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domingo, 18 de março de 2018

Fora da fila. Ignorado na lista

Muitas vezes descobre-se que aquilo que se despreza
vale mais do que aquilo que se exalta.
(Fedro - Platão)


Eliabe tinha porte de rei. Alto, forte e com uma vitoriosa carreira militar no curriculum. Sua presença era imponente e transmitia a sensação de segurança desejada por todos os moradores do reino. Seu olhar austero era revestido de seriedade, mesmo que um meio sorriso no rosto lhe desse aquele simpático ar jovial. Ele era a aposta certeira de Jessé: - Se um dos meus filhos nasceu para ser rei, certamente é Eliabe! Este menino é minha fonte de orgulho e felicidade, desde o dia de seu nascimento. Minha primícia! Meu primogênito! 

Entenda:

Saul, governante em vigência, havia sido rejeitado por Deus. Suas ações imprudentes não condiziam com a responsabilidade do posto que ocupava. Então, o profeta Samuel foi incumbido pelo Senhor de encontrar e ungir um novo rei para Israel. Mas, desta vez, a escolha teria que ser mais seletiva. Não seriam considerados critérios humanos, como porte físico e destreza bélica. Deus estava interessado em um “coração nobre”, e não em meros “comportamentos reais”. Na casa de Jessé, havia alguém que preenchia este requisito, e exatamente por isso, Samuel encheu um chifre de carneiro com azeite, e desceu até a cidade de Belém. Antes que a noite chegasse, o trono hebreu teria um novo postulante.

Assim que foi informado sobre o propósito da visita realizada pelo profeta, Jessé lhe apresentou Eliabe. E a preferência paterna fazia todo o sentido biológico. Assim que viu o moço, sem maiores avaliações, Samuel se pôs em pé e exclamou: - Com certeza, este é o homem a quem o Senhor deseja ungir como rei! Porém, neste mesmo instante, a voz de Deus reverberou nas entranhas do profeta: - Ah, Samuel! Depois de velho, perdeste o juízo? Não considere a aparência de Eliabe, e nem mesmo a sua altura, pois eu, o reprovo totalmente. O homem se vislumbra com a aparência, mas o Senhor, enxerga o coração! (I Samuel 16:7).

Eliabe. Exterior aprovado pelos homens. Coração reprovado pelo próprio Deus. Jessé demorou alguns minutos para assimilar a negativa. - Se não fosse Eliabe, quem seria? Impacto assimilado, o velho belemita lançou mão de todas as opções. E assim, um a um, seus filhos passaram pelo crivo visual do profeta, enquanto Deus sabatinava intensamente, a alma de todos eles. Seis jovens promissores, fortes e destemidos. Elegantemente vestidos e exalando nobreza pelos poros. Samuel poderia fechar os olhos e, fazendo “Uni-Duni-Tê”, escolher qualquer um deles. A expressão “tanto faz” deve ter sido cunhada naquele dia. Porém, a resposta do profeta a cada nova apresentação era sempre a mesma: - Este não é o homem a quem o Senhor escolheu!

Abnadabe. Reprovado.
Samá. Reprovado.
Netanel. Reprovado.
Radai. Reprovado.
Ozen. Reprovado.

Neste ponto. A sala de espera já estava vazia. Não haviam mais candidatos aguardando sua vez. Samuel coçou a cabeça, enquanto o pai desconsolado lhe lançava um olhar revestido em decepção: - Sinto muito, Jessé. O Senhor não escolheu nenhum deles!

Estaria “Samuel” na casa do “Jessé” errado? O GPS de Deus teria dado defeito na mais crucial das horas? O profeta ponderou por alguns minutos, e pleno de certeza que a sabedoria de Deus é inerrante, chegou a conclusão lógica: - Ainda falta alguém!

Por qual motivo, naquele momento familiar histórico, um membro importante do clã seria propositalmente deixado de fora? Particularmente, acredito que Jessé amava intensamente todos os seus filhos, do maior ao menor. Porém, um deles não se encaixava no contexto. Sua presença poderia ser uma fonte de constrangimento para todos, incluindo, ele mesmo. Estaria Jessé poupando seu rebento de uma competição na qual não existia a menor possibilidade de vitória?

Nunca fui um exemplo de atleta. Nas aulas de educação física no colégio, os capitães dos times brigavam por mim. – Pode ficar com o Miquéias – Não.... Fica com o Miquéias você! Eu estava sempre entre os últimos a serem escolhidos para compor as equipes. Só entrava em algum time por exigência do “professor”. E esta era uma sensação muito desconfortável. Se o assunto fosse “Olimpíadas de Matemática” ou “Concurso de Redação”, meu nome figura na lista de favoritos, mas se tratando de esporte, ninguém me queria usando a mesma cor de uniforme. Assim, nunca tive a alegria de ver meu nome no topo da lista dos convocados para a seleção do colégio, mesmo gostando muito de “correr” pela quadra enquanto os demais “jogavam futebol”.  

Pois é. Estar no fim da fila é sempre desagradável. Ler seu nome na última linha da lista, é desolador. Mas, poderia ser pior.

E quando você é proibido de entrar na fila?
E quando o seu nome fica de fora da lista?

Samuel olhou para Jessé com desconfiança: - Tem certeza que todos os seus filhos já me foram apresentados?

E então, neste momento, o pai se lembrou do caçula. Quando Samuel bateu na porta buscando um rei, o menino sequer foi considerado como um possível candidato. Não fazia o tipo. Não se encaixava no estereótipo. Não atendia as exigências requeridas.

