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segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Sonhos Alheios e Encontros Aleatórios


Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Na importância de saber ouvir os outros, a beleza mora lá também.
(Rubem Alves)


Sempre entendi a estadia de José naquela prisão egípcia como parte de um longo e doloroso processo de aprendizagem. O menino se tornando homem. Basta lembrar que durante a adolescência, José sempre foi uma “boquinha nervosa” destilando veneno contra os irmãos. Em bom português, o jovem sonhador era também um “exímio fofoqueiro”, que apesar das inúmeras virtuosidades, precisava aprender a dominar sua língua. Assim, Deus permitiu que José passasse alguns anos na cadeia, lugar onde o “X-9” morre cedo e o silêncio vale ouro. Embora não compreendesse, esquecido dentro de uma cela qualquer, José estava sendo preparado para a grande tarefa que lhe seria confiada pelo Senhor... Salvar o mundo da fome e, com uma gestão eficiente, garantir a sobrevivência da linhagem messiânica, mesmo longe da terra pátria... No Egito, ele desenvolveu empatia pela necessidade do próximo e compreensão para com a causa alheia, tudo o que lhe faltava enquanto era mimado pelos pais nas tendas de Canaã.

Deus, porém, não é unilateral como as vezes o enxergo. Até mesmo suas mais “incompreensíveis” atitudes estão repletas de razão e calçadas num irretocável planejamento. Ele poderia utilizar outras técnicas de ensino, que não deixem marcas tão profundas e nem levem para a prisão alguém inocente... Mas, não... Tem horas que o trabalhar do Senhor assemelha-se ao sadismo, aplicando castigos terríveis para nos ensinar lições praticas que poderiam ser aprendidas apenas com a leitura de um bom livro didático. É que para Deus, as mais complexas questões humanas são tão simples quanto entender a diferença entre frio e quente... Tudo é muito claro para Ele, mesmo que por décadas, permaneça enevoado enquanto olhamos aqui de baixo...  E sendo bem sincero, podemos até discordar do método, porém não existe argumentos para contestar a eficiência.

José era um moço de bom coração, dedicado em seus afazeres e temente ao Senhor desde o berço. Bastava que Deus lhe aparecesse num sonho pedindo para que fosse mais tolerante com seus irmãos, e certamente o problema estaria resolvido. Sem tráfico humano, escravidão em terras estrangeiras ou condenações fraudulentas... Tudo seria muito mais simples, agradável e nada traumático. Todos viveriam felizes para sempre...  Mas, existe um porém... Se eliminarmos todos os eventos trágicos da vida de José, também vamos precisar reescrever o final da história. A versão mais “justa/bondosa”, onde o personagem continua mimado e criando conflitos com seus irmãos sem nunca conhecer o fundo do poço, não termina tão bem assim... Na verdade, acaba com o personagem principal morrendo de fome aos quarenta anos de idade. Não sem antes presenciar seus entes queridos sucumbindo por desnutrição. Mãe, sobrinhos e irmãos, sepultados as carreiras ao lado de túmulo de Jacó, que já velho, teria sido a primeira vítima da gigantesca estiagem. Entre as covas espalhadas na planície ressequida de Canaã, estão pareadas as lápides de “Judá” e seu filho recém-nascido “Perez”. Com a morte de ambos, a descendência abraâmica é interrompida, e alguns nomes são abortados da história humana, entre eles Boás, Obede, Jésse, Davi, Salomão, Natã, Roboão, Asa, Josafá, Jorão, Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, Manassés, Amon, Josias, Jeconias, Salatiel, Zorobabel, Eliude, Eli, José, Maria, e finalmente... Jesus...

Isso mesmo... Pode escolher qual genealogia preferir. A narrativa primária de Mateus ou a possível aplicação da “lei do levirato” utilizada por  Lucas... A linhagem de Maria ou a descendência de José... Não importa... Você sempre acabará nas entranhas da família de Jacó, salva da fome pelo plano de racionamento e redistribuição elaborado por José quando ele foi governador do Egito... Sem um “Judá”, não teríamos um “Leão da Tribo de Judá”... Simples assim... Toda a provação imposta a José  fazia parte de um plano maior visando o bem de toda a humanidade através do nascimento de Cristo. E pensando bem, a cadeia foi o exato ponto onde “sonhos e propósitos” se encontraram definitivamente.

