Muitas
vezes descobre-se que aquilo que se despreza
vale mais
do que aquilo que se exalta.
(Fedro -
Platão)
Eliabe
tinha porte de rei. Alto, forte e com uma vitoriosa carreira militar no
curriculum. Sua presença era imponente e transmitia a sensação de segurança desejada por todos os moradores do reino. Seu olhar austero era revestido de seriedade, mesmo
que um meio sorriso no rosto lhe desse aquele simpático ar jovial. Ele era a
aposta certeira de Jessé: - Se um dos
meus filhos nasceu para ser rei, certamente é Eliabe! Este menino é minha fonte
de orgulho e felicidade, desde o dia de seu nascimento. Minha primícia! Meu primogênito!
Entenda:
Entenda:
Saul, governante em vigência, havia sido rejeitado por Deus. Suas ações imprudentes não condiziam com a responsabilidade do posto que ocupava. Então, o profeta Samuel foi incumbido pelo Senhor de encontrar e ungir um novo rei para Israel. Mas, desta vez, a escolha teria que ser mais seletiva. Não seriam considerados critérios humanos, como porte físico e destreza bélica. Deus estava interessado em um “coração nobre”, e não em meros “comportamentos reais”. Na casa de Jessé, havia alguém que preenchia este requisito, e exatamente por isso, Samuel encheu um chifre de carneiro com azeite, e desceu até a cidade de Belém. Antes que a noite chegasse, o trono hebreu teria um novo postulante.
Assim
que foi informado sobre o propósito da visita realizada pelo profeta, Jessé lhe
apresentou Eliabe. E a preferência paterna fazia todo o sentido biológico.
Assim que viu o moço, sem maiores avaliações, Samuel se pôs em pé e exclamou: - Com certeza, este é o homem a quem o
Senhor deseja ungir como rei! Porém, neste mesmo instante, a voz de Deus reverberou
nas entranhas do profeta: - Ah, Samuel!
Depois de velho, perdeste o juízo? Não considere a aparência de Eliabe, e nem
mesmo a sua altura, pois eu, o reprovo totalmente. O homem se vislumbra com a aparência,
mas o Senhor, enxerga o coração! (I Samuel 16:7).
Eliabe.
Exterior aprovado pelos homens. Coração reprovado pelo próprio Deus. Jessé
demorou alguns minutos para assimilar a negativa. - Se não fosse Eliabe, quem seria? Impacto assimilado, o velho
belemita lançou mão de todas as opções. E assim, um a um, seus filhos passaram
pelo crivo visual do profeta, enquanto Deus sabatinava intensamente, a alma de todos
eles. Seis jovens promissores, fortes e destemidos. Elegantemente vestidos e
exalando nobreza pelos poros. Samuel poderia fechar os olhos e, fazendo “Uni-Duni-Tê”, escolher qualquer um deles. A expressão “tanto
faz” deve ter sido cunhada naquele dia. Porém, a resposta do profeta a
cada nova apresentação era sempre a mesma: -
Este não é o homem a quem o Senhor escolheu!
Abnadabe.
Reprovado.
Samá.
Reprovado.
Netanel.
Reprovado.
Radai.
Reprovado.
Ozen.
Reprovado.
Neste
ponto. A sala de espera já estava vazia. Não haviam mais candidatos aguardando
sua vez. Samuel coçou a cabeça, enquanto
o pai desconsolado lhe lançava um olhar revestido em decepção: - Sinto muito, Jessé. O Senhor não escolheu
nenhum deles!
Estaria
“Samuel” na casa do “Jessé” errado? O GPS de Deus teria dado defeito na mais
crucial das horas? O profeta ponderou por alguns minutos, e pleno de certeza
que a sabedoria de Deus é inerrante, chegou a conclusão lógica: - Ainda falta alguém!
Por qual motivo, naquele momento familiar histórico, um membro importante do clã seria propositalmente deixado de fora? Particularmente, acredito que Jessé amava intensamente todos os seus filhos, do maior ao menor. Porém, um deles não se encaixava no contexto. Sua presença poderia ser uma fonte de constrangimento para todos, incluindo, ele mesmo. Estaria Jessé poupando seu rebento de uma competição na qual não existia a menor possibilidade de vitória?
