Arquivo do blog

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O Mérito do Vazio

O melhor vaso para se encher é o vaso vazio.
(Paulo Sérgio Krajewski)



Terra, água, compostos orgânicos, alguns minérios e nada mais... Não existe muita nobreza em quem sou... Apenas um vaso de barro como outros bilhares em exposição nas prateleiras do mundo... Ausência total de meritocracia. E mesmo assim, olhem no que me tornei... Receptáculo de uma glória que excede o entendimento humano. Sou depósito de uma riqueza inestimável que nem mesmo a junção das maiores fortunas existentes no planeta poderia avalizar. E tudo o que fiz, foi aceitar de bom grado tamanho investimento. Minha pequinês atraiu a grandeza de Deus.

O Todo Poderoso habita numa esfera de glórias indescritíveis. Ele é o dono do ouro e da prata. Nos céus, elementos que consideremos símbolos de status e poderio, não passam de calçamentos e rodapés de muros. Deus nunca se mostrou interessado naquilo que possuo, pois todos os meus bens são efêmeros e irrisórios. Absolutamente nada, diante daquele que tudo tem. O Senhor está mais interessado em minhas carências. O que não tenho chama a atenção de Deus. Desde sempre, o Espírito Santo paira sobre a terra, procurando espaços vazios. A ausência atrai a presença. O Senhor não invade territórios ocupados. Ele não esvazia recipientes para enche-los de forma arbitrária. É a carência assumida que estende o tapete de boas-vindas para a provisão.

Temos falhado exatamente no esvaziamento. Estamos sempre cheios de qualquer coisa, enquanto a essência de Deus é mantida do lado de fora. E o erro tende a se agravar, quanto revestimos o barro em papel celofane dourado. Ostentamos uma falsa realeza, esquecendo-se que somente os pobres de espírito herdarão os céus.

Em sua segunda carta enviada a igreja em Corinto, o apóstolo Paulo ensinou que Deus escolheu depositar seu mais precioso tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder pertença somente a Ele, e não aos homens (II Coríntios 4:7). Pela imensa graça do Pai das Luzes, eu que não passo de água e pó, me tornei peça valiosa, cobiçada por demônios e protegida pelos anjos, sem que nenhum mérito pessoal fosse detectado em mim... Apenas aceitei o cheque assinado e o Senhor fez todo o investimento. A única qualidade que tinha para oferecer, era exatamente estar vazio...

Deus não procura vasos de ouro ou cravejados de diamante. Onde a glória humana busca ser exaltada, a glória divina jamais se manifestará. O Senhor também não se interessa em vasos de grifes oriundos de dinastias longínquas. O nome do “Eterno” jamais será secundário em qualquer lista, por mais VIP que seja. Exatamente por isto, Deus tem preferência por vasos ordinários, fabricados com argila ribeirinha e queimados nas fornalhas da existência. Na verdade, mais que ocupar o vaso que se mantém vazio de efemeridades, o Senhor é quem o fabrica. Quando o processo já está completo e me olho no espelho, posso visualizar a glória de Deus transbordando em mim... E isto é maravilhoso... Nada diz sobre meus talentos e tudo revela sobre a misericórdia do Senhor... Tenho dois grandiosos motivos para me orgulhar do vaso em que me tornei... 

1-) Estar vazio aguardando ser cheio.
2-) As marcas que ganhei na olaria.

Lá estava eu, argila bruta esquecida nas margens de um rio qualquer. Depósito de resíduos. Cafofo de parasitas. Dormitório de sanguessugas. E não é que Deus me encontrou? E fez mais que isso.... Desceu até o lamaçal por mim... Nunca fui a matéria prima mais adequada e o primor jamais foi meu forte... Exatamente por isso, Ele me escolheu... Nunca houve busca por perfeição. A característica que atraiu o escultor foi minha maleabilidade. Eu poderia ser trabalhado. Moldado. Transformado... E Deus ama estas possibilidades. Criar do nada... Fazer arte usando lodo e esgoto. Construir tabernáculos imperfeitos para depois habitá-los com a glória perfeita... Que sorte tenho eu! Existem tantas imperfeições na minha existência, que tornei-me um desafio para o Senhor... E Ele não resistiu... Teve que descer dos céus, chafurdar-se na lama e tomar-me para si... Justamente “eu”...  Barro sem valor.... Imperceptível nas margens do universo...

Deus, o arquiteto das galáxias, cujo projeto mais ambicioso sempre foi construir lugares onde pudesse habitar... Os céus já não eram o bastante e Ele escolheu morar entre os homens... Em casa de barro. Alvenaria sem valor sendo preparada para hospedar a nobreza suprema... Eu sou o barro... O vaso... A casa... Ele foi quem me construiu... Modelou... Na verdade, ainda esculpe, modela e reforma... Todo dia... A cada hora...

