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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Pedras nas Mãos

Faz de tua conduta a tua religião.
(Provérbio Hindu)


Permita-me começar este texto de forma sucinta e até meio beliciosa. Em bom português, “chutando a porta com força”. É simples assim: Jesus se preocupa com as “pessoas”, suas histórias, anseios, necessidades, dificuldades e expectativas de futuro. A religião, por outro lado, só se importa com ela mesma. Aspirações institucionais não consideram a individualidade do homem. Cuidam apenas de absorver o que o indivíduo tem de melhor, e o descartam sem maiores ponderações, quando o consideram uma casca vazia, de onde não se pode mais extrair conteúdo produtivo.

Certamente, você já teve experiências traumáticas com a religião, e talvez, ainda carregue na alma as ranhuras da decepção vivenciada dentro alguma igreja ou gerada pela convivência junto à lideranças religiosas. Ainda bem que Jesus é à prova de decepções, e tem em suas mãos o bálsamo curador, capaz de transformar as mais purulentas feridas, em meras cicatrizes insensíveis ao toque. Lembranças de um passado com o qual não nos preocupamos mais.

O capítulo oito de João, registra um embate épico entre “Jesus” e a “Religião”, e evidência de forma cristalina, a forma como o ser humano é tratado em ambos os lados. E esta é uma história bem conhecida, e que se repete todos os dias.

No apogeu de seu ministério, Jesus percorria a Galileia espalhando as Boas Novas do Reino dos Céus. Mensagem de amor, fé e esperança. Cristo ensinava a abnegação para uma sociedade instigada à práticas hedonistas de revanchismo e vingança. O ensinamento de Jesus estava em rota de colisão com o milenar conceito do “olho por olho”. Cristo apontava o perdão como um caminho mais excelente. Amor aos inimigos. Boas ações para com aqueles que faziam o mal. O “perdoar” sistêmico, inesgotável e imparcial. Cristo condenava abertamente o pecado, ao mesmo tempo que apregoava redenção ao pecador. Ladrões e prostitutas encontravam em Jesus uma possibilidade de transformação. Se lançavam aos seus pés, abandonando os muitos pecados cometidos e alcançando misericórdia. Os religiosos, por sua vez, imersos em hipocrisia e moralidade artificial, se negavam ao arrependimento, pois consideravam a si mesmos, como homens santos e superiores. Não precisavam de Cristo para os salvar.

Jesus não se conformava com este comportamento arrogante, e os confrontava publicamente. - Sepulcros caiados! - Marajás da Fé! - Mercantilistas da Lei! - Falastrões da Verdade! - Porque obrigam seus seguidores a carregarem cargas pesadas que vocês mesmos se negam a carregar? Cristo estava coberto de razão, e não haviam argumentos convincentes contra sua mensagem. E o que a religião geralmente faz com uma voz que se levanta contra ela? Impõem silêncio!

Mas, como calar aquele que é o Senhor da Verdade?

Os religiosos costuravam planos secretos contra Jesus. Tramavam estratégias para desmotivar sua pregação. O acusavam de agir em nome de demônios. Em reuniões escusas, cogitavam a possibilidade de matá-lo. Nada surtia efeito.

Um dia, enquanto ensinava no pátio do templo, a religião afrontou Jesus abertamente. Não o reconheciam com Filho de Deus. Destemido, Cristo ergueu sua voz e se declarou a “Água da Vida”, convidando aos sedentos, para nEle, saciarem a sede. Desde eras remotas, a religião só tem a oferecer águas rotas que provocam ainda mais sequidão de alma, e Jesus é uma fonte jorrando "águas vivas" por toda eternidade. Não é tão difícil assim, optar por um dos lados. A multidão se inflamou. Logo, gritos entusiasmado ecoaram pelo pátio: - Este homem nos foi enviado por Deus!

Burburinhos percorriam entre o povo. – A Galileia não nos dá nem profetas. Poderia o próprio Messias vir de lá? – Pode ser que sim. Dizem que ele é descendente de Davi!  Os guardas do templo ficaram preocupados com um possível tumulto. Os líderes religiosos estavam apavorados com a repercussão da mensagem. E então, cogitaram a possibilidade de prender Jesus. Calar sua voz. Mas, ninguém teve coragem para confrontar tamanha autoridade. A religião se agigante perante os homens, mas se anula diante do Cristo. Sem capacidade de ação, todos foram para suas casas, menos Jesus, que subiu ao monte afim de orar. (João 7:53 – 8:1).

