Arquivo do blog

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Pastores de si mesmo


A mais urgente pergunta a ser feita nesta vida é:
- O que fiz hoje pelos outros?
(Martin Luther King)


Jesus sempre se preocupou com a forma que seus discípulos enxergavam o mundo e o Reino de Deus. Haviam diferenças gritantes a serem ponderadas, e grande parte das pessoas, se quer, conseguiam diferenciar entre o azul e o vermelho. E este daltonismo espiritual das multidões inquietava o Mestre.

A história sempre esteve pontuda pela ação de homens gananciosos que, valendo-se de argumentos religiosos e políticos (ou políticos e religiosos), manobram as massas ao bel prazer, obtendo lucro sobre a crença alheia e consolidando suas ideologias deturpadas dentro de mentes frágeis. Cristo conhecia bem a intenção deste tipo de gente, e como um antídoto ao mal, fez questão de revelar uma das mais gloriosas facetas de seu caráter divino.

- Saibam diferenciar o “pastor” e o “mercenário”! Eu sou o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas (João 10:11-12)

Pastores e Mercenários. Coexistiam nos dias de Jesus, e permanecerão coexistindo enquanto o mundo for mundo. Eles estão por aí, em cima dos altares ou percorrendo os rincões do país. E ambos trabalham bem, cada um dentro da proposta abraçada.

Mas, não se engane com os rótulos. O "mercenário" nem sempre é o vilão da história. Na verdade, é apenas mais um trabalhador correndo atrás do leitinho das crianças. Alguém que, de comum acordo com o empregador, cumpre a função que lhe foi determinada, em troca do pagamento previamente combinado. Nada de anormal. Basicamente, se você é um “assalariado”, com carteira assinada ou prestador de serviço, endossa as fileiras de mercenários e mercenárias atuando neste mundão de “meu Deus”. Jesus não estava querendo tirar o pão da boca de ninguém, e nem cercear o mercado de trabalho na agropecuária da Judéia, quando citou “a metodologia operacional” da classe, em contraponto ao seu ministério pessoal. Longe disto. A preocupação de Cristo era com o bem estar e a segurança do rebanho.

Jesus salientava que um trabalhador que recebeu "cem reais" para conduzir determinada grei até as pastagens mais verdes do outro lado da planície, ao perceber que lobos selvagens estão atacando as ovelhas, sua atitude mais lógica é fugir na direção oposta, levando consigo apenas as ovelhinhas que conseguirem correr na mesma velocidade, deixando para trás os animaizinhos feridos e os arrebatados pelas feras. Nestas ocasiões tão corriqueiras, o pensamento do mercenário é justificado, e sendo bem sincero, reproduz exatamente nossa postura em muitas situações do cotidiano: 

- Eu não estou sendo pago para isto!

O mercenário recebe por suas horas trabalhadas. Turno encerrado, nenhuma preocupação será levada para casa. Não há relações permanentes entre condutor e conduzidos. As atribuições descritas no contrato de trabalho não incluem “intimidade com cordeiros”. E menos ainda, arriscar a vida em enfrentamentos com lobos, coiotes e hienas vorazes. Se alguns animais tiverem que morrer para que o rebanho sobreviva, paciência. Ossos do ofício. O importante é o trabalho feito. Antes "eles" do que “eu”. 

O “pastor” vocacionado, em essência e por direito, pensa diferente. Caminha entre as ovelhas todos os dias. Conhece cada uma delas, e por todas é conhecido. Quando o lobo ataca, as defende com destemor. Não é uma simples ovelha que agoniza entre os caninos afiados. É a "Mel". A "Nevasca". O "Floquinho". A "Dolly". O “pastor” viu cada ovelha nascer. O nome por qual atendem, foi ele quem escolheu. Conhece as personalidades. As individualidades. Os hábitos. Sabe que “Snowbel” é arredia e precisa ser vigiada de perto. “Flop” se distrai facilmente com as borboletas, e costuma se desgarrar do rebanho. Por elas, o cajado se transforma em espada, e o “pastor” se revela o mais corajoso dos samurais. Não é o dinheiro que o motiva... É o amor. E por amor, vale a pena correr riscos. Olhar a morte nos olhos e salvar uma unica vida. 

