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quinta-feira, 29 de novembro de 2018

O maior entre todos os pecadores


Toda vez que penso no cristão que deveria ser,
sinto vergonha deste que sou.
(Charles Spurgeon)

Existe algo ainda mais difícil que compreender o amor de Deus...  Aceitá-lo! Não falo da aceitação sobre a “minha vida”, pois sempre estou disposto a ser abraçado pelo Senhor, clamando por misericórdia toda vez que o pecado me puxa ladeira abaixo ancorado num carro desgovernado e sem freios. Se o perdão é destinado à mim, será recebido sem contestações ou questionamentos. Não existe cotas ou limites para a quantidade de vezes que posso recorrer ao amor divino, encontrando nova chance de recomeço. Estou tranquilo quanto a minha relação com o Pai... Até agora tudo tem funcionado muito bem... Eu estou sempre pecando e Deus continua infalível, perdoando-me todas as vezes.

Até aí, perfeitamente compreensível. É que eu sou passível de perdão... Tenho lá meus momentos negros, mas na maior parte do tempo, o “Miquéinhas” aqui é gente boa. Boníssima, aliás... Daquele tipo que não faz mal nem a uma mosca... Modéstia à parte, o Senhor deve até mesmo sentir-se honrado em perdoar-me... Meus pecados nunca são imperdoáveis, e as boas ações que prático, deixam um saldo tão positivo, que compensam com sobras as pequenas falhas por mim cometidas... Esta relação amorosa entre “eu e Deus”, compreendo perfeitamente e aceito de bom grado. Meu problema é com o fato Dele perdoar quem “não é” digno de perdão. Pessoas más e inconsequentes, que propositalmente abraçaram a iniquidade, e que apenas na hora do aperto, quando a luz de emergência acende no corredor do Boeing, recorrem ao Senhor pedindo perdão, e infelizmente acabam perdoadas. Sendo bem sincero, nestas horas, sinto-me profundamente decepcionado com Deus e indignado com essa mania que Ele tem de amar criaturas odiosas... Chega a embrulhar meu estômago...

Se você passou pelo parágrafo acima e não desistiu da leitura, é possível que pense como eu. Talvez, com um pouco menos de sarcasmo e extremismo, até mesmo poderia ter escrito as últimas frases. Vamos lá... Seja sincero... Deixe os pensamentos escondidos por anos, finalmente verem a luz do dia... O amor que Deus demostra para com “certas pessoas” também te deixa desconfortável, né? Relaxa... Você não é um monstro por causa disto... É apenas “humano”, norteado por um senso de justiça pessoal embasado em conceitos e desejos individualistas. Não se angustie com isso... Todos nós temos imensa dificuldades para compreender a extensão do amor divino, pois ainda estamos revestidos de corruptibilidade, habitando numa esfera “naturalmente artificial”, cercado por sentimentos interesseiros, relacionamentos descartáveis e amores efêmeros. Deus, por outro lado é eterno, incorruptível e incondicional. Ele “não” ama nossos melhores momentos... Simplesmente “nos” ama... Ama o pecador, mesmo aborrecendo o pecado... Ama as pessoas, sem se importar com nomes, raças ou gêneros... Acima de tudo... Abrangendo a todos...  Ao ponto de doar-se por elas, entregando parte de si (a melhor parte) para absolvê-las de crimes sabidamente cometidos. Não dá para assimilar tamanho altruísmo... Deus entregou seu filho à morte, e Cristo aceitou à cruz por amor ao mundo, para que “todo” aquele que nele crê seja salvo... Tipo assim, vagas ilimitadas... Sem critérios prévios. Não existe processo seletivo... A única exigência é crer... Não há prazo estimado e nem contribuição mínima. No final do dia, quem lavorou o dia inteiro recebe o mesmo salário dos contratados na última hora. Parece justo? Não. É justo? Absolutamente... O dono do amor é Deus... Ele escolhe como reparti-lo... Quem perdoa com plenitude é Deus... Ele decide quem receberá o perdão... Quem crê, será salvo. A salvação vem de Deus... Ele salva, eu não... Que méritos posso ter para definir quem é digno ou deixa de ser?

Mesmo assim, o amor de Deus me deixa inquieto. Imagine que minutos antes da morte, Adolf Hitler tenha tido um rompante de fé, aceitando à Cristo de todo coração, crendo piamente no Filho de Deus como único e suficiente salvador. Sabe o que aconteceria? Simples... O amor de Deus invadiria sua alma, perdoando os pecados praticados e o nazista genocida seria salvo. Como posso aceitar isto? Pensar na possibilidade de Hitler ter uma casa no paraíso, na mesma quadra reservada aos judeus que morreram em Auschwtz crendo em Jesus. É justo? É aceitável?

Pois é... Minha justiça não aceita que o amor de Deus alcance determinadas pessoas, mas é exatamente a abrangência universal que torna o amor de Deus tão justo. Nenhuma parede de pecados, por mais robusta que seja, resiste a uma avalanche de arrependimento. O muro cai e Deus perdoa. Fácil assim... O Senhor não faz pesquisa no SPC e nem pede antecedentes criminais antes de liberar perdão. Se um coração está quebrantando, Deus é imediatamente atraído e sua graça superabunda, onde abundava o pecado. Se não concorda com este fato, rasgue sua Bíblia e procure outra divindade para servir. Uma menos complacente com os crimes que “você” considera hediondos e imperdoáveis...

E aí está nosso problema. O tabelamento do pecado. Particularmente, ainda não encontrei nenhum texto bíblico que defina claramente em qual posição deve estar cada “iniquidade” nesta tabela, considerando sua gravidade e consequência. Então, para ter uma base “legal” durante o planilhamento, geralmente lanço mão do meu próprio senso de justiça, estabelecendo quais serão as contravenções graves e inaceitáveis, bem como as brandas e toleráveis. Meu achismo dita a regra e minha rotina determina as consequências... Exortações benevolentes para o que faço, sanções implacáveis com o que vejo outras pessoas fazendo. Exatamente por isso, o pecado do próximo flerta com a “imperdoabilidade”, e meus “pequenos erros” carecem apenas de ternas puxadas na orelha... Seguida de beijos e abraços.