Na manhã seguinte, Cristo voltou ao templo para ensinar, e logo uma multidão o cercou, ávidos por “beber” de suas palavras. Os religiosos também estavam em prontidão, e desta vez, tinham uma nova estratégia. Um plano melindroso para desonrar Jesus e desmerecer sua mensagem. Desmoralização e confrontamento astucioso. Não são exatamente estas, as armas que ainda hoje, a religião mais usa contra seus inimigos “declarados”? Aliás, inimizadas semeadas, regadas e cultivadas por ela mesma. A religião aponta erros futuros enquanto tenta apagar a história já escrita. Clama ser o único caminho, mesmo que em outras frentes, Jesus esteja sendo evidenciado. Apontam árvores frutíferas e testificam que aqueles são frutos de pecado, enquanto em seu interior, irriga galhos com uma seiva maléfica e infecciosa gerada na própria raiz. Ah, religião! Como Satanás se orgulha deste modo operante. O inferno aproveita o feriado prolongado, enquanto seitas, filosofias e igrejas fazem com competência, o trabalho que deveria ser feito apenas pelas hordas infernais.

Voltemos aos eventos narrados por João. 

Enquanto Jesus ensinava no pátio do templo, os religiosos trouxeram até ele uma mulher flagrada em adultério. E destilaram o veneno entre as presas legalistas: - Mestre, a Lei de Moisés ordena que a apedrejemos. E o senhor? O que nos aconselha a fazer?

Demônios vestidos de homens. Como é asqueroso este comportamento religioso. Se faz valer de dogmas e estatutos para confrontar a mensagem do próprio Jesus. Que baixeza! Que pequinês de espírito! Que ausência de caráter! Me desculpe por esta “branda” revolta, mas este é um tema que eriça a minha pele. Faz o estômago revirar. Digo isto porque percebo similaridades entre o comportamento dos religiosos desta história, e a forma de pensar da religiosidade moderna. São as mesmas ações praticadas dentro das igrejas, e que fatalmente, se refletem em mim e nas pessoas que amo. E certamente, cedo ou tarde, também atingiram você, seus familiares e seus amigos. Todos estamos sujeitos as incongruências de um sistema falido, viciado e intolerante, sendo a intolerância aplicada ou suspendida quando for mais conveniente.

Vamos lá.

Primeiro ponto. A religião apenas condena.

João relata que os “mestres da lei” e os “fariseus” arrastaram uma mulher a força, e a fizeram ficar de pé, diante da multidão. Em alta voz, narraram garbosamente a iniquidade cometida, relatando que a mesma havia sido pega em flagrante “adultério”. Uma vez que o rosto da pobre mulher tinha sido memorizado por todos os presentes, e o pecado cometido na alcova já era de domínio público, os “zelosos homens de Deus” apresentaram a sentença: - A lei manda que a matemos. Se a apedrejarmos, estaremos apenas cumprindo a ordem de Jeová! Ah, religião! Sempre responsabilizando à Deus por suas guerras, intrigas e preconceitos. Tentando manchar as mãos do Senhor com o sangue que homens trajando turbantes, quipás, armaduras, estolas ou ternos, fazem questão de derramar todos os dias.

Os religiosos não se preocuparam em contar para Jesus a história daquela mulher. Qual o seu nome? De onde ela vinha? Com quem era casada? Quais os motivos a levaram a trair seu marido? Quais argumentos ela tinha em sua defesa? Estava arrependida de seu pecado? Qual era a cor predominante de seu coração? Nada disto importava. E continua não importando. A religião apenas se interessa em proficuidade. O que você pode dar a “ela” e o que “ela” pode tirar de você. Quando os recursos se esgotam, nomes não passam de sussurros inaudíveis. A história é limada e reescrita para atender aos caprichos de editores engravatados.

Quer um bom conselho? Não se iluda com promessas e tapinhas nas costas. Infelizmente, somos apenas mais um item na linha de produção, descartado quando o padrão requerido não é replicado. E o pensamento religioso é tão mesquinho, que até mesmo neste descarte, é encontrado um propósito egoísta. Somos transformados em bodes expiatórios. Tachados de frutas podres caindo da árvore. O joio sendo separado do trigo. Deus fazendo a limpeza da eira (e lá vai a religião banalizar o nome de Deus outra vez).