José era mais que um sonhador. E mais do que isso... Tinha a capacidade de entender o significado dos elementos aparentemente desconexos de um sonho. Foi assim com as visões dos feixes de trigo e dos corpos celestiais. De imediato compreendeu a mensagem recebida. Seu futuro seria grandioso, e toda a família lhe prestaria reverência. Porém, seu dom nunca foi valorizado em casa. Pelo contrário, acabou lhe dando o estigma de prepotente e orgulhoso. No Egito, tudo mudou. Entre os pagãos, o Deus de Israel fez a diferença e José tornou-se o “Mestre dos Sonhos”. A ferramenta correta na oficina em que era necessária. Hora de acelerar os trabalhos, pois o relógio divino já entrava em contagem regressiva.

Quando o poderoso Faraó se viu ameaçado por uma tentativa de envenenamento, tratou logo de enviar os dois principais suspeitos para a cadeia, e “coincidentemente” ambos acabaram na mesma cela que José. E enquanto a polícia egípcia concluía suas investigações, o “padeiro do palácio” e “copeiro real” tinham uma noite atribulada com sonhos perturbadores. Na manhã seguinte, José não apenas interpretou os sonhos, como antecipou o futuro de seus colegas. O copeiro se via espremendo três cachos de uva numa taça e a entregando para aprovação do rei, o que significava que seria declarado inocente e em três dias voltaria a trabalhar no palácio. O padeiro, por sua vez, tinha três cestos de pães sobre a cabeça, enquanto as aves se refestelavam com a boa comida... Para ele, péssimas notícias. Seria considerado culpado e condenado a morte. Restavam-lhe apenas três dias de vida. Dito e feito! Quando o carcereiro abriu a cela, trazendo liberdade ao copeiro, José lhe fez um pedido esperançoso: - Quando estiver diante do Faraó, lembre-se de mim e interceda pela minha causa...

O copeiro do rei se tornaria uma peça fundamental no desfecho desta história, já que passados dois anos, o faraó é quem foi assolado por um sonho pavoroso que perturbou profundamente seus dias. Ninguém conseguia encontrar uma resposta satisfatória para as indagações do monarca. Conselheiros mudos e sacerdotes calados. Um silêncio sepulcral na sala do trono somente quebrado pelos rompantes de fúria o rei: - Inúteis... Todos vocês! Estou cercado de incompetentes!  E enquanto o faraó tomava nas mãos uma taça de vinho afim de refrescar as ideias, o copeiro que lhe servia, finalmente se lembrou de José: - Perdoe-me, Majestade, mas acho que conheço alguém que pode ajudá-lo nesta questão...

E aqui temos um conjunto de fatores que provam o trabalhar meticuloso de Deus. O esquecimento do copeiro foi providencial, pois em qualquer outra circunstância, faraó não se interessaria pela história de um prisioneiro cananita. O nome de José só foi trazido à tona quando todos os recursos intelectuais e religiosos do reino já tinham sido usados a exaustão sem qualquer resultado produtivo. O desespero do rei era tamanho, que naquele momento, qualquer fio de esperança apresentado seria agarrado sem maiores contestações, incluindo a “possível” sabedoria “mística” de um estrangeiro oriundo de Canaã, onde nada havia além de pastos, pomares e rebanhos... E assim, um presidiário desconhecido acabou sendo convidado para uma visita solene ao palácio. Acordou prisioneiro e foi dormir governador. Almoçou pão mofado e jantou manjares. Parece impossível? Acredite, não é! Deus minuciosamente vai alinhando pequenas possibilidades, sem pressa ou improvisos, até que de repente o impossível deixa de existir. Como somos imediatistas por natureza, só enxergamos portas já escancaradas e ouvimos apenas discursos feitos no megafone. Não paramos para ouvir o sussurrar de Deus pedindo paciência, pois já está trabalhando nos detalhes que não conseguimos percebemos. Pequenas possibilidades também são imensas oportunidades, e enquanto o Senhor faz o grandioso plano seguir em frente, devemos aproveitar as frestas que se abrem, por menores que possam parecer.