Jesus repetia a exaustão sobre a necessidade de estarmos atentos ao “chamado” do “Bom Pastor”. Confiança plena entre líder e liderados. Seguidores e quem é seguido. Laços de carinho, respeito e afeto mútuo unindo raças, cores e espécies num único elo de fraternidade. O mercenário tem um crachá em seu peito que o identifica como funcionário, e que indica sua aptidão para realizar um bom trabalho. Pena que ovelhas não sabem ler. O pastor não necessita de identificação nominal, pois o rebanho reconhece seu cheiro, seu toque e o tom da sua voz. Sabem do que ele é capaz. E se entregam sem reservas. 

Neste gesto de confiança, pode residir o perigo. 

Mercenários não salvam ovelhas, mas também não ameaçam rebanhos. Precisam deles para estarem ativos no mercado. Um rebanho aniquilado corresponde a menos trabalho disponível. Menos dinheiro em caixa. E aqui não há elogios aos mercenários da fé, apenas  a contestação inegável que eles não escondem sua intenção. Estão ali apenas pelo dinheiro. No fim do dia vão embora, sem nem olhar para trás. Não almejam enganar ninguém. Tudo é feito as claras. Todos sabem que a sinergia existe apenas enquanto o pagamento estiver em dia. E você sabe muito bem do que estou falando. Provavelmente alguns nomes vieram a sua mente, e isso é bom. Nunca confiaremos neles, e isto mantem o sinal de alerta ligado. 

Quem coloca a ovelha em perigo, são os próprios pastores. Nem todos. Não poucos. Um grupo bem específico e que se prolifera como bactérias num corpo adoecido. A Bíblia tem até um nome para esta categoria de homens perversos e inconsequentes: - PASTORES DE SI MESMO.

Maldita classe! É a maior ameaça que um rebanho pode sofrer. Eles não se comportam como mercenários, mas também estão entre os cordeirinhos apenas visando lucro. E a fonte de renda não é o contracheque do empregador, já que estes “pastores” se autodenominam “voluntários”, “servos”, "pobres"e “abnegados”. Pura enganação. Não clamam por pagamento externo, porque a colheita farta é realizada dentro da própria grei. Fazem das ovelhas, seu caixa eletrônico vinte e quatro horas. Pastores de si mesmo. O "Eu" em primeiro lugar. Ostentam títulos tais como “reverendos”, “bispos” e “apóstolos”, quando na verdade, deveriam receber uma tarja na testa com os dizeres: “assassinos de rebanhos”.

Pastores de si mesmo. Assassinos de Rebanhos. Estas expressões não foram idealizadas por mim. Gostaria que fosse. Quem as cunhou, e também as proferiu, foi o próprio Deus. Durante setenta anos os judeus estiveram dispersos sobre a terra, a mercê de lobos e chacais. O profeta Ezequiel foi levantado pelo Senhor durante o exílio na Babilônia, como uma voz chamando o povo para o reagrupamento. É através dele, que Deus repreendeu com severidade os “Pastores de Si Mesmo”, e expôs publicamente o modo operante desta corja.

 - Assim diz o Senhor! Aí dos pastores de Israel, que ao invés de apascentarem as ovelhas que lhes foram confiadas, cuidam de apascentar a eles mesmos! (Ezequiel 34:1-2).

Que mensagem reveladora! Ovelhas não são famosas por sua perspicácia, sabedoria e agilidade. Pelo contrário. São débeis e dúbias. Dóceis e distraídas. Mansas e indefesas. Escolhem seguir, porque não sabem escolher um caminho. Confiam demasiadamente, e assim, se torna suscetíveis. Basta um gesto de "carinho", para que sem maiores questionamentos, se embreiem atrás de seus líderes, em obediência e submissão. Enquanto houver grama verdinha e afagos na lã, abundará uma lealdade ignorante. E quanto aos “pastores”? Como pensam? Como agem? Como são? Ah, estes sabem muito bem o que estão fazendo! Por ofício, não podem ser ignorantes, inoperantes ou ingênuos. Precisam conhecer o perigo da estrada, a localização do pasto mais verde, e antever o esconderijo da alcateia. Pastores estão quilômetro a frente de suas ovelhas, seja em planejamento, conhecimento ou visão. Cada animalzinho depende dele para sobreviver. E este é um trabalho complexo, árduo e desgastante. Atenção aos detalhes. Centenas de informações visuais sobrecarregando os neurônios. Assim, caso uma ovelha se perca, existe a possibilidade de inúmeros argumentos que podem ser usados para eximir o pastor da culpa. 

