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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O Poder da Simplicidade


Deus não vive numa igreja, Deus vive em você.
(Billy Graham)


Vivemos em um tempo de sermões personalizados, mas sem personalidade. O “mercado pregadologico” está abarrotado de pregadores, seminaristas e itinerantes. Com tamanha concorrência, faz-se necessária a busca por um diferencial. Assim, nossos ouvidos são bombardeados com mensagens rebuscadas, exegéticas mirabolantes e apuradas técnicas de comunicação.

O lado positivo de tudo isto, é que cada vez mais, os ministros estão se dedicando ao estudo teológico, buscando se aprimorar no texto sagrado e compreender com maior profundidade o contexto bíblico. Por outro lado, o evangelho moderno, deixou de escanteio a simplicidade, e com isso, seu impacto sobre as almas tem se limitado cada vez mais aos templos. Pregamos para nós mesmos, e nos esquecemos das pessoas que precisam urgentemente, ouvir uma mensagem direta, simplificada, e que não se baseie apenas em “mistérios”, “mantos” e “núbrias”, enquanto palavras evangelísticas são engolidas por um turbilhão de línguas estranhas.

Não me entenda mal. Minha genética é pentecostal. Acredito piamente na atualidade dos dons espirituais, e me renovo sempre que posso falar com Deus numa língua somente por Ele compreendida, tendo em resposta, sua visitação  plena e pessoal. Só não posso perder a consciência que o “fogo” edifica, mas, dificilmente evangeliza. É benéfico para mim, porém, quase nada agrega aos outros. Então, por vezes (na maioria das vezes), é preciso conter a explosão, para não fazer em pedaços, a compreensão daqueles que ainda desconhecem os mistérios de Deus. O que impressionou a multidão gentílica que testemunhou a descida do Espírito Santo no último dia do Pentecostes, não foram as línguas de fogo sobre a cabeça dos apóstolos, e sim, as palavras "compreensíveis" que saiam de seus lábios, inflamados de poder e unção (Atos 2:6-12).

E antes que você me lembre que o “poder de Deus” é “loucura” aos que perecem, deixe-me lembrá-lo de citar corretamente o texto:

- A “mensagem da cruz” é “loucura” para os que perecem, mas, para nós que somos salvos, é poder de Deus! (I Coríntios 1:18)

O poder de Deus se revela à nós em sua própria Palavra. Na mensagem de amor que provem da cruz. Dela emana o poder. O homem natural não entende o sacrifício de Cristo ou a generosidade de Deus ao entregar seu único filho para a morte, afim de salvar assassinos, traficantes e estupradores.

Um amor capaz de perdoar Hitler´s, Mussoline´s e Nero´s?
Intolerável!


Um pecador compulsivo sendo salvo no último segundo da vida? 
Inaceitável.

O ladrão na cruz recebendo um convite “VIP” para o Paraíso?
Inadmissível!

A mensagem é simples, mas entendê-la é um desafio complexo. Sem a revelação do Espírito Santo, tudo se resume a uma loucura inconsequente que banaliza a justiça e afronta a memória de cada pessoa vitimizada pela maldade humana. E cabe a nós, absorver, assimilar e retransmitir,  tornando a mensagem da cruz acessível aos homens.

Infelizmente, ao invés de simplificar, complicamos.

Longe de mim criticar sermões elaborados, requintados e polidos. Também sou um exegeta por vocação, e me regozijo cada vez que as entrelinhas de um texto são transformadas num esboço de rara iluminação. Mas, percebo que a grande maioria dos pregadores, buscando massagear o próprio ego (ou o ego de seus ouvintes), tem exagerado na retórica. Fazem uso de uma verborragia recheada por jargões, frases de efeito e apelos emocionais, que até podem envolver a congregação numa névoa de “poder e glória”, mas na prática, pouco produz no coração daqueles que não participam do dia-a-dia da cristandade. Nestes casos, um simples “JESUS TE AMA”, é uma mensagem muito mais impactante, do que um sermão composto por 500.000 palavras.

O problema, é que somos uma geração midiática, propensa a inverter prioridades. Mesmo movidos pelas mais nobres intenções. 

Sempre me deparo com postagens de jovens pregadores, que após uma ministração repleta de "glórias e aleluias", vislumbrados por esta sensação de “poder” resultante da “Palavra”, legendam suas imagens “photoshopadas” com a celebre frase: - “O céu desceu na terra”. Sem desmerecer a mensagem, o pregador ou a igreja, quando pensamos além das emoções, tem algo estranhamente errado neste conceito. A função do Evangelho de Cristo não é perpetrar o céu entre os homens, e sim, elevar o homem aos céus. Quando clamamos para que o Reino de Deus venha até nós, não devemos ter em mente uma vivencia em atmosfera celeste enquanto ainda somos pecadores, mas sim, viver uma vida de modo a se enquadrar na legislação dos céus, onde o pecado, definitivamente não entra. 

Se o céu descer à terra, para que abrir mão da terra para morar no céu? Estamos  ignobilmente, moldando a geração do conformismo. Entendeu a sutil armadilha criada por "inocentes" jargões emocionalistas? Nestas horas, prefiro reverberar a simplicidade do discurso repetido a exaustão pelo saudoso Billy Grahan: - Minha casa é nos céus, eu estou apenas viajando pelo mundo. Viajante inconformado e com saudade de casa. E o "transporte" que me leva ao lar é o sacrifício de Cristo. A mensagem da cruz.  

Então, é preciso menos foco no "esboço" e mais concentração na mensagem. Na simplicidade do mais poderoso sermão. O objetivo não é impressionar outros pregadores, e sim, impactar as vidas que ainda não reagem as nossas ministrações com "glórias" e "aleluias" engessados.

O homem foi criado um pouco menor que os anjos (Salmo 8:5). Apesar de também termos a possibilidade de sermos revestidos de glória e honra através da submissão a vontade de Deus, temos algumas limitações se comparados aos seres celestiais. Não voamos, e nem temos agilidade para alcançarmos os opostos do mundo na velocidade de um relâmpago. Mesmo assim, temos um privilégio que os anjos gostariam de ter. Somos anunciadores do evangelho, continuadores da obra de Cristo na Terra, enquanto as miríades celestiais apenas nos auxiliam nesta missão como ministros de Deus a nosso favor (I Pedro 1:12 / Salmo 91:11). 

Uma honra a nós confiada. Uma responsabilidade que será requerida. Um ide que abrange o mundo inteiro, cada morador deste planeta. O tempo urgindo veloz. E aqui estamos nós, preocupados com a "nota" que o pastor vai dar para o "sermão"... 

- Porque deturpamos a essência do Evangelho pregando fogo e glória em templos lotados, mas esquecendo de anunciar o fundamento do Reino de Deus, que visa alargar suas fronteiras trazendo ao redil as ovelhas perdidas?

O erro não está no clamor pelo fogo, e sim, na omissão do amor. 