A religião apenas nos impõem rótulos. Hoje você é uma “Benção” e amanhã é chamado de “Maldição”. Cansei de ver “Homens de Deus” renomeados como “Endemoniados”, “Servos do Diabo” e “Feiticeiros de Satanás", simplesmente porque se transferiram da denominação "A" para a denominação "B".  E nestes casos, seus feitos são esquecidos, a trajetória deturpada e a dignidade questionada. A religião omite o que deseja esconder, e escancara os arquivos que precisa divulgar, maquiando números e incriminando pessoas. Exatamente por isso, não sabemos muito sobre aquela mulher coagida e assustada, apenas a informação que a religiosidade colocou em letras garrafais no quadro de anúncios: ADÚLTERA. 

Os religiosos também não apresentaram uma resolução misericordiosa para o problema. Não pensaram em sentimentos ou consideraram as emoções. O discurso estava ensaiado, e a sentença decretada antes do julgamento. Sem direito a defesa. Não haviam advogados indicados pelo estado. Apenas promotores. Muitos deles. Todos com pedras nas mãos, e um contêiner de pedregulhos estacionado na porta. A religião acusa e condena. Sem recursos. Sem o benefício da dúvida. Nenhum resquício de humanidade. Os religiosos usaram aquela mulher da mesma maneira que usamos queijo numa ratoeira. Apenas uma isca. Queriam destruir a reputação de Cristo, nem que para isto, alguma pobre alma infeliz tivesse que morrer.

E o próprio narrador da história é quem nos revela as intenções nefastas por trás do teatrinho religioso. Se Jesus concordasse com o apedrejamento, iria contradizer a mensagem que pregava, e com isso, cairia em descredito junto aos seus seguidores. Seria um suicídio ministerial. Porém, se discordasse da sentença prevista em lei, e proibisse o linchamento, estaria cometendo um crime civil, podendo ser preso e condenado por incitar a profanação. Um suicídio social! Os fariseus sorriam entre os dentes. Os escribas se ruborizavam de ansiedade. Não havia saída para Jesus. A armadilha perfeita estava armada, apenas esperando o movimento da presa.

Ponto dois. A religião é seletiva.

A atitude de Jesus diante de tamanha pressão psicológica é surpreendentemente moderada. Ele se abaixa, e com os dedos, começa a escrever sobre o chão de terra. Sempre me perguntei quais seriam as palavras registradas e o significado de cada uma delas. Então, entendi que nada disto importa. A intenção de Jesus era apenas despertar curiosidade. E conseguiu. Um a um, os olhos que fitavam a mulher pecadora, flamejantes de ira e desprezo, migraram até Jesus. O assunto que caminhava como uma "serpente movida a foguetes" por entre a multidão, mudou completamente. Em poucos minutos, “o que ela fez?” foi substituído pelo “o que ele está fazendo?”. A religião coloca os holofotes sobre o pecador e, eloquentemente, reverbera seu pecado. Jesus esconde o pecador atrás de sua cruz, e leva sobre si, todas as pedras que lhe eram destinadas. Cristo está disposto a fazer este sacrifício por “todos”. A religião, se propõem a sacrificar apenas quem lhe convém.

Matemática simples. Quantos indivíduos são necessários para que se configure um cenário de adultério com cunho sexual? A menos que minhas contas estejam muito equivocadas, aqui se tem um resultado mínimo de “dois”. Agora, uma perguntinha de mera observação. - Onde está a segunda pessoa envolvida nesta situação? Se houve um flagrante, porque apenas a mulher foi arrastada para um julgamento pré concebido? Que raios de zelo religioso é este, que escolhe quem deve viver ou morrer, dentro de um contexto igualitário? A sentença de morte decretada sobre a alma pecadora é universal, assim como o perdão de Deus se estende a toda humanidade. Quem nos deu o direito de fazermos uma seleção? E onde estão estabelecidos os critérios desta escolha? Ah, religião! Sua parcialidade deixa Deus enojado. Condenando alguns para encobrir os crimes de tantos outros.

