Foi um grande conselho o que ouvi certa vez, dado a
um jovem:
"Faça sempre o que tiver medo de fazer".
(Ralph
Waldo Emerson)
Uma túnica colorida, rasgada e coberta de sangue.
Jacó conhecia bem aquele pedaço de pano. Foi ele mesmo quem encomendou o
tecido, escolheu as cores e recomendou a atendente que um laço azul turquesa
adornasse a caixa de presente. Um traje digno de reis! O velho patriarca não
poupou despesas. Sequer fez orçamentos. Pagaria o que fosse necessário. Até
porque, quando um príncipe completa dezessete anos, a redução de custos deixa
de ser prioridade. "O príncipe". Seu príncipe. Filho favorito. Filho de Raquel.
Fruto do amor verdadeiro. A materialização de um milagre ardentemente desejado. A colheita de uma flor cuja semente foi plantada em oração e regada com lágrimas.
Jacó cai ajoelhado no chão, enquanto aperta o
tecido contra o peito. O sangue já coagulado, se umidifica com as gotas quentes de um choro copioso, manchando
de vermelho a longa e embranquecida barba.
– Achamos
a túnica no campo, pai.... Haviam pegadas de lobos em volta.... Mas, nenhum vestígio
de José!
Os irmãos, cinicamente, choram com o pai, enquanto
sentem um misto de culpa e alívio. Haviam se livrado de José, o vendendo a
mercadores ismaelitas que rumavam ao Egito. O pirralho fofoqueiro nunca mais
poria os pés em Canaã novamente, e nenhum deles seria incriminado por isto. Ninguém é
culpado se não existe crime. As feras do campo tinham se banqueteado com as vísceras
de José. Apenas a natureza seguindo seu curso. Jacó nunca saberia que Simeão, Gade e Rubem
rasgaram o tecido com as próprias mãos, enquanto Judá, Issacar e Naftali
matavam uma ovelha do rebanho. Com o sangue recolhido, eles tingiram os
farrapos, enquanto a silhueta de José desaparecia no horizonte. O álibi
perfeito. E o pai, cujo amor pela prole cegava os olhos para uma verdade tão
cruel, não tinha motivos para questionar a veracidade do relato.
Ele chorou a morte do filho. Passou noites velando
um túmulo vazio. Estava farto de dias e cansado da vida. Tarde demais para ter
esperanças outra vez. José tinha sido um raio de luz cortando o céu escuro da
velhice. Os bons dias de milagres e providencias, certamente já não passavam de lembrança. Um
raio, como todos sabem, não cai duas vezes no mesmo lugar.
Ou será que cai?
Rebeca era estéril. A gestação de José havia sido um
milagre grandioso. Deus abriu-lhe a madre e a presenteou com um filho virtuoso.
Revestido de promessas. Ela nunca chegaria a saber, mas a criança que amamentou
em seus seios, num futuro muito próximo, seria chamada de "Safenate-Paneia". O
Salvador do Mundo! Mas agora, naquele momento, tudo que Rebeca sabe, é a
intensidade de uma dor sem precedentes. Ela nunca voltaria a ver seu rebento. O
filho, cujo nome significava “Deus Acrescenta”, havia sido subtraído de seus
braços. Uma mulher incompleta, cujo coração pulsava no peito de forma descompassada.
Pudera. Faltava metade dele.
Raquel ainda se vestia de preto, quando percebeu
um novo atraso em seu ciclo menstrual. O cheiro do guisado a enjoou, e sentiu
profundo desejo de saborear mandrágoras com mel em plena madrugada. Ela já conhecia os sintomas. Sentia
que um novo milagre desabrochava em seu ventre. Deus havia se compadecido dela
mais uma vez. Observado suas lágrimas. -
Um filho! Ele jamais poderia substituir José, mas, encheria a casa de vida e
alegria. Uma criança correndo pela sala, abrindo a dispensa e jogando no chão
toda a farinha, era exatamente o tipo de incentivo que o casal precisava para
voltar a sorrir. E com a esperança renovada, Raquel decorava de azul, o quarto
a tanto tempo mantido sob portas trancadas.
Porém, enquanto a dor no coração diminuía, o corpo
de Raquel era lancetado pelo sofrimento. Tudo estava diferente. Haviam
sangramentos. Desmaios. Excesso de vômitos. Alguma coisa estava
errada. Não com o bebê, já que ele saltava em seu ventre como se fosse uma
corça selvagem. O problema era ela. Raquel sorria, mesmo sentindo vontade de
chorar. Tentava divagar os pensamentos para se esquivar da agonia. - No fim, tudo vai dar certo. Em poucas semanas, ela teria seu filho nos braços e ouviria o doce som da palavra “mamãe”
sendo pronunciado mais uma vez. Apesar dos pesares, tudo ficaria bem.
E então, o grande dia chegou. Os espasmos. As
contrações. Raquel estava com medo. Sentia-se fraca quando mais precisava de
força. Percebia os olhares apreensivos das parteiras. Respirava, e o ar não
entrava em seus pulmões. Tentava gritar, mas apenas murmúrios saiam de sua
boca. A visão turva. Os lábios ressecados. A pelves dilacerada por um esforço
sobre-humano. E então, sem maiores alardes, o cérebro começou a se desligar paulatinamente, poupando o
corpo de tamanho sofrimento. Primeiro, a luz sendo cortada pela escuridão, depois a escuridão pontuada por fragmentos de luz. E foi por uma fresta iluminada que Raquel viu seu filho pela primeira (e última) vez. Mal ouviu o
choro. Não identificou a cor da íris. Porém, estava esgotada demais para se
sentir decepcionada. Ciente da própria condição, pediu para que Jacó se
aproximasse, e num esforço descomunal lhe fez o pedido:
- O
nome... Sussurrou.