Deus não é parcial. Meu pensamento em nada influencia seu caráter. O Senhor estabeleceu o certo e o errado antes mesmo do homem ser um rascunho no papel. Deus sabe de todas as coisas. Deus se compadece de cada um de nós. De “sumidades pontifícias” a “pederastas estupradores”... Ele ama. Seja a missionária abnegada fazendo caridade nas favelas de Mumbai ou a prostituta desesperançando vendendo prazeres ilusórios nas ruas de Amsterdã. Deus ama. Perdoa. Deseja salvar. Oferece Cristo como salvo-conduto. Não importa o histórico de obras altruístas ou iniquidades libidinosas. A condição é a mesma: - CRER! A fé trazendo vida para as boas obras e gerando arrependimento pelos pecados consumados. Sem índices de maldade. Nada de tabelas tendenciosas. Ninguém excluído com antecedência. Diante de Deus, pecado é pecado e o plano da salvação se estende a todos que pecaram...  E admita, você é um grande pecador. Eu também sou. E nossos pecados divergem entre si... As tentações que não consigo evitar, nem mesmo chamam sua atenção. E o contrário também é verdade. Podemos não incorrer nos mesmos erros, e nem por isso deixamos de errar. Todos nós... Errantes e pecadores. E se na lei humana existe um abismo distanciando as infrações, Deus apenas enxerga o pecado. E pecadores... Carentes de graça e desesperados pela misericórdia.

Digamos que você roube uma caneta do escritório e no mesmo dia, eu assalte o Banco Central. Qual de nós cometeu o maior delito? Quem obteve maior lucro ilícito? Em caso de flagrante, quem passará mais tempo na cadeia? Dentro dos parâmetros legais e com base na convenção social, meu crime certamente é muito maior, requerendo uma punição largamente mais severa. Justo... O que é uma caneta comparada a milhões de reais? Um ladrãozinho de ocasião é bem menos perigoso para a sociedade do que um assaltante de bancos. É fácil entender e aceitar esta matemática. Porém, biblicamente falando, não teríamos quebrado o mesmo preceito legislativo? Pelo que me lembro, em Êxodo 20:15, Deus é categórico ao anunciar o sétimo mandamento: - Não roubarás! E isto inclui tanto malotes de dinheiro quanto canetas BIC. O que aqui na terra classificamos como “assalto a mão armada” e “pequeno furto”, Deus identifica como “roubo”. Roubar é pecado e pecado é pecado. Simples. E o Senhor está disposto a perdoar o assaltante de banco e o cleptomaníaco do escritório com base na mesma exigência. Crer em Jesus. Arrepender-se do pecado, seja qual for.

Não concordo com estas condições? Problema meu! Nunca morri para salvar ninguém, logo não tenho prerrogativas para escolher quem mereça ser salvo. Na verdade, se tivesse este poder, encheria o céu com “meus” amigos e poria no inferno todos os “meus” desafetos. Não porque são maus... Apenas por não concordarem comigo nas causas que julgo importante. No meu caso, provavelmente abarrotaria o paraíso com palmeirenses eleitores de direita, e trancaria no abismo corintianos politicamente inclinados para a esquerda. Eu apenas me ateria as aparências e sequer consideraria a sinceridade do coração... Ainda bem que Deus não pensa como eu.  E agindo exatamente na contramão do “meu” senso de justiça, o Senhor se revela verdadeiramente justo. O céu está aberto a todos que creiam em Jesus, aceitando-o como único e suficiente salvador, não importando em quem vota, qual time torce, a qual tribo social pertence e menos ainda, a igreja que frequenta. O paraíso não é assembleiano, metodista ou congregacional. É destino de “salvos” mediante a fé. Simples, justo e perfeito. O contrário de tudo o que eu costumo ser.

Por isto tenho dificuldades para aceitar o amor de Deus, quando aplicado fora da minha “redoma da justiça”. Eu enxergo apenas aparência e atitudes. O Senhor observa o coração e desvenda intenções. Eu condiciono o presente aos acontecimentos do passado. Já Deus, avalia o hoje, apaga o passado e reestrutura o futuro. Basta um gesto de fé, e o pecador que já tocava a campainha do inferno, recebe convite VIP para o céu. Lembra do ladrão no Gólgota? Criminoso confesso, que colhia no madeiro o amargo fruto de sua vida perversa? Pois é... Sentindo o gosto na morte na ponta da língua, olhou para o nazareno crucificado e reconheceu que o homem na cruz do meio era realmente o Filho de Deus. No limiar da vida, creu em Jesus: - Senhor, lembra-te de mim quando estiveres no teu Reino. Que absurdo! Um assassino sanguinário clamando por misericórdia... Pedindo para que um fragmento da sua existência fosse mantido no céu... Mesmo que somente uma lembrança.... JAMAIS! Eu apagaria cada traço da existência deste homicida. Que ninguém no paraíso se recorde do rosto vil, enquanto a alma carregada de culpas queima eternamente no inferno...

Jesus também não se conformaria em levar aos céus uma lembrança daquele homem... Cristo enxergou seu coração. Testemunhou o arrependimento. Sentiu a fé... Nesta mesma hora, o criminoso morreu e um inocente nasceu... Justificação... Redenção... Libertação: - Filho, em breve estarás comigo no Paraíso!

Incontáveis vezes já presenciei a indignação de certos indivíduos (quem serei?) com pessoas que por anos levam uma vida irresponsável, libidinosa e imersa em pecados, e então, do dia para noite, “viram” crentes e achando que tudo está bem. Pois é... Está bem mesmo!  Para ser salvo, não é requerido um histórico de bondade. Basta crer. O pecador estará justificado perante Deus. Se um estuprador arrepende-se e abraça a fé, seus pecados estão perdoados e a alma será salva, mesmo que pela lei da terra ainda seja necessária a aplicação da condenação prevista na legislação vigente. O amor de Deus não tem como prioridade abrir celas de prisão e nem derrubar paredes feitas de concreto e aço. Se há um crime praticado, que se faça valer a lei. O perdão do Senhor liberta a alma. Solta as amarras da escravidão eterna. Liberdade além das algemas... O amor de Deus não prescreve crimes, mas perdoa pecados.

