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sexta-feira, 30 de março de 2018

CSI: Jerusalém



A história inteira é incompleta sem Jesus.
(Ernest Renan)


O quanto Deus odeia a cruz. Este era o ponto central de um acalorado debate “pseudo-teológico” que tive o desprazer de participar. Na verdade, fui literalmente “puxado” para a roda de discussão. Um dos debatedores me puxou pelo braço enquanto dizia: - Fala aí para eles, Miquéias, se eu não tenho razão... O argumento que eu deveria validar era simples e objetivo. Deus odiava a cruz, porque ela foi a arma que matou Jesus. E ainda havia um embasamento empático para a tese.

- Imagine que seu filho seja assassinado com um tiro. Você não sentiria raiva do revólver pelo resto da vida? Assim é Deus com a cruz. Ele a odeia! Ela matou seu único filho!

Como a vida é curta e o tempo segue em frente, não estava disposto a me desgastar com um assunto tão superficial. Era preciso “escavar um pouco mais fundo”. Então, sem maiores delongas, fiz apenas a observação mais pragmática possível: - Quem disparou o gatilho?

Depois de alguns segundos de silêncio (que pareciam horas), uma voz desconfiada arriscou a resposta óbvia: - Ué... O assassino. Corretíssimo! Simples assim. Pistolas não tomam decisões sobre quem deve morrer ou continuar vivo. Escopetas não escolhem para quais alvos irão apontar. Alguém precisa carregar a arma, focar a mira e atirar. E neste caso, quem é o verdadeiro vilão da história? O revólver que “cuspiu” a “bala” ou as mãos que lhe apertaram o pescoço até que o projétil fosse lançado para fora?

Se existe algum ódio a ser alimentado (jamais o alimente), não é pela arma usada no crime, mas sim, pelo criminoso que planejou e executou o assassinato (repetindo, não alimente o ódio). Dito isto, a reflexão pertinente está longe de ser a intensidade da aversão divina destinada ao madeiro. A grande questão é: - Quem matou Jesus? Em qual direção Deus deve lançar seu olhar de fúria?

Jesus incomodava gente poderosa. A pedra no sapato dos religiosos. A pulga atrás da orelha dos políticos. O eco reverberando incessantemente na consciência coletiva. Havia um consenso nos gabinetes da cidade. A voz tinha de ser calada. Planos secretos e estratégias sigilosas. A morte de Jesus precisava acontecer de forma natural, sem comprometer o sistema dominante. Para isto, seria necessário encontrar um indivíduo disposto a fazer o trabalho sujo. E para alívio dos conspiradores, existia este alguém. Caso de vida ou morte. Matar para não morrer. Muitos são os suspeitos que se encaixam no perfil. E assim começa o primeiro (e único) episódio de CSI: Jerusalém, apresentando seus principais personagens, enquanto te mantém no centro da investigação.

E lá estão eles. Por uma janela de vidro você observa suas ações, enquanto Cristo ainda agoniza na cruz. Com certeza, não há inocentes ali. Inúmeras motivações. Incontáveis ações contraditórias. - Sim.  Poderia ser qualquer um deles.

- Mas, qual?

Caifas está ajoelhado no templo, agradecendo a Deus pelo sucesso do julgamento tendencioso que presidiu na calada da noite.

Pilatos, com o rosto enrubescido pela vergonha, continua se lavando insistentemente, tentando se livrar do cheiro de covardia que lhe impregna o corpo.

Sobre a colina, o Centurião Romano lança um olhar vazio para o horizonte, segurando nas mãos, um martelo respingado de sangue.

No palácio, Herodes se banha numa tina repleta de especiarias, enquanto ri jocosamente se lembrando do “maluco beleza” que Nazaré produziu.

O Judeu na primeira fila, assiste entusiasmado a crucificação, vociferando palavras de ódio para o homem que sangra na cruz do meio.

 Judas, em desespero, corre sem rumo pelas vielas de Jerusalém, até que encontra um pedaço de corda jogado no chão empoeirado.

Pedro, escondido num quarto escuro, chora copiosamente, batendo seguidamente a cabeça na parede, repetindo melancolicamente frases de autoflagelamento emocional.