Veja José... Quando chegou no Egito não passava de mercadoria barata. Vendido com escravo, foi levado como serviçal para a casa do poderoso Potifar. Trabalhou com afinco. Esmerou-se nos afazeres diários e encantou seu dono com tamanha competência. Tornou-se chefe dos empregados. Quando teve a chance de envolver-se com a “madame” dona da mansão, recusou a oferta e foi injustamente acusado por uma inexistente tentativa de estupro. A confiança que adquiriu junto à Potifar salvou sua vida, já que um escravo estuprador seria sumariamente executado... O general, porém, sabia que o moço era inocente, mas visando a preservação da honra que restava na família, enviou seu melhor servo para a prisão... E na cadeia, José foi um detento diferenciado, demostrando um comportamento tão irrefutável e exemplar, ao ponto de tornar-se guardião das chaves da própria cela. Não se importando com os cenários e contextos, ele fez a diferença na vida das pessoas em volta, mesmo sem saber que num futuro ainda distante, seria recompensado pelas suas ações. E esta é uma lição valiosa para mim... Deus me leva a lugares que nem sempre vou gostar, mas preciso estar ali para que as possibilidades se alinhem. E neste interim de tempo, entre o “não estou entendo Senhor” e o “eu já entendi meu Pai”, preciso “ser” quem nasci para “ser”... Fazer o melhor... Salgar uma terra insípida... Brilhar nas trevas... Promover paz em meio à guerra... Chorar com quem chora e sorrir junto aos alegres... Assim, torno-me agradável... Benção para um ambiente amaldiçoado... E estabeleço bons relacionamentos... Relacionamentos produtivos e duradouros. Provavelmente, uma destas muitas pessoas que cruzaram a minha história (não importando onde, como ou quando) será usada por Deus para um dia, mudar a minha vida... A sua vida.

Pense...

Que chances haveriam de “José” e o “copeiro de faraó” se encontrarem nas plantações de trigo da casa de Jacó? Então, Deus levou José ao Egito.

Qual a possibilidade de um encontro amigável entre o “escravo da casa do general” e o “copeiro real do grande faraó” na fila do banco central de Mênfis ou no mercado municipal de Tinis? Assim, Deus os uniu num espaço confinado, onde poderiam se conhecer, dialogar e gerar empatia... A cela de uma prisão.

Até o destino final, nossa viagem será cheia de escalas indesejadas. Pois bem... Gostando ou não, elas fazem parte da viagem. Estão no itinerário... Não no seu... Nem no meu... No de Deus. E até agora o cronograma não atrasou. Existem encontros casuais no hoje, que redefinirão sua vida no amanhã. Quer exemplos? Você se lembra do hora e local que conheceu seu cônjuge? E o melhor amigo(a), quando se viram pela primeira vez? Será que naquele momento aleatório da existência, você tinha ideia que sua vida estava sendo redefinida e o futuro moldado? Não sabemos os planos de Deus para o amanhã, e nem mesmo porquê algumas pessoas são inseridas em nosso cotidiano... Mas, não fuja da responsabilidade de fazer o melhor. Ajudar no que for possível. Ser gentil com desconhecidos e cooperar na realização dos sonhos alheios. Um dia, as peças do quebra cabeça se encaixam, o desconhecido ganha nome e o impossível acontece a partir de possibilidades que você não desperdiçou. Nunca se esqueça que Deus não junta pessoas... Ele une propósitos...

Tudo começou com os sonhos de José e terminou nos sonhos do Faraó. A ponte que uniu histórias tão distintas e que nunca se cruzariam, foi o sonho do copeiro. Tenho a impressão que Deus se regozija com esta atividade. Juntar sonhos individuais (individualistas?) e realizá-los de forma coletiva. O sonho de “um”, tornando-se realização para “todos”. E somente nesta hora, quando finalmente chegamos ao destino, compreendemos os percalços da viagem. E enquanto a mente retrocede, trilhando inversamente do último ao primeiro passo, a verdade irrompe a escuridão das incertezas.... Tudo fez absoluto sentido! Por outros caminhos, seria impossível ter chegado até aqui. Não inteiro. Não maduro. Não fortalecido.... Por isto, estou tentando fazer da confiança na sabedoria divina, o meu cinto de segurança enquanto o avião atravessa esta sucessão infindável de turbulências, mesmo o céu estando de brigadeiro bem aqui ao lado...

Muita coisa que Deus faz, não consigo entender, só sei que é melhor quando deixo Ele fazer... O que Ele faz agora, não consigo entender, e não me desespero, porque aprendi a crer, que o futuro sempre explica, o que no passado fez, e o que faço é confiar no que Deus faz, e fica tudo bem! ” (Leandro Borges) 

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