A beleza
é o acordo entre o conteúdo e a forma
(Henrik
Kipling)
Começo este texto com uma pergunta retórica formulada por Willian Shakespeare: - Ó beleza! Onde está a tua verdade? É difícil encontrar uma resposta definitiva para tão inquietante indagação, considerando que “gostos” são essencialmente particulares e a "moda" obrigatoriamente se revela passageira, mas, encontro um excelente indicativo na ponderação de David Hume, que resume perfeitamente toda a mensagem que transmitirei aqui: “A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla”. De antemão, peço desculpas por qualquer liberdade intimista tomada sem consentimento prévio, porém não posso me abster de uma abordagem muito pessoal nos próximos parágrafos. Se partilhar emoções e traumas alheios não for um problema para você, então, sente-se junto ao divã, e destranquemos a Caixa de Pandora.
Dias atrás, meu filho Nicolas me deixou bem preocupado, e um tanto
chateado. E não foi por nenhuma das inúmeras peraltices, tão comuns em sua
faixa etária. Longe disto... Por algum destes motivos que nunca são simples de
entender, ele parou em frente ao espelho, e analisando o reflexo projetado,
baixou os olhos em profunda decepção e melancolicamente externou uma errônea
constatação: -
Como eu sou feio! Eu sou muito feio! Confesso que ainda estou tentando
descobrir quais foram as vozes que sussurraram estas palavras maldosas, mas
tenho certeza absoluta que mentiram descaradamente. Há incoerências gritantes
nesta temerária análise, mesmo que o observador ainda não possa identificá-las.
O primeiro ponto de fragilidade deste argumento está no fato
pragmático que a leitura feita pelo Nicolas sobre sua aparência não condiz em
nada com a realidade. Meu filhotinho é absolutamente lindo. Cada
particularidade de seu rostinho faz dele único e especial. A pintinha próxima
ao olho direito... A cicatriz de catapora entre a bochecha rosada e o nariz de
batatinha... Os lábios carnudos e salientes herdados da mamãe... Os dentinhos
ainda se acomodando nos espaços vagos da gengiva... Simples assim... Cada
nuance da sua personalidade e os traços marcantes da fisionomia lhe asseguram
status de “exclusividade”, peça única esculpida a mão, onde até mesmo as
aparentes falhas são detalhes inseridos propositalmente pelo artista, que nunca
termina uma obra sem deixar no rodapé a assinatura característica. O que
chamados de “defeito”, “anormalidade” ou “aberração”, Deus considera poesia.
Acorde... Música... Soneto... A mais pura manifestação de arte...
Segundo ponto. O Nicolas é uma extensão de mim. Doei metade dos
genes. Por vezes, temos movimentos sincronizados e comportamentos idênticos,
incluindo (e
não se limitando) a mesma "teimosia teimosa" e o excesso de
argumentos para explicar questões simplistas. Mesmo que ele tenha sido
agraciado com muitos traços homogêneos e delicados da mamãe, me vejo claramente
refletido em meu filho. Logo, se o Nicolas enxerga-se feio, feio também devo me
sentir. Mas, com a graça de Deus, já passei desta fase! A beleza está além dos
parâmetros estabelecidos pela sociedade, que se especializou em inverter
valores. A beleza verdadeira e duradoura reside na essência, nunca na
aparência. O conteúdo tem que secundarizar a capa, jamais o contrário. Belo por
aquilo que sou, e não pelo que acham ou dizem de mim. Se a fachada não tem
designer arrojado, que o interior seja arejado, confortável e convidativo.
Estar bem. Sentir-se bem. Enxergar-se bonito, independente do julgamento feito pela
plateia mundana. Entender que o toque especial do Criador não se limita a olhos
azuis e covinha no queixo, revelando-se em cada pequena imperfeição exclusiva,
propositalmente deixada na composição da obra completa e perfeita.
É a beleza dos detalhes únicos e preciosos que torna cada
indivíduo incomparável e belo. Confesso, porém, que por muito tempo tive
dificuldades em aceitar estes “detalhes” especiais que Deus conferiu a mim.
Sempre fui o patinho feio da turma com meu nariz dessimétrico “embicado” para a
esquerda, e o lábio superior repuxado por uma cicatriz grosseira... E o que
dizer da minha arcada dentária fora de lugar, fazendo que caninos nascessem
quase no céu da boca, molares ocupassem posição central e no espaço deixado
livre, nada mais que um vazio constrangedor? Pois é... Nunca gostei de
espelhos, filmagens ou fotografias... Não encontrava motivações para perpetuar
momentos vergonhosos. Sempre me senti anormal, grotesco e repulsivo,
sentando-me sozinho á mesa, por receio de estragar a refeição alheia pela forma
como mastigava os alimentos. O último na fila de interesses das garotas... E
elas, tinha toda razão... Estive feio muito tempo, mesmo sendo essencialmente
belo. Hoje entendo que não preciso de “opiniões” condicionadas me dizendo o quanto
sou lindo. A Bíblia me assegura esta condição. E nem preciso de estudos
teológicos aprofundados para encontrar a verdade. Basta pegar o livro, passar
pela contracapa e ler alguns versos do primeiro capítulo... Vinte e seis
versículos, sendo mais preciso.
Permita-me, por favor, transcrever os acontecimentos narrados no
Gêneses da forma que os interpreto...
Após criar os céus e a terra, estabelecer limites para o mar e
pintar de verde as florestas, Deus decidiu criar um ser que fosse superior aos
animais que corriam nas campinas, aos pássaros que revoavam nos céus e aos
peixes que nadavam nos rios. Alguém que pudesse dominar sobre toda criação.
