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terça-feira, 3 de abril de 2018

Procura-se alguém para amar!

O que nós mais desejamos e buscamos, é nosso objeto de adoração.
(John Piper)


Cinco casamentos fracassados. Todos, por iniciativa dos maridos. Altos. Baixos. Gordos. Magros. Bastavam alguns dias sob o mesmo teto, para que juntassem suas cuecas numa sacola de supermercado, e batessem a porta sem ao menos olhar para trás. Sentada no chão do quarto vazio, a mulher apenas fitava as paredes branqueadas com um olhar disperso. Não haviam mais lágrimas a se derramar. Um abalo sísmico não é tão impactante, se uma sucessão de terremotos já jogou no chão todas as estruturas existentes. A dor que sentia não era pelo quinto abandono consecutivo, e sim, em decorrência da “iluminação” que finalmente lhe clareava o pensamento. 

-  Eu não nasci para ser feliz!  

E da hecatombe emocional, surgiu uma nova mulher. Livre, leve e solta. Avessa a compromissos. Quando se entende que a felicidade permanente é apenas ilusão, contenta-se em ser feliz sempre que possível. Viver de aventuras. 

- Quem precisa de  “seratonina” quando se pode conseguir doses cavalares de “adrenalina” apenas atravessando a rua? 

A samaritana estava cansada de comprometimentos. A ideia de uma nova aliança dourada no anelar esquerdo lhe provocava urticárias. E como não se pode abandonar aquilo que não possui, ela simplesmente passou a usar o que era dos outros. De outras. 

Seu nome se tornou conhecido na cidade. Desejada secretamente pelos homens. Odiada publicamente pelas mulheres. Presença ilustre em sonhos luxuriosos e pesadelos inquietantes. Quem a beijava na calada da noite, lhe virava o rosto quando o sol amanhecia. Amada entre os lençóis, desprezada nas praças e avenidas. Uma sensação de liberdade que não retirava dos pulsos a algema. E assim como o doce do chiclete se acaba rapidamente, deixando apenas uma massa insossa ocupando espaço na boca, a vida escolhida pela samaritana logo perdeu a graça também. Achava que nenhum homem seria capaz de lhe estampar um novo sorriso no rosto. Não de verdade. Pelo menos, não até aquela manhã.

Quando os primeiros raios de sol surgiam no horizonte, as mulheres da região de Sicar, iniciavam uma verdadeira peregrinação até o “Poço de Jacó”, de onde retiravam água para seus afazeres diários. Enquanto conversavam despreocupadamente, enchiam seus cântaros e voltavam para casa com os jarros trasbordando. A samaritana desta história, tinha um hábito diferente. Sem amigas para conversar, preferia uma caminhada solitária até a fonte, num horário alternativo, quando todas as vasilhas da cidade já estavam abastecidas. Enquanto as famílias se sentavam para o almoço, ela se preparava para ir buscar a água do feijão. Era melhor assim. Estava cansada de ser apontada, recriminada e coagida, como se vermes purulentos eclodissem de sua pele.

Mas, naquele dia, havia um homem no poço. Judeu. - O que ele fazia ali? Assentado sobre as pedras, o desconhecido cantarolava, enquanto observava alguns pássaros bebericando numa pequena poça formada no chão. Afim de passar incógnita (não se sentia "bonita" naquele momento), a samaritana caminhou nas pontas dos pés, amarrou uma corda na alça do jarro, e se debruçou sobre o poço, deslizando suavemente o cântaro até enchê-lo por completo, enquanto olhava de soslaio para o viajante. Sentiu o peso. Rapidamente se recompôs, içou o cântaro, abarcando o jarro entre a cintura e o braço direito. Deu de costas. Porém, antes do primeiro passo, ouviu a voz meiga, suave e gentil que fez disparar seu coração. 

Há tempos ela não se sentia assim...

- Boa tarde, moça... Você saberia me dizer que horas são?

Ela se virou na direção dele, enquanto matinha os olhos voltados para o cântaro. O desconhecido retomou a conversa.