Amor. Amor que emana da cruz. Amor que nos constrange a amar. Amor tão intenso que parece irracional. Pois, não é. A simplicidade frustra os garimpeiros de “mistérios” e “enigmas” espirituais. Amor. Simples assim. Tudo se resume em apenas quatro letras.

Deus não tem amor. Ele é a própria personificação do amor.

Graça, misericórdia, justiça, verdade, fidelidade e tantas outras virtudes louváveis estão inseridas em seu caráter. E quando o Deus Criador, investiu seu talento na criação do homem, destinou para ele, o “crème de la crème” de seus atributos. Somos amados pelo nosso Deus, com um amor perfeito que excede o entendimento das mentes mais promissoras da humanidade. Desde os primórdios do tempo, quando o homem traiu a confiança de seu Criador e cedeu a tentação da serpente, Deus tem se dedicado em tempo integral, buscando se reaproximar da humanidade. Do Gêneses ao Apocalipse, enxergamos o mover do Senhor em prol desta ambição sagrada. Os patriarcas, juízes, profetas, apóstolos, ministros, pastores, evangelistas e mestres, só existem para transmitir a mensagem do Senhor, que em resumo, nada mais é que um convite ao arrependimento, que por sua vez, é a chave que abre as portas dos céus para o homem.

Nada faz o coração de Deus pulsar tão forte quanto um pecador que se arrepende. O universo ainda existe, para testemunhar este evento miraculoso. Deus não move uma única peça no tabuleiro da existência, sem que a motivação seja aproximar-se da humanidade e restaurar o homem para si. A encarnação do Verbo entre nós, teve como objetivo principal expiar os pecados de "todos"na cruz, reconciliando os pecadores e salvando os que se haviam se perdido (João 1.14). A submissão de Jesus em concretizar o plano de salvação designado por Deus, implicou-o a tornar-se humano. Deus entre os homens, para que os homens se achegassem a Deus.

Jesus submeteu-se à vontade do Pai, carregando sobre Si mesmo os pecados da humanidade para que pudesse redimi-la e reconciliá-la com o Pai. Dessa forma, Jesus foi enviado voluntariamente, como um sacrifício perfeito, imaculado, realizando um ato de expiação na cruz, reconciliando o homem com o Criador (II Coríntios 5:18,19).

E hoje, a Igreja é a ferramenta máster da vontade de Deus. Somos continuadores da obra de Cristo, apregoando a Salvação pela fé no sacrifício vicário do Filho do Homem. Deus moveu céus e terra para nós dar esta oportunidade. Jesus, por sua vez, trocou a glória pela cruz, deixando a morte tripudiar da vida, afim de nos dar condições para sermos salvos. Fomos agraciados pela misericórdia, eabraçados por esta graça. Deus nos revelou seu amor de maneiras inquestionáveis e profundas. O Senhor se sacrificou para corrigir erros que nós cometemos. Ele nos reabriu as portas do paraíso, as quais fechamos com as próprias mãos no jardim.

E cabe a cada um de nós, como Igreja do Senhor, sermos respeitosos a vontade de Deus. Ele nos deu os meios, e as condições, para sermos sua voz na terra, convidando todas as pessoas deste mundo, a também experimentar de seu amor. Que sejamos leais a este propósito, pois somente assim, a vida de fato, terá um sentido pleno para existir.

Quer realmente ser um pregador admirado nos céus e não apenas bajulado na terra? Vá até o portão da sua casa e espere o primeiro transeunte cruzar a rua. Não importa quem seja. Conhecido ou não. Se aproxime dele e pregue a mais poderosa das mensagens. Aquela que faz o céu festejar e o inferno implodir nas próprias bases. Olhe nos olhos deste alguém, e diga com toda a convicção de sua alma.

- Jesus te ama! Cristo te salva! Ele te leva para o céu!

Amor que não se explica com palavras. Se experimenta na própria vida. E não se perde nenhuma oportunidade para compartilhá-lo. 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Pastores de si mesmo


A mais urgente pergunta a ser feita nesta vida é:
- O que fiz hoje pelos outros?
(Martin Luther King)


Jesus sempre se preocupou com a forma que seus discípulos enxergavam o mundo e o Reino de Deus. Haviam diferenças gritantes a serem ponderadas, e grande parte das pessoas, se quer, conseguiam diferenciar entre o azul e o vermelho. E este daltonismo espiritual das multidões inquietava o Mestre.

A história sempre esteve pontuda pela ação de homens gananciosos que, valendo-se de argumentos religiosos e políticos (ou políticos e religiosos), manobram as massas ao bel prazer, obtendo lucro sobre a crença alheia e consolidando suas ideologias deturpadas dentro de mentes frágeis. Cristo conhecia bem a intenção deste tipo de gente, e como um antídoto ao mal, fez questão de revelar uma das mais gloriosas facetas de seu caráter divino.

- Saibam diferenciar o “pastor” e o “mercenário”! Eu sou o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas (João 10:11-12)

Pastores e Mercenários. Coexistiam nos dias de Jesus, e permanecerão coexistindo enquanto o mundo for mundo. Eles estão por aí, em cima dos altares ou percorrendo os rincões do país. E ambos trabalham bem, cada um dentro da proposta abraçada.

Mas, não se engane com os rótulos. O "mercenário" nem sempre é o vilão da história. Na verdade, é apenas mais um trabalhador correndo atrás do leitinho das crianças. Alguém que, de comum acordo com o empregador, cumpre a função que lhe foi determinada, em troca do pagamento previamente combinado. Nada de anormal. Basicamente, se você é um “assalariado”, com carteira assinada ou prestador de serviço, endossa as fileiras de mercenários e mercenárias atuando neste mundão de “meu Deus”. Jesus não estava querendo tirar o pão da boca de ninguém, e nem cercear o mercado de trabalho na agropecuária da Judéia, quando citou “a metodologia operacional” da classe, em contraponto ao seu ministério pessoal. Longe disto. A preocupação de Cristo era com o bem estar e a segurança do rebanho.

Jesus salientava que um trabalhador que recebeu "cem reais" para conduzir determinada grei até as pastagens mais verdes do outro lado da planície, ao perceber que lobos selvagens estão atacando as ovelhas, sua atitude mais lógica é fugir na direção oposta, levando consigo apenas as ovelhinhas que conseguirem correr na mesma velocidade, deixando para trás os animaizinhos feridos e os arrebatados pelas feras. Nestas ocasiões tão corriqueiras, o pensamento do mercenário é justificado, e sendo bem sincero, reproduz exatamente nossa postura em muitas situações do cotidiano: 

- Eu não estou sendo pago para isto!

O mercenário recebe por suas horas trabalhadas. Turno encerrado, nenhuma preocupação será levada para casa. Não há relações permanentes entre condutor e conduzidos. As atribuições descritas no contrato de trabalho não incluem “intimidade com cordeiros”. E menos ainda, arriscar a vida em enfrentamentos com lobos, coiotes e hienas vorazes. Se alguns animais tiverem que morrer para que o rebanho sobreviva, paciência. Ossos do ofício. O importante é o trabalho feito. Antes "eles" do que “eu”. 

