Arquivo do blog

domingo, 6 de maio de 2018

Excesso de Intimidade

O problema de algumas pessoas e confundir simpatia com intimidade.
(Ana Carolina)

O banheiro é meu santuário. O reino absoluto de um governante solitário. Parafraseando a canção de Leandro Borges, ali “sou eu e Deus... mais ninguém.” A grande maioria dos textos deste blog nasceram debaixo do chuveiro. Sempre que existem entreves entre os parágrafos, a solução é entrar no box, encostar a cabeça no azulejo e deixar a água quente realinhar as ideias. Sempre funciona, desde que interferências internas não contaminem o processo. Sendo assim, toda vez que entro no banheiro, uma placa invisível anuncia que a “entrada está proibida”. E minha família respeita isto. Pelo menos, até a natureza falar mais alto.

Dias atrás, estava sozinho em casa travando uma batalha épica contra algumas palavras que se negavam a coexistirem. Pois é. No meu caso, nenhum bloqueio criativo resiste a uma boa chuveirada, e lá fui ao “toalhete” em busca de inspiração. Orar, cantar e pensar entre sabonetes e shampoos. Enquanto a percepção se apurava, a porta foi aberta num rompante de desespero. Era o Nicolas, se "teletransportando" da rua para dentro de casa. Sem qualquer cerimônia, ele entrou correndo, e num acesso de urgência, sentou-se no vaso. Obviamente, de dentro do box, tentei impedir a ação ulterior. Desde já, peço desculpas pela “vergonha alheia” explícita no diálogo que transcreverei.... 

- Nicolas... Eu estou aqui... Use o banheiro dos fundos...

- Mas pai, não vai dar tempo de chegar lá...

- Dá tempo sim... É só você correr...

- Pai...  Vou sair daqui bem rapidinho rápido... Só vou fazer uma coisinha...

- Credo Nicolas... Você não tem vergonha não? Vai fazer isso perto de mim?

- Porque eu teria vergonha? Você é meu pai!

Naquela tarde, o Nicolas deixou mais que um cheiro desagradável no banheiro. Ele me presentou com uma reflexão: - Qual tem sido o nível de intimidade com meu Pai?Tenho me revelado a Ele sem receios ou reservas?

A sociedade exige de nós um comportamento ético. Padrões estabelecidos por nichos sociais. Respeitamos leis e seguimos normas estatutárias. Se a igreja diz que é errado, não fazemos. Se a ação é considerada criminosa pelo governo, não a executamos. Tudo que pode ser punido, tendemos a evitar. Pelo menos, enquanto somos observados por olhos recriminadores. Mas, e quando o anonimato nos protege? Ainda somos leais aos mesmos princípios? O código moral que rege meu comportamento público se mantém inalterado quando o risco de punição se torna nulo? As regras que aplico aos outros também imperam na solitude do quarto?

Seja sincero consigo mesmo, e não se faça de rogado. A hipocrisia está intrínseca no pensamento humano. Medimos as pessoas com “micrômetros” enquanto nossa vida é autoanalisada em escalas métricas. É mais fácil apontar os erros alheios do que corrigir os próprios desvios de caráter. Criticamos a deficiência do “irmão” que, esbaforido, carrega sobre si um “piano de calda”, enquanto sobre nossos lombos repousa um pequeno fardo de “palitos de sorvete”. E não me venha dizer que sua “igreja” tem “mais doutrina” que a minha, ou que a “minha” igreja seja mais “legalista” que a sua, por que a questão não é esta. Falo da zona de conforto que a religião provoca, independentemente de seus ensinamentos. Lá no fundo, sempre achamos que a razão está do lado de cá, mesmo não estando. Até porque verdades absolutas são uma utopia humana. Nesta vida transitória, nossa visão de mundo se resume em loopings sistemáticos. Estamos sempre passiveis à transformações metamórficas e catarses não permanentes.

Entenda de uma vez por todas que a VERDADE ABSOLUTA reside na PALAVRA DE DEUS, e não na INTERPRETAÇÃO que você faz dela. Achismos são doutrinas que o tempo faz questão de esmiuçar. Logo, por mais que você se julgue “sincero”, "íntegro” e “verdadeiro”, o mosquitinho da hipocrisia vai depositar ovos em sua mente. A boquinha pode até se manter fechada, mas, Deus sabe exatamente o que se passa em seus pensamentos.

Geralmente achamos a Lei Mosaica pesada demais. Tantos códigos legislativos nocauteiam os mais resistentes neurônios. Isto sem falar na punição. A lei condenava a morte sem maiores direitos à apelação. -  “Graças a Deus” não vivemos mais na lei, tudo era mais difícil! Será mesmo? A lei punia a ação. Não mate! Não roube! Não cobice! Não adultere! Não julgue! Não difame! Não associe o nome de Deus com frivolidades! Percebeu? Desde que não fosse feito, tudo estava bem. Não havendo flagrante, não havia crime, e sem crime não se fazia necessária qualquer sentença. Nos daríamos bem neste regime. Somos bons em esconder coisas. Tapar o sol com a peneira e se camuflar nas sombras. Quando mais pesado é o fardo, maior é a criatividade empregada para burlar o sistema. Mesmo que se insista na negativa da contravenção. Exemplifico: - Conheço várias pessoas que criticam abertamente um irmão que leva sua família ao cinema, mas, que assiste o mesmo filme num DVD pirata no conforto da sua sala, sem qualquer auto recriminação. 