- Meus amigos foram comprar alguns sanduíches na cidade, mas até agora não voltaram. Sabe que hora é?

- Acho que já é meio dia. -  Respondeu a mulher, um pouco consternada.

- Ainda é cedo! - Ele aponta para o jarro:

- Que cântaro bonito. Conserva bem o frescor da água?

A mulher estava desconcertada com tamanha intimidade. Mas, se sentia confortável pela gentileza do viajante. Não se lembrava com precisão, da última vez que um  homem lhe demostrava tanta cordialidade sem segundas intenções.

- Sim. Quando chego em casa, a água ainda está fresquinha. - Respondeu, já com um meio sorriso nos lábios, mas, ainda olhando para as pedras ao redor do poço.

- Poderia me dar um copo desta água?

Pela primeira vez ela levanta seus olhos e encara o desconhecido.

- Você é judeu! Não é?

Ele afirma positivamente com a cabeça.

- Como pode um homem judeu, pedir água para mim, uma mulher samaritana?

Rótulos. Gêneros. Minorias. Deus se importa com a humanidade. O "Verbo" se fez "Carne" para salvar pessoas. No cadastro habitacional dos céus, informações como nacionalidade, filiação política, sexualidade e profissão, são absolutamente irrelevantes. Jesus veio ao mundo com o propósito de chamar os pecadores ao arrependimento. E ali, junto ao poço, Cristo estava diante de um coração pecador, muito cansado de tanto pecar. Esta era a unica informação realmente necessária.

- Ah, mulher! Se você entender a grandeza do presente que Deus está te dando, e reconhecer quem eu sou, é você quem vai me pedir água. E eu te darei Água da Vida!

Ainda sem compreender o contexto espiritual daquele encontro, a samaritana foi pragmática com o judeu simpático, porém, misterioso.

- Você não tem apetrechos para retirar água do poço. Como poderia matar a minha sede? Por acaso tem mais poder que nosso pai Jacó?

Dizia minha avó, que é a curiosidade quem mata o gato. Neste caso, salvou uma vida. Feliz é aquele que diante do Cristo, se desfaz de toda legalidade, abandona qualquer timidez, e sem receios, o inquire sobre as aflições da alma. Este, encontra as respostas pelas quais a humanidade anseia, sem nunca obter. Mais do que fazer a pergunta correta, é preciso conhecer o Dono da Verdade. E ali estava Ele, a disposição de uma mulher que a sociedade fazia questão de desprezar.

- Quem bebe da água deste poço, em poucas horas volta a ter sede! - Explicou serenamente o homem desconhecido.  – A água que eu ofereço, mata a sede perpetuamente. Uma vez ingerida, transforma-se numa fonte que jorra Águas de Vida Eterna.

A samaritana estava sedenta. Sua alma era semelhante a uma rosa plantada no meio do Saara. Combalida pelos anos de silêncio soturno. Frustrada por sentir-se sozinha, mesmo estando acompanhada. Exaurida dos sorrisos ensaiados e das lágrimas camufladas sob olhos de vidro. Ansiosa por vida. Carente de felicidade. Desesperada por Deus. Então, colocando seu cântaro na borda do poço, ela se aproximou do viajante, e fez uma "meia" reverência respeitosa:

- Senhor, dai-me desta água! Estou cansada de retornar a este poço todos os dias... A jornada é muito pesarosa para mim...

O viajante não estava ali por acaso. Tinha proposto a viagem aos seus amigos, calculado a passada com precisão e atrasado o almoço propositalmente. Solicitou que doze homens fossem "juntos" comprar uma dúzia de pães no “Sicar´s Mercado e Mercearia”, e se assentou sobre a pedra, enquanto olhava os céus para conferir a posição do sol. - Bem a tempo!  - Quando a mulher chegou, Ele já estava a esperando. Um evento planejado antes mesmo do mundo existir. No dia em que Jacó cavou aquele poço, para presentear seu filho José, estava apenas preparando o cenário do encontro perfeito.