O “pastor” vocacionado, em essência e por direito, pensa diferente. Caminha entre as ovelhas todos os dias. Conhece cada uma delas, e por todas é conhecido. Quando o lobo ataca, as defende com destemor. Não é uma simples ovelha que agoniza entre os caninos afiados. É a "Mel". A "Nevasca". O "Floquinho". A "Dolly". O “pastor” viu cada ovelha nascer. O nome por qual atendem, foi ele quem escolheu. Conhece as personalidades. As individualidades. Os hábitos. Sabe que “Snowbel” é arredia e precisa ser vigiada de perto. “Flop” se distrai facilmente com as borboletas, e costuma se desgarrar do rebanho. Por elas, o cajado se transforma em espada, e o “pastor” se revela o mais corajoso dos samurais. Não é o dinheiro que o motiva... É o amor. E por amor, vale a pena correr riscos. Olhar a morte nos olhos e salvar uma unica vida. 

Jesus repetia a exaustão sobre a necessidade de estarmos atentos ao “chamado” do “Bom Pastor”. Confiança plena entre líder e liderados. Seguidores e quem é seguido. Laços de carinho, respeito e afeto mútuo unindo raças, cores e espécies num único elo de fraternidade. O mercenário tem um crachá em seu peito que o identifica como funcionário, e que indica sua aptidão para realizar um bom trabalho. Pena que ovelhas não sabem ler. O pastor não necessita de identificação nominal, pois o rebanho reconhece seu cheiro, seu toque e o tom da sua voz. Sabem do que ele é capaz. E se entregam sem reservas. 

Neste gesto de confiança, pode residir o perigo. 

Mercenários não salvam ovelhas, mas também não ameaçam rebanhos. Precisam deles para estarem ativos no mercado. Um rebanho aniquilado corresponde a menos trabalho disponível. Menos dinheiro em caixa. E aqui não há elogios aos mercenários da fé, apenas  a contestação inegável que eles não escondem sua intenção. Estão ali apenas pelo dinheiro. No fim do dia vão embora, sem nem olhar para trás. Não almejam enganar ninguém. Tudo é feito as claras. Todos sabem que a sinergia existe apenas enquanto o pagamento estiver em dia. E você sabe muito bem do que estou falando. Provavelmente alguns nomes vieram a sua mente, e isso é bom. Nunca confiaremos neles, e isto mantem o sinal de alerta ligado. 

Quem coloca a ovelha em perigo, são os próprios pastores. Nem todos. Não poucos. Um grupo bem específico e que se prolifera como bactérias num corpo adoecido. A Bíblia tem até um nome para esta categoria de homens perversos e inconsequentes: - PASTORES DE SI MESMO.

Maldita classe! É a maior ameaça que um rebanho pode sofrer. Eles não se comportam como mercenários, mas também estão entre os cordeirinhos apenas visando lucro. E a fonte de renda não é o contracheque do empregador, já que estes “pastores” se autodenominam “voluntários”, “servos”, "pobres"e “abnegados”. Pura enganação. Não clamam por pagamento externo, porque a colheita farta é realizada dentro da própria grei. Fazem das ovelhas, seu caixa eletrônico vinte e quatro horas. Pastores de si mesmo. O "Eu" em primeiro lugar. Ostentam títulos tais como “reverendos”, “bispos” e “apóstolos”, quando na verdade, deveriam receber uma tarja na testa com os dizeres: “assassinos de rebanhos”.

Pastores de si mesmo. Assassinos de Rebanhos. Estas expressões não foram idealizadas por mim. Gostaria que fosse. Quem as cunhou, e também as proferiu, foi o próprio Deus. Durante setenta anos os judeus estiveram dispersos sobre a terra, a mercê de lobos e chacais. O profeta Ezequiel foi levantado pelo Senhor durante o exílio na Babilônia, como uma voz chamando o povo para o reagrupamento. É através dele, que Deus repreendeu com severidade os “Pastores de Si Mesmo”, e expôs publicamente o modo operante desta corja.

 - Assim diz o Senhor! Aí dos pastores de Israel, que ao invés de apascentarem as ovelhas que lhes foram confiadas, cuidam de apascentar a eles mesmos! (Ezequiel 34:1-2).

Que mensagem reveladora! Ovelhas não são famosas por sua perspicácia, sabedoria e agilidade. Pelo contrário. São débeis e dúbias. Dóceis e distraídas. Mansas e indefesas. Escolhem seguir, porque não sabem escolher um caminho. Confiam demasiadamente, e assim, se torna suscetíveis. Basta um gesto de "carinho", para que sem maiores questionamentos, se embreiem atrás de seus líderes, em obediência e submissão. Enquanto houver grama verdinha e afagos na lã, abundará uma lealdade ignorante. E quanto aos “pastores”? Como pensam? Como agem? Como são? Ah, estes sabem muito bem o que estão fazendo! Por ofício, não podem ser ignorantes, inoperantes ou ingênuos. Precisam conhecer o perigo da estrada, a localização do pasto mais verde, e antever o esconderijo da alcateia. Pastores estão quilômetro a frente de suas ovelhas, seja em planejamento, conhecimento ou visão. Cada animalzinho depende dele para sobreviver. E este é um trabalho complexo, árduo e desgastante. Atenção aos detalhes. Centenas de informações visuais sobrecarregando os neurônios. Assim, caso uma ovelha se perca, existe a possibilidade de inúmeros argumentos que podem ser usados para eximir o pastor da culpa. 

Mas, que desculpas serão dadas, quando todo o rebanho encontrar a perdição?

Antes de continuarmos, deixe-me fazer um adendo. Obviamente, existe uma responsabilidade imensa sobre todos aqueles que exercem o pastorado como um dom ministerial. Muito é dado, e muito é requerido. Pastores são mordomos dum tesouro particular do próprio Deus. Uma honra inquestionável que anda de mãos dadas a uma responsabilidade inimaginável. Exatamente por isso, ore por seu pastor. Imagine sua vida sem a presença destes “anjos” estabelecidos sobre a igreja, e calcule o tamanho da lacuna. Ovelhas sem pastores são como pardais sem asas. Certamente você já ouviu falar de boi selvagem, cavalo selvagem, porco selvagem, gato selvagem, cachorro selvagem... Mas, “ovelha selvagem” é uma aberração da natureza. Precisamos de pastores. Nascemos para sermos pastoreados...

... E pastorear ...

- Não, Miquéias. Agora você falou uma grande besteira. Sou apenas um frequentador da igreja, sem curso teológico e o mais perto que cheguei de um microfone, foi nas prateleiras das lojas Americanas. Graças a Deus, sobre mim, não repousa o encargo do pastorado!

Que bom para você!