Quer mais ironia? Sabe aqueles pecados que consideramos gravíssimos e temos dificuldade em aceitar o perdão concedido para quem os pratica? Então... Também costumamos cometê-lo, apenas mudando a embalagem. Na verdade, se analisarmos com um pouco mais de imparcialidade aquela TABELA DE GRAVIDADE DOS PECADOS que guardamos na gaveta, usando apenas a Bíblia como parâmetro, veremos que o primeiro item da lista (pecado gravíssimo cometidos por outros) é equivalente ao último (pecado leve que cometo com regularidade). Se não diante dos homens, certamente perante Deus.

Qual a diferença entre o estelionatário que defrauda aposentadorias do INSS e o obreiro melindroso puxando o tapete de alguém para crescer no ministério? Deus definiu que a cobiça é pecado... Seja pelo dinheiro ou por posições ministeriais. Se é do teu próximo e você deseja para si, não importa o “que” ou “onde”... Tudo é pecado...

E quanto a “roda” dos escarnecedores, tomando o nome de Deus em vão com suas piadinhas desrespeitosas e temáticas banalizadas? Qual a diferença para com o “nobre” círculo de pregadores que formam um verdadeiro cartel da fé, propagando promessas ilusórias e inchando seus egos a base da crença alheia... Se o nome de Deus é escarnecido, seja na mesa de pôquer ou no altar dos grandes templos, o pecado é o mesmo...

E aqui vai a minha preferida...

Nada pode ser pior que tirar a vida de alguém. Homicidas de fato, ficarão de fora do Reino dos Céus, a menos que um arrependimento genuíno mude o rumo da história. Não dá para tolerar assassinos. No Velho Testamento, a lei do olho por olho determinava que aquele que matasse, também deveria morrer. Simples assim... Aí vem Jesus em Mateus 5:21-22, e ensina que diante de Deus, a mesma sentença aplicada sobre os assassinos, também será destinada aos caluniadores e maledicentes... Basicamente, quem “agride o próximo com palavras” atira para matar e tem nas mãos sangue de um defunto ainda vivo. E quer saber... Nunca matei ninguém, mas já falei bem mais do que devia... Muitas vezes... E quantas pessoas já feri com minha verborragia? Tenho ideia de quantos destes ferimentos foram mortais? Quantas almas assassinei? Quantos corações fiz sangrar? Quando comparecer diante do tribunal divino, minhas palavras estarão na mesa de evidências, ao lado de revolveres, punhais e câmaras de gás?

Quando aceito a verdade que sou tão pecador quanto o mais miserável dos pecadores, entendo por que Paulo comemorava o fato da graça de Deus superabundar onde antes abundava o pecado. O apóstolo viveu na mesma época de homens perversos como Nero, e mesmo assim, considerava-se mais pecador que qualquer um deles... Ele entendeu a tabela. Compreendeu que todos somos pecadores diante de Deus, mesmo que a manifestação do pecado seja multifacetada. A alma que peca, morre. E todos pecamos. Todos estávamos condenados a morte.  Então, Cristo morreu por nós, pagando a dívida do pecado. Entendendo ou não, concordando ou não, preciso aceitar que o amor de Deus está disponível a todos os homens, bons ou maus... Nobres ou tiranos... Executados e executores... Julgados e julgadores... Estuprados e estupradores... Assassinos e assassinados... Deus não exclui nem mesmo o mais pecador dos homens desta lista sempre aberta e nunca irrestrita. Ainda bem... Caso contrário, provavelmente estaria entre os primeiros descartados.

Corrigindo... Meu nome jamais teria sido escrito...

Estou tentando entender a profundidade do amor de Deus, mas sei que vou fracassar... Mal consigo saber o que há abaixo da superfície dos oceanos, e a capacidade de amar e perdoar do Senhor vai além das profundezas. Preciso é aprender a aceitar o seu amor, perdoando até mesmo quem não merece perdão, pois esta é exatamente a minha condição agora. O imperdoável sendo perdoado. O inaceitável sendo aceito em amor. E tudo o que tenho feito é crer....  Esta é uma palavra fiel e digna de aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal (I Timóteo 1:15).

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Sonhos Alheios e Encontros Aleatórios


Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Na importância de saber ouvir os outros, a beleza mora lá também.
(Rubem Alves)


Sempre entendi a estadia de José naquela prisão egípcia como parte de um longo e doloroso processo de aprendizagem. O menino se tornando homem. Basta lembrar que durante a adolescência, José sempre foi uma “boquinha nervosa” destilando veneno contra os irmãos. Em bom português, o jovem sonhador era também um “exímio fofoqueiro”, que apesar das inúmeras virtuosidades, precisava aprender a dominar sua língua. Assim, Deus permitiu que José passasse alguns anos na cadeia, lugar onde o “X-9” morre cedo e o silêncio vale ouro. Embora não compreendesse, esquecido dentro de uma cela qualquer, José estava sendo preparado para a grande tarefa que lhe seria confiada pelo Senhor... Salvar o mundo da fome e, com uma gestão eficiente, garantir a sobrevivência da linhagem messiânica, mesmo longe da terra pátria... No Egito, ele desenvolveu empatia pela necessidade do próximo e compreensão para com a causa alheia, tudo o que lhe faltava enquanto era mimado pelos pais nas tendas de Canaã.

Deus, porém, não é unilateral como as vezes o enxergo. Até mesmo suas mais “incompreensíveis” atitudes estão repletas de razão e calçadas num irretocável planejamento. Ele poderia utilizar outras técnicas de ensino, que não deixem marcas tão profundas e nem levem para a prisão alguém inocente... Mas, não... Tem horas que o trabalhar do Senhor assemelha-se ao sadismo, aplicando castigos terríveis para nos ensinar lições praticas que poderiam ser aprendidas apenas com a leitura de um bom livro didático. É que para Deus, as mais complexas questões humanas são tão simples quanto entender a diferença entre frio e quente... Tudo é muito claro para Ele, mesmo que por décadas, permaneça enevoado enquanto olhamos aqui de baixo...  E sendo bem sincero, podemos até discordar do método, porém não existe argumentos para contestar a eficiência.

José era um moço de bom coração, dedicado em seus afazeres e temente ao Senhor desde o berço. Bastava que Deus lhe aparecesse num sonho pedindo para que fosse mais tolerante com seus irmãos, e certamente o problema estaria resolvido. Sem tráfico humano, escravidão em terras estrangeiras ou condenações fraudulentas... Tudo seria muito mais simples, agradável e nada traumático. Todos viveriam felizes para sempre...  Mas, existe um porém... Se eliminarmos todos os eventos trágicos da vida de José, também vamos precisar reescrever o final da história. A versão mais “justa/bondosa”, onde o personagem continua mimado e criando conflitos com seus irmãos sem nunca conhecer o fundo do poço, não termina tão bem assim... Na verdade, acaba com o personagem principal morrendo de fome aos quarenta anos de idade. Não sem antes presenciar seus entes queridos sucumbindo por desnutrição. Mãe, sobrinhos e irmãos, sepultados as carreiras ao lado de túmulo de Jacó, que já velho, teria sido a primeira vítima da gigantesca estiagem. Entre as covas espalhadas na planície ressequida de Canaã, estão pareadas as lápides de “Judá” e seu filho recém-nascido “Perez”. Com a morte de ambos, a descendência abraâmica é interrompida, e alguns nomes são abortados da história humana, entre eles Boás, Obede, Jésse, Davi, Salomão, Natã, Roboão, Asa, Josafá, Jorão, Uzias, Jotão, Acaz, Ezequias, Manassés, Amon, Josias, Jeconias, Salatiel, Zorobabel, Eliude, Eli, José, Maria, e finalmente... Jesus...

Isso mesmo... Pode escolher qual genealogia preferir. A narrativa primária de Mateus ou a possível aplicação da “lei do levirato” utilizada por  Lucas... A linhagem de Maria ou a descendência de José... Não importa... Você sempre acabará nas entranhas da família de Jacó, salva da fome pelo plano de racionamento e redistribuição elaborado por José quando ele foi governador do Egito... Sem um “Judá”, não teríamos um “Leão da Tribo de Judá”... Simples assim... Toda a provação imposta a José  fazia parte de um plano maior visando o bem de toda a humanidade através do nascimento de Cristo. E pensando bem, a cadeia foi o exato ponto onde “sonhos e propósitos” se encontraram definitivamente.

José era mais que um sonhador. E mais do que isso... Tinha a capacidade de entender o significado dos elementos aparentemente desconexos de um sonho. Foi assim com as visões dos feixes de trigo e dos corpos celestiais. De imediato compreendeu a mensagem recebida. Seu futuro seria grandioso, e toda a família lhe prestaria reverência. Porém, seu dom nunca foi valorizado em casa. Pelo contrário, acabou lhe dando o estigma de prepotente e orgulhoso. No Egito, tudo mudou. Entre os pagãos, o Deus de Israel fez a diferença e José tornou-se o “Mestre dos Sonhos”. A ferramenta correta na oficina em que era necessária. Hora de acelerar os trabalhos, pois o relógio divino já entrava em contagem regressiva.

Quando o poderoso Faraó se viu ameaçado por uma tentativa de envenenamento, tratou logo de enviar os dois principais suspeitos para a cadeia, e “coincidentemente” ambos acabaram na mesma cela que José. E enquanto a polícia egípcia concluía suas investigações, o “padeiro do palácio” e “copeiro real” tinham uma noite atribulada com sonhos perturbadores. Na manhã seguinte, José não apenas interpretou os sonhos, como antecipou o futuro de seus colegas. O copeiro se via espremendo três cachos de uva numa taça e a entregando para aprovação do rei, o que significava que seria declarado inocente e em três dias voltaria a trabalhar no palácio. O padeiro, por sua vez, tinha três cestos de pães sobre a cabeça, enquanto as aves se refestelavam com a boa comida... Para ele, péssimas notícias. Seria considerado culpado e condenado a morte. Restavam-lhe apenas três dias de vida. Dito e feito! Quando o carcereiro abriu a cela, trazendo liberdade ao copeiro, José lhe fez um pedido esperançoso: - Quando estiver diante do Faraó, lembre-se de mim e interceda pela minha causa...

O copeiro do rei se tornaria uma peça fundamental no desfecho desta história, já que passados dois anos, o faraó é quem foi assolado por um sonho pavoroso que perturbou profundamente seus dias. Ninguém conseguia encontrar uma resposta satisfatória para as indagações do monarca. Conselheiros mudos e sacerdotes calados. Um silêncio sepulcral na sala do trono somente quebrado pelos rompantes de fúria o rei: - Inúteis... Todos vocês! Estou cercado de incompetentes!  E enquanto o faraó tomava nas mãos uma taça de vinho afim de refrescar as ideias, o copeiro que lhe servia, finalmente se lembrou de José: - Perdoe-me, Majestade, mas acho que conheço alguém que pode ajudá-lo nesta questão...

E aqui temos um conjunto de fatores que provam o trabalhar meticuloso de Deus. O esquecimento do copeiro foi providencial, pois em qualquer outra circunstância, faraó não se interessaria pela história de um prisioneiro cananita. O nome de José só foi trazido à tona quando todos os recursos intelectuais e religiosos do reino já tinham sido usados a exaustão sem qualquer resultado produtivo. O desespero do rei era tamanho, que naquele momento, qualquer fio de esperança apresentado seria agarrado sem maiores contestações, incluindo a “possível” sabedoria “mística” de um estrangeiro oriundo de Canaã, onde nada havia além de pastos, pomares e rebanhos... E assim, um presidiário desconhecido acabou sendo convidado para uma visita solene ao palácio. Acordou prisioneiro e foi dormir governador. Almoçou pão mofado e jantou manjares. Parece impossível? Acredite, não é! Deus minuciosamente vai alinhando pequenas possibilidades, sem pressa ou improvisos, até que de repente o impossível deixa de existir. Como somos imediatistas por natureza, só enxergamos portas já escancaradas e ouvimos apenas discursos feitos no megafone. Não paramos para ouvir o sussurrar de Deus pedindo paciência, pois já está trabalhando nos detalhes que não conseguimos percebemos. Pequenas possibilidades também são imensas oportunidades, e enquanto o Senhor faz o grandioso plano seguir em frente, devemos aproveitar as frestas que se abrem, por menores que possam parecer.

Veja José... Quando chegou no Egito não passava de mercadoria barata. Vendido com escravo, foi levado como serviçal para a casa do poderoso Potifar. Trabalhou com afinco. Esmerou-se nos afazeres diários e encantou seu dono com tamanha competência. Tornou-se chefe dos empregados. Quando teve a chance de envolver-se com a “madame” dona da mansão, recusou a oferta e foi injustamente acusado por uma inexistente tentativa de estupro. A confiança que adquiriu junto à Potifar salvou sua vida, já que um escravo estuprador seria sumariamente executado... O general, porém, sabia que o moço era inocente, mas visando a preservação da honra que restava na família, enviou seu melhor servo para a prisão... E na cadeia, José foi um detento diferenciado, demostrando um comportamento tão irrefutável e exemplar, ao ponto de tornar-se guardião das chaves da própria cela. Não se importando com os cenários e contextos, ele fez a diferença na vida das pessoas em volta, mesmo sem saber que num futuro ainda distante, seria recompensado pelas suas ações. E esta é uma lição valiosa para mim... Deus me leva a lugares que nem sempre vou gostar, mas preciso estar ali para que as possibilidades se alinhem. E neste interim de tempo, entre o “não estou entendo Senhor” e o “eu já entendi meu Pai”, preciso “ser” quem nasci para “ser”... Fazer o melhor... Salgar uma terra insípida... Brilhar nas trevas... Promover paz em meio à guerra... Chorar com quem chora e sorrir junto aos alegres... Assim, torno-me agradável... Benção para um ambiente amaldiçoado... E estabeleço bons relacionamentos... Relacionamentos produtivos e duradouros. Provavelmente, uma destas muitas pessoas que cruzaram a minha história (não importando onde, como ou quando) será usada por Deus para um dia, mudar a minha vida... A sua vida.

Pense...

Que chances haveriam de “José” e o “copeiro de faraó” se encontrarem nas plantações de trigo da casa de Jacó? Então, Deus levou José ao Egito.

Qual a possibilidade de um encontro amigável entre o “escravo da casa do general” e o “copeiro real do grande faraó” na fila do banco central de Mênfis ou no mercado municipal de Tinis? Assim, Deus os uniu num espaço confinado, onde poderiam se conhecer, dialogar e gerar empatia... A cela de uma prisão.

Até o destino final, nossa viagem será cheia de escalas indesejadas. Pois bem... Gostando ou não, elas fazem parte da viagem. Estão no itinerário... Não no seu... Nem no meu... No de Deus. E até agora o cronograma não atrasou. Existem encontros casuais no hoje, que redefinirão sua vida no amanhã. Quer exemplos? Você se lembra do hora e local que conheceu seu cônjuge? E o melhor amigo(a), quando se viram pela primeira vez? Será que naquele momento aleatório da existência, você tinha ideia que sua vida estava sendo redefinida e o futuro moldado? Não sabemos os planos de Deus para o amanhã, e nem mesmo porquê algumas pessoas são inseridas em nosso cotidiano... Mas, não fuja da responsabilidade de fazer o melhor. Ajudar no que for possível. Ser gentil com desconhecidos e cooperar na realização dos sonhos alheios. Um dia, as peças do quebra cabeça se encaixam, o desconhecido ganha nome e o impossível acontece a partir de possibilidades que você não desperdiçou. Nunca se esqueça que Deus não junta pessoas... Ele une propósitos...

Tudo começou com os sonhos de José e terminou nos sonhos do Faraó. A ponte que uniu histórias tão distintas e que nunca se cruzariam, foi o sonho do copeiro. Tenho a impressão que Deus se regozija com esta atividade. Juntar sonhos individuais (individualistas?) e realizá-los de forma coletiva. O sonho de “um”, tornando-se realização para “todos”. E somente nesta hora, quando finalmente chegamos ao destino, compreendemos os percalços da viagem. E enquanto a mente retrocede, trilhando inversamente do último ao primeiro passo, a verdade irrompe a escuridão das incertezas.... Tudo fez absoluto sentido! Por outros caminhos, seria impossível ter chegado até aqui. Não inteiro. Não maduro. Não fortalecido.... Por isto, estou tentando fazer da confiança na sabedoria divina, o meu cinto de segurança enquanto o avião atravessa esta sucessão infindável de turbulências, mesmo o céu estando de brigadeiro bem aqui ao lado...

Muita coisa que Deus faz, não consigo entender, só sei que é melhor quando deixo Ele fazer... O que Ele faz agora, não consigo entender, e não me desespero, porque aprendi a crer, que o futuro sempre explica, o que no passado fez, e o que faço é confiar no que Deus faz, e fica tudo bem! ” (Leandro Borges) 

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quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Retrato de Família


A beleza é o acordo entre o conteúdo e a forma
(Henrik Kipling)


Começo este texto com uma pergunta retórica formulada por Willian Shakespeare: - Ó beleza! Onde está a tua verdade? É difícil encontrar uma resposta definitiva para tão inquietante indagação, considerando que “gostos” são essencialmente particulares e a "moda" obrigatoriamente se revela passageira, mas, encontro um excelente indicativo na ponderação de David Hume, que resume perfeitamente toda a mensagem que transmitirei aqui: “A beleza das coisas existe no espírito de quem as contempla”. De antemão, peço desculpas por qualquer liberdade intimista tomada sem consentimento prévio, porém não posso me abster de uma abordagem muito pessoal nos próximos parágrafos. Se partilhar emoções e traumas alheios não for um problema para você, então, sente-se junto ao divã, e destranquemos a Caixa de Pandora.

Dias atrás, meu filho Nicolas me deixou bem preocupado, e um tanto chateado. E não foi por nenhuma das inúmeras peraltices, tão comuns em sua faixa etária. Longe disto... Por algum destes motivos que nunca são simples de entender, ele parou em frente ao espelho, e analisando o reflexo projetado, baixou os olhos em profunda decepção e melancolicamente externou uma errônea constatação: - Como eu sou feio! Eu sou muito feio! Confesso que ainda estou tentando descobrir quais foram as vozes que sussurraram estas palavras maldosas, mas tenho certeza absoluta que mentiram descaradamente. Há incoerências gritantes nesta temerária análise, mesmo que o observador ainda não possa identificá-las.

O primeiro ponto de fragilidade deste argumento está no fato pragmático que a leitura feita pelo Nicolas sobre sua aparência não condiz em nada com a realidade. Meu filhotinho é absolutamente lindo. Cada particularidade de seu rostinho faz dele único e especial. A pintinha próxima ao olho direito... A cicatriz de catapora entre a bochecha rosada e o nariz de batatinha... Os lábios carnudos e salientes herdados da mamãe... Os dentinhos ainda se acomodando nos espaços vagos da gengiva... Simples assim... Cada nuance da sua personalidade e os traços marcantes da fisionomia lhe asseguram status de “exclusividade”, peça única esculpida a mão, onde até mesmo as aparentes falhas são detalhes inseridos propositalmente pelo artista, que nunca termina uma obra sem deixar no rodapé a assinatura característica. O que chamados de “defeito”, “anormalidade” ou “aberração”, Deus considera poesia. Acorde... Música... Soneto... A mais pura manifestação de arte...

Segundo ponto. O Nicolas é uma extensão de mim. Doei metade dos genes. Por vezes, temos movimentos sincronizados e comportamentos idênticos, incluindo (e não se limitando) a mesma "teimosia teimosa" e o excesso de argumentos para explicar questões simplistas. Mesmo que ele tenha sido agraciado com muitos traços homogêneos e delicados da mamãe, me vejo claramente refletido em meu filho. Logo, se o Nicolas enxerga-se feio, feio também devo me sentir. Mas, com a graça de Deus, já passei desta fase! A beleza está além dos parâmetros estabelecidos pela sociedade, que se especializou em inverter valores. A beleza verdadeira e duradoura reside na essência, nunca na aparência. O conteúdo tem que secundarizar a capa, jamais o contrário. Belo por aquilo que sou, e não pelo que acham ou dizem de mim. Se a fachada não tem designer arrojado, que o interior seja arejado, confortável e convidativo. Estar bem. Sentir-se bem. Enxergar-se bonito, independente do julgamento feito pela plateia mundana. Entender que o toque especial do Criador não se limita a olhos azuis e covinha no queixo, revelando-se em cada pequena imperfeição exclusiva, propositalmente deixada na composição da obra completa e perfeita. 

É a beleza dos detalhes únicos e preciosos que torna cada indivíduo incomparável e belo. Confesso, porém, que por muito tempo tive dificuldades em aceitar estes “detalhes” especiais que Deus conferiu a mim. Sempre fui o patinho feio da turma com meu nariz dessimétrico “embicado” para a esquerda, e o lábio superior repuxado por uma cicatriz grosseira... E o que dizer da minha arcada dentária fora de lugar, fazendo que caninos nascessem quase no céu da boca, molares ocupassem posição central e no espaço deixado livre, nada mais que um vazio constrangedor? Pois é... Nunca gostei de espelhos, filmagens ou fotografias... Não encontrava motivações para perpetuar momentos vergonhosos. Sempre me senti anormal, grotesco e repulsivo, sentando-me sozinho á mesa, por receio de estragar a refeição alheia pela forma como mastigava os alimentos. O último na fila de interesses das garotas... E elas, tinha toda razão... Estive feio muito tempo, mesmo sendo essencialmente belo. Hoje entendo que não preciso de “opiniões” condicionadas me dizendo o quanto sou lindo. A Bíblia me assegura esta condição. E nem preciso de estudos teológicos aprofundados para encontrar a verdade. Basta pegar o livro, passar pela contracapa e ler alguns versos do primeiro capítulo... Vinte e seis versículos, sendo mais preciso.

Permita-me, por favor, transcrever os acontecimentos narrados no Gêneses da forma que os interpreto...

Após criar os céus e a terra, estabelecer limites para o mar e pintar de verde as florestas, Deus decidiu criar um ser que fosse superior aos animais que corriam nas campinas, aos pássaros que revoavam nos céus e aos peixes que nadavam nos rios. Alguém que pudesse dominar sobre toda criação. Deu-se, então, início ao projeto “HOMEM”. Ele seria feito de barro e receberia sopro de vida pela boca do próprio Elohim. Composto de corpo, alma e espírito, governaria sobre as feras do campo e cultivaria o suntuoso jardim. Um adorador por excelência, munido de sabedoria, consciência e livre arbítrio. Mas, como ele seria? Que aparência teria? Então, Deus (o Pai), olhou para seu filho unigênito e propôs algo inusitado: - Que tal fazê-lo parecido com a gente? Nossa imagem e semelhança?

Guarde este conceito. Imagem e semelhança do Deus que é Pai do Cristo, com quem é um só. O homem foi criado como um protótipo físico do Messias pré-encarnado (isto é ser "imagem"), recebendo em seu âmago uma centelha reluzente soprada pelo próprio Criador. Um espírito que vem de Deus, testifica com Deus e voltará para Deus, nos fazendo assim  íntimos de Deus na origem e na essência (isto é semelhança).

Quando o Nicolas sentiu-se feio diante do espelho, meu coração apertou. Ele é minha imagem e semelhança, e para mim, perfeito em cada detalhe. Uma extensão da minha existência. A continuidade da minha história. Pode existir no meu universo particular uma beleza mais sublime? Foi exatamente por isso que deixei minhas neuroses escoarem pelo ralo durante um banho no chuveiro da graça. Deus também espelhou-me sua própria imagem, projetando cada detalhe do meu rosto, todas as células do meu corpo, a totalidade dos fios de cabelo que tenho na cabeça. Tudo precisamente calculado. Nem um desvio do projeto original. O nariz não é bem delineado? Não era mesmo para ser... Ganho peso com facilidade? Ok! Borá engordar... Os olhos são castanhos opacos sem destaque na multidão? Que bom! Não foram projetados para serem verdes... Louve a sabedoria do Criador, negando a tornar-se parecido com outras pessoas, pois foi Deus que nos fez diferentes... E todos, igualmente, lindos!

Tempos atrás, estava ministrando louvor no templo, quando começamos a entoar a canção “Lindo És”. Deus me visitou naquela hora. Em espírito me transportei aos céus, e num rompante de ousadia, me atrevi a vislumbrar a face do meu Cristo... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... E mesmo tendo uma imaginação limitada, humana e natural, tive relances de uma beleza que não tenho palavras para descrever... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Comecei a chorar emocionado, sentindo-me maravilhado por estar na presença de alguém tão belo... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Nada neste mundo ofusca a beleza desta glória! João viu o Cristo e caiu com o rosto em terra, trêmulo de assombro e admiração... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Estevão contemplou o Filho de Deus enquanto era apedrejado, e o torpor desta visão o fez ignorar a dor e a morte... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Paulo olhou nos olhos de Messias e se calou. Não tinha palavras para descrever tamanha fascinação. Apenas redigiu uma nota simples... "Ele está além do sonhamos, pensamos e acreditamos"... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”... Os discípulos privilegiados que testemunharam a transfiguração no Monte das Oliveiras desejaram ficar para sempre ali, em contemplação. Uma casa para o glorioso Senhor, e outra para os profetas. Para eles, apenas o relento. Valia mais aquele único momento, que toda uma vida em outro lugar ... “Lindo, lindo, lindo és... Glórias, glórias, eu te dou... Jesus... Jesus”....

Enquanto eu me embebecia com a beleza de Cristo, o texto de Gêneses 1:26 foi abruptamente trazido a memória. Este mesmo Jesus, lindo, lindo e cheio de glória, estava presente quando Deus pegou papel e nanquim para fazer o primeiro esboço do projeto “MIQUÉIAS”. E antes do pincel tocar a tela, o Criador olhou para seu filho, admirado com tamanha beleza e sacramentou: - Vou fazê-lo parecido com você.... Nossa imagem e semelhança! E se tenho tanta certeza que Deus é lindo, assim com lindo Cristo é, que lógica existe em olhar-me no espelho e enxergar nada mais que o “feio”? Não sou imagem e semelhança daquele que é a essência de toda beleza? Não sou um filho refletindo a glória do meu Pai?

Quando digo que o Nicolas é lindo, não estou sob efeitos da “síndrome de coruja”. Longe disto... Apenas constato a verdade, mesmo que o mundo grite mentiras. Ele espelha quem eu sou, e eu espelho quem Deus é. Ambos, pai e filho, criados a imagem e semelhança do Senhor, absolutamente perfeito em tudo que criou. Quando Deus criou a luz, avaliou se o trabalho estava bom. O mesmo procedimento se repetiu em cada estágio da criação. Acha mesmo que Elohim afrouxaria o controle de qualidade justo na minha vez? Sem chances! Minhas imperfeições ressaltam a perfeição divina trabalhando em mim... Nenhum motivo de vergonha... Apenas propósito, testemunho e honra...


E no retrato da família, Cristo é de fato, o centro de toda atenção. Não dá para competir com a beleza Dele. E nem é preciso, pois estamos deveras satisfeitos com a fotografia. Afinal de contas, eu e o Nicolas também estamos muito bem na foto. Assim como todo o restante da casa...  Lindos... Lindos... Lindos... Para que toda glória pertença ao Criador... O artista, o molde e o conteúdo! 

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O Mérito do Vazio

O melhor vaso para se encher é o vaso vazio.
(Paulo Sérgio Krajewski)



Terra, água, compostos orgânicos, alguns minérios e nada mais... Não existe muita nobreza em quem sou... Apenas um vaso de barro como outros bilhares em exposição nas prateleiras do mundo... Ausência total de meritocracia. E mesmo assim, olhem no que me tornei... Receptáculo de uma glória que excede o entendimento humano. Sou depósito de uma riqueza inestimável que nem mesmo a junção das maiores fortunas existentes no planeta poderia avalizar. E tudo o que fiz, foi aceitar de bom grado tamanho investimento. Minha pequinês atraiu a grandeza de Deus.

O Todo Poderoso habita numa esfera de glórias indescritíveis. Ele é o dono do ouro e da prata. Nos céus, elementos que consideremos símbolos de status e poderio, não passam de calçamentos e rodapés de muros. Deus nunca se mostrou interessado naquilo que possuo, pois todos os meus bens são efêmeros e irrisórios. Absolutamente nada, diante daquele que tudo tem. O Senhor está mais interessado em minhas carências. O que não tenho chama a atenção de Deus. Desde sempre, o Espírito Santo paira sobre a terra, procurando espaços vazios. A ausência atrai a presença. O Senhor não invade territórios ocupados. Ele não esvazia recipientes para enche-los de forma arbitrária. É a carência assumida que estende o tapete de boas-vindas para a provisão.

Temos falhado exatamente no esvaziamento. Estamos sempre cheios de qualquer coisa, enquanto a essência de Deus é mantida do lado de fora. E o erro tende a se agravar, quanto revestimos o barro em papel celofane dourado. Ostentamos uma falsa realeza, esquecendo-se que somente os pobres de espírito herdarão os céus.

Em sua segunda carta enviada a igreja em Corinto, o apóstolo Paulo ensinou que Deus escolheu depositar seu mais precioso tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder pertença somente a Ele, e não aos homens (II Coríntios 4:7). Pela imensa graça do Pai das Luzes, eu que não passo de água e pó, me tornei peça valiosa, cobiçada por demônios e protegida pelos anjos, sem que nenhum mérito pessoal fosse detectado em mim... Apenas aceitei o cheque assinado e o Senhor fez todo o investimento. A única qualidade que tinha para oferecer, era exatamente estar vazio...

Deus não procura vasos de ouro ou cravejados de diamante. Onde a glória humana busca ser exaltada, a glória divina jamais se manifestará. O Senhor também não se interessa em vasos de grifes oriundos de dinastias longínquas. O nome do “Eterno” jamais será secundário em qualquer lista, por mais VIP que seja. Exatamente por isto, Deus tem preferência por vasos ordinários, fabricados com argila ribeirinha e queimados nas fornalhas da existência. Na verdade, mais que ocupar o vaso que se mantém vazio de efemeridades, o Senhor é quem o fabrica. Quando o processo já está completo e me olho no espelho, posso visualizar a glória de Deus transbordando em mim... E isto é maravilhoso... Nada diz sobre meus talentos e tudo revela sobre a misericórdia do Senhor... Tenho dois grandiosos motivos para me orgulhar do vaso em que me tornei... 

1-) Estar vazio aguardando ser cheio.
2-) As marcas que ganhei na olaria.

