Todas as
tristezas da fé reunidas, não se igualam em amargura,
a uma
gota das tristezas do pecado.
(C. H.
Spurgeon)
Algumas diretrizes apontadas por Deus são difíceis
de seguir. Outras nem tanto. Quando Jeremias,
(habituado as missões árduas imputadas a ele com certa regularidade),
recebeu do Senhor a ordem para fazer compras na melhor loja “moda masculina” da
cidade, se sentiu especialmente confortável. Dinheiro não lhe faltava, o tempo
para cuidar de si mesmo é que andava escasso. Mas agora, avalizado por Deus, o
profeta faria uma visitinha produtiva ao “Anatote´s
Shopping Tower”, onde finalmente poderia repaginar seu guarda roupa já
desbotado.
Sinceramente, não faço a menor ideia do tamanho da
compra realizada por Jeremias e nem o valor final da fatura. Teria ele pagado
tudo em dinheiro ou aproveitado a comodidade de um crediário previamente
aprovado? Informações como estas são irrelevantes. Para entendermos o propósito
desta história, basta saber que um dos itens adquiridos pelo profeta havia sido
exigido pelo próprio Deus. Modelo, cor e número. Com recomendações de lavagem a
seco.
- Compre
um cinto de linho, coloque-o em volta da cintura e não o deixe entrar em
contato com a água!
Jeremias estava faceiro em sua roupa nova. Um
cinto de linho finíssimo, num branco tão intenso que faria a neve parecer
cinzenta. Por alguns dias, o profeta caminhou pelas ruas de Anatote, mostrando a
todos, sua mais recente aquisição. Mesmo sem entender os propósitos, se manteve
obediente à Deus. Não tiraria o cinto do corpo, enquanto a voz do Senhor
não ordenasse, mesmo que com o passar dos dias, o pedaço de tecido “clamasse”
por uma visita ao tanque para um encontro “necessário” com sabão e amaciante.
Finalmente, uma nova orientação foi destinada ao
profeta. Desta vez, absolutamente incompreensível.
- Vá até
o Eufrates. Na fenda de uma rocha, enterre o cinto, e o deixe ali.
Tem horas que Deus parece estar de testando nossa
paciência. Ele simplifica, para depois, complicar. Primeiro proíbe que roupas
sujas sejam lavadas. E agora ordena que a mesma peça do vestuário seja levada
até o Eufrates e enterrada sob uma pedra cheia de limbo. Qual o sentido desta
catarse?
Jeremias estava vivendo na pele, o dilema do interlocutor.
Por maior que seja a dificuldade na transmissão de uma mensagem, é imensamente mais
fácil pregá-la, do que vivê-la. Seria muito simples, se Deus revelasse ao
profeta o conteúdo do sermão, e o mensageiro por sua vez, apenas retransmitisse
o recado divino aos destinatários. Mas, estaria Deus sendo justo se facilitasse
desta maneira a vida do pregador? Certamente, nesta condição, o senso de
responsabilidade seria drasticamente diminuído e o impacto da mensagem reduzido
a zero.
Como acreditar em alguém que não acredita?
Como respeitar aquele que não se deu ao respeito?
Como absorver ensinamentos de um professor que
nunca foi ensinado?
Exatamente por isso, Deus leva o pregador a
vivenciar sua própria pregação. Aprender para poder ensinar. A fé sendo provada
e aprovada. Sem vivenciar toda a intensidade da mensagem que transmite, o
profeta se priva do amadurecimento. Limita seu crescimento ministerial. Atrofia
o desenvolvimento emocional. E Deus jamais “cederá” um milímetro, se algum
prejuízo espiritual este recuo provocar. O Senhor complica, para que nos
tornamos hábeis na arte de descomplicar. Os “nós” estão no caminho, esperando
que aprendamos a desatá-los. Qualquer orador que almeja que sua audiência seja
impactada pelas palavras que irá proferir, precisa entender que “ele mesmo” é o
ouvinte “zero”. Se a mensagem não modificar o pregador que a transmite, vai causar
mudanças em quem?
A distância entre Anatote (cidade natal de Jeremias) e Perate (as margens do grande rio Eufrates) era de aproximadamente
quinhentos quilômetros. Jornada custosa demais, se o objetivo fosse apenas
esconder um pedaço de tecido na fenda de uma rocha úmida. - Não haviam pedras em Anatote? - As águas do Eufrates seriam mais
“molhadas” que os leitos fluviais de Gibeá? Apesar de existirem centenas de
contra-argumentos, Jeremias cumpriu à risca, as ordens de seu Deus. Na verdade,
estava feliz em se livrar daquele “trapo” mal cheiroso, impregnado de suor,
gordura e poeira. Este pensamento diminuiu em “centenas de metros” a extenuante
caminhada, e quando retornou para casa, o profeta se sentia bem mais leve, como
se alguns quilos tivessem saído de seu lombo.