Mesmo assim, me permita a insistência. Pastorear é apontar a direção, prover água e comida. Chamar pelo nome e curar ferimentos. Não deveríamos realizar estas atribuições todos os dias?

Pais pastoreando filhos.
Professores pastorando alunos.
Médicos pastoreando pacientes.
Amigos pastoreando inimigos.

Estes são nossos rebanhos, igualmente confiados por Deus. Família. Vizinhos. Colegas. O moço da banquinha de jornal. A menina que vende Avon. Pessoas que o Senhor coloca em nosso caminho afim de que sejam curadas, protegidas e guiadas. Pastoreadas por mim, enquanto sou pastoreado por alguém. Um ciclo de cuidados e responsabilidades compartilhadas. Todos nós. Ovelhas de uns, e pastores de outros. Querendo ou não. Gostando ou deixando de gostar.

Agora que já entendemos que somos chamados ao comprometimento (seja para pastorear uma congregação com dez mil membros, ou apenas pastoreando a pessoa com quem dividimos a cama), vamos entender a ira de Deus contra os “pastores de si mesmos”

Basicamente, eles se aproveitam de seus rebanhos para viver com regalias. Recebem, sem nada oferecer em troca. Quando uma ovelha está coberta de lã, a tosquiam e fazem para si belos casacos, mesmo que a pobrezinha enfrente em “pele”, as noites frias do inverno. Quando a ovelha está “gorda”, refestelam-se com a gordura. Se alimentam com a carne de quem deveriam alimentar. Tratam o rebanho como a fila do self service. Investem em cordeirinhos viçosos, para no futuro, saquear a ovelha cevada.

E quanto ao resto do rebanho?

Não há vitamina para as ovelhas fracas.
Não há remédio para as ovelhas doentes.
Não há talas para as ovelhas fraturadas.
Não há preocupação para com a ovelha desgarrada.
Não há busca para a ovelha que se perdeu.
Sem colo. Sem ombro. Sem afago.

Para todas elas, porém, existe rigor e dureza. Pastores de si mesmo, dominando a ferro e fogo um rebanho que deveriam amar. Ovelhas não foram feitas para serem governadas. Não existe macho alfa entre elas. Ovelhas não guerreiam por território ou disputam parceiros com campeonatos de cabeçadas. Quando a tirania se instala, e o "rei" devora o "pastor", as ovelhas se dispersam. Elas espalham-se pelas campinas. Perdidas, famintas, assustadas e indefesas.

- Se tornam pasto para as feras do campo! (Ezequiel 34:5)

Pastores enviando seus rebanhos para a morte! Entregando suas ovelhas as aves de rapina, enquanto pastoreiam as próprias ambições.

- Meu Ego querido!
- Minha Vaidade amada!
- Minha Ambição inestimável!

Que vergonha! 

Será que temos agido da mesma forma que os pastores de Israel, sugando como aranhas famintas o néctar das ovelhas que Deus nos confiou? Teríamos esquecidos que "rebanhos" são propriedades do Senhor, e serão requeridas de volta? Ponderamos que as condições físicas, morais, psicológicas e espirituais serão checadas, avaliadas e re-conferidas por aquele que tudo sabe?

Paulo tinha esta preocupação. Quando se despediu da igreja em Éfeso, ciente que nunca mais voltaria para aquela cidade, reuniu os pastores locais e os instruiu a serem cuidadosos com o rebanho de Deus:

- Tenham todo cuidado meus amigos. Lembrem-se que foi o Espírito Santo que os ungiu para pastorearem a igreja que Deus comprou para si a preço de sangue! (Atos 20:28)

Deus. Cristo Jesus. Espírito Santo. O Sangue. A Cruz. O Trono. Todos na mesma sentença. Absolutos na igreja. Soberanos em qualquer pastorado.

Paulo estava preocupado com o avanço dos lobos. Eles chegariam aos montes. Não os mercenários citados por Jesus. Antes, fossem. Os lobos são piores. O mercenário só quer ganhar seu dinheirinho e ir embora. O rebanho é um detalhe. Para o lobo, o rebanho é o alvo. Eles não poupam ovelhas. Consomem a lã. Empanturram-se de carne. Descartam os fracos. Abandonam os doentes. Abrem as portas do aprisco apenas para os que “podem”, “querem” e “têm”. Evangelho seletivo focado em ovelhas gordas, robustas e fortes. A Bíblia sendo usada como cachaça servida aos perus na véspera do Natal.

- Foquem-se no cuidar das ovelhas... E não cobicem as riquezas que elas tenham a oferecer (Atos 20:33).

Que grandeza de pensamento! Almas em primeiro lugar. Igreja é hospital, sempre priorizando os doentes com maior gravidade. Quem menos tem a oferecer, sendo socorrido primeiro. Pelo menos, deveria ser assim. Paulo, pastor majoritário sobre muitas igrejas (mais do que podemos calcular), tinha como prioridade “entregar muito” antes de “receber pouco”.

Aconselhar os inquietos.
Consolar os desanimados.
Sustentar os fracos.
Exercer a paciência com todos.
Irradiar alegria.
Orar em todo tempo.
Ser grato.
Dar vazão ao Espírito.
Estar atento a voz de Deus.
Reter o bem.
Fugir do mal.
Santificar-se em Deus.
(I Tessalonicenses 5:14-23)

Pastorear aos outros, antes de ser pastor de si mesmo. Servir, sem a ambição de ser servido. Doar, especialmente para aqueles que não podem retribuir. Se não for neste termos, o contrato de trabalho é nulo para Deus. Ele é o Senhor que dá a paga pelo labor de seus servos. Ele recompensará a todos os que pastorearem em seu nome. Isto, na eternidade. Logo, não há dívidas pré-estabelecidas, pendentes ou faturadas entre pastores e rebanhos. Apenas vínculos de amor. Não cobre das ovelhas, o valor acordado entre você e o Senhor da seara!

Deus é categórico ao reverberar contra os “pastores de si mesmo”:

 - Maltrataram meu rebanho? Agora sou Eu que me levanto contra vocês! Arrancarei minhas ovelhas de suas bocas, lobos devoradores de almas e homens! Descerei dos céus e buscareis todas as perdidas, e as trarei de volta ao aprisco para que descansem. Ligarei a quebrada, curarei a enferma e retirarei do meu redil, toda gordura excessiva e desnecessária. Elas não comerão mais dos pastos que vocês pisaram e nem beberão mais das águas que suas mãos sujas tocaram. Todos saberão que Eu, o Senhor, cuido de minhas ovelhas, e que elas, são o meu povo. Sim! Israel é meu povo, ovelhas do meu pasto!