Barrabás, por sua vez, entorna outra caneca de vinho goela abaixo, enquanto conta para um velho desacordado, suas histórias de prisão.

Qual destes homens foi o responsável por puxar o gatilho? A calmaria de alguns gera desconforto e o desespero de outro provoca aflição. Todos possuem algum motivo escuso. Trama religiosa? Assassinato político? Discípulos vingativos se livrando de um mestre opressor? Quem mais se beneficia com a morte de Jesus?

Aí está a chave do mistério. Lucro. Ganho. Benesse. Procure pelo indivíduo que mais proveito obteve com a crucificação do Cristo, e certamente você ficará frente a frente com resposta do enigma. Pense. Reflita. Ligue os pontos. Olhe no espelho. - Quem dependia da morte de Jesus para viver? Quem tinha uma dívida tão alta, que somente preço de sangue poderia pagar? Qual o nome do pecador condenado, que recebeu o salvo conduto emitido na cruz?

Neste exato instante, enquanto a verdade lhe esbofeteia o rosto, ouça a maçaneta da porta girar. Os oficias entram na sala e você levanta os braços em rendição. Culpado! Sem direito ao contraditório. Você matou Jesus! Eu matei Jesus. Caifás, Pilatos, Herodes, Judas, Pedro, o judeu verborrágico e o centurião disperso. Culpados! Um grande esquadrão da morte que engloba todos os homens desde Adão. Os nossos pecados prenderem Cristo na viga de madeira. Nossas iniquidades esbofetearam seu rosto. O madeiro apenas o abraçou. Foi atravessado pelos mesmos cravos. Absorveu litros de sangue. Se existe um alvo para a ira de Deus, não é a cruz. Sou eu. É você. Quando Jesus expirou, ganhamos na loteria, mil vezes seguidas. A condenação eterna foi suspensa. O inocente morreu enquanto os pecadores celebravam a vida. Se minha existência fosse livre de pecados, Jesus não teria motivos para morrer. Matei, o meu Salvador!

Deus me odeia por isso?

Absolutamente não. A ideia foi Dele. Por amor, Deus nos entregou seu Filho, afim de resgatar da morte toda uma família (Efésios 3:15). E Cristo se deixou morrer. Não precisava. Não queria. Mas, aceitou. Em suas mãos foram cravados os pregos que estavam destinados à mim. Na sua cabeça, uma coroa de espinho que você deveria usar. Sem sacrifício não há remissão de pecados. E na culpa, não existe sacrifício. Então, o inocente morreu no meu lugar. Tudo foi por mim.

Eu sou o culpado. E também o absolvido. Deus não odeia a cruz, porque ela foi o caminho escolhido para chegar até a mim. O Cristo na cruz pavimentou a estrada que estava cheia de buracos. Reconstruiu a ponte quebrada no Éden. Restaurou a comunicação perdida no Jardim. Deus não odeia os assassinos de seu filho. Ele nos ama. Permitiu a morte. Garantiu a vida. Em Cristo, os valores se revertem, a ordem se inverte e todas as coisas se renovam. Jesus morreu por mim e por você, enquanto ainda usávamos a máscara do carrasco. O mais emocionante, é que Cristo faria tudo outra vez se fosse preciso. Mesmo sem ter qualquer obrigação. O amor é uma motivação tão intensa que soterra a desmotivação gerada pela dor. Parafraseando Came Deltanu, “se existisse somente você no mundo, ainda assim, Ele morreria naquela cruz, só por você!”

Processo encerrado. O assassino inocentado pela vítima. O juiz advogando em favor do culpado. Em Cristo, o pecado deixa de existir, e o crime se torna nulo mediante a resolução do caso. Afinal, quem é que pode ser condenado pela morte de alguém, que  três dias depois volta  a viver? O túmulo vazio, é o álibi definitivo de todo pecador!  

A cruz maldita se fez bendita. A tristeza em alegria se tornou. A noite escura revelou-se dia. Na morte a vida começou. Amados, jamais odiados. Inocentes, não mais culpados.

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