Como é recompensadora a sensação de uma mensagem
entregue com totalidade. Em conteúdo e temor. As pernas param de tremer e o
estômago deixa de revirar. Um suspiro de alívio sempre sucede o "amém". - Deixei no altar, aquilo que Deus me
entregou! Vou embora sem levar comigo uma única grama de maná. Nenhuma palavra
presa na garganta. Nos sentimos exatamente como Jeremias, deixando no
Eufrates o cinto de linho. Nem desconfiamos que a "entrega" não é o fim da mensagem. Apenas sua introdução.
Enquanto a palavra é “pregada”, todos “observam”, a grande maioria “ouve”, alguns “entendem”, poucos “assimilam”, mas, é o pregador quem a vive com total intensidade. A ministração, é apenas a ponta de um iceberg. A plateia não tem visibilidade de tudo que está abaixo da superfície. A rocha submersa. Orações, lágrimas e dores. A inspiração forjada no fogo. A oratória malhada a ferro frio. Para cada prego cravado no coração dos ouvintes, centenas de marteladas esmiuçaram os dedos do “marceneiro”. Se a alma de quem ouve sangra, o coração do pregador já se liquefez há bastante tempo. E todo este processo, é apenas o estágio inicial. A viagem de volta para Anatote, não faz o Eufrates desaparecer. Ele continua lá, guardando na fenda de uma rocha, o cinto de linho que ainda pertence a você.
Enquanto a palavra é “pregada”, todos “observam”, a grande maioria “ouve”, alguns “entendem”, poucos “assimilam”, mas, é o pregador quem a vive com total intensidade. A ministração, é apenas a ponta de um iceberg. A plateia não tem visibilidade de tudo que está abaixo da superfície. A rocha submersa. Orações, lágrimas e dores. A inspiração forjada no fogo. A oratória malhada a ferro frio. Para cada prego cravado no coração dos ouvintes, centenas de marteladas esmiuçaram os dedos do “marceneiro”. Se a alma de quem ouve sangra, o coração do pregador já se liquefez há bastante tempo. E todo este processo, é apenas o estágio inicial. A viagem de volta para Anatote, não faz o Eufrates desaparecer. Ele continua lá, guardando na fenda de uma rocha, o cinto de linho que ainda pertence a você.
A metáfora do cinto de linho é bem simples. O
tecido branco representava Judá. Deus desejava estar perto de seu povo,
desfrutar de plena intimidade com Jerusalém, sua filha mais querida. Assim como
o cinto se apega a cintura da pessoa que o usa, o Senhor atraiu Israel, e com
cordas de amor, o amarrou em seu dorso. Orgulhosamente, Deus caminhou pelas
galáxias com sua roupa favorita. Porém, o tempo deu consciência ao tecido. O cinto achou que podia
viver sua própria vida, longe da cintura que lhe dava forma e propósito de
existir. O tecido se sujou. O mau cheiro do pecado o impregnou. E ele,
arrogante nas tolas convicções pessoais, negava-se ao privilégio das águas
purificadoras. Gostava de estar imundo. Acomodou-se ao cheiro pútrido das
iniquidades. Mesmo assim, Deus insistia na proximidade. As narinas do Altíssimo
queimavam por causa do odor, porém, o amor se revelava sempre mais forte. O
problema, é que Deus não pode se vestir com roupas sujas, isto afrontaria sua
pureza e santidade. Então, o cinto precisou ser guardado em uma gaveta.
O grandioso rio Eufrates era uma defesa natural de
Israel contra invasores estrangeiros. De uma forma poética, as margens
flertavam com o “sagrado” e o “profano”. Apenas suas águas separavam a “benção”
da “maldição”. Neste lugar emblemático, Jeremias deixou seu cinto de linho. Um
ponto de decisão sobre em qual dos lados se almeja realmente estar.
Muitos dias se passaram até que a voz do Senhor
bradou dos céus novamente. – Jeremias, vá
até o Eufrates, desenterre o cinto escondido e o incorpore novamente ao seu
guarda roupa. Porém, quando o profeta retirou a pedra e removeu da fenda o
tecido habilmente dobrado, sentiu o ar a sua volta impregnando-se com o cheiro
da podridão. Os vermes se emaranhavam entre as fibras. O branco tinha sido
consumido por um marrom esverdeado que provocava náuseas apenas pela aparência.
