dele. Caso sua resposta seja sim, ninguém poderá roubá-lo de você. Obviamente, para isto, uma única exigência precisa ser aceita de bom grado. É preciso buscá-lo pessoalmente. E qual a localização? No alto do monte Everest. Não há helicópteros disponíveis ou alpinistas contratáveis. A busca também é pessoal e intransferível. O tesouro está reservado apenas para você, e a escalada também. Este é o filtro que retém os derrotados, para os quais, os céus não permitirão acesso.

A disputa não é “quem” chega primeiro, ou escala mais rápido. Na verdade, vencem todos aqueles que “não” desistem da escalada. Eu X Eu. Você X Você. Uma batalha diária contra o desânimo, a apostasia e o comodismo. A montanha, em si, nunca será o problema. Sabemos o que esperar dela no exato instante que optamos pela subida. Conhecemos bem as consequências desta escolha. Cansaço, fadiga, dores crônicas, ar rarefeito, as pontas dos dedos em carne viva, frio e extremidades do corpo suscetíveis a necrose. Estas dificuldades estão descritas no “contrato” em letras garrafais. Deus não as esconde de ninguém. A montanha está ali exatamente para limitar os acessos. É um teste. Geralmente, motivados pelos valores ofertados, prontamente aceitamos a jornada, e iniciamos o caminho dispostos a concluir o percurso. Esta é a verdade do momento, banhada de emocionalismo e empolgação, nos catapultando pelos primeiros estágios. Fogo e fúria agindo como combustível humano. Faca entre os dentes e muitos metros conquistados com extrema facilidade. O início é sempre promissor.

Porém, os dias se sucedem, os ventos sopram rigorosos e o inverno açoita o lombo já despido, enquanto os dedos sangram a cada toque no rochedo. Começamos a recalcular o custo benefício. - Será que realmente vale a pena tanto desgaste na busca de um tesouro, para o qual, não tenho ao menos, alguma prova tangível de sua existência. O “Eu” racional, calculista e pragmático, desafiando o “Eu” espiritual, esperançoso e atemporal para um duelo de “vida” e “vida eterna”. Quem vence? Quem perde? Quem avança? Quem recua?

Perder para ganhar ou ganhar para perder?

O céu será entregue aos vencedores. Para aqueles que abarrotam sua mochila com as promessas, e não a abandona na beira do caminho, mesmo que o peso empurre vertiginosamente para baixo. Nos critérios divinos, vencer não é necessariamente ser o melhor, ou chegar primeiro. Mas sim, não desistir no meio do caminho. Só os perseverantes viverão a plenitude de tudo aquilo que foi prometido desde o começo do mundo.

Deixe-me explicitar este conceito através da vida de Paulo. Este homem dotado de grandiosas virtudes e inteligência superior, abriu mão de uma vida acadêmica muito promissora em Jerusalém, quando recebeu a proposta de um tesouro espiritual. Mesmo sabendo das dificuldades da escalada, se lançou sem reservas montanha cima, crendo que o Senhor que o esperava no cume, também seria seu guia por todo o rochedo. O custo desta escolha?  Escárnios, açoites, prisões, naufrágios, fome, frio, abandono, angústias e muitas tribulações. Será que realmente devemos considerar Paulo um exemplo de vencedor?

Faça um exercício de memória e volte a Roma do século primeiro. Mais precisamente, ao corredor da morte em uma destas prisões romanas que você conhece bem pelos filmes épicos que já assistiu. Lá você se encontra com um homem magro, a barba viscosa e olhar cansado. Na próxima hora, sua cabeça rolará em praça pública. Será o fim para ele. Nas mãos do condenado, você observa um pedaço de papel. Os dedos engruvinhados seguram firmemente a pena,  enquanto escrevem um tipo de carta. As últimas palavras do prisioneiro. Você observa as cicatrizes nos braços e nas pernas, e entende que aquele homem foi surrado por várias vezes ao longo de sua vida. E logo conclui: - Deve ter sido alguém muito ruim para apanhar tanto.

Curioso, você inicia uma conversa “despretensiosa”. – Está frio aqui, não? O homem para de escrever e gentilmente olha na sua direção. – Já estive em situações piores.... Uma vez, depois que meu navio naufragou, passei a noite inteira nas águas geladas do mar, agarrado a um pedaço de madeira, enquanto nadava numa busca desesperada por terra seca... Com a Graça de Deus, eu e meus companheiros sobrevivemos... Mas, naquela noite, meu filho... Eu senti frio de verdade... Aqui até que está bem quentinho... Você fica impressionado com a serenidade na voz do pobre condenado, que em nada se enquadra na aparência esquálida que ostenta. E insiste no diálogo:

- Que história... Certamente você deve ter muitas delas para contar!