E para aqueles que se acham a última bolachinha do pacote, reis da cocada preta e senhores da carne seca, a profecia de Ezequiel termina com uma mensagem, que recoloca cada um de nós, em nossos devidos lugares. Ovelhas. Partes de uma grei maior, onde mercenários, lobos e “pastoresmos” não tem espaço, voz ou vez.. Rebanho de um só Pastor, este sim, absoluto em si mesmo. Aquele que dá a vida por suas ovelhas:

- Vocês são homens, nada mais que isso. Humanos. Gado no pasto da vida. Porém, eu sou o Senhor! O Eterno. O vosso Deus! (Ezequiel 34:31)

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Sua Majestade, Rei Umbigo I

A arrogância é o reino - sem a coroa.
(Provérbio Judaico)


Se existe um mandamento difícil de cumprir, é o registrado em Mateus 16:24: - Se alguém quiser vir após mim, renuncie-a si mesmo, tome a sua cruz e me siga.

Seguir à Jesus não é nenhum sacrífico. Ele alimenta a alma do homem com Palavras de Vida Eterna, e ainda abastasse o estômago humano com peixe e pão. Em volta de Cristo vivenciamos milagres. A cegueira irradia luz, a surdes ouve a voz do Pai e a paralisia saltita com elegância. Não existe melhor lugar para se estar. Tomar a cruz sobre os ombros não é tão difícil assim (mesmo não sendo fácil também). Carregamos tantas bagagens nas costas, que trocá-las por um vigamento de madeira é até acalentador. A grande dificuldade encontrada neste ensinamento de Jesus é a “renúncia”.

Como Cristo ousa pedir para que “eu” deixe de seu “eu” mesmo?
Que tipo de doutrinamento autocentrado é este?

Se tal ordenança já era demasiadamente pesarosa nos dias de Jesus, imagine seu peso em tempos modernos. Somos filhos de uma cultura individualista que apregoa o amor próprio inconsequente e a felicidade pessoal acima de todas as coisas.

- Seja você mesmo!
- Viva sua vida sem moderações!
- Brilhe! Lacre! Ouse! Impacte! Questione! Afronte! Aconteça!

Como já cantava Raul Seixas há algumas décadas atrás, “faz o que tú queres, pois é tudo da lei!”

Em resumo, somos orgulhosos demais para abrirmos mão de quem “somos” e viver a vida que Deus deseja. Se “eu” não gosto, certamente não é bom para “mim”. Estamos tão acostumados a ser o centro do universo, que quando Jesus chega para ressuscitar o “Lázaro” que matamos com as próprias mãos, ordenamos que Ele mesmo remova a pedra. E ainda chamamos tamanha prepotência de louvor! Nossa presunção é tão gritante, que NOS negamos a sujar as mãos ou empregar esforços, mesmo que o trabalho braçal seja parte de um grandioso milagre. E lançamos os fundamentos desta estagnação espiritual para justificar todo tipo de anomalia teológica. Deus passa a ser um personagem secundário da história, acionado apenas para atender os desejos mesquinhos de homens arrogantes.

Está tudo errado. Muito errado. Perigosamente errado.

A sensação de grandeza provocada por um ego inchado, infla as pálpebras dos olhos espirituais, impedido nossa visão. Não enxergamos a espada de Deus se movendo na direção das ambições mudanças. Uma bariátrica emergencial agindo em nossa imprudente enfatuação. Cirurgia agressiva para evitar a morte definitiva.

Existe inúmeros exemplos históricos de homens, mulheres e impérios que se consolidaram sobre bases de arrogância, e despencaram como jacas apodrecidas. Herodes, Acabe, Nabucodonozor, Jezabel... Grécia, Roma, Assíria, Egito... Mas, encontro uma lição valiosa no livro do profeta Jeremias, que evidencia o quanto a renúncia do próprio querer é revestida de “inconveniências”, mas pode ser o único meio de sobrevivência num cenário de crise.

Hum... Tempos de crise! Isso me faz lembrar que aprender com lições do passado, é a melhor forma de, no presente, garantir um futuro de paz. Então, meu Brasil, entenda que agora é a hora do aprendizado.

Jeremias viveu num período de grande instabilidade política, com uma sucessão sistêmica de governantes e conchavos internacionais. Ao todo, o profeta vivenciou cinco governos distintos, sendo a maioria destes reis, dotados de arrogância e presunção. A mensagem de Jeremias apontava para um caminho “menos” doloroso, já que a sentença divina sobre nação estava lavrada. Fatalmente, Judá seria subjugada pela Babilônia, sendo o poderoso Nabucodonosor uma ferramenta do próprio Deus na lapidação de seu povo. Ciente que este era um processo irreversível, o profeta clamava aos seus governantes para que se rendessem aos caldeus, evitando assim o conflito armado com milhares de baixas civis e militares.  Nas palavras de Jeremias, era preciso aceitar o castigo divino, aprender com os próprios erros e se voltar para Deus, na busca por um futuro de esperança. O presente estava comprometido por uma tragédia anunciada com muita antecedência (Lamentações 3:29).

Este discurso “pessimista” do profeta foi encarado como uma “afronta ao orgulho nacional”, já que o “governo” ludibriava o povo com falsas expectativas de sucesso (Jeremias poderia muito bem, ser um profeta brasileiro em plena atividade ministerial).

Uma série de estratégias políticas malfadadas puseram Judá na rota do fracasso. Subjugados pela Babilônia, e taxados com altos impostos pela corte de Nabucodonosor, os judeus ainda preservaram sua elevada estima. Afinal, eles eram os “Filhos de Abraão”, a nação que tinha ao seu lado “O Senhor dos Exércitos”. Seus pais haviam atravessado o mar, se alimentado de pão do céu e vencido guerras improváveis. Porém, o passado de Israel não os isentava do castigo vindouro. Com a boca eles evocavam a memória de um Deus libertador e poderoso nas batalhas, mas, em seus corações, estava acessa a chama do hedonismo e do orgulho próprio. Os judeus se achavam auto-suficientes, e este sentimento mesquinho, os levaria a ruína total.

O último rei de Judá foi Zedequias, contrariando as orientações do profeta, costurou um acordo de cooperação militar com os egípcios, e assim, conquistou apoio nacional para insurgir contra a Babilônia. Ele acreditava que a união dos dois exércitos seria suficiente para derrotar as forças bélicas dos caldeus. Em seu orgulho, o prepotente monarca, se esqueceu que os egípcios priorizavam os próprios interesses, e que através de diversos profetas, o Senhor já havia alertado seu povo a não confiar no Egito para acordos políticos e militares. Usar o “Egito” como um apoio, equivalia a usar uma “vara de pesca muito fina” no lugar de uma muleta. Além de se quebrar com facilidade, ainda rasgaria a carne de quem se apoiasse nela (II Reis 18:21, Isaías 36:6 e Jeremias 2:16).

Judá preferiu confiar em quem lhes trairia a confiança com facilidade, e ignorou a voz de se Deus, que lhes fora fiel desde a antiguidade. Soberba humana atraindo o fracasso.