Por qual motivo, naquele momento familiar histórico, um membro importante do clã seria propositalmente deixado de fora? Particularmente, acredito que Jessé amava intensamente todos os seus filhos, do maior ao menor. Porém, um deles não se encaixava no contexto. Sua presença poderia ser uma fonte de constrangimento para todos, incluindo, ele mesmo. Estaria Jessé poupando seu rebento de uma competição na qual não existia a menor possibilidade de vitória?
Nunca
fui um exemplo de atleta. Nas aulas de educação física no colégio, os capitães
dos times brigavam por mim. – Pode ficar
com o Miquéias – Não.... Fica com o Miquéias você! Eu estava sempre entre
os últimos a serem escolhidos para compor as equipes. Só entrava em algum time
por exigência do “professor”. E esta era uma sensação muito desconfortável. Se
o assunto fosse “Olimpíadas de Matemática” ou “Concurso de Redação”, meu nome
figura na lista de favoritos, mas se tratando de esporte, ninguém me queria
usando a mesma cor de uniforme. Assim, nunca tive a alegria de ver meu nome no
topo da lista dos convocados para a seleção do colégio, mesmo gostando muito de
“correr” pela quadra enquanto os demais “jogavam futebol”.
Pois
é. Estar no fim da fila é sempre desagradável. Ler seu nome na última linha da
lista, é desolador. Mas, poderia ser pior.
E
quando você é proibido de entrar na fila?
E
quando o seu nome fica de fora da lista?
Samuel
olhou para Jessé com desconfiança: - Tem
certeza que todos os seus filhos já me foram apresentados?
E
então, neste momento, o pai se lembrou do caçula. Quando Samuel bateu na porta
buscando um rei, o menino sequer foi considerado como um possível candidato. Não
fazia o tipo. Não se encaixava no estereótipo. Não atendia as exigências requeridas.
Jovem
demais.
Imaturo
demais.
Franzino
demais.
Pequeno
demais.
Inúmeras
eram as deficiências de Davi para postular o trono de Israel. Filho mais novo.
Apenas dezessete anos. Enquanto os irmãos eram homens já formados, morenos espadaúdos
de musculatura torneada, Davi era um ruivinho de sorriso fácil, cujas vértebras
se destacavam sobre a pele quase albina. O menino não impunha respeito. Não
tinha experiência militar. Passava seus dias no campo, cuidando de ovelhas, cantarolando
suas canções favoritas. Algumas, que ele mesmo compôs em sua harpa gasta e
manchada pelo verde dos gramados.
- Ainda tem Davi! Respondeu Jessé! - Mas, creio que ele não atenderá as suas
expectativas. É o mais jovem de todos, e tudo o que sabe da vida é cuidar de
ovelhas. Nada mais!
- Pois, bem! Ponderou Samuel. – Mande chamá-lo agora mesmo. Vim a sua casa
para ungir o novo rei de Israel. E só sairei daqui, com minha missão concluída. Nesta casa, ninguém come uma migalha de pão, enquanto este menino
chamado Davi, não se unir ao restante da família!
Davi.
O maior rei da história de Israel. Sua estrela real ainda está centralizada na
bandeira israelita. Matador de gigantes. Destruidor de exércitos. O terror dos
filisteus. O maior salmista da história. Arquiteto do grandioso Templo. O homem
cujo coração Deus aprovou pessoalmente. Mas, antes da glória, dantes da
vitória, aquém da fama, ele era apenas o caçulinha, esquecido pela família nos
pastos da vida, e cujo nome sequer, foi contado entre os postulantes ao
sucesso. Fora da fila. Ignorado na lista. Não havia uma senha reservada para
ele. Jessé tinha sete filhos, mas no momento da unção, haviam apenas seis cadeiras circundando a
mesa de jantar.
Davi.
O palácio não o fez rei. Foi o pasto. O anonimato. A multidão que o carregou
nos braços após a vitória contra Golias, não testemunhou suas batalhas
secretas. O leão. A ursa. Suas composições, que ainda hoje são cantadas por
milhares de pessoas, por muitos anos embalaram apenas o sono de ovelhas e carneiros.