Deu-se, então, início ao projeto “HOMEM”. Ele seria feito de barro e receberia
sopro de vida pela boca do próprio Elohim. Composto de corpo, alma e espírito,
governaria sobre as feras do campo e cultivaria o suntuoso jardim. Um adorador
por excelência, munido de sabedoria, consciência e livre arbítrio. Mas, como
ele seria? Que aparência teria? Então, Deus (o Pai), olhou para seu filho
unigênito e propôs algo inusitado: - Que tal fazê-lo
parecido com a gente? Nossa imagem e semelhança?
Guarde este conceito. Imagem e semelhança do Deus que é Pai do
Cristo, com quem é um só. O homem foi criado como um protótipo físico do
Messias pré-encarnado (isto é ser "imagem"), recebendo em seu âmago
uma centelha reluzente soprada pelo próprio Criador. Um espírito que vem de
Deus, testifica com Deus e voltará para Deus, nos fazendo assim íntimos
de Deus na origem e na essência (isto é semelhança).
Quando o Nicolas sentiu-se feio diante do espelho, meu coração
apertou. Ele é minha imagem e semelhança, e para mim, perfeito em cada detalhe.
Uma extensão da minha existência. A continuidade da minha história. Pode
existir no meu universo particular uma beleza mais sublime? Foi exatamente por
isso que deixei minhas neuroses escoarem pelo ralo durante um banho no chuveiro
da graça. Deus também espelhou-me sua própria imagem, projetando cada detalhe
do meu rosto, todas as células do meu corpo, a totalidade dos fios de cabelo
que tenho na cabeça. Tudo precisamente calculado. Nem um desvio do projeto
original. O nariz não é bem delineado? Não era mesmo para ser... Ganho peso com
facilidade? Ok! Borá engordar... Os olhos são castanhos opacos sem destaque na
multidão? Que bom! Não foram projetados para serem verdes... Louve a sabedoria
do Criador, negando a tornar-se parecido com outras pessoas, pois foi Deus que
nos fez diferentes... E todos, igualmente, lindos!
Tempos atrás, estava ministrando louvor no templo, quando
começamos a entoar a canção “Lindo És”.
Deus me visitou naquela hora. Em espírito me transportei aos céus, e num
rompante de ousadia, me atrevi a vislumbrar a face do meu Cristo... “Lindo, lindo, lindo
és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... E mesmo tendo uma
imaginação limitada, humana e natural, tive relances de uma beleza que não
tenho palavras para descrever... “Lindo, lindo, lindo
és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Comecei a chorar
emocionado, sentindo-me maravilhado por estar na presença de alguém tão belo... “Lindo, lindo, lindo
és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Nada neste mundo
ofusca a beleza desta glória! João viu o Cristo e caiu com o rosto em terra,
trêmulo de assombro e admiração... “Lindo, lindo, lindo
és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Estevão contemplou
o Filho de Deus enquanto era apedrejado, e o torpor desta visão o fez ignorar a
dor e a morte... “Lindo, lindo, lindo
és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Paulo olhou nos
olhos de Messias e se calou. Não tinha palavras para descrever tamanha
fascinação. Apenas redigiu uma nota simples... "Ele está além do sonhamos,
pensamos e acreditamos"... “Lindo, lindo, lindo
és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Os discípulos
privilegiados que testemunharam a transfiguração no Monte das Oliveiras
desejaram ficar para sempre ali, em contemplação. Uma casa para o glorioso
Senhor, e outra para os profetas. Para eles, apenas o relento. Valia mais
aquele único momento, que toda uma vida em outro lugar ... “Lindo, lindo, lindo
és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”....
Enquanto eu me embebecia com a beleza de Cristo, o texto de
Gêneses 1:26 foi abruptamente trazido a memória. Este mesmo Jesus, lindo, lindo
e cheio de glória, estava presente quando Deus pegou papel e nanquim para fazer
o primeiro esboço do projeto “MIQUÉIAS”. E antes do pincel tocar a tela, o Criador
olhou para seu filho, admirado com tamanha beleza e sacramentou: - Vou fazê-lo
parecido com você.... Nossa imagem e semelhança! E se tenho tanta
certeza que Deus é lindo, assim com lindo Cristo é, que lógica existe em
olhar-me no espelho e enxergar nada mais que o “feio”? Não sou imagem e
semelhança daquele que é a essência de toda beleza? Não sou um filho refletindo
a glória do meu Pai?
Quando digo que o Nicolas é lindo, não estou sob efeitos da
“síndrome de coruja”. Longe disto... Apenas constato a verdade, mesmo que o
mundo grite mentiras. Ele espelha quem eu sou, e eu espelho quem Deus é. Ambos,
pai e filho, criados a imagem e semelhança do Senhor, absolutamente perfeito em
tudo que criou. Quando Deus criou a luz, avaliou se o trabalho estava bom. O
mesmo procedimento se repetiu em cada estágio da criação. Acha mesmo que Elohim
afrouxaria o controle de qualidade justo na minha vez? Sem chances! Minhas
imperfeições ressaltam a perfeição divina trabalhando em mim... Nenhum motivo
de vergonha... Apenas propósito, testemunho e honra...
E no retrato da família, Cristo é de fato, o centro de toda
atenção. Não dá para competir com a beleza Dele. E nem é preciso, pois estamos
deveras satisfeitos com a fotografia. Afinal de contas, eu e o Nicolas também estamos
muito bem na foto. Assim como todo o restante da casa... Lindos...
Lindos... Lindos... Para que toda glória pertença ao Criador... O artista, o
molde e o conteúdo!
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