E neste contexto histórico, onde Judá se assemelha as nações pagãs da terra, que o profeta discursa sobre o destino insólito de Moabe (Jeremias 48). A intenção era lembrar aos judeus, que eles estavam seguindo os mesmos passos de seus vizinhos, caminhando rapidamente para o abismo da derrocada espiritual. O Deus que abominava os pecados de Moabe, também abominava os pecados de Judá. Os atos pecaminosos de ambas as nações, atraia sobre os povos a fúria do Senhor, e consequentemente, seus juízos. Quem age como quer, provoca reações que pode não querer. O orgulho aciona a roda gigante da história, e faz do altivo, o esteio onde até mesmo os débeis, caminham com sapatos de ferro.

A grande verdade, é que Deus não “mima” os seus filhos e nem “põe panos quentes” sobre as contravenções de seu povo. O Senhor corrige e açoita a quem ama. Deus prefere uma ovelha com as patas quebradas sobre seu ombro, do que uma ovelhinha saltitante longe do redil. Sendo assim, sempre que preciso, Ele quebrará nossos pés, visando nos manter próximos de seu cuidado. Neste ponto, a obediência ao Senhor, e a humildade de estar debaixo de sua vontade, evita fraturas. Judá não entendia que está era a mensagem de Jeremias, assim como diversas nações também não entenderam a voz dos profetas ao longo dos séculos. E o resultado desta arrogância, que nos faz surdos ao clamor divino, é tragédia, decadência e ruína. Ignorar a voz de Deus é acionar o “botãozinho” da autodestruição. Nínive sucumbiu pelas palavras de Naum. Edom encontrou seu fim na mensagem de Obadias. A Babilônia ruiu após a revelação de Daniel.

Israel e Judá, mesmo sendo o povo escolhido do Senhor, também ignoraram a voz de Deus, e muitas vezes, tentaram calar seus profetas. Elias, Jeremias, Ezequiel, Ageu, Miquéias, Habacuque. Tantas mensagens conclamando ao arrependimento, e por vezes, faladas como que ao vento. O orgulho humano é um protetor auricular potente, com selo de aprovação do inferno. Cada palavra ignorada, é um passo em direção ao abismo. O orgulho precede a ruína, e Judá – o povo de Deus, se tornou um ratinho indefeso, nas garras de um leão poderoso e cruel. Quem investe num projeto pessoal, descartando Deus de toda equação, deixa um ponto de ruptura que o inimigo não está propenso a ignorar.

Em Cristo, somos feitos povo de Deus. Um novo Israel, descendentes de Abraão pela fé. Filhos amados, e consequentemente, castigados em amor, quando a disciplina verbal não surte efeito. Não são profetas que erguem a voz revelando a vontade do Senhor a nossa geração. É Jesus:

 - Renunciem aos próprios desejos. Vivam uma vida que agrade a Deus e não aos homens.

Seremos obedientes a esta voz, escondendo o próprio ego atrás de cruz, ou seguindo o exemplo de Israel, Judá e Moabe, permaneceremos leais ao próprio umbigo, caminhando a passos largos rumo a um abismo escuro e com profundezas inimagináveis?

O umbigo do homem é um vórtex atraindo destruição e ruína. Um rei sem coroa declarando guerra contra o próprio Deus, condenando seu reino a uma derrocada definitiva. Rei Umbigo I. Monarca ganancioso, voraz e intolerante. Nada sabe, mas tudo quer. Quando mais de “MIM”, eu desejo ter, mais próximo da destruição escolho estar. Até porque, o "homem" que confia no próprio "homem" se auto condena a uma vida de maldição, e neste caso, o menos confiável entre todos os homens da terra, sou exatamente “eu”. Então, que a sentença da turba seja o brado: - Morte ao rei!

A prudência (e o bom senso) me apontam apenas uma direção. Menos o que quero, e mais do que Deus deseja. Menos do que acho, e mais do que Deus já sabe. Menos do que eu busco, e mais do Deus tem para oferecer. Que morra eu (e ninguém chore), e Cristo viva eternamente em meu lugar.



segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Pedras nas Mãos

Faz de tua conduta a tua religião.
(Provérbio Hindu)


Permita-me começar este texto de forma sucinta e até meio beliciosa. Em bom português, “chutando a porta com força”. É simples assim: Jesus se preocupa com as “pessoas”, suas histórias, anseios, necessidades, dificuldades e expectativas de futuro. A religião, por outro lado, só se importa com ela mesma. Aspirações institucionais não consideram a individualidade do homem. Cuidam apenas de absorver o que o indivíduo tem de melhor, e o descartam sem maiores ponderações, quando o consideram uma casca vazia, de onde não se pode mais extrair conteúdo produtivo.

Certamente, você já teve experiências traumáticas com a religião, e talvez, ainda carregue na alma as ranhuras da decepção vivenciada dentro alguma igreja ou gerada pela convivência junto à lideranças religiosas. Ainda bem que Jesus é à prova de decepções, e tem em suas mãos o bálsamo curador, capaz de transformar as mais purulentas feridas, em meras cicatrizes insensíveis ao toque. Lembranças de um passado com o qual não nos preocupamos mais.

O capítulo oito de João, registra um embate épico entre “Jesus” e a “Religião”, e evidência de forma cristalina, a forma como o ser humano é tratado em ambos os lados. E esta é uma história bem conhecida, e que se repete todos os dias.

No apogeu de seu ministério, Jesus percorria a Galileia espalhando as Boas Novas do Reino dos Céus. Mensagem de amor, fé e esperança. Cristo ensinava a abnegação para uma sociedade instigada à práticas hedonistas de revanchismo e vingança. O ensinamento de Jesus estava em rota de colisão com o milenar conceito do “olho por olho”. Cristo apontava o perdão como um caminho mais excelente. Amor aos inimigos. Boas ações para com aqueles que faziam o mal. O “perdoar” sistêmico, inesgotável e imparcial. Cristo condenava abertamente o pecado, ao mesmo tempo que apregoava redenção ao pecador. Ladrões e prostitutas encontravam em Jesus uma possibilidade de transformação. Se lançavam aos seus pés, abandonando os muitos pecados cometidos e alcançando misericórdia. Os religiosos, por sua vez, imersos em hipocrisia e moralidade artificial, se negavam ao arrependimento, pois consideravam a si mesmos, como homens santos e superiores. Não precisavam de Cristo para os salvar.

Jesus não se conformava com este comportamento arrogante, e os confrontava publicamente. - Sepulcros caiados! - Marajás da Fé! - Mercantilistas da Lei! - Falastrões da Verdade! - Porque obrigam seus seguidores a carregarem cargas pesadas que vocês mesmos se negam a carregar? Cristo estava coberto de razão, e não haviam argumentos convincentes contra sua mensagem. E o que a religião geralmente faz com uma voz que se levanta contra ela? Impõem silêncio!

Mas, como calar aquele que é o Senhor da Verdade?

Os religiosos costuravam planos secretos contra Jesus. Tramavam estratégias para desmotivar sua pregação. O acusavam de agir em nome de demônios. Em reuniões escusas, cogitavam a possibilidade de matá-lo. Nada surtia efeito.

Um dia, enquanto ensinava no pátio do templo, a religião afrontou Jesus abertamente. Não o reconheciam com Filho de Deus. Destemido, Cristo ergueu sua voz e se declarou a “Água da Vida”, convidando aos sedentos, para nEle, saciarem a sede. Desde eras remotas, a religião só tem a oferecer águas rotas que provocam ainda mais sequidão de alma, e Jesus é uma fonte jorrando "águas vivas" por toda eternidade. Não é tão difícil assim, optar por um dos lados. A multidão se inflamou. Logo, gritos entusiasmado ecoaram pelo pátio: - Este homem nos foi enviado por Deus!

Burburinhos percorriam entre o povo. – A Galileia não nos dá nem profetas. Poderia o próprio Messias vir de lá? – Pode ser que sim. Dizem que ele é descendente de Davi!  Os guardas do templo ficaram preocupados com um possível tumulto. Os líderes religiosos estavam apavorados com a repercussão da mensagem. E então, cogitaram a possibilidade de prender Jesus. Calar sua voz. Mas, ninguém teve coragem para confrontar tamanha autoridade. A religião se agigante perante os homens, mas se anula diante do Cristo. Sem capacidade de ação, todos foram para suas casas, menos Jesus, que subiu ao monte afim de orar. (João 7:53 – 8:1).

Na manhã seguinte, Cristo voltou ao templo para ensinar, e logo uma multidão o cercou, ávidos por “beber” de suas palavras. Os religiosos também estavam em prontidão, e desta vez, tinham uma nova estratégia. Um plano melindroso para desonrar Jesus e desmerecer sua mensagem. Desmoralização e confrontamento astucioso. Não são exatamente estas, as armas que ainda hoje, a religião mais usa contra seus inimigos “declarados”? Aliás, inimizadas semeadas, regadas e cultivadas por ela mesma. A religião aponta erros futuros enquanto tenta apagar a história já escrita. Clama ser o único caminho, mesmo que em outras frentes, Jesus esteja sendo evidenciado. Apontam árvores frutíferas e testificam que aqueles são frutos de pecado, enquanto em seu interior, irriga galhos com uma seiva maléfica e infecciosa gerada na própria raiz. Ah, religião! Como Satanás se orgulha deste modo operante. O inferno aproveita o feriado prolongado, enquanto seitas, filosofias e igrejas fazem com competência, o trabalho que deveria ser feito apenas pelas hordas infernais.

Voltemos aos eventos narrados por João. 

Enquanto Jesus ensinava no pátio do templo, os religiosos trouxeram até ele uma mulher flagrada em adultério. E destilaram o veneno entre as presas legalistas: - Mestre, a Lei de Moisés ordena que a apedrejemos. E o senhor? O que nos aconselha a fazer?

Demônios vestidos de homens. Como é asqueroso este comportamento religioso. Se faz valer de dogmas e estatutos para confrontar a mensagem do próprio Jesus. Que baixeza! Que pequinês de espírito! Que ausência de caráter! Me desculpe por esta “branda” revolta, mas este é um tema que eriça a minha pele. Faz o estômago revirar. Digo isto porque percebo similaridades entre o comportamento dos religiosos desta história, e a forma de pensar da religiosidade moderna. São as mesmas ações praticadas dentro das igrejas, e que fatalmente, se refletem em mim e nas pessoas que amo. E certamente, cedo ou tarde, também atingiram você, seus familiares e seus amigos. Todos estamos sujeitos as incongruências de um sistema falido, viciado e intolerante, sendo a intolerância aplicada ou suspendida quando for mais conveniente.

Vamos lá.

Primeiro ponto. A religião apenas condena.

João relata que os “mestres da lei” e os “fariseus” arrastaram uma mulher a força, e a fizeram ficar de pé, diante da multidão. Em alta voz, narraram garbosamente a iniquidade cometida, relatando que a mesma havia sido pega em flagrante “adultério”. Uma vez que o rosto da pobre mulher tinha sido memorizado por todos os presentes, e o pecado cometido na alcova já era de domínio público, os “zelosos homens de Deus” apresentaram a sentença: - A lei manda que a matemos. Se a apedrejarmos, estaremos apenas cumprindo a ordem de Jeová! Ah, religião! Sempre responsabilizando à Deus por suas guerras, intrigas e preconceitos. Tentando manchar as mãos do Senhor com o sangue que homens trajando turbantes, quipás, armaduras, estolas ou ternos, fazem questão de derramar todos os dias.

Os religiosos não se preocuparam em contar para Jesus a história daquela mulher. Qual o seu nome? De onde ela vinha? Com quem era casada? Quais os motivos a levaram a trair seu marido? Quais argumentos ela tinha em sua defesa? Estava arrependida de seu pecado? Qual era a cor predominante de seu coração? Nada disto importava. E continua não importando. A religião apenas se interessa em proficuidade. O que você pode dar a “ela” e o que “ela” pode tirar de você. Quando os recursos se esgotam, nomes não passam de sussurros inaudíveis. A história é limada e reescrita para atender aos caprichos de editores engravatados.

Quer um bom conselho? Não se iluda com promessas e tapinhas nas costas. Infelizmente, somos apenas mais um item na linha de produção, descartado quando o padrão requerido não é replicado. E o pensamento religioso é tão mesquinho, que até mesmo neste descarte, é encontrado um propósito egoísta. Somos transformados em bodes expiatórios. Tachados de frutas podres caindo da árvore. O joio sendo separado do trigo. Deus fazendo a limpeza da eira (e lá vai a religião banalizar o nome de Deus outra vez).

A religião apenas nos impõem rótulos. Hoje você é uma “Benção” e amanhã é chamado de “Maldição”. Cansei de ver “Homens de Deus” renomeados como “Endemoniados”, “Servos do Diabo” e “Feiticeiros de Satanás", simplesmente porque se transferiram da denominação "A" para a denominação "B".  E nestes casos, seus feitos são esquecidos, a trajetória deturpada e a dignidade questionada. A religião omite o que deseja esconder, e escancara os arquivos que precisa divulgar, maquiando números e incriminando pessoas. Exatamente por isso, não sabemos muito sobre aquela mulher coagida e assustada, apenas a informação que a religiosidade colocou em letras garrafais no quadro de anúncios: ADÚLTERA. 

Os religiosos também não apresentaram uma resolução misericordiosa para o problema. Não pensaram em sentimentos ou consideraram as emoções. O discurso estava ensaiado, e a sentença decretada antes do julgamento. Sem direito a defesa. Não haviam advogados indicados pelo estado. Apenas promotores. Muitos deles. Todos com pedras nas mãos, e um contêiner de pedregulhos estacionado na porta. A religião acusa e condena. Sem recursos. Sem o benefício da dúvida. Nenhum resquício de humanidade. Os religiosos usaram aquela mulher da mesma maneira que usamos queijo numa ratoeira. Apenas uma isca. Queriam destruir a reputação de Cristo, nem que para isto, alguma pobre alma infeliz tivesse que morrer.

