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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Retrato de Família


A beleza é o acordo entre o conteúdo e a forma
(Henrik Kipling)


Começo este texto com uma pergunta retórica formulada por Willian Shakespeare: - Ó beleza! Onde está a tua verdade? É difícil encontrar uma resposta definitiva para tão inquietante indagação, considerando que “gostos” são essencialmente particulares e a "moda" obrigatoriamente se revela passageira, mas, encontro um excelente indicativo na ponderação de David Hume, que resume perfeitamente toda a mensagem que transmitirei aqui: “A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla”. De antemão, peço desculpas por qualquer liberdade intimista tomada sem consentimento prévio, porém não posso me abster de uma abordagem muito pessoal nos próximos parágrafos. Se partilhar emoções e traumas alheios não for um problema para você, então, sente-se junto ao divã, e destranquemos a Caixa de Pandora.

Dias atrás, meu filho Nicolas me deixou bem preocupado, e um tanto chateado. E não foi por nenhuma das inúmeras peraltices, tão comuns em sua faixa etária. Longe disto... Por algum destes motivos que nunca são simples de entender, ele parou em frente ao espelho, e analisando o reflexo projetado, baixou os olhos em profunda decepção e melancolicamente externou uma errônea constatação: - Como eu sou feio! Eu sou muito feio! Confesso que ainda estou tentando descobrir quais foram as vozes que sussurraram estas palavras maldosas, mas tenho certeza absoluta que mentiram descaradamente. Há incoerências gritantes nesta temerária análise, mesmo que o observador ainda não possa identificá-las.

O primeiro ponto de fragilidade deste argumento está no fato pragmático que a leitura feita pelo Nicolas sobre sua aparência não condiz em nada com a realidade. Meu filhotinho é absolutamente lindo. Cada particularidade de seu rostinho faz dele único e especial. A pintinha próxima ao olho direito... A cicatriz de catapora entre a bochecha rosada e o nariz de batatinha... Os lábios carnudos e salientes herdados da mamãe... Os dentinhos ainda se acomodando nos espaços vagos da gengiva... Simples assim... Cada nuance da sua personalidade e os traços marcantes da fisionomia lhe asseguram status de “exclusividade”, peça única esculpida a mão, onde até mesmo as aparentes falhas são detalhes inseridos propositalmente pelo artista, que nunca termina uma obra sem deixar no rodapé a assinatura característica. O que chamados de “defeito”, “anormalidade” ou “aberração”, Deus considera poesia. Acorde... Música... Soneto... A mais pura manifestação de arte...

Segundo ponto. O Nicolas é uma extensão de mim. Doei metade dos genes. Por vezes, temos movimentos sincronizados e comportamentos idênticos, incluindo (e não se limitando) a mesma "teimosia teimosa" e o excesso de argumentos para explicar questões simplistas. Mesmo que ele tenha sido agraciado com muitos traços homogêneos e delicados da mamãe, me vejo claramente refletido em meu filho. Logo, se o Nicolas enxerga-se feio, feio também devo me sentir. Mas, com a graça de Deus, já passei desta fase! A beleza está além dos parâmetros estabelecidos pela sociedade, que se especializou em inverter valores. A beleza verdadeira e duradoura reside na essência, nunca na aparência. O conteúdo tem que secundarizar a capa, jamais o contrário. Belo por aquilo que sou, e não pelo que acham ou dizem de mim. Se a fachada não tem designer arrojado, que o interior seja arejado, confortável e convidativo. Estar bem. Sentir-se bem. Enxergar-se bonito, independente do julgamento feito pela plateia mundana. Entender que o toque especial do Criador não se limita a olhos azuis e covinha no queixo, revelando-se em cada pequena imperfeição exclusiva, propositalmente deixada na composição da obra completa e perfeita. 

É a beleza dos detalhes únicos e preciosos que torna cada indivíduo incomparável e belo. Confesso, porém, que por muito tempo tive dificuldades em aceitar estes “detalhes” especiais que Deus conferiu a mim. Sempre fui o patinho feio da turma com meu nariz dessimétrico “embicado” para a esquerda, e o lábio superior repuxado por uma cicatriz grosseira... E o que dizer da minha arcada dentária fora de lugar, fazendo que caninos nascessem quase no céu da boca, molares ocupassem posição central e no espaço deixado livre, nada mais que um vazio constrangedor? Pois é... Nunca gostei de espelhos, filmagens ou fotografias... Não encontrava motivações para perpetuar momentos vergonhosos. Sempre me senti anormal, grotesco e repulsivo, sentando-me sozinho á mesa, por receio de estragar a refeição alheia pela forma como mastigava os alimentos. O último na fila de interesses das garotas... E elas, tinha toda razão... Estive feio muito tempo, mesmo sendo essencialmente belo. Hoje entendo que não preciso de “opiniões” condicionadas me dizendo o quanto sou lindo. A Bíblia me assegura esta condição. E nem preciso de estudos teológicos aprofundados para encontrar a verdade. Basta pegar o livro, passar pela contracapa e ler alguns versos do primeiro capítulo... Vinte e seis versículos, sendo mais preciso.

Permita-me, por favor, transcrever os acontecimentos narrados no Gêneses da forma que os interpreto...