Jesus certamente estava disposto a dar uma nova chance a todos os envolvidos nesta tragédia espiritual. Fosse “ele e ela”, “ela e ela”, “elas e elas” ou “elas e eles”. "Maior", que o "maior" dos pecados, é uma "pequena" fagulha do amor do meu Cristo. Do nosso Salvador. E Ele não deixaria que aquela mulher arcasse com os pecados que não eram seus. Ela, se quer, podia carregar os que eram somente dela. Então, Jesus tomou sobre si o pecado de todos. Ele se pôs entre as mãos da morte e o pescoço do pecador. Atraiu para si os olhares acusadores. Assumiu a culpa e pagou o preço. Ali, no pátio do templo, enquanto escrevia na terra, Cristo ensaiava para cruz.

Ponto três. Todos somos pecadores, independente da religião, escola teológica ou placa de igreja que tanto insistimos em defender.

Jesus não coloca panos quentes sobre o pecado. De jeito algum. Ele o abomina. Isto faz seu sacrifício ainda mais relevante. Imagine-se entrando completamente nu em uma fossa onde estivesse concentrado os dejetos de todas as pessoas do mundo. Vivas ou não. Foi exatamente isto que Cristo fez. O pecado o enoja, mas ele mergulhou num oceano de imundícias para nos retirar de lá. Todos. Cada um de nós. E com plena ciência da condição humana, Jesus tem na ponta da língua a resposta que desata todos os nós. Que faz a armadilha desengatilhar nas mãos dos religiosos.

- Aquele que não tiver pecados, que atire a primeira pedra!

Parece que o jogo virou não é? Fica mais difícil jogar uma pedra em alguém, quando percebemos que ela é um rochedo de dez toneladas pronta para cair em nossas próprias cabeças. Jesus colocou um espelho diante de cada fariseu, e lhes revelou individualmente, os pecados que tentavam esconder da sociedade. Basicamente, “adultério” consiste em corromper o estado original, modificando a essência e os propósitos previamente estabelecidos. A grande maioria dos religiosos ali presentes sempre se mantiveram fieis aos seus cônjuges. Mas, quantos deles, eram em suas vidas privadas, exatamente como Deus desejava e instruiria em sua lei? A resposta é simples. Nenhum deles. Nenhum de nós. Vidas adulteradas. Essências corrompidas. 

E foi o vislumbre desta verdade, que fez as pedras caírem ao chão. Todos os religiosos foram desarmados com uma única frase. Primeiro, os mais velhos. Depois, os mais jovens. O silêncio era tamanho, que o som oco das pedras encontrando o solo se assemelhava ao reverberar de trovoadas. Gotejos de realidade salpicava os rostos, e a vergonha de uma única mulher, passou a ser compartilhada por muitos. E ao contrário dela, que ficou o tempo todo ao lado de Jesus, seus acusadores, ao sentirem o peso do pecado flexionando os ombros, simplesmente escolheram se afastar da salvação. 

Cristo havia derrotado a religião no campo escolhido pela religiosidade. Sem burlar as regras. Apenas se importando mais com o ser humano, e menos com as conveniências sociais. Quando Jesus levantou sua cabeça, só havia uma pessoa próxima à Ele. Uma mulher tremula e com os olhos encharcados de lágrima. Ao redor, uma multidão atônita, esperava ansiosa o pronunciamento do Mestre. Jesus se limitou apenas a duas perguntas:

- Mulher, onde estão as pessoas que te acusavam e exigiam condenação? Nenhuma delas teve coragem de te apedrejar?

- Não, meu Senhor. Todas foram embora...

E então, com um toque nos cabelos desgranhados daquela mulher, depositando em seu pálido rosto um olhar de compaixão, com voz acolhedora e gentil, Jesus pronunciou sua sentença:

- Absolvida! Vá em paz para sua casa e abandone esta vida de pecado!

Em tempo algum, a Igreja pode esquivar-se de sua responsabilidade em denunciar o pecado e convocar ao arrependimento o homem pecador. Só não pode se esquecer que o martelo do juiz está nas mãos de Deus, e que entre o pecador e a condenação, existe um advogado justo e amoroso, com poder (e a vontade) de perdoar, remir e salvar. Sem parcialidade ou interesses egoístas. Sigamos seu exemplo de misericordia, já que sem a mesma também haveria um caminhão de pedras reservado para mim. E outro para você!


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