Cheiro de morte. O profeta não precisou de um segundo olhar para seu
diagnóstico definitivo:
- Senhor! Como posso voltar a vestir este cinto? Ele se tornou imprestável e inútil!
- Senhor! Como posso voltar a vestir este cinto? Ele se tornou imprestável e inútil!
Sim Jeremias. A mensagem de Deus chegou as narinas
de Judá através de seu cinto apodrecido. Caminhar pelas ruas numa tarde de
verão usando um adorno trabalhado em lodo e parasitas, ilustra perfeitamente o
paradoxo do pregador. O linho corroído faz menção a decadência religiosa. O
branco contaminado enfatiza o efeito do pecado em contraponto a santidade
requerida. O mau cheiro exalado demostra a condição humana diante da Deus. Os
trapos de hoje, exemplificam o resultado de escolhas equivocadas no passado. Aqueles que
conscientemente se afastam do Senhor, inevitavelmente serão consumidos por suas
próprias iniquidades. Inutilizados. Cintos esquecidos sob as pedras do Eufrates.
Cada indivíduo da cidade, pode observar em Jeremias, o espelho que revelava a
imagem escondida no interior de todos.
E aqui está o paradoxo. Deus poderia exigir que cada morador de Jerusalém vestisse farrapos apodrecidos. Que o pecador sentisse o cheiro da sua própria condição pecaminosa. Poderia. Mas, não funcionaria. Seus narizes já estavam necrosados e as roupas espirituais tão imundas quanto a lama de um chiqueiro. Não haveria contra ponto. Nem confrontamento. Apenas mais uma pinta no corpo do leopardo. Então, Deus vestiu um homem santo com trapos imundos. Uma listra negra no lençol branco. Improvável não ver. Impossível não se notar. Pregadores são por essência, perturbadores da ordem falsificada imposta pelo caos. Agitadores de águas mornas. Seguram em suas mãos as brasas vivas com potencial de incendiar o mundo. Pagam o preço para que outros desfrutem gratuitamente de Graça e Misericórdia. E não importa o meio pelo qual a mensagem será transmitida. O bônus da pregação é ser o pregador. O ônus também.
E aqui está o paradoxo. Deus poderia exigir que cada morador de Jerusalém vestisse farrapos apodrecidos. Que o pecador sentisse o cheiro da sua própria condição pecaminosa. Poderia. Mas, não funcionaria. Seus narizes já estavam necrosados e as roupas espirituais tão imundas quanto a lama de um chiqueiro. Não haveria contra ponto. Nem confrontamento. Apenas mais uma pinta no corpo do leopardo. Então, Deus vestiu um homem santo com trapos imundos. Uma listra negra no lençol branco. Improvável não ver. Impossível não se notar. Pregadores são por essência, perturbadores da ordem falsificada imposta pelo caos. Agitadores de águas mornas. Seguram em suas mãos as brasas vivas com potencial de incendiar o mundo. Pagam o preço para que outros desfrutem gratuitamente de Graça e Misericórdia. E não importa o meio pelo qual a mensagem será transmitida. O bônus da pregação é ser o pregador. O ônus também.
Jeremias é morador da cidade que será incendiada.
A Babilônia também deporta profetas. E o pregador recebe a revelação com
antecedência. Não é agraciado com a
benção da ignorância. Não tem o benefício da dúvida. Ele sabe a verdade. Sobe
numa montanha russa com total ciência que os trilhos estão danificados. Grita a
exaustação anunciando a tragédia iminente, e ninguém escuta a voz exaurida. A
apatia de seu povo, é a dor mais lacerante de um profeta. E mesmo assim, lá
está ele. Rouco, cansado e vestido com trapos apodrecidos. Vivendo a mensagem
que prega. Sentido na alma o amor de Deus, enquanto a pele recebe saraivadas da
justiça divina. O ouvido mais próximo do trovão. O primeiro a ser golpeado
pela espada de dois gumes, cujo corte é tão afiado e preciso, que atravessa juntas e medulas,
perfurando a alma e o espírito.
E antes que um golpe de "arrogância" lhe derrube da torre de vigia, pondere vagarosamente sobre a sabedoria das escolhas divinas. Se Deus te escolhe para transmitir determinada mensagem, é bem provável que o alvo prioritário seja exatamente você.