O processo é bem artesanal. O barro recolhido nas encostas do mundo é levado para o ateliê do oleiro, sendo depositado sobre a maromba. Não sem antes ser limpo e refinado.... Ter as impurezas removidas até só restar terra e umidade. É pouco... É preciso dar textura para a massa ainda informe... Então, Deus amassa... Sova... Empurra... Puxa... Espreme... É exatamente este processo repetitivo castigando o barro que lhe confere liga e flexibilidade. Não é possível ser moldado antes de ganhar consistência... Assim, Deus pesa a mão... Não tem outro jeito... É verdade que Ele poderia apenas dizer “haja vaso”, e um vaso surgia do nada... Mas Deus não deixa um trabalho deste tipo sem impressões digitais. Sua marca pessoal... Logo, esqueça a pressa... Barro trabalhado as carreiras não resulta em objetos bem esculpidos. Por muito tempo o oleiro observa sua matéria prima antes de “literalmente” por a mão da massa. O silêncio contemplativo não é inoperância... O Senhor tem predileção por trabalhar na quietude... Assim, não existe interferência externa... O planejamento é seguido com esmero e o barro marombado sem atropelos... Chegará o dia em trabalharemos para Deus enquanto Deus trabalha por nós... Não é agora... Neste estágio, Deus está trabalhando em nós enquanto somos trabalhados por Ele... A redundância intrínseca não agrada, mas funciona... Na hora certa, chegaremos ao próximo nível...

Na mesa de modelagem, consistência é pré-requisito. O toque é mais sutil, ainda que o trauma continue intenso. Ali, o barro toma forma. Não o que deseja ser, e sim o designer pensado pelo oleiro. E enquanto é moldado, o barro precisa ter umidade na medida certa. Seco demais, torna-se quebradiço, impossibilitando a escultura... Molhado demais, acaba pastoso, inconsistente e impassível de modelagem. Em ambos os casos, inevitavelmente, o vaso se desfará na mão do oleiro...

Por isto Deus é rigoroso no controle da umidade. O Senhor jamais permitirá que nossos olhos se sequem por completo. Lágrimas umidificam o barro. Chorar me deixa maleável, suscetível ao toque daquele que desenhou minha vida. E nada de birras, manhas ou mi-mi-mi... Choradeira sobejada só prejudica o trabalhar de Deus.... Lágrimas produtivas nascem na sinceridade, do reconhecimento das próprias misérias e limitações... E sempre que algum excesso é identificado pelo oleiro, o processo de modelagem entra em stand-by, e voltamos para a maromba. E lá vamos nós, aprender moderação com a dor e o sofrimento.

Gosto muito do texto de Filipenses 1:6 – “ Aquele que começou a boa obra, a aperfeiçoará até o dia do Senhor Jesus”. Esta afirmação sempre me faz lembrar das promessas que ainda não se cumpriram, mas certamente estão a caminho... Porém, preciso ter consciência que a mesma persistência divina se aplica na modelagem do vaso... Deus não para no meio do processo e abandona sua obra. Ele repetirá as etapas quantas vezes forem necessárias, até que a casa esteja edificada e o vaso disponível para uso... De novo, de novo e outra vez... Sovando o barro... Esculpindo a argila... Queimando o vaso no fogo para lhe dar resistência...

E mesmo quando um vaso pronto (e hospedeiro de tesouros inefáveis) apresenta trincas ou rachaduras, não há intenção de descarte. Deus jamais abandona projetos. Um trabalho concluído ainda é obra inacabada, sempre necessitando de melhorias. Enquanto houver imperfeição, existe trabalho a se fazer. Somos mortais, corruptíveis e falhos... Deus vem, faz morada e inunda de paz a casa... E mesmo assim, expelimos sua presença por entre as frestas da parede. A glória se esvaindo lentamente, mesmo querendo ficar.... Assim, o oleiro terá muito trabalho pela frente...É mais difícil modelar a partir de objetos solidificados, estabelecidos e seguros de si. Pouco importa... Quem disse que Deus gosta de facilidades ou se apressa para obter resultados insatisfatórios?

E lá vai Ele... Por amor (e com amor) o oleiro quebra o vaso rachado até que sobrem apenas cacos... Os pedaços são triturados até restar somente pó... E enquanto as lágrimas umidificam a terra, Deus vai marombando lentamente o barro, visualizando o vaso, caixa forte de tesouros... Um começo após cada final... História que jamais seria protagonizada por um punhado de barro esquecido, mas que Deus fez questão de presentear-me o papel principal... Que eu seja moldado a imagem do oleiro, até que em mim não reste qualquer outra marca que não seja as impressões digitais do meu Deus!


Um vaso de barro não briga com quem o fez. O barro não pergunta ao oleiro: “O que é que você está fazendo?”, nem diz: “Você não sabe trabalhar.” E um filho não se atreve a dizer aos seus pais: “Por que vocês fizeram com que eu viesse ao mundo?” O Senhor, o Santo Deus de Israel, o seu Criador, diz: Por acaso, vocês vão exigir que eu explique como cuido dos meus filhos? Vocês querem me ensinar a fazer as coisas? (Isaías 45:9-11)

Nenhum comentário:

Postar um comentário