E ele, de fato, as têm. Trôade. Malta. Felipo. Atenas. Éfeso. Macedônia. Colosso. Galacia. Tessalônica. Corinto. Antioquia. Jerusalém. Histórias sobre apedrejamentos. Linchamentos públicos. Julgamentos. Prisões. Eram incontáveis as vezes que a morte quase o tinha tomado para si. E o motivo era sempre o mesmo. A maioria das pessoas desprezava a mensagem que transmitia. Jesus Cristo. Aquele que foi morto e reviveu. A Graça capaz de soterrar uma montanha de pecados. Arrependimento. Renúncia. Perdão. Frutificação espiritual. O amor sendo apontado como o mais excelente dos caminhos. A morte do velho homem e o renascimento para uma vida nova, enquadrada nos desígnios de Deus. Os religiosos repudiavam a doutrina. Os políticos se incomodavam com a revolução espiritual. Os poderosos sentiam o ego violado pelas ideias igualitárias, que nivelava todos os homens sob a égide do pecado, carentes de misericórdia e passiveis de julgamento. Então, o portador da mensagem foi coagido. Perseguido. Maltratado. Portas fechadas. Fugas no meio da noite. A cada passo dado, uma dor lancetava seu corpo. A cada alma ganha, uma pedra atingia seu dorso. Milhares de vidas resgatas das garras de satanás. A mesma quantidade de pedras lançadas contra um único pregador. Um espinho maligno infligindo diariamente a carne de um homem santo.

A esta altura da conversa, você percebe a vista se embaçando. Uma lágrima teimosa reluta em se desprender dos olhos. Muitos pensamentos lhe surgem a mente, mas apenas uma frase se concretiza nos lábios. - Vale a pena? Então, instintivamente você se aproxima das grades. Deseja vê-lo mais de perto. Respirar o mesmo ar. Sentir a energia espiritual, que só agora, sente reverberando em cada partícula suspensa.

- Depois de tanta dedicação a uma causa, tudo o que lhe resta é sentar-se nesta cela escura, enquanto espera para ser assassinado?  Será que a vida que escolheu viver, realmente valeu a pena?

O homem condenado sorri. Ele retribui a aproximação. Dobra cuidadosamente o papel em suas mãos, e o coloca gentilmente no chão. Usando as paredes da cela como apoio, se levanta com alguma dificuldade, como se sentisse câimbras, e caminha lentamente em direção as grades. Agora, já é possível olhar em seus olhos. Olhos meigos. Olhar imponente. Ele move seus lábios e diz com total convicção:

- Valeu a pena? Como assim? Não haveria sentido em uma vida diferente! Para mim, o viver é Cristo, e o morrer é ganho! (Filipenses 1:21)

Paulo. Conhecemos sua história e repetimos suas palavras. Admirado por “duzentos” em cada “cem” teólogos. O apóstolo dos gentios. O maior evangelista de todos os tempos. Fundador de incontáveis igrejas. Herói da Fé. Um Campeão do Céu. Sem dúvidas, o exemplo máximo de um vencedor.

Será?

Creio que Paulo não se encaixaria no estereótipo “apostólico” que a nossa geração insiste em idolatrar. Paulo não andava em carros SUV e nem frequentava restaurantes luxuosos. Não se vangloriava por igrejas abarrotadas ou atendia suas ovelhas em salas pastorais refrigeradas. Na verdade, se Paulo vivesse entre nós, provavelmente o criticaríamos severamente por seus comportamentos peculiares. Por instante, me imagino ouvindo os burburinhos da congregação, cada vez que ele tomasse nas mãos o microfone para uma rápida saudação:

- Este homem vive doente... Com certeza está em pecado!

- Soube que ele estava em outro navio que afundou... Misericórdia... Deve estar carregado de encostos... Precisa orar mais!

- Você já viu este irmão namorando alguma moça? Sei não... Acho que ele não é chegado na “fruta”... Se é que me entende...

- Vai viajar outra vez? Não tem nenhum comprometimento com a nossa igreja, mesmo...

- Ouvi dizer que ele envia “cartinhas” para rapazinhos de outras cidades... Nunca me enganou!

- Parece que está trabalhando como servente... Ainda ontem era funcionário do governo! Deus humilha os soberbos! Oh, Glória!

- Você acredita que na semana passada ele foi preso? Que vergonha para o evangelho!  Se ficasse em casa cuidando da própria vida, certamente não se meteria em tanta confusão. Mas, gosta de “bater perna”... Fazer o que? Cada um tem o que merece!