E antes que um golpe de "arrogância" lhe derrube da torre de vigia, pondere vagarosamente sobre a sabedoria das escolhas divinas. Se Deus te escolhe para transmitir determinada mensagem, é bem provável que o alvo prioritário seja exatamente você.
Pense num carrasco empunhando o chicote nas mãos.
Lá está ele, afoito por açoitar um “Zé Qualquer”. Então, para executar seu
propósito, ergue o braço num ângulo de cento e oitenta graus. É pouco. Para ter
mais força no golpe, ele dobra o cotovelo em noventa graus. Tudo isto em questão
de segundos. Antes de atingir as costas do alvo, o primeiro estalar do chicote,
será no lombo de quem o empunha. Lembre-se: Cada vez que seu dedo "Indicador" estiver apontando para alguém, o "Médio", o "Anelar" e o "Mindinho" estarão
contra você. Com apenas um "Polegar" tentando defendê-lo. Simples assim. Despidos de superioridades. Apenas servos. Mais um nome na lista negra. Para
denunciar o pecado, por vezes Deus nos reveste de podridão.
É justo isto? Sinceramente, eu acho que não. Mas,
quem sou eu para achar qualquer coisa? Mal consigo entender Deus. Que
argumentos tenho eu para questionar? Tudo o que sei, é que antes de um
parágrafo ser escrito, o Senhor já me fez sentir na alma a intensidade de cada
palavra digitada. O mesmo vale para o altar. Sempre que choro durante a ministração
de alguém, me ponho a pensar em quantas lágrimas o pregador derramou sobre
aquele esboço. A mensagem rasga de dentro para fora. Se não há renovação
na vida do mensageiro, não existe motivos para a mensagem ser pregada.
Jeremias era um homem pregando a justiça, mesmo
sendo injustiçado. Clamando por santidade, ainda que seu figurino incluísse
moscas varejeiras e vermes do lodo. O exterior resiste a contaminação se o
interior estiver livre de mácula. Antes da palavra sair pela boca, ela precisa
reverberar no coração. Fortalecer o caráter. Aniquilar o velho homem. Crer
acima da crença. Ser o primeiro a dizer “AMÉM”, mesmo que a mensagem confronte
o próprio pregador. (Jeremias 11:1-5).
Testemunhei pastores pregando que Jesus cura,
enquanto eram devorados pelo câncer. Outros, bradando libertação, mesmo tendo
filhos atrás das grades. Mensagens de alegria, se contrastando com travesseiros
banhados em lágrimas. Palavras de esperança, enquanto se esperava o fim.
Conselheiros matrimoniais, lutando para salvar o próprio casamento. Exterior e
interior em aparente conflito, quando na verdade, predominava a paz absoluta. A "palavra" harmonizando as divergências. A "pregação" provando a fé do pregador, e o
pregador sendo aprovado. O "remédio" fazendo efeito no "Paciente N° 0". Cura
eficiente e que apenas se sente, quando se entende o conceito de eternidade.
Lembro-me do dia que desabafei com minha irmã Ruth
sobre como as coisas estavam indo de mal a pior. Projetos fracassados. Sonhos
que renasciam para simplesmente morrerem outra vez. – Eu não entendo o que Deus está querendo de mim. Tem horas que dá vontade
de jogar tudo pra cima!
A resposta que ela me deu foi simples e objetiva, incluindo apenas uma pergunta retórica: - Qual é mesmo o nome do seu "blog”? Engoli em seco, antes que as palavras alcançassem a língua. Depois de uma longa pausa reflexiva, me fitando com aqueles olhos verdes incandescente, ela concluiu: - Quando você menos entende, mais precisa confiar.
A resposta que ela me deu foi simples e objetiva, incluindo apenas uma pergunta retórica: - Qual é mesmo o nome do seu "blog”? Engoli em seco, antes que as palavras alcançassem a língua. Depois de uma longa pausa reflexiva, me fitando com aqueles olhos verdes incandescente, ela concluiu: - Quando você menos entende, mais precisa confiar.
Nascia ali, um lema de vida, que preciso visitar e revisitar todos os dias. E sempre que o repito (seja num texto, num vídeo ou numa pregação), tenho plena certeza
que a mensagem está sendo pregada para mim mesmo. As demais pessoas impactadas,
são apenas um efeito colateral bem sucedido da minha carência pessoal por edificação. Este é o meu cinto de linho. Preciso usá-lo com responsabilidade,
gostando ou não da cor.
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