Arquivo do blog

domingo, 2 de julho de 2017

Além dos limites da vida

O que falta às pessoas não é força, e sim, vontade.
(Victor Hugo)


Há um conhecido ditado popular que diz: - “Cavalo dado, não se olha os dentes”.

Este jargão, se baseia no fato que para comprar um equino, faz-se necessária uma minuciosa inspeção no animal, e de acordo com especialistas, a arcada dentária tem muito a revelar, principalmente sobre a idade do alazão. Mas, se o cavalo for um presente, então é melhor ignorar os detalhes, e simplesmente aceitar a oferta.

Ouvimos este tipo de aconselhamento todos os dias, quando nossos líderes, amigos e familiares nos incentivam a “não perdermos" as oportunidades que a vida nos dá, ou voltando à metáfora inicial, “se o cavalo passar selado, não ter receio de montá-lo”.

Mas, será que todo presente deve ser aceito de bom grado?
Será que todo cavalo selado está indo na direção correta?

Moisés é um dos maiores exemplos no que tange a critérios para aceitar ou não as dádivas oferecidas. O hebreu que nasceu condenado a morte, viu sua vida dar uma guinada completa quando foi encontrado pela filha de Faraó. O até então moribundo escravo, seria alçado imediatamente ao posto de príncipe do Egito, antes mesmo que aquele dia com início fatídico chegasse ao fim.

Criado no palácio, desfrutando das regalias e comodidades destinadas apenas para a realeza, Moisés teve a oportunidade de crescer sobre a égide do império mais poderoso de sua época, recebendo treinamento político e militar, sendo preparado para assumir um lugar na linha de sucessão do trono. O que segundo alguns estudiosos, poderia ter acontecido antes mesmo dos eventos que o levaram ao exílio.

O cavalo dado a Moisés era simplesmente o "Trono do Egito", com todo o poderio e privilégios pertencentes apenas aos chamados “Filhos de Rah”. Para olhos pragmáticos, aquela era uma oportunidade irrecusável, destas que acontecem uma única vez na história, e, portanto, isenta de qualquer ação avaliativa. Moisés não pensava assim. No pouco tempo que esteve ao lado de sua mãe biológica, ele absorveu valores maiores que qualquer ambição terrena, e esta bagagem espiritual adquirida foi determinante para uma decisão surpreendente: 

- Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó...

O cavalo era imponente. Mas, seus dentes estavam pobres. A tradição egípcia determinava que qualquer aspirante a Faraó, deveria também ingressar na casta sacerdotal do Egito, imergindo de corpo e alma em sua religiosidade politeísta, repleta de misticismo e rituais pagãos. Esta, sem dúvida, seria uma viagem sem volta a obscuridade espiritual, que por fé, Moisés se negou a fazer. Mesmo que para isso, tivesse que abrir mão de seu “futuro” glorioso nas fartas planícies do Nilo.

Embora não seja possível precisar a qual dinastia Moisés pertenceu, a história egípcia registra alguns atritos ente uma certa rainha regente com os líderes religiosos de seu tempo, já que seu “filho adotivo”, se negava a ingressar na casta sacerdotal. Seria Moisés? É muito provável que sim.

Fato é, que a decisão de Moisés foi baseada em convicção, e não barganha. Até seria conveniente abrir mão de governar uma nação para liderar outra de maior relevância. Mas, o chamado de Moisés se deu décadas após sua renúncia. E a história escrita por Deus para sua vida, extrapolava os hieróglifos dos templos egípcios.

Moisés foi um homem notável e de atos memoráveis. Venceu batalhas épicas, atravessou o Mar Vermelho, tirou água da rocha, falou com Deus face a face. Porém, foi sua abnegação que o fez gigante. O escritor da carta aos hebreus, na antológica galeria de Heróis da Fé (Hebreus 11), ressalta os grandes feitos de homens e mulheres que transformaram o mundo. Quando fala sobre Moisés, embora cite alguns elementos de sua liderança, ele ressaltou o que fez do simples levita, um verdadeiro herói: Sua fidelidade

– “Pela fé, Moisés, sendo já grande, recusou ser chamado filho da filha de Faraó, escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus, do que por um pouco de tempo, ter o gozo do pecado; tendo, por maiores riquezas o vitupério de Cristo do que os tesouros do Egito; porque tinha em vista a recompensa. ” (Hebreus 11:24-16)

E que recompensa seria está?