É ou não, o suprassumo da hipocrisia?

Quando Jesus começou a ensinar na Galileia, inaugurou a “Dispensação da Graça”, na qual a salvação passou a ser obtida apenas por fé. Porém, estabeleceu um novo padrão de comportamento visando extirpar a hipocrisia do âmago de sua igreja. Mudança de pensamento. Purificação das ideias. - Não recrimine o seu irmão por fazer aquilo que você mesmo tem vontade de praticar (Mateus 5:21-47). Essa sim uma “doutrina” que todas as instituições deveriam manter no cabeçalho de seus estatutos. Mas,  infelizmente, a realidade é outra. Nas palavras de Ivan Teorilang, a hipocrisia impera triunfante, levando fama de bons aos falsos moralistas e idealistas, e vitimando com difamação e inveja, virtudes verdadeiras de outros. Basicamente, hipocrisia e arte de exigir dos outros aquilo que eu mesmo não pratico. Parece familiar para você?

Deus conhece cada intenção escondida atrás de palavras disciplinadoras, e assiste as ações secretas que não condizem com a postura pública. Santidade maquiada não engana nem aos homens. Imagine à Deus. Roupas de santidade compradas na boutique da hipocrisia se desgastam com muita facilidade. Dito isto, ressalto que somos todos pecadores e carentes de Graça. Chaleiras fervilhantes de ideias hipócritas, mesmo que nossas mãos de revistam de verdade e justiça. Somos crianças sentadas na privada, despreocupadamente expelindo o lixo gerado nas entranhas da alma, sem perceber que existe mais alguém no banheiro, vendo tudo e inalando o mal cheiro

Propagamos sucessos íntimos e compartilhamos na internet (acionando a opção “publico”) nossa vida devocional.  Gostamos de divulgar o quanto Deus nos usou “naquele” culto. Nos sentimos empoderados ao postar um “textão” condenando o pecado alheio. Massageamos o próprio ego pedindo que as pessoas deixem nos “comentários” nomes para a oração da madrugada. Tapinhas nas costas e elogios sinceros colocam um sorriso em nosso rosto. Mas, não se iluda com a sala de troféu e os retratos glamourosos na parede. Ali estão expostas apenas nossas vitórias. Bons momentos. Nada mais que marketing pessoal. Fachada para "inglês" ver.

Deus nos assiste nos piores momentos. Testemunha os fracassos. Ouve as palavras que temos vergonha de pronunciar. Sente o odor desagradável de nossas “caquinhas”. Para Ele não existem portas fechadas ou esconderijos secretos. Sempre presente. Onisciente. Registrando em seu livro  toda a vexatória jornada , antes mesmo que o primeiro passo seja dado. O propósito desta sondagem não é recriminatório. É puro amor destilado. O Pai buscando intimidade com o Filho. Além dos rótulos e títulos. Depois do culto. Antes das orações. O Senhor almeja te conhecer por completo, sem ressalvas, com todos os deméritos inclusos. E isto inclui partilhar o mesmo banheiro. Dividir o quarto dos segredos. Acessar a internet com o mesmo login. Contas compartilhadas. Perfis em conjunto.

Não tenha vergonha de Deus. O propósito Dele neste momento não é julgar. Esta atribuição é prioritariamente sua (I Coríntios 11:28-31). Deus deseja te transformar. De dentro para fora. Ter o controle da sua mente sem que você deixe de controlar os próprios pensamentos. Nas palavras de Osvaldo Alves Silva, “o segredo da vida é a intimidade com Deus, e a intimidade com Deus são os detalhes da vida”. Porque o perverso é abominável ao Senhor, mas com os sinceros, Ele tem intimidade (Provérbios 3:33)

Enfim, seja íntimo. Seja amigo. Seja filho. Tome café da manhã com Deus depois de ter passado toda a noite em seus braços divinais. Caminhe pela casa com chinelos maiores que seus pés. Não se acanhe. Não se enrubesça. Não se constranja diante da constipação. Apenas tente ser um pouco melhor a cada dia. Aplicar na própria vida a exigência destinada aos outros. Faça isto, e Deus borrifará seu “perfume” por toda a casa. Um ambiente agradável para morada e visitações. 

Hoje em dia, é muito mais fácil encontrar Deus em banheiros do que nos suntuosos templos. Visitação íntima, pessoal e intransferível, mesmo que você tranque a porta. Aprenda a se sentir confortável com a presença Dele, assim como Ele se regozija com sua companhia. Nunca haverá excesso de intimidade na relação entre um filho pecador e um Pai com a capacidade de perdoar pecados. Como bem disse Ana Jácomo, “intimidade é quando a vida da gente relaxa diante de outra vida, e respira macio...”

Um comentário:

  1. Li de um fôlego só e me enriqueci mais um pouco em relação a essa "comunhão pai e filho" que devemos ter com Deus, o nosso Pai. A gente se esconde ou tenta se esconder, e se acha esperto diante de Deus, que a tudo vê, analisa e conhece. No final, ficamos com cara de criança que sabe que errou, mas não tem coragem de enfrentar o erro, ou de confessa-lo e deixa-lo.

    ResponderExcluir