- É claro que vou te dar desta água. Mas, primeiro vai até sua casa e chama teu marido.

O rosto da mulher se ruborizou. Culpa. Vergonha. Constrangimento. Aos olhos de um judeu, na escala social, ela estava abaixo dos vermes. Minoria entre as minorias. Mulher. Samaritana. Divorciada. Divorciada. Divorciada. Divorciada. Divorciada. Adúltera. Seria prudente omitir certas informações em relação a sua vida. Poderia pedir que o viajante esperasse no poço enquanto buscava “seu esposo”, e simplesmente, jamais voltar ali. - Mas, o que fazer com a sede? Decidiu ser direta. Sincera.

- Senhor! Eu não tenho marido.

- Eu sei! - Respondeu o desconhecido. – Você já teve cinco maridos, mas o homem que hoje dorme em tua cama, é de outra mulher.

A samaritana sentiu o corpo estremecer. Havia algo especial naquele homem gentil, e mesmo assim, tão incisivo. Inquietamente. Certamente, era um profeta. E ela, não perderia a oportunidade. Sabia que estar diante de um "homem de Deus" era o mais próximo que poderia se sentir do próprio Deus.

- É verdade, meu Senhor! Esta é a triste história da minha vida.  Você foi enviado por Deus. Conheces os mistérios ainda não revelados aos pobres mortais. Poderia, por favor, responder uma pergunta que há anos tira o meu sono?

O que perguntar para aquele que tem todas as respostas? A origem da vida? Os números da loteria? Qual a cura do câncer? O segredo da felicidade? Como se vingar de ex-maridos? Não. A inquietação daquela mulher deixa minhas prioridades no chinelo.

- Meus pais me ensinaram que devemos adorar a Deus no monte. Os judeus ensinam que Deus só pode ser adorado no templo. Qual o lugar correto para se adorar?

Uma mulher pecadora, cujo coração abscôndito gritava pela presença de Deus. Por isso, o Cristo veio. A sociedade a recriminava, mas aquela mulher era um farol cujo facho de luz atravessava as fronteiras de Samaria, percorria toda a Galileia até chegar incandescente aos olhos de Jesus. Impossível ignorar. Cristo não resistiu ao convite sem palavras. Mesmo sem saber, Ela clamava por Jesus, e Jesus a atendeu. Ele veio! 

- Minha filha querida! O lugar é o que menos importa! A hora vem, e ela já chegou, em que os verdadeiros adoradores irão adorar ao Pai em Espírito e em Verdade. Esta é a adoração que Deus está procurando.

Uma samaritana abrindo portas eternas. Ela era o marco zero. O minuto inicial. Nela, um novo tempo estava se iniciando. A hora havia chegado. Adoração verdadeira. Tão rara no coração dos religiosos da Judeia. Tão intensa no coração de uma mulher pecadora nos subúrbios de Samaria. Ela olhou nos olhos de Jesus e implorou por uma mudança. Queria ser diferente. Melhor: 

– Quando o Messias vier, eu sei que todas as minhas dúvidas deixarão de existir. 

E em resposta, Cristo se revelou a ela, de uma forma que ainda não tinha se revelado a ninguém. Fosse a um “homem religioso” na sinagoga ou para uma “mulher casta” em Jerusalém.

- Eu sou o Messias! Hoje, você conversou pessoalmente com Deus!

Samaritana. Divorciada. Adúltera. Escória da sociedade judaica. Agora, ela corre na direção da cidade. A primeira missionária da história. A voz que apresentou Jesus aos samaritanos. O cântaro ficou no poço, assim como no poço, ficaram suas culpas e seus pecados. Livre. Leve. Solta. Agora, de verdade. Amando e sendo amada, como se fosse a primeira vez. A samaritana seguiu sua vida, vivendo por Jesus, e Jesus seguiu seu caminho, morrendo por ela.  Como bem disse Antoine de Saint-Exupéry, “o amor verdadeiro começa  lá onde não se espera nada de volta”.




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