Certamente trocar o Egito por Canãa seria um negócio lucrativo.

É uma ideia agradável abrir mão de uma citação história na vasta galeria de faraós, pelo posto de maior líder da história de uma gigantesca nação.

Mas, e se depois de tanta renúncia, esforço e dedicação, o único prêmio recebido fosse uma morte solitária a poucos metros da terra prometida?

Muito se debate sobre os méritos e deméritos que convergiram para Moisés não ter o “privilégio” de entrar em Canaã. Porém, não encontramos no próprio Moisés, qualquer sombra duvidosa em relação a justiça divina. Ele não questionou a ordenança do Senhor para que subisse pelo caminho Pisga, e ali, no alto da montanha, ter seu derradeiro e definitivo encontro com Deus.

Moisés morreu, e isto é um fato. Pode até ser indigesta a ideia de um dos maiores heróis da fé ter “sucumbido” sem vivenciar em “loco” a grande promessa feita para sua gente. Israel não lidou bem com esta notícia, pranteando por mais de um mês. Seu sucessor imediato, Josué, precisou ser intimado por Deus a se posicionar como líder, pois certamente, ainda nutria uma esperança pelo retorno de seu mentor. Porém, Moisés jamais desceu a montanha.

Foi dali que ele pode contemplar toda a extensão da terra prometida e vislumbrar pelos olhos da fé a posição geográfica ocupada por cada tribo. No chamamento específico de Josué, a promessa de conquista feita por Deus se estendia até o poente do sol (Josué 1:4). O sol se põe exatamente na linha do horizonte, que por sua vez, pode ser definida como o limite do campo visual de uma pessoa. Em outras palavras, Deus estava dizendo ao jovem líder que sua capacidade de conquistar estava atrelada com o alcance de sua visão. Quanto mais longe se enxergar, mas território há para se expandir.

Neste ponto, Moisés tem como última missão de vida, “visualizar” toda a terra, legalizando previamente a tomada daquele território pelos hebreus.

No alto da montanha, Deus recolhe Moisés para seu merecido descanso. Judas 9 descreve a disputa verbal entre o arcanjo Miguel e Lúcifer, que se rivalizavam por causa do “corpo” de Moisés. Então, o próprio Deus, valendo-se da distração do inimigo, sepultou pessoalmente o corpo de Moisés em um dos vales de Moabe, guardado em sigilo perpétuo.

Porém, a morte não finalizou a grande missão mosaica, pois sua última aparição cronológica está registrada alguns séculos depois, em Mateus 17:1-9.

Neste evento, que também é mencionado em Marcos 9:2-8, Lucas 9:28-36 e II Pedro 1:16-18, Jesus convida seus três discípulos mais próximos para acompanhá-lo até o cume de um monte. Ali, diante de seus olhos, o Messias se transfigura em glória. De repente, duas figuras também glorificadas aparecem e passam a dialogar amigavelmente com Jesus.

Um deles é Elias.
O outro, Moisés.

Elias não experimentou a morte, mas foi arrebatado aos céus ainda em vida por um redemoinho (II Reis 2:11). Ele é um tipo da igreja, que ao som da última trombeta será transformada, e então arrebatada para encontrar com Jesus nos ares. Já Moisés, ali se faz presente representado as miríades de servos fieis que embora tenham encontrado a morte física, estão hoje repousando na glória, esperando o momento da ressurreição (I Tessalonicenses 4: 13-17).

Assim, este grande herói que tanto nos ensinou em vida, com a sua morte, planta em nossos corações, uma semente de esperança na glória, e a certeza que o melhor de Deus não se manifesta nesta terra, e sim na eternidade.

E como se toda esta riqueza espiritual não bastasse, ainda existe um aspecto pratico de grande relevância. Moisés nasceu no Egito, constituiu família em Midiã e peregrinou pelo deserto do Sinai. Morreu e foi sepultado em Moabe. Ele nunca conheceu a terra de seus antepassados, e jamais sentiu sobre seus pés o solo amado de Canaã.

Agora, séculos após sua morte, ali está ele, muito bem acompanhado e pés firmados sobre uma montanha fincada vigorosamente no coração de Israel. Finalmente estava na terra prometida. A morte não matou a esperança. Uma promessa de Deus não se intimida com a advertência de uma lápide. Mesmo morto e sepultado, Moisés entrou em Canaã. Os planos do Senhor para nós, vão muito além dos limites da vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário