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quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O maior entre todos os pecadores


Toda vez que penso no cristão que deveria ser,
sinto vergonha deste que sou.
(Charles Spurgeon)

Existe algo ainda mais difícil que compreender o amor de Deus...  Aceitá-lo! Não falo da aceitação sobre a “minha vida”, pois sempre estou disposto a ser abraçado pelo Senhor, clamando por misericórdia toda vez que o pecado me puxa ladeira abaixo ancorado num carro desgovernado e sem freios. Se o perdão é destinado à mim, será recebido sem contestações ou questionamentos. Não existe cotas ou limites para a quantidade de vezes que posso recorrer ao amor divino, encontrando nova chance de recomeço. Estou tranquilo quanto a minha relação com o Pai... Até agora tudo tem funcionado muito bem... Eu estou sempre pecando e Deus continua infalível, perdoando-me todas as vezes.

Até aí, perfeitamente compreensível. É que eu sou passível de perdão... Tenho lá meus momentos negros, mas na maior parte do tempo, o “Miquéinhas” aqui é gente boa. Boníssima, aliás... Daquele tipo que não faz mal nem a uma mosca... Modéstia à parte, o Senhor deve até mesmo sentir-se honrado em perdoar-me... Meus pecados nunca são imperdoáveis, e as boas ações que prático, deixam um saldo tão positivo, que compensam com sobras as pequenas falhas por mim cometidas... Esta relação amorosa entre “eu e Deus”, compreendo perfeitamente e aceito de bom grado. Meu problema é com o fato Dele perdoar quem “não é” digno de perdão. Pessoas más e inconsequentes, que propositalmente abraçaram a iniquidade, e que apenas na hora do aperto, quando a luz de emergência acende no corredor do Boeing, recorrem ao Senhor pedindo perdão, e infelizmente acabam perdoadas. Sendo bem sincero, nestas horas, sinto-me profundamente decepcionado com Deus e indignado com essa mania que Ele tem de amar criaturas odiosas... Chega a embrulhar meu estômago...

Se você passou pelo parágrafo acima e não desistiu da leitura, é possível que pense como eu. Talvez, com um pouco menos de sarcasmo e extremismo, até mesmo poderia ter escrito as últimas frases. Vamos lá... Seja sincero... Deixe os pensamentos escondidos por anos, finalmente verem a luz do dia... O amor que Deus demostra para com “certas pessoas” também te deixa desconfortável, né? Relaxa... Você não é um monstro por causa disto... É apenas “humano”, norteado por um senso de justiça pessoal embasado em conceitos e desejos individualistas. Não se angustie com isso... Todos nós temos imensa dificuldades para compreender a extensão do amor divino, pois ainda estamos revestidos de corruptibilidade, habitando numa esfera “naturalmente artificial”, cercado por sentimentos interesseiros, relacionamentos descartáveis e amores efêmeros. Deus, por outro lado é eterno, incorruptível e incondicional. Ele “não” ama nossos melhores momentos... Simplesmente “nos” ama... Ama o pecador, mesmo aborrecendo o pecado... Ama as pessoas, sem se importar com nomes, raças ou gêneros... Acima de tudo... Abrangendo a todos...  Ao ponto de doar-se por elas, entregando parte de si (a melhor parte) para absolvê-las de crimes sabidamente cometidos. Não dá para assimilar tamanho altruísmo... Deus entregou seu filho à morte, e Cristo aceitou à cruz por amor ao mundo, para que “todo” aquele que nele crê seja salvo... Tipo assim, vagas ilimitadas... Sem critérios prévios. Não existe processo seletivo... A única exigência é crer... Não há prazo estimado e nem contribuição mínima. No final do dia, quem lavorou o dia inteiro recebe o mesmo salário dos contratados na última hora. Parece justo? Não. É justo? Absolutamente... O dono do amor é Deus... Ele escolhe como reparti-lo... Quem perdoa com plenitude é Deus... Ele decide quem receberá o perdão... Quem crê, será salvo. A salvação vem de Deus... Ele salva, eu não... Que méritos posso ter para definir quem é digno ou deixa de ser?

Mesmo assim, o amor de Deus me deixa inquieto. Imagine que minutos antes da morte, Adolf Hitler tenha tido um rompante de fé, aceitando à Cristo de todo coração, crendo piamente no Filho de Deus como único e suficiente salvador. Sabe o que aconteceria? Simples... O amor de Deus invadiria sua alma, perdoando os pecados praticados e o nazista genocida seria salvo. Como posso aceitar isto? Pensar na possibilidade de Hitler ter uma casa no paraíso, na mesma quadra reservada aos judeus que morreram em Auschwtz crendo em Jesus. É justo? É aceitável?

Pois é... Minha justiça não aceita que o amor de Deus alcance determinadas pessoas, mas é exatamente a abrangência universal que torna o amor de Deus tão justo. Nenhuma parede de pecados, por mais robusta que seja, resiste a uma avalanche de arrependimento. O muro cai e Deus perdoa. Fácil assim... O Senhor não faz pesquisa no SPC e nem pede antecedentes criminais antes de liberar perdão. Se um coração está quebrantando, Deus é imediatamente atraído e sua graça superabunda, onde abundava o pecado. Se não concorda com este fato, rasgue sua Bíblia e procure outra divindade para servir. Uma menos complacente com os crimes que “você” considera hediondos e imperdoáveis...

E aí está nosso problema. O tabelamento do pecado. Particularmente, ainda não encontrei nenhum texto bíblico que defina claramente em qual posição deve estar cada “iniquidade” nesta tabela, considerando sua gravidade e consequência. Então, para ter uma base “legal” durante o planilhamento, geralmente lanço mão do meu próprio senso de justiça, estabelecendo quais serão as contravenções graves e inaceitáveis, bem como as brandas e toleráveis. Meu achismo dita a regra e minha rotina determina as consequências... Exortações benevolentes para o que faço, sanções implacáveis com o que vejo outras pessoas fazendo. Exatamente por isso, o pecado do próximo flerta com a “imperdoabilidade”, e meus “pequenos erros” carecem apenas de ternas puxadas na orelha... Seguida de beijos e abraços.

Deus não é parcial. Meu pensamento em nada influencia seu caráter. O Senhor estabeleceu o certo e o errado antes mesmo do homem ser um rascunho no papel. Deus sabe de todas as coisas. Deus se compadece de cada um de nós. De “sumidades pontifícias” a “pederastas estupradores”... Ele ama. Seja a missionária abnegada fazendo caridade nas favelas de Mumbai ou a prostituta desesperançando vendendo prazeres ilusórios nas ruas de Amsterdã. Deus ama. Perdoa. Deseja salvar. Oferece Cristo como salvo-conduto. Não importa o histórico de obras altruístas ou iniquidades libidinosas. A condição é a mesma: - CRER! A fé trazendo vida para as boas obras e gerando arrependimento pelos pecados consumados. Sem índices de maldade. Nada de tabelas tendenciosas. Ninguém excluído com antecedência. Diante de Deus, pecado é pecado e o plano da salvação se estende a todos que pecaram...  E admita, você é um grande pecador. Eu também sou. E nossos pecados divergem entre si... As tentações que não consigo evitar, nem mesmo chamam sua atenção. E o contrário também é verdade. Podemos não incorrer nos mesmos erros, e nem por isso deixamos de errar. Todos nós... Errantes e pecadores. E se na lei humana existe um abismo distanciando as infrações, Deus apenas enxerga o pecado. E pecadores... Carentes de graça e desesperados pela misericórdia.

Digamos que você roube uma caneta do escritório e no mesmo dia, eu assalte o Banco Central. Qual de nós cometeu o maior delito? Quem obteve maior lucro ilícito? Em caso de flagrante, quem passará mais tempo na cadeia? Dentro dos parâmetros legais e com base na convenção social, meu crime certamente é muito maior, requerendo uma punição largamente mais severa. Justo... O que é uma caneta comparada a milhões de reais? Um ladrãozinho de ocasião é bem menos perigoso para a sociedade do que um assaltante de bancos. É fácil entender e aceitar esta matemática. Porém, biblicamente falando, não teríamos quebrado o mesmo preceito legislativo? Pelo que me lembro, em Êxodo 20:15, Deus é categórico ao anunciar o sétimo mandamento: - Não roubarás! E isto inclui tanto malotes de dinheiro quanto canetas BIC. O que aqui na terra classificamos como “assalto a mão armada” e “pequeno furto”, Deus identifica como “roubo”. Roubar é pecado e pecado é pecado. Simples. E o Senhor está disposto a perdoar o assaltante de banco e o cleptomaníaco do escritório com base na mesma exigência. Crer em Jesus. Arrepender-se do pecado, seja qual for.

Não concordo com estas condições? Problema meu! Nunca morri para salvar ninguém, logo não tenho prerrogativas para escolher quem mereça ser salvo. Na verdade, se tivesse este poder, encheria o céu com “meus” amigos e poria no inferno todos os “meus” desafetos. Não porque são maus... Apenas por não concordarem comigo nas causas que julgo importante. No meu caso, provavelmente abarrotaria o paraíso com palmeirenses eleitores de direita, e trancaria no abismo corintianos politicamente inclinados para a esquerda. Eu apenas me ateria as aparências e sequer consideraria a sinceridade do coração... Ainda bem que Deus não pensa como eu.  E agindo exatamente na contramão do “meu” senso de justiça, o Senhor se revela verdadeiramente justo. O céu está aberto a todos que creiam em Jesus, aceitando-o como único e suficiente salvador, não importando em quem vota, qual time torce, a qual tribo social pertence e menos ainda, a igreja que frequenta. O paraíso não é assembleiano, metodista ou congregacional. É destino de “salvos” mediante a fé. Simples, justo e perfeito. O contrário de tudo o que eu costumo ser.

Por isto tenho dificuldades para aceitar o amor de Deus, quando aplicado fora da minha “redoma da justiça”. Eu enxergo apenas aparência e atitudes. O Senhor observa o coração e desvenda intenções. Eu condiciono o presente aos acontecimentos do passado. Já Deus, avalia o hoje, apaga o passado e reestrutura o futuro. Basta um gesto de fé, e o pecador que já tocava a campainha do inferno, recebe convite VIP para o céu. Lembra do ladrão no Gólgota? Criminoso confesso, que colhia no madeiro o amargo fruto de sua vida perversa? Pois é... Sentindo o gosto na morte na ponta da língua, olhou para o nazareno crucificado e reconheceu que o homem na cruz do meio era realmente o Filho de Deus. No limiar da vida, creu em Jesus: - Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no teu Reino. Que absurdo! Um assassino sanguinário clamando por misericórdia... Pedindo para que um fragmento da sua existência fosse mantido no céu... Mesmo que somente uma lembrança.... JAMAIS! Eu apagaria cada traço da existência deste homicida. Que ninguém no paraíso se recorde do rosto vil, enquanto a alma carregada de culpas queima eternamente no inferno...

Jesus também não se conformaria em levar aos céus uma lembrança daquele homem... Cristo enxergou seu coração. Testemunhou o arrependimento. Sentiu a fé... Nesta mesma hora, o criminoso morreu e um inocente nasceu... Justificação... Redenção... Libertação: - Filho, em breve estarás comigo no Paraíso!

Incontáveis vezes já presenciei a indignação de certos indivíduos (quem serei?) com pessoas que por anos levam uma vida irresponsável, libidinosa e imersa em pecados, e então, do dia para noite, “viram” crentes e achando que tudo está bem. Pois é... Está bem mesmo!  Para ser salvo, não é requerido um histórico de bondade. Basta crer. O pecador estará justificado perante Deus. Se um estuprador arrepende-se e abraça a fé, seus pecados estão perdoados e a alma será salva, mesmo que pela lei da terra ainda seja necessária a aplicação da condenação prevista na legislação vigente. O amor de Deus não tem como prioridade abrir celas de prisão e nem derrubar paredes feitas de concreto e aço. Se há um crime praticado, que se faça valer a lei. O perdão do Senhor liberta a alma. Solta as amarras da escravidão eterna. Liberdade além das algemas... O amor de Deus não prescreve crimes, mas perdoa pecados.