- Calma,
meu amor. - Disse, Jacó com ternura. – Não fale nada, apenas tente respirar...
- O
nome... - Insistiu Rebeca.
- Depois pensamos
nisto, querida. - Os olhos de Jacó se enchiam de lágrimas enquanto
ele, com um lenço branco, enxugava o suor que escorria pelo rosto da mulher que tanto amava. - Descansa meu bem. Por favor.... Feche os
olhos e descanse...
- O nome
dele... O nome do meu filho... Ele se chamará Benoni...
E então, Rebeca acatou o conselho do marido.
Fechou seus olhos para nunca mais abri-los outra vez. Morreu, gerando vida, e no
sofrimento, finalmente descansou.
Benoni. Você não encontrará este nome na
genealogia de Jacó. Nenhum “benonita” foi contado entre o povo de Deus. Benoni significa
“Filho da Dor”. "Filho da Tristeza”. “Filho da Vergonha”. Uma personificação do sofrimento,
da angústia e do desespero. Em cada aniversário, um cortejo fúnebre. Quando alguém
chamasse seu nome, o filho sentiria o peso da culpa pela morte da mãe. Jacó não
permitiria isso. Quando os “lobos” devoraram José, sua felicidade foi servida
como sobremesa. Agora, seria diferente. Mesmo que seu coração estivesse partido,
ele homenagearia sua esposa amada, negando-se a realizar o último desejo dela. Uma
ilha de felicidade no meio do oceano de tristeza e enlutamento.
- O nome
dele será Benjamim!
Benjamim. O significado deste nome é uma mensagem
poderosa. “Filho da minha Destra”. “Filho da Honra”. “Filho da Alegria”. Quando
seu nome for chamado, o sorriso de Raquel será trazido a memória. Bons momentos
serão revividos com intensidade e paixão. Deus será louvado pela vida, mesmo
que a morte tenha levado embora familiares queridos. Benjamim foi amado
intensamente por Jacó, e com a mesma intensidade também amou seu velho pai. Nenhum resquício de mágoa ou desprezo. O patriarca o
enxergava como uma obra de arte, que no rodapé, levava tanto a assinatura Deus quanto
a de Raquel. Todas as essências de um amor multiforme concentradas num único recipiente. Eles
ainda não sabiam, mas um dia, dentro do palácio do Egito, José e Benjamim se olhariam nos olhos, e
abraçados, derramariam lágrimas de felicidade. “O Deus que Acrescenta” e o “Deus
que Honra” entronizado no coração e na história daquela família.
Assim como Jacó, Rebeca, José e Benjamim, também não
sabemos qual é nosso real papel neste enredo chamado "vida". Os propósitos que o amanhã nos
reserva, sempre serão uma incógnita. E isso não é mal. Nos permite viver a
plenitude do hoje, cientes que o amanhã pertence a Deus.
É a forma como enxergamos o agora, que ilumina os
corredores da eternidade. Diariamente, nos é apresentada uma cartela de opções,
sem possibilidade de negativas. Quais caminhos seguir? Qual direção olhar? Qual perspectiva
adotar? Enxergar o “melhor” ou o “pior” das pessoas? A escolha efetuada é apenas a primeira peça do dominó sendo derrubada sobre as fileiras do tempo. Impacto na posteridade, sentido por gerações a perder de vista . A vida seguindo em frente, mesmo que você tenha desistido dela. A grande verdade, é que se a alegria não dura para sempre, a tristeza também
não é permanente.
Sendo assim, siga em frente. Não se pode segurar o furacão entre
os dedos ou acalmar o terremoto com os pés. Não se vence um “mano a mano” com a
morte. Aquilo que os outros fizeram, independe de você. Foi decisão deles. Provocou
lágrimas? Enxugue-as! Rasgou seu coração? Deixe-o se cicatrizar! Apenas
recomece de onde decretaram seu fim, e não pare jamais. Por mais que tentem
influenciar sua decisão, você é o dono das escolhas. Contrarie os prognósticos negativos
e enxergue a vida com olhos mais positivos. Confie na sabedoria de Deus em
amarrar pontas soltas. Até porque, elas nunca estiveram soltas de verdade. São
linhas de chegada que marcam os novos ciclos da vida. Finais e recomeços. Ações
e reações. Escolhas e consequências.
Entenda assim. Hoje Deus coloca diante de você uma
decisão que mudará os rumos de sua vida e a história das pessoas que te cercam.
O momento não é favorável para a tomada de decisões importantes, e Ele sabe
disto. É proposital. Faz parte dos planos. O Senhor está testando seu coração e
tudo que tem escondido nele. Calibrando a direção do olhar. Checando a intensidade
da fé. Mas, fique tranquilo. Não será uma questão dissertativa onde cada
argumento deverá ser embasado com provas científicas. É uma questão de múltipla escolha.
Melhor que isso. Apenas duas alternativas. Não há certo e nem errado. Apenas você,
o hoje e seus planos para o futuro. Então, mantenha a calma... Reflita, deseje e assinale uma das
opções abaixo.
Qual é o nome do teu amanhã?
Qual é o nome do teu amanhã?
( ) Benoni
( ) Benjamim
( ) Benjamim
Livremente inspirado nos textos de Gêneses 35 a 37
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