Mas, que desculpas serão dadas, quando todo o rebanho encontrar a perdição?

Antes de continuarmos, deixe-me fazer um adendo. Obviamente, existe uma responsabilidade imensa sobre todos aqueles que exercem o pastorado como um dom ministerial. Muito é dado, e muito é requerido. Pastores são mordomos dum tesouro particular do próprio Deus. Uma honra inquestionável que anda de mãos dadas a uma responsabilidade inimaginável. Exatamente por isso, ore por seu pastor. Imagine sua vida sem a presença destes “anjos” estabelecidos sobre a igreja, e calcule o tamanho da lacuna. Ovelhas sem pastores são como pardais sem asas. Certamente você já ouviu falar de boi selvagem, cavalo selvagem, porco selvagem, gato selvagem, cachorro selvagem... Mas, “ovelha selvagem” é uma aberração da natureza. Precisamos de pastores. Nascemos para sermos pastoreados...

... E pastorear ...

- Não, Miquéias. Agora você falou uma grande besteira. Sou apenas um frequentador da igreja, sem curso teológico e o mais perto que cheguei de um microfone, foi nas prateleiras das lojas Americanas. Graças a Deus, sobre mim, não repousa o encargo do pastorado!

Que bom para você!

Mesmo assim, me permita a insistência. Pastorear é apontar a direção, prover água e comida. Chamar pelo nome e curar ferimentos. Não deveríamos realizar estas atribuições todos os dias?

Pais pastoreando filhos.
Professores pastorando alunos.
Médicos pastoreando pacientes.
Amigos pastoreando inimigos.

Estes são nossos rebanhos, igualmente confiados por Deus. Família. Vizinhos. Colegas. O moço da banquinha de jornal. A menina que vende Avon. Pessoas que o Senhor coloca em nosso caminho afim de que sejam curadas, protegidas e guiadas. Pastoreadas por mim, enquanto sou pastoreado por alguém. Um ciclo de cuidados e responsabilidades compartilhadas. Todos nós. Ovelhas de uns, e pastores de outros. Querendo ou não. Gostando ou deixando de gostar.

Agora que já entendemos que somos chamados ao comprometimento (seja para pastorear uma congregação com dez mil membros, ou apenas pastoreando a pessoa com quem dividimos a cama), vamos entender a ira de Deus contra os “pastores de si mesmos”

Basicamente, eles se aproveitam de seus rebanhos para viver com regalias. Recebem, sem nada oferecer em troca. Quando uma ovelha está coberta de lã, a tosquiam e fazem para si belos casacos, mesmo que a pobrezinha enfrente em “pele”, as noites frias do inverno. Quando a ovelha está “gorda”, refestelam-se com a gordura. Se alimentam com a carne de quem deveriam alimentar. Tratam o rebanho como a fila do self service. Investem em cordeirinhos viçosos, para no futuro, saquear a ovelha cevada.

E quanto ao resto do rebanho?

Não há vitamina para as ovelhas fracas.
Não há remédio para as ovelhas doentes.
Não há talas para as ovelhas fraturadas.
Não há preocupação para com a ovelha desgarrada.
Não há busca para a ovelha que se perdeu.
Sem colo. Sem ombro. Sem afago.

Para todas elas, porém, existe rigor e dureza. Pastores de si mesmo, dominando a ferro e fogo um rebanho que deveriam amar. Ovelhas não foram feitas para serem governadas. Não existe macho alfa entre elas. Ovelhas não guerreiam por território ou disputam parceiros com campeonatos de cabeçadas. Quando a tirania se instala, e o "rei" devora o "pastor", as ovelhas se dispersam. Elas espalham-se pelas campinas. Perdidas, famintas, assustadas e indefesas.

- Se tornam pasto para as feras do campo! (Ezequiel 34:5)

Pastores enviando seus rebanhos para a morte! Entregando suas ovelhas as aves de rapina, enquanto pastoreiam as próprias ambições.

- Meu Ego querido!
- Minha Vaidade amada!
- Minha Ambição inestimável!

Que vergonha! 

Será que temos agido da mesma forma que os pastores de Israel, sugando como aranhas famintas o néctar das ovelhas que Deus nos confiou? Teríamos esquecidos que "rebanhos" são propriedades do Senhor, e serão requeridas de volta? Ponderamos que as condições físicas, morais, psicológicas e espirituais serão checadas, avaliadas e re-conferidas por aquele que tudo sabe?

