O melhor vaso para se encher é o vaso vazio.
(Paulo Sérgio Krajewski)
Terra, água, compostos orgânicos, alguns minérios
e nada mais... Não existe muita nobreza em quem sou... Apenas um vaso de barro
como outros bilhares em exposição nas prateleiras do mundo... Ausência total de
meritocracia. E mesmo assim, olhem no que me tornei... Receptáculo de uma
glória que excede o entendimento humano. Sou depósito de uma riqueza
inestimável que nem mesmo a junção das maiores fortunas existentes no planeta
poderia avalizar. E tudo o que fiz, foi aceitar de bom grado tamanho investimento.
Minha pequinês atraiu a grandeza de Deus.
O Todo Poderoso habita numa esfera de glórias
indescritíveis. Ele é o dono do ouro e da prata. Nos céus, elementos que
consideremos símbolos de status e poderio, não passam de calçamentos e rodapés
de muros. Deus nunca se mostrou interessado naquilo que possuo, pois todos os
meus bens são efêmeros e irrisórios. Absolutamente nada, diante daquele que
tudo tem. O Senhor está mais interessado em minhas carências. O que não tenho
chama a atenção de Deus. Desde sempre, o Espírito Santo paira sobre a terra,
procurando espaços vazios. A ausência atrai a presença. O Senhor não invade territórios ocupados. Ele
não esvazia recipientes para enche-los de forma arbitrária. É a carência
assumida que estende o tapete de boas-vindas para a provisão.
Temos falhado exatamente no esvaziamento. Estamos
sempre cheios de qualquer coisa, enquanto a essência de Deus é mantida do lado
de fora. E o erro tende a se agravar, quanto revestimos o barro em papel
celofane dourado. Ostentamos uma falsa realeza, esquecendo-se que somente os
pobres de espírito herdarão os céus.
Em sua segunda carta enviada a igreja em Corinto,
o apóstolo Paulo ensinou que Deus escolheu depositar seu mais precioso tesouro
em vasos de barro, para que a excelência do poder pertença somente a Ele, e não
aos homens (II Coríntios 4:7). Pela imensa graça do Pai das Luzes, eu que não passo de
água e pó, me tornei peça valiosa, cobiçada por demônios e protegida pelos
anjos, sem que nenhum mérito pessoal fosse detectado em mim... Apenas aceitei o
cheque assinado e o Senhor fez todo o investimento. A única qualidade que tinha
para oferecer, era exatamente estar vazio...
Deus não procura vasos de ouro ou cravejados de
diamante. Onde a glória humana busca ser exaltada, a glória divina jamais se
manifestará. O Senhor também não se interessa em vasos de grifes oriundos de
dinastias longínquas. O nome do “Eterno” jamais será secundário em qualquer
lista, por mais VIP que seja. Exatamente por isto, Deus tem preferência por
vasos ordinários, fabricados com argila ribeirinha e queimados nas fornalhas da
existência. Na verdade, mais que ocupar o vaso que se mantém vazio de
efemeridades, o Senhor é quem o fabrica. Quando o processo já está completo e me
olho no espelho, posso visualizar a glória de Deus transbordando em mim... E
isto é maravilhoso... Nada diz sobre meus talentos e tudo revela sobre a misericórdia
do Senhor... Tenho dois grandiosos
motivos para me orgulhar do vaso em que me tornei...
1-) Estar vazio aguardando ser cheio.
2-) As marcas que ganhei na olaria.
1-) Estar vazio aguardando ser cheio.
2-) As marcas que ganhei na olaria.
Lá estava eu, argila bruta esquecida nas margens
de um rio qualquer. Depósito de resíduos. Cafofo de parasitas. Dormitório de
sanguessugas. E não é que Deus me encontrou? E fez mais que isso.... Desceu até
o lamaçal por mim... Nunca fui a matéria prima mais adequada e o primor jamais
foi meu forte... Exatamente por isso, Ele me escolheu... Nunca houve busca por
perfeição. A característica que atraiu o escultor foi minha maleabilidade. Eu
poderia ser trabalhado. Moldado. Transformado... E Deus ama estas possibilidades.
Criar do nada... Fazer arte usando lodo e esgoto. Construir tabernáculos
imperfeitos para depois habitá-los com a glória perfeita... Que sorte tenho eu!
Existem tantas imperfeições na minha existência, que tornei-me um desafio para
o Senhor... E Ele não resistiu... Teve que descer dos céus, chafurdar-se na
lama e tomar-me para si... Justamente “eu”...
Barro sem valor.... Imperceptível nas margens do universo...
Deus, o arquiteto das galáxias, cujo projeto mais
ambicioso sempre foi construir lugares onde pudesse habitar... Os céus já não
eram o bastante e Ele escolheu morar entre os homens... Em casa de barro.
Alvenaria sem valor sendo preparada para hospedar a nobreza suprema... Eu sou o
barro... O vaso... A casa... Ele foi quem me construiu... Modelou... Na verdade,
ainda esculpe, modela e reforma... Todo dia... A cada hora...
