Não
se vanglorie por suas mil qualidades,
pois
podem ser abolidas por um só defeito, a soberba.
(Leyla Alves)
José Clemencio Altieres da Silva, mais
conhecido como “Zé dos Rolos”, era um sujeito xucro criado nos rincões de Mato
Grosso do Sul. “Comprador e vendedor” de tudo que é negociável (ou não), em uma de suas andanças pelo
interior do Brasil, se deparou com uma igrejinha de pau-a-pique e cobertura de
sapê, cujas portas escancaradas eram um convite aos cansados do caminho. Entrou
tímido e assentou-se no último banco, enquanto o fervoroso grupo de mulheres
cantava com entusiasmo (e certa desafinação)
sobre o “Jesus que te chama e deseja te
salvar”. Se sentiu bem ali, leve de alma e livre de culpa.
Quando o pastor perguntou se havia alguém
fatigado com os afazeres da vida, e que desejava se entregar ao Cristo da
canção, ele não pensou duas vezes. Mãos em ristes e joelhos dobrados, “Zé dos
Rolos” se tornou o “Zé dos Irmãos”, ou “Zé dos Crentes”, como passou a ser conhecido
nos arredores de Taquarussu.
“Zé dos Crentes” se revelou um cristão
voluntarioso e destemido. Falava de Jesus a todos que encontrava na estrada. Nunca
perdia um culto, sendo sempre o primeiro a chegar na igreja, e o último a ir
embora. Cantava o hino quinze da Harpa Cristã com os olhos embebecido de lágrimas,
e mesmo iletrado, recitava de cór páginas inteiras da Bíblia Sagrada. Passava
horas de joelho em oração, intercedendo nominalmente por cada rosto que podia
se lembrar. Solteirão convicto, tratava com respeito as mulheres da comunidade,
e sempre que alguma moça faceira voltava os olhos para ele, já deixava claro
que estava buscando a “direção do Senhor” e esperando em Deus sua “preparada”.
Este seria um homem de caráter cristão ilibado, se não fosse a única fraqueza
de sua vida. “Cordas”.
Sim, “Zé dos Crentes” tinha um terrível hábito
que desabonava sua fé. Ele era "um ladrão de cordas” compulsivo. Toda semana,
lá estava o irmão “Zé” na sala do Pr. Asdrúbal. Chorava copiosamente enquanto
confessava seu pecado: “- Pastor... Eu
roubei outra corda”. Pobre Asdrúbal. Não sabia mais o que fazer, ou como
aconselhar o irmão Zé. Disciplina? Muitas. Discipulado? Seguidos. Oração? Todo
dia. Perdão? Setenta vezes sete.
Numa noite chuvosa, enquanto jantava com sua
família, o Pr. Asdrúbal foi surpreendido com batidas na porta de madeira. Lá
estava mais uma vez o irmão Zé. Suas lágrimas escorriam volumosas camufladas
pela chuva. Assim que viu o pastor, caiu de joelhos clamando com a voz
embargada: - Fiz uma coisa terrível
hoje... Roubei cinco cordas de uma mesma pessoa!
Pr. Asdrúbal já estava com a paciência na
“reserva”. – Meu Deus do céu, irmão Zé.
Você precisa se libertar desta escravidão pecaminosa. Roubar cordas! Qual o
propósito disto?
Mas, não é praxe do pastor deixar suas
ovelhas na chuva. Enquanto o irmão Zé se secava com uma tolha desgastada de tom
azulado (quase branco), a irmã
Sininha, companheira ministerial de Asdrúbal nos últimos trinta anos, colocava
mais um prato de “pucherada” na mesa. Após a refeição, “Zé dos Crentes” já
estava mais calmo. O pastor pediu para que todos se retirassem da cozinha, pois
gostaria de ter um particular de “homem para homem”. Era chegada a hora da
verdade.
Entre goles de “tereré” e mordiscadas no
generoso pedaço de bolo de arroz, a conversa iniciou-se arrastada.
- Irmão José. Há meses tenho sido paciente com esta incomoda situação. Já perdi as contas de quantas vezes você me procurou para confessar que pecou contra o Senhor, roubando a “corda” que pertencia ao seu próximo. Pois bem. Hoje, de uma vez por outra, quero saber o motivo que te leva a insistir neste pecado. O que você faz com estas “benditas” cordas?
- Irmão José. Há meses tenho sido paciente com esta incomoda situação. Já perdi as contas de quantas vezes você me procurou para confessar que pecou contra o Senhor, roubando a “corda” que pertencia ao seu próximo. Pois bem. Hoje, de uma vez por outra, quero saber o motivo que te leva a insistir neste pecado. O que você faz com estas “benditas” cordas?
- Eu
jogo elas fora, pastor – Respondeu o irmão Zé,
enquanto baixava o olhar.
- Como
assim? – Esbravejou o Pr. Asdrúbal. – Rouba a corda e joga ela fora? O que você
ganha com isso?
- Nada! – Explicou o irmão Zé. E então completou: - Eu ganho mais com a venda do cavalo que
vem amarrado na corda.