E o próprio narrador da história é quem nos revela as intenções nefastas por trás do teatrinho religioso. Se Jesus concordasse com o apedrejamento, iria contradizer a mensagem que pregava, e com isso, cairia em descredito junto aos seus seguidores. Seria um suicídio ministerial. Porém, se discordasse da sentença prevista em lei, e proibisse o linchamento, estaria cometendo um crime civil, podendo ser preso e condenado por incitar a profanação. Um suicídio social! Os fariseus sorriam entre os dentes. Os escribas se ruborizavam de ansiedade. Não havia saída para Jesus. A armadilha perfeita estava armada, apenas esperando o movimento da presa.

Ponto dois. A religião é seletiva.

A atitude de Jesus diante de tamanha pressão psicológica é surpreendentemente moderada. Ele se abaixa, e com os dedos, começa a escrever sobre o chão de terra. Sempre me perguntei quais seriam as palavras registradas e o significado de cada uma delas. Então, entendi que nada disto importa. A intenção de Jesus era apenas despertar curiosidade. E conseguiu. Um a um, os olhos que fitavam a mulher pecadora, flamejantes de ira e desprezo, migraram até Jesus. O assunto que caminhava como uma "serpente movida a foguetes" por entre a multidão, mudou completamente. Em poucos minutos, “o que ela fez?” foi substituído pelo “o que ele está fazendo?”. A religião coloca os holofotes sobre o pecador e, eloquentemente, reverbera seu pecado. Jesus esconde o pecador atrás de sua cruz, e leva sobre si, todas as pedras que lhe eram destinadas. Cristo está disposto a fazer este sacrifício por “todos”. A religião, se propõem a sacrificar apenas quem lhe convém.

Matemática simples. Quantos indivíduos são necessários para que se configure um cenário de adultério com cunho sexual? A menos que minhas contas estejam muito equivocadas, aqui se tem um resultado mínimo de “dois”. Agora, uma perguntinha de mera observação. - Onde está a segunda pessoa envolvida nesta situação? Se houve um flagrante, porque apenas a mulher foi arrastada para um julgamento pré concebido? Que raios de zelo religioso é este, que escolhe quem deve viver ou morrer, dentro de um contexto igualitário? A sentença de morte decretada sobre a alma pecadora é universal, assim como o perdão de Deus se estende a toda humanidade. Quem nos deu o direito de fazermos uma seleção? E onde estão estabelecidos os critérios desta escolha? Ah, religião! Sua parcialidade deixa Deus enojado. Condenando alguns para encobrir os crimes de tantos outros.

Jesus certamente estava disposto a dar uma nova chance a todos os envolvidos nesta tragédia espiritual. Fosse “ele e ela”, “ela e ela”, “elas e elas” ou “elas e eles”. "Maior", que o "maior" dos pecados, é uma "pequena" fagulha do amor do meu Cristo. Do nosso Salvador. E Ele não deixaria que aquela mulher arcasse com os pecados que não eram seus. Ela, se quer, podia carregar os que eram somente dela. Então, Jesus tomou sobre si o pecado de todos. Ele se pôs entre as mãos da morte e o pescoço do pecador. Atraiu para si os olhares acusadores. Assumiu a culpa e pagou o preço. Ali, no pátio do templo, enquanto escrevia na terra, Cristo ensaiava para cruz.

Ponto três. Todos somos pecadores, independente da religião, escola teológica ou placa de igreja que tanto insistimos em defender.

Jesus não coloca panos quentes sobre o pecado. De jeito algum. Ele o abomina. Isto faz seu sacrifício ainda mais relevante. Imagine-se entrando completamente nu em uma fossa onde estivesse concentrado os dejetos de todas as pessoas do mundo. Vivas ou não. Foi exatamente isto que Cristo fez. O pecado o enoja, mas ele mergulhou num oceano de imundícias para nos retirar de lá. Todos. Cada um de nós. E com plena ciência da condição humana, Jesus tem na ponta da língua a resposta que desata todos os nós. Que faz a armadilha desengatilhar nas mãos dos religiosos.

- Aquele que não tiver pecados, que atire a primeira pedra!

Parece que o jogo virou não é? Fica mais difícil jogar uma pedra em alguém, quando percebemos que ela é um rochedo de dez toneladas pronta para cair em nossas próprias cabeças. Jesus colocou um espelho diante de cada fariseu, e lhes revelou individualmente, os pecados que tentavam esconder da sociedade. Basicamente, “adultério” consiste em corromper o estado original, modificando a essência e os propósitos previamente estabelecidos. A grande maioria dos religiosos ali presentes sempre se mantiveram fieis aos seus cônjuges. Mas, quantos deles, eram em suas vidas privadas, exatamente como Deus desejava e instruiria em sua lei? A resposta é simples. Nenhum deles. Nenhum de nós. Vidas adulteradas. Essências corrompidas. 

E foi o vislumbre desta verdade, que fez as pedras caírem ao chão. Todos os religiosos foram desarmados com uma única frase. Primeiro, os mais velhos. Depois, os mais jovens. O silêncio era tamanho, que o som oco das pedras encontrando o solo se assemelhava ao reverberar de trovoadas. Gotejos de realidade salpicava os rostos, e a vergonha de uma única mulher, passou a ser compartilhada por muitos. E ao contrário dela, que ficou o tempo todo ao lado de Jesus, seus acusadores, ao sentirem o peso do pecado flexionando os ombros, simplesmente escolheram se afastar da salvação. 

Cristo havia derrotado a religião no campo escolhido pela religiosidade. Sem burlar as regras. Apenas se importando mais com o ser humano, e menos com as conveniências sociais. Quando Jesus levantou sua cabeça, só havia uma pessoa próxima à Ele. Uma mulher tremula e com os olhos encharcados de lágrima. Ao redor, uma multidão atônita, esperava ansiosa o pronunciamento do Mestre. Jesus se limitou apenas a duas perguntas:

- Mulher, onde estão as pessoas que te acusavam e exigiam condenação? Nenhuma delas teve coragem de te apedrejar?

- Não, meu Senhor. Todas foram embora...

E então, com um toque nos cabelos desgranhados daquela mulher, depositando em seu pálido rosto um olhar de compaixão, com voz acolhedora e gentil, Jesus pronunciou sua sentença:

- Absolvida! Vá em paz para sua casa e abandone esta vida de pecado!

Em tempo algum, a Igreja pode esquivar-se de sua responsabilidade em denunciar o pecado e convocar ao arrependimento o homem pecador. Só não pode se esquecer que o martelo do juiz está nas mãos de Deus, e que entre o pecador e a condenação, existe um advogado justo e amoroso, com poder (e a vontade) de perdoar, remir e salvar. Sem parcialidade ou interesses egoístas. Sigamos seu exemplo de misericordia, já que sem a mesma também haveria um caminhão de pedras reservado para mim. E outro para você!