O processo é bem artesanal. O barro recolhido nas
encostas do mundo é levado para o ateliê do oleiro, sendo depositado sobre a
maromba. Não sem antes ser limpo e refinado.... Ter as impurezas removidas até
só restar terra e umidade. É pouco... É preciso dar textura para a massa
ainda informe... Então, Deus amassa... Sova... Empurra... Puxa... Espreme... É
exatamente este processo repetitivo castigando o barro que lhe confere liga e
flexibilidade. Não é possível ser moldado antes de ganhar consistência...
Assim, Deus pesa a mão... Não tem outro jeito... É verdade que Ele poderia
apenas dizer “haja vaso”, e um vaso surgia do nada... Mas Deus não deixa um
trabalho deste tipo sem impressões digitais. Sua marca pessoal... Logo, esqueça
a pressa... Barro trabalhado as carreiras não resulta em objetos bem
esculpidos. Por muito tempo o oleiro observa sua matéria prima antes de
“literalmente” por a mão da massa. O silêncio contemplativo não é
inoperância... O Senhor tem predileção por trabalhar na quietude... Assim, não
existe interferência externa... O planejamento é seguido com esmero e o barro
marombado sem atropelos... Chegará o dia em trabalharemos para Deus enquanto
Deus trabalha por nós... Não é agora... Neste estágio, Deus está trabalhando em
nós enquanto somos trabalhados por Ele... A redundância intrínseca não agrada,
mas funciona... Na hora certa, chegaremos ao próximo nível...
Na mesa de modelagem, consistência é pré-requisito.
O toque é mais sutil, ainda que o trauma continue intenso. Ali, o barro toma
forma. Não o que deseja ser, e sim o designer pensado pelo oleiro. E enquanto é
moldado, o barro precisa ter umidade na medida certa. Seco demais, torna-se quebradiço,
impossibilitando a escultura... Molhado demais, acaba pastoso, inconsistente e impassível
de modelagem. Em ambos os casos, inevitavelmente, o vaso se desfará na mão do
oleiro...
Por isto Deus é rigoroso no controle da umidade. O
Senhor jamais permitirá que nossos olhos se sequem por completo. Lágrimas
umidificam o barro. Chorar me deixa maleável, suscetível ao toque daquele que
desenhou minha vida. E nada de birras, manhas ou mi-mi-mi... Choradeira sobejada
só prejudica o trabalhar de Deus.... Lágrimas produtivas nascem na sinceridade,
do reconhecimento das próprias misérias e limitações... E sempre que algum
excesso é identificado pelo oleiro, o processo de modelagem entra em stand-by,
e voltamos para a maromba. E lá vamos nós, aprender moderação com a dor e o
sofrimento.
Gosto muito do texto de Filipenses 1:6 – “ Aquele
que começou a boa obra, a aperfeiçoará até o dia do Senhor Jesus”. Esta
afirmação sempre me faz lembrar das promessas que ainda não se cumpriram, mas
certamente estão a caminho... Porém, preciso ter consciência que a mesma persistência
divina se aplica na modelagem do vaso... Deus não para no meio do processo e
abandona sua obra. Ele repetirá as etapas quantas vezes forem necessárias, até
que a casa esteja edificada e o vaso disponível para uso... De novo, de novo e
outra vez... Sovando o barro... Esculpindo a argila... Queimando o vaso no fogo
para lhe dar resistência...
E mesmo quando um vaso pronto (e hospedeiro de
tesouros inefáveis) apresenta trincas ou rachaduras, não há intenção de
descarte. Deus jamais abandona projetos. Um trabalho concluído ainda é obra
inacabada, sempre necessitando de melhorias. Enquanto houver imperfeição, existe trabalho a
se fazer. Somos mortais, corruptíveis e falhos... Deus vem, faz morada e inunda
de paz a casa... E mesmo assim, expelimos sua presença por entre as frestas da
parede. A glória se esvaindo lentamente, mesmo querendo ficar.... Assim, o
oleiro terá muito trabalho pela frente...É mais difícil modelar a partir de
objetos solidificados, estabelecidos e seguros de si. Pouco importa... Quem
disse que Deus gosta de facilidades ou se apressa para obter resultados insatisfatórios?
E lá vai Ele... Por amor (e com amor) o oleiro
quebra o vaso rachado até que sobrem apenas cacos... Os pedaços são triturados
até restar somente pó... E enquanto as lágrimas umidificam a terra, Deus vai
marombando lentamente o barro, visualizando o vaso, caixa forte de tesouros...
Um começo após cada final... História que jamais seria protagonizada por um
punhado de barro esquecido, mas que Deus fez questão de presentear-me o papel principal...
Que eu seja moldado a imagem do oleiro, até que em mim não reste qualquer outra
marca que não seja as impressões digitais do meu Deus!
Um vaso de barro não briga com quem o fez. O barro
não pergunta ao oleiro: “O que é que você está fazendo?”, nem diz: “Você não
sabe trabalhar.” E um filho não se atreve a dizer aos seus pais: “Por que vocês
fizeram com que eu viesse ao mundo?” O Senhor, o Santo Deus de Israel, o seu
Criador, diz: Por acaso, vocês vão exigir que eu explique como cuido dos meus
filhos? Vocês querem me ensinar a fazer as coisas? (Isaías 45:9-11)
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