Quer mais ironia? Sabe aqueles pecados que consideramos gravíssimos e temos dificuldade em aceitar o perdão concedido para quem os pratica? Então... Também costumamos cometê-lo, apenas mudando a embalagem. Na verdade, se analisarmos com um pouco mais de imparcialidade aquela TABELA DE GRAVIDADE DOS PECADOS que guardamos na gaveta, usando apenas a Bíblia como parâmetro, veremos que o primeiro item da lista (pecado gravíssimo cometidos por outros) é equivalente ao último (pecado leve que cometo com regularidade). Se não diante dos homens, certamente perante Deus.

Qual a diferença entre o estelionatário que defrauda aposentadorias do INSS e o obreiro melindroso puxando o tapete de alguém para crescer no ministério? Deus definiu que a cobiça é pecado... Seja pelo dinheiro ou por posições ministeriais. Se é do teu próximo e você deseja para si, não importa o “que” ou “onde”... Tudo é pecado...

E quanto a “roda” dos escarnecedores, tomando o nome de Deus em vão com suas piadinhas desrespeitosas e temáticas banalizadas? Qual a diferença para com o “nobre” círculo de pregadores que formam um verdadeiro cartel da fé, propagando promessas ilusórias e inchando seus egos a base da crença alheia... Se o nome de Deus é escarnecido, seja na mesa de pôquer ou no altar dos grandes templos, o pecado é o mesmo...

E aqui vai a minha preferida...

Nada pode ser pior que tirar a vida de alguém. Homicidas de fato, ficarão de fora do Reino dos Céus, a menos que um arrependimento genuíno mude o rumo da história. Não dá para tolerar assassinos. No Velho Testamento, a lei do olho por olho determinava que aquele que matasse, também deveria morrer. Simples assim... Aí vem Jesus em Mateus 5:21-22, e ensina que diante de Deus, a mesma sentença aplicada sobre os assassinos, também será destinada aos caluniadores e maledicentes... Basicamente, quem “agride o próximo com palavras” atira para matar e tem nas mãos sangue de um defunto ainda vivo. E quer saber... Nunca matei ninguém, mas já falei bem mais do que devia... Muitas vezes... E quantas pessoas já feri com minha verborragia? Tenho ideia de quantos destes ferimentos foram mortais? Quantas almas assassinei? Quantos corações fiz sangrar? Quando comparecer diante do tribunal divino, minhas palavras estarão na mesa de evidências, ao lado de revolveres, punhais e câmaras de gás?

Quando aceito a verdade que sou tão pecador quanto o mais miserável dos pecadores, entendo por que Paulo comemorava o fato da graça de Deus superabundar onde antes abundava o pecado. O apóstolo viveu na mesma época de homens perversos como Nero, e mesmo assim, considerava-se mais pecador que qualquer um deles... Ele entendeu a tabela. Compreendeu que todos somos pecadores diante de Deus, mesmo que a manifestação do pecado seja multifacetada. A alma que peca, morre. E todos pecamos. Todos estávamos condenados a morte.  Então, Cristo morreu por nós, pagando a dívida do pecado. Entendendo ou não, concordando ou não, preciso aceitar que o amor de Deus está disponível a todos os homens, bons ou maus... Nobres ou tiranos... Executados e executores... Julgados e julgadores... Estuprados e estupradores... Assassinos e assassinados... Deus não exclui nem mesmo o mais pecador dos homens desta lista sempre aberta e nunca irrestrita. Ainda bem... Caso contrário, provavelmente estaria entre os primeiros descartados.

Corrigindo... Meu nome jamais teria sido escrito...

Estou tentando entender a profundidade do amor de Deus, mas sei que vou fracassar... Mal consigo saber o que há abaixo da superfície dos oceanos, e a capacidade de amar e perdoar do Senhor vai além das profundezas. Preciso é aprender a aceitar o seu amor, perdoando até mesmo quem não merece perdão, pois esta é exatamente a minha condição agora. O imperdoável sendo perdoado. O inaceitável sendo aceito em amor. E tudo o que tenho feito é crer....  Esta é uma palavra fiel e digna de aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal (I Timóteo 1:15).

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