Escrevi estas linhas com dor no coração. Em parte, porque são mais que um mero exercício imaginativo, e sim a reprodução dos pensamentos de pessoas que conheço realmente. Mas, principalmente, por constatar como a nossa geração está propensa a inverter valores. Medindo o sucesso ministerial com equipamentos descalibrados. Calculando o progresso espiritual com a fórmula equivocada. Invertendo o pódio. Se vislumbrando com os aplausos. Se rendendo as distrações do caminho. E tudo isto, nada mais é que um lubrificante viscoso descendo a montanha, nos levando para baixo, enquanto fantasiamos ascender. "Eu", sendo derrotado por "mim".

Paulo x Paulo é uma batalha que se repete inúmeras vezes pelas páginas do Novo Testamento. Saulo x Paulo. Odre Novo x Odre Velho. Vinho Novo x Vinho Velho. Vida x Morte. E o apóstolo sempre fez as escolhas corretas. Venceu todas as guerras que travou contra si mesmo. Escalou a montanha sem olhar para baixo, mesmo que inúmeras vozes clamassem por sua queda. Um verdadeiro vencedor. Campeão do Céu. Surdo aos apelos mundanos e pronto a ouvir (e obedecer) a voz de Deus. Até o fim.

As promessas bíblicas que citei no início deste texto, estão compiladas nas primeiras páginas de Apocalipse. Foram inseridas pelo próprio Cristo, nas cartas destinadas as igrejas da Ásia. Uma delas, porém, possui uma característica especial, já que não contém nenhuma promessa feita a “vencedores”. Na verdade, há uma mensagem do Jesus glorificado, alertando a igreja de Esmirna sobre as dificuldades da escalada. – Alguns de vós serão presos por causa do meu nome, pois um tempo de tribulação está chegado, onde o próprio Diabo se levantará contra vocês. E então, o Senhor os esforça a perseverança - Não tenham medo! E faz uma promessa destinada apenas para os sobreviventes eternais: - Seja fiel até a morte, e Eu te darei a Coroa da Vida! (Apocalipse 2:10).

Ser vitorioso no contexto bíblico não é chegar em primeiro. Nem mais rápido. Basta chegar. Não desistir no meio da escalada. Não retroceder no caminho. Não se corromper na jornada. Campeões do Céu tem uma característica que os torna iguais. PERSEVERANÇA. Persistir, insistir e nunca desistir.  Dizer "sim" para Deus, quando o próprio “EU” pede "não". Para eles, a gravidade é mais intensa na atmosfera do que no núcleo da terra. Pisam no solo, enquanto mantem a cabeça nas alturas. Gente que “cai para cima”, “recua para frente” e “morre para vida”. Abrem mão da existência terrena, para viver a plenitude das promessas na eternidade. Sobreviventes eternais. Vencedores! Campeões!

Paulo entregou sua vida sem reservas para Deus. - Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se entregou por mim.  (Gálatas 2:20-21). A recompensa terrena que o apóstolo recebeu foi um golpe duro, frio e certeiro da lamina do carrasco. Porém, antes mesmo que a cabeça decapitada tocasse o chão romano, seu espírito voava em direção a Deus. Nas mãos, o fruto de um trabalho penoso e sacrificial. Almas. Milhares. Ganhas em vida. Ganhas na morte.

Voltando a prisão de Roma, lá está você encostado na parede, refletindo sobre a vida. Ao lado, as grades estão abertas, e cela vazia. Lá dentro, sobre o chão, o papel dobrado, onde provavelmente, o prisioneiro de Cristo deixou um bilhete de despedida. Seu desabafo. Suas frustrações. Você entra na cela, se inclina e toma o papel amarelado nas mãos. Desdobra cuidadosamente. Enquanto lê, os olhos se encharcam, e uma gota quente cai sobre o ponto final. Você desaba ajoelhado sobre o chão manchado de sangue. O papel flutua lentamente pelo ar, até repousar na pedra fria. Suas mãos agora estão sobre os olhos, tentando inutilmente conter as lágrimas. Alguém tinha concluído a escalada. Provado que é possível chegar ao topo. Ser um vencedor mesmo sem “vencer”. Ainda que os homens não reconheçam a vitória, uma marcha vitoriosa reverbera pelos céus, enquanto o campeão ultrapassa a linha de chegada.

Você se recompõe. Levanta, e caminha em direção a saída. E então, se lembra do pedaço de papel. Ele não pode ficar ali. Aquelas são palavras precisos demais, e o mundo precisa conhece-las. A última mensagem de um homem que escolheu viver por Cristo, e por Ele, aceitou agradecido o convite da morte.

- Combati o bom combate, acabei a carreira e guardei a fé! Sei que agora me espera a Coroa da Justiça, que para mim foi guardada, e que o Justo Juiz me entregará naquele grande dia. Não só a mim, mas para todos aqueles que viverem por Ele! (II Timóteo 4:7-8)

Boa Escalada!

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