Nenhum homem viu. Nenhum familiar ouviu. Mas, Deus sempre esteve atento.
Sondando as intenções do pastorzinho de Belém. Jeito de plebeu. Coração real.
Um pastor disposto a lutar com feras para salvar a vida de uma única ovelha,
preenche integralmente os requisitos celestes de governo, domínio e honra.
E então, Davi entrou pela porta. Esbaforido. Veio correndo assim que soube da convocação do profeta. Não deixaria o homem de Deus o esperando. Pronto para o serviço. Disposto a obediência. Ele não teve tempo para trocar de roupa. Vestir seu melhor terno. Sequer, lhe foi permitido uma pausa para o banho. Se apresentou ao profeta impregnado pelo cheiro das ovelhas. A roupa incrustada de espinhos. Os cabelos vermelhos adornados com folhas e gramas. Havia pressa no ar. O cheiro de comida vindo da cozinha impregnava o ambiente, e uma dezena de homens famintos estavam desesperados por um naco de novilho assado. Davi foi empurrado sala a dentro. Todos só queriam se livrar do entrave criado por Samuel.
E então, Davi entrou pela porta. Esbaforido. Veio correndo assim que soube da convocação do profeta. Não deixaria o homem de Deus o esperando. Pronto para o serviço. Disposto a obediência. Ele não teve tempo para trocar de roupa. Vestir seu melhor terno. Sequer, lhe foi permitido uma pausa para o banho. Se apresentou ao profeta impregnado pelo cheiro das ovelhas. A roupa incrustada de espinhos. Os cabelos vermelhos adornados com folhas e gramas. Havia pressa no ar. O cheiro de comida vindo da cozinha impregnava o ambiente, e uma dezena de homens famintos estavam desesperados por um naco de novilho assado. Davi foi empurrado sala a dentro. Todos só queriam se livrar do entrave criado por Samuel.
- Muito bem, velho decrépito! Aí está Davi... Avalie você mesmo a “impresteza” deste imprestável. O reprove logo, como reprovou a todos nós, para que possamos pelo menos, nos refestelar de pão e guisado!
Samuel
olhou o menino e sorriu para ele. A aparência do moço não era impressionante,
mas sua presença se fazia gentil. Realmente, Jessé tinha razão. Davi não tinha
nada que o credenciasse ao trono. Nem de longe se parecia com um rei. Magro. Infantil. Pequeno. Inexperiente. Não possuía
o porte atlético de seus irmãos. - Seria
este menino, filho legítimo de Jessé? A discrepância era gritante. Enquanto
Samuel vagueava em seus pensamentos, e se conformava com a possibilidade de
voltar para casa com o azeite da unção intacto no invólucro, a voz do Senhor
bradou dos céus, e fez tremer as estruturas de seu profeta!
- Samuel! Levante-se! Tome
nas mãos o azeite e unja o menino. Este é o homem que meu coração deseja. Este
é o rei a quem tenho escolhido!
Então, diante de seus irmãos, Davi foi ungido rei. O menor governaria sobre os
maiores. O pastor de ovelhas, seria soberano de uma nação. E a partir deste instante,
o Espírito de Deus, se apoderou de Davi, e seu treinamento definitivo teve início.
A jornada entre o pasto e o trono seria longa e demorada. Mas, um homem segundo
o coração de Deus, sabe esperar o tempo de Senhor, e viver intensamente cada
linha da história escrita pelo grandioso Autor da Vida. Sem filas. Sem listas. Sem senhas.
Não
se preocupe com o tempo. Não se desanime com as avaliações negativas. A
história de Deus para sua vida já foi escrita, selada e registrada no cartório
da eternidade. Ninguém toma seu lugar. Enquanto Davi estiver esquecido no
pasto, Saul estará na sala do palácio, apenas para com seu manto dourado, lustrar
o trono de Israel, afim de que o brilho do ouro faça jus ao coração resplandecente
do futuro rei. Apenas deixe a fila andar. Quando seu nome finalmente for chamado, a sala de espera estará vazia, e seu encontro com Deus será intimo, pessoal e transformador.
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