Jovem demais.
Imaturo demais.
Franzino demais.
Pequeno demais.

Inúmeras eram as deficiências de Davi para postular o trono de Israel. Filho mais novo. Apenas dezessete anos. Enquanto os irmãos eram homens já formados, morenos espadaúdos de musculatura torneada, Davi era um ruivinho de sorriso fácil, cujas vértebras se destacavam sobre a pele quase albina. O menino não impunha respeito. Não tinha experiência militar. Passava seus dias no campo, cuidando de ovelhas, cantarolando suas canções favoritas. Algumas, que ele mesmo compôs em sua harpa gasta e manchada pelo verde dos gramados.

- Ainda tem Davi! Respondeu Jessé! - Mas, creio que ele não atenderá as suas expectativas. É o mais jovem de todos, e tudo o que sabe da vida é cuidar de ovelhas. Nada mais!

- Pois, bem! Ponderou Samuel. – Mande chamá-lo agora mesmo. Vim a sua casa para ungir o novo rei de Israel. E só sairei daqui, com minha missão concluída. Nesta casa, ninguém come uma migalha de pão, enquanto este menino chamado Davi, não se unir ao restante da família!

Davi. O maior rei da história de Israel. Sua estrela real ainda está centralizada na bandeira israelita. Matador de gigantes. Destruidor de exércitos. O terror dos filisteus. O maior salmista da história. Arquiteto do grandioso Templo. O homem cujo coração Deus aprovou pessoalmente. Mas, antes da glória, dantes da vitória, aquém da fama, ele era apenas o caçulinha, esquecido pela família nos pastos da vida, e cujo nome sequer, foi contado entre os postulantes ao sucesso. Fora da fila. Ignorado na lista. Não havia uma senha reservada para ele. Jessé tinha sete filhos, mas no momento da unção, haviam apenas seis cadeiras circundando a mesa de jantar.

Davi. O palácio não o fez rei. Foi o pasto. O anonimato. A multidão que o carregou nos braços após a vitória contra Golias, não testemunhou suas batalhas secretas. O leão. A ursa. Suas composições, que ainda hoje são cantadas por milhares de pessoas, por muitos anos embalaram apenas o sono de ovelhas e carneiros. Nenhum homem viu. Nenhum familiar ouviu. Mas, Deus sempre esteve atento. Sondando as intenções do pastorzinho de Belém. Jeito de plebeu. Coração real. Um pastor disposto a lutar com feras para salvar a vida de uma única ovelha, preenche integralmente os requisitos celestes de governo, domínio e honra.

E então, Davi entrou pela porta. Esbaforido. Veio correndo assim que soube da convocação do profeta. Não deixaria o homem de Deus o esperando. Pronto para o serviço. Disposto a obediência. Ele não teve tempo para trocar de roupa. Vestir seu melhor terno. Sequer, lhe foi permitido uma pausa para o banho. Se apresentou ao profeta impregnado pelo cheiro das ovelhas. A roupa incrustada de espinhos. Os cabelos vermelhos adornados com folhas e gramas. Havia pressa no ar. O cheiro de comida vindo da cozinha impregnava o ambiente, e uma dezena de homens famintos estavam desesperados por um naco de novilho assado. Davi foi empurrado sala a dentro. Todos só queriam se livrar do entrave criado por Samuel.  

- Muito bem, velho decrépito! Aí está Davi... Avalie você mesmo a “impresteza” deste imprestável. O reprove logo, como reprovou a todos nós, para que possamos pelo menos, nos refestelar de pão e guisado!

Samuel olhou o menino e sorriu para ele. A aparência do moço não era impressionante, mas sua presença se fazia gentil. Realmente, Jessé tinha razão. Davi não tinha nada que o credenciasse ao trono. Nem de longe se parecia com um rei.  Magro. Infantil. Pequeno. Inexperiente. Não possuía o porte atlético de seus irmãos. - Seria este menino, filho legítimo de Jessé? A discrepância era gritante. Enquanto Samuel vagueava em seus pensamentos, e se conformava com a possibilidade de voltar para casa com o azeite da unção intacto no invólucro, a voz do Senhor bradou dos céus, e fez tremer as estruturas de seu profeta!

- Samuel! Levante-se! Tome nas mãos o azeite e unja o menino. Este é o homem que meu coração deseja. Este é o rei a quem tenho escolhido!

Então, diante de seus irmãos, Davi foi ungido rei. O menor governaria sobre os maiores. O pastor de ovelhas, seria soberano de uma nação. E a partir deste instante, o Espírito de Deus, se apoderou de Davi, e seu treinamento definitivo teve início. A jornada entre o pasto e o trono seria longa e demorada. Mas, um homem segundo o coração de Deus, sabe esperar o tempo de Senhor, e viver intensamente cada linha da história escrita pelo grandioso Autor da Vida. Sem filas. Sem listas. Sem senhas.

Não se preocupe com o tempo. Não se desanime com as avaliações negativas. A história de Deus para sua vida já foi escrita, selada e registrada no cartório da eternidade. Ninguém toma seu lugar. Enquanto Davi estiver esquecido no pasto, Saul estará na sala do palácio, apenas para com seu manto dourado, lustrar o trono de Israel, afim de que o brilho do ouro faça jus ao coração resplandecente do futuro rei. Apenas deixe a fila andar. Quando seu nome finalmente for chamado, a sala de espera estará vazia, e seu encontro com Deus será intimo, pessoal e transformador.


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