Lá estava eu, argila bruta esquecida nas margens de um rio qualquer. Depósito de resíduos. Cafofo de parasitas. Dormitório de sanguessugas. E não é que Deus me encontrou? E fez mais que isso.... Desceu até o lamaçal por mim... Nunca fui a matéria prima mais adequada e o primor jamais foi meu forte... Exatamente por isso, Ele me escolheu... Nunca houve busca por perfeição. A característica que atraiu o escultor foi minha maleabilidade. Eu poderia ser trabalhado. Moldado. Transformado... E Deus ama estas possibilidades. Criar do nada... Fazer arte usando lodo e esgoto. Construir tabernáculos imperfeitos para depois habitá-los com a glória perfeita... Que sorte tenho eu! Existem tantas imperfeições na minha existência, que tornei-me um desafio para o Senhor... E Ele não resistiu... Teve que descer dos céus, chafurdar-se na lama e tomar-me para si... Justamente “eu”...  Barro sem valor.... Imperceptível nas margens do universo...

Deus, o arquiteto das galáxias, cujo projeto mais ambicioso sempre foi construir lugares onde pudesse habitar... Os céus já não eram o bastante e Ele escolheu morar entre os homens... Em casa de barro. Alvenaria sem valor sendo preparada para hospedar a nobreza suprema... Eu sou o barro... O vaso... A casa... Ele foi quem me construiu... Modelou... Na verdade, ainda esculpe, modela e reforma... Todo dia... A cada hora...

O processo é bem artesanal. O barro recolhido nas encostas do mundo é levado para o ateliê do oleiro, sendo depositado sobre a maromba. Não sem antes ser limpo e refinado.... Ter as impurezas removidas até só restar terra e umidade. É pouco... É preciso dar textura para a massa ainda informe... Então, Deus amassa... Sova... Empurra... Puxa... Espreme... É exatamente este processo repetitivo castigando o barro que lhe confere liga e flexibilidade. Não é possível ser moldado antes de ganhar consistência... Assim, Deus pesa a mão... Não tem outro jeito... É verdade que Ele poderia apenas dizer “haja vaso”, e um vaso surgia do nada... Mas Deus não deixa um trabalho deste tipo sem impressões digitais. Sua marca pessoal... Logo, esqueça a pressa... Barro trabalhado as carreiras não resulta em objetos bem esculpidos. Por muito tempo o oleiro observa sua matéria prima antes de “literalmente” por a mão da massa. O silêncio contemplativo não é inoperância... O Senhor tem predileção por trabalhar na quietude... Assim, não existe interferência externa... O planejamento é seguido com esmero e o barro marombado sem atropelos... Chegará o dia em trabalharemos para Deus enquanto Deus trabalha por nós... Não é agora... Neste estágio, Deus está trabalhando em nós enquanto somos trabalhados por Ele... A redundância intrínseca não agrada, mas funciona... Na hora certa, chegaremos ao próximo nível...

Na mesa de modelagem, consistência é pré-requisito. O toque é mais sutil, ainda que o trauma continue intenso. Ali, o barro toma forma. Não o que deseja ser, e sim o designer pensado pelo oleiro. E enquanto é moldado, o barro precisa ter umidade na medida certa. Seco demais, torna-se quebradiço, impossibilitando a escultura... Molhado demais, acaba pastoso, inconsistente e impassível de modelagem. Em ambos os casos, inevitavelmente, o vaso se desfará na mão do oleiro...

Por isto Deus é rigoroso no controle da umidade. O Senhor jamais permitirá que nossos olhos se sequem por completo. Lágrimas umidificam o barro. Chorar me deixa maleável, suscetível ao toque daquele que desenhou minha vida. E nada de birras, manhas ou mi-mi-mi... Choradeira sobejada só prejudica o trabalhar de Deus.... Lágrimas produtivas nascem na sinceridade, do reconhecimento das próprias misérias e limitações... E sempre que algum excesso é identificado pelo oleiro, o processo de modelagem entra em stand-by, e voltamos para a maromba. E lá vamos nós, aprender moderação com a dor e o sofrimento.

Gosto muito do texto de Filipenses 1:6 – “ Aquele que começou a boa obra, a aperfeiçoará até o dia do Senhor Jesus”. Esta afirmação sempre me faz lembrar das promessas que ainda não se cumpriram, mas certamente estão a caminho... Porém, preciso ter consciência que a mesma persistência divina se aplica na modelagem do vaso... Deus não para no meio do processo e abandona sua obra. Ele repetirá as etapas quantas vezes forem necessárias, até que a casa esteja edificada e o vaso disponível para uso... De novo, de novo e outra vez... Sovando o barro... Esculpindo a argila... Queimando o vaso no fogo para lhe dar resistência...

E mesmo quando um vaso pronto (e hospedeiro de tesouros inefáveis) apresenta trincas ou rachaduras, não há intenção de descarte. Deus jamais abandona projetos. Um trabalho concluído ainda é obra inacabada, sempre necessitando de melhorias. Enquanto houver imperfeição, existe trabalho a se fazer. Somos mortais, corruptíveis e falhos... Deus vem, faz morada e inunda de paz a casa... E mesmo assim, expelimos sua presença por entre as frestas da parede. A glória se esvaindo lentamente, mesmo querendo ficar.... Assim, o oleiro terá muito trabalho pela frente...É mais difícil modelar a partir de objetos solidificados, estabelecidos e seguros de si. Pouco importa... Quem disse que Deus gosta de facilidades ou se apressa para obter resultados insatisfatórios?

E lá vai Ele... Por amor (e com amor) o oleiro quebra o vaso rachado até que sobrem apenas cacos... Os pedaços são triturados até restar somente pó... E enquanto as lágrimas umidificam a terra, Deus vai marombando lentamente o barro, visualizando o vaso, caixa forte de tesouros... Um começo após cada final... História que jamais seria protagonizada por um punhado de barro esquecido, mas que Deus fez questão de presentear-me o papel principal... Que eu seja moldado a imagem do oleiro, até que em mim não reste qualquer outra marca que não seja as impressões digitais do meu Deus!


Um vaso de barro não briga com quem o fez. O barro não pergunta ao oleiro: “O que é que você está fazendo?”, nem diz: “Você não sabe trabalhar.” E um filho não se atreve a dizer aos seus pais: “Por que vocês fizeram com que eu viesse ao mundo?” O Senhor, o Santo Deus de Israel, o seu Criador, diz: Por acaso, vocês vão exigir que eu explique como cuido dos meus filhos? Vocês querem me ensinar a fazer as coisas? (Isaías 45:9-11)