Após criar os céus e a terra, estabelecer limites para o mar e pintar de verde as florestas, Deus decidiu criar um ser que fosse superior aos animais que corriam nas campinas, aos pássaros que revoavam nos céus e aos peixes que nadavam nos rios. Alguém que pudesse dominar sobre toda criação. Deu-se, então, início ao projeto “HOMEM”. Ele seria feito de barro e receberia sopro de vida pela boca do próprio Elohim. Composto de corpo, alma e espírito, governaria sobre as feras do campo e cultivaria o suntuoso jardim. Um adorador por excelência, munido de sabedoria, consciência e livre arbítrio. Mas, como ele seria? Que aparência teria? Então, Deus (o Pai), olhou para seu filho unigênito e propôs algo inusitado: - Que tal fazê-lo parecido com a gente? Nossa imagem e semelhança?

Guarde este conceito. Imagem e semelhança do Deus que é Pai do Cristo, com quem é um só. O homem foi criado como um protótipo físico do Messias pré-encarnado (isto é ser "imagem"), recebendo em seu âmago uma centelha reluzente soprada pelo próprio Criador. Um espírito que vem de Deus, testifica com Deus e voltará para Deus, nos fazendo assim  íntimos de Deus na origem e na essência (isto é semelhança).

Quando o Nicolas sentiu-se feio diante do espelho, meu coração apertou. Ele é minha imagem e semelhança, e para mim, perfeito em cada detalhe. Uma extensão da minha existência. A continuidade da minha história. Pode existir no meu universo particular uma beleza mais sublime? Foi exatamente por isso que deixei minhas neuroses escoarem pelo ralo durante um banho no chuveiro da graça. Deus também espelhou-me sua própria imagem, projetando cada detalhe do meu rosto, todas as células do meu corpo, a totalidade dos fios de cabelo que tenho na cabeça. Tudo precisamente calculado. Nem um desvio do projeto original. O nariz não é bem delineado? Não era mesmo para ser... Ganho peso com facilidade? Ok! Borá engordar... Os olhos são castanhos opacos sem destaque na multidão? Que bom! Não foram projetados para serem verdes... Louve a sabedoria do Criador, negando a tornar-se parecido com outras pessoas, pois foi Deus que nos fez diferentes... E todos, igualmente, lindos!

Tempos atrás, estava ministrando louvor no templo, quando começamos a entoar a canção “Lindo És”. Deus me visitou naquela hora. Em espírito me transportei aos céus, e num rompante de ousadia, me atrevi a vislumbrar a face do meu Cristo... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... E mesmo tendo uma imaginação limitada, humana e natural, tive relances de uma beleza que não tenho palavras para descrever... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Comecei a chorar emocionado, sentindo-me maravilhado por estar na presença de alguém tão belo... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Nada neste mundo ofusca a beleza desta glória! João viu o Cristo e caiu com o rosto em terra, trêmulo de assombro e admiração... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Estevão contemplou o Filho de Deus enquanto era apedrejado, e o torpor desta visão o fez ignorar a dor e a morte... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Paulo olhou nos olhos de Messias e se calou. Não tinha palavras para descrever tamanha fascinação. Apenas redigiu uma nota simples... "Ele está além do sonhamos, pensamos e acreditamos"... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Os discípulos privilegiados que testemunharam a transfiguração no Monte das Oliveiras desejaram ficar para sempre ali, em contemplação. Uma casa para o glorioso Senhor, e outra para os profetas. Para eles, apenas o relento. Valia mais aquele único momento, que toda uma vida em outro lugar ... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”....

Enquanto eu me embebecia com a beleza de Cristo, o texto de Gêneses 1:26 foi abruptamente trazido a memória. Este mesmo Jesus, lindo, lindo e cheio de glória, estava presente quando Deus pegou papel e nanquim para fazer o primeiro esboço do projeto “MIQUÉIAS”. E antes do pincel tocar a tela, o Criador olhou para seu filho, admirado com tamanha beleza e sacramentou: - Vou fazê-lo parecido com você.... Nossa imagem e semelhança! E se tenho tanta certeza que Deus é lindo, assim com lindo Cristo é, que lógica existe em olhar-me no espelho e enxergar nada mais que o “feio”? Não sou imagem e semelhança daquele que é a essência de toda beleza? Não sou um filho refletindo a glória do meu Pai?

Quando digo que o Nicolas é lindo, não estou sob efeitos da “síndrome de coruja”. Longe disto... Apenas constato a verdade, mesmo que o mundo grite mentiras. Ele espelha quem eu sou, e eu espelho quem Deus é. Ambos, pai e filho, criados a imagem e semelhança do Senhor, absolutamente perfeito em tudo que criou. Quando Deus criou a luz, avaliou se o trabalho estava bom. O mesmo procedimento se repetiu em cada estágio da criação. Acha mesmo que Elohim afrouxaria o controle de qualidade justo na minha vez? Sem chances! Minhas imperfeições ressaltam a perfeição divina trabalhando em mim... Nenhum motivo de vergonha... Apenas propósito, testemunho e honra...


E no retrato da família, Cristo é de fato, o centro de toda atenção. Não dá para competir com a beleza Dele. E nem é preciso, pois estamos deveras satisfeitos com a fotografia. Afinal de contas, eu e o Nicolas também estamos muito bem na foto. Assim como todo o restante da casa...  Lindos... Lindos... Lindos... Para que toda glória pertença ao Criador... O artista, o molde e o conteúdo! 

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