Paulo tinha esta preocupação. Quando se despediu da igreja em Éfeso, ciente que nunca mais voltaria para aquela cidade, reuniu os pastores locais e os instruiu a serem cuidadosos com o rebanho de Deus:

- Tenham todo cuidado meus amigos. Lembrem-se que foi o Espírito Santo que os ungiu para pastorearem a igreja que Deus comprou para si a preço de sangue! (Atos 20:28)

Deus. Cristo Jesus. Espírito Santo. O Sangue. A Cruz. O Trono. Todos na mesma sentença. Absolutos na igreja. Soberanos em qualquer pastorado.

Paulo estava preocupado com o avanço dos lobos. Eles chegariam aos montes. Não os mercenários citados por Jesus. Antes, fossem. Os lobos são piores. O mercenário só quer ganhar seu dinheirinho e ir embora. O rebanho é um detalhe. Para o lobo, o rebanho é o alvo. Eles não poupam ovelhas. Consomem a lã. Empanturram-se de carne. Descartam os fracos. Abandonam os doentes. Abrem as portas do aprisco apenas para os que “podem”, “querem” e “têm”. Evangelho seletivo focado em ovelhas gordas, robustas e fortes. A Bíblia sendo usada como cachaça servida aos perus na véspera do Natal.

- Foquem-se no cuidar das ovelhas... E não cobicem as riquezas que elas tenham a oferecer (Atos 20:33).

Que grandeza de pensamento! Almas em primeiro lugar. Igreja é hospital, sempre priorizando os doentes com maior gravidade. Quem menos tem a oferecer, sendo socorrido primeiro. Pelo menos, deveria ser assim. Paulo, pastor majoritário sobre muitas igrejas (mais do que podemos calcular), tinha como prioridade “entregar muito” antes de “receber pouco”.

Aconselhar os inquietos.
Consolar os desanimados.
Sustentar os fracos.
Exercer a paciência com todos.
Irradiar alegria.
Orar em todo tempo.
Ser grato.
Dar vazão ao Espírito.
Estar atento a voz de Deus.
Reter o bem.
Fugir do mal.
Santificar-se em Deus.
(I Tessalonicenses 5:14-23)

Pastorear aos outros, antes de ser pastor de si mesmo. Servir, sem a ambição de ser servido. Doar, especialmente para aqueles que não podem retribuir. Se não for neste termos, o contrato de trabalho é nulo para Deus. Ele é o Senhor que dá a paga pelo labor de seus servos. Ele recompensará a todos os que pastorearem em seu nome. Isto, na eternidade. Logo, não há dívidas pré-estabelecidas, pendentes ou faturadas entre pastores e rebanhos. Apenas vínculos de amor. Não cobre das ovelhas, o valor acordado entre você e o Senhor da seara!

Deus é categórico ao reverberar contra os “pastores de si mesmo”:

 - Maltrataram meu rebanho? Agora sou Eu que me levanto contra vocês! Arrancarei minhas ovelhas de suas bocas, lobos devoradores de almas e homens! Descerei dos céus e buscareis todas as perdidas, e as trarei de volta ao aprisco para que descansem. Ligarei a quebrada, curarei a enferma e retirarei do meu redil, toda gordura excessiva e desnecessária. Elas não comerão mais dos pastos que vocês pisaram e nem beberão mais das águas que suas mãos sujas tocaram. Todos saberão que Eu, o Senhor, cuido de minhas ovelhas, e que elas, são o meu povo. Sim! Israel é meu povo, ovelhas do meu pasto!

E para aqueles que se acham a última bolachinha do pacote, reis da cocada preta e senhores da carne seca, a profecia de Ezequiel termina com uma mensagem, que recoloca cada um de nós, em nossos devidos lugares. Ovelhas. Partes de uma grei maior, onde mercenários, lobos e “pastoresmos” não tem espaço, voz ou vez.. Rebanho de um só Pastor, este sim, absoluto em si mesmo. Aquele que dá a vida por suas ovelhas:

- Vocês são homens, nada mais que isso. Humanos. Gado no pasto da vida. Porém, eu sou o Senhor! O Eterno. O vosso Deus! (Ezequiel 34:31)

Um comentário:

  1. Maravilhosa mensagem para refletir, como pastoreamos a nossa casa e como somos pastoreados em nossa igrea. Deus abençõe.

    ResponderExcluir