A história do irmão “Zé dos Crentes” pode até
ser fictícia, mas não é ficcional. Aliás, qualquer semelhança com a ficção é
mera realidade. Todos nós temos “cordas” escondidas nos baús que mantemos
trancados no porão da alma. Vestígios do “Zé dos Rolos” que ainda podem ser
notados no “Zé dos Crentes”. Em Romanos 6:6, Paulo nos ensinou que o exercício
pleno da vida cristã só é possível quando o velho homem é crucificado com
Cristo, pois somente assim, o corpo do pecado é desfeito e o ciclo pecaminoso
que nos amarra a morte eterna é quebrado. Apenas morrendo com Cristo, é que
vivemos para Deus.
Temos este discurso na ponta da língua e aprendemos
a executar prontamente a diretriz apontada pelo apóstolo. Mesmo que para isto,
sempre façamos um “arranjinho serelepe” no processo. O “jeitinho brasileiro”
aplicado na espiritualidade que transcendo o tempo. Substituímos os “cravos”
pelo “velcro”, e pronto. Crucificação instantânea, convincente e “não”
permanente. Sem sangue. Sem dor. Sem renúncia. Ao invés de matarmos o velho
homem, damos a ele um coquetel de Valium, Rivotril, Diazepan, Alprazolam,
Trazadona e Dramim B6. Ele até parece morto, mas apenas dorme. Basta uma
injeção de adrenalina, e lá está o velhinho, todo jovial, pronto para viver
novas aventuras. “Zé dos Rolos” outra vez.
E não adianta olhar para o irmão do lado
nesta hora. Todos temos velcros e cordas na bagagem. Mudam-se rótulos, cores e
nomes, mas a essência é a mesma. Em nossa composição humana existem falhas visíveis,
deficiências de caráter, segundas intenções reprimidas, fraquezas e desejos
reclusos. E as “cordas,” que “vez ou outra”, apanhamos na propriedade alheia,
são as desculpas que usamos para esconder nossas reais intenções e disfarçar as
ações ilícitas que “mãos, olhos e pés” insistem em praticar, mesmo contra nossa
vontade (Romanos 7:15).
Em busca de auto-justificação, apontamos o
pecado de outras pessoas, as falhas institucionais da igreja e as dificuldades
inerentes a vida. Encobrimos nossos erros com os erros alheios. Tapamos o sol
com a peneira e acreditamos que isto nos protegerá dos raios UV. Quanto engano.
Deus não se deixa influenciar por nossas visões unilaterais ou julgamentos pedantistas.
Egolatria também é um pecado que afronta
a honra do Senhor. Quando formos chamados diante do tribunal divino, cada um
terá que apresentar argumentos estritamente pessoais. O que meu próximo fez (ou deixou de fazer) não vai “limpar” a
minha barra diante daquele que “tudo sabe” e “tudo vê”. Ali, não existem
inocentes e nem discursos bem ensaiados. Só a verdade nua e crua. Ações,
omissões e intenções formando o banco do júri. Como sabiamente ponderou o poeta
inglês Thomas Stearns Eliot: “Ah, minha alma!
... Prepare-se para encontrar aquele que sabe fazer as perguntas. ”
Cordas ou cavalos. Qual a diferença diante de
Deus? Quem define qual dos roubos deve ser punido com maior rigor? Será que
Satanás se importa com nossa tabela classificativa de pecados? Creio que não. O
inimigo só quer te derrubar, e não importa se para isso terá que escavar
buracos gigantescos na estrada ou apenas deixar uma casca de banana no caminho.
Se for preciso, ele se esforçará para quebrar tuas pernas, mas, um simples escorregão
também serve aos intentos malignos. Foi exatamente por isso, que ao escrever
sua primeira carta à igreja de Corinto, onde haviam muitos “irmãos”
interessados no “pecado alheio” como justificativa para seus “próprios pecados”,
que Paulo foi categórico ao afirmar:
- Se você
se julga forte, sente-se sente confiante na estrada, tem certeza que está
firmado na rocha e apesar das tentações tem permanecido de pé... Redobre sua
atenção. Todos estão sujeitos a cair. (I Coríntios 10:12).
Que lindo conselho. Nos nivela sob a régua da
condição humana. Corruptível. Inclinada ao mal. Carente da Graça. Dependente da
Misericórdia. - Onde está a beleza disto? Ora, onde o pecado é abundante, o
perdão de Deus tem espaço para superabundar. Quem reconhece seus próprios
pecados está apto ao arrependimento. E este é o caminho da redenção. Aqueles
que camuflam seus pecados com uma maquiagem de santidade rebuscada, não se
permite ao auto-julgamento, e por isso, será julgado pelo próprio Deus (I Coríntios
11:31-32). Como bem nos alertou o sábio rei Salomão em Provérbios 16:18, o
orgulho precede a destruição, e a soberba antecede a queda. Em outras palavras,
é melhor ter espírito quebrantado entre os pecadores do que um espírito soberbo
entre os santos.
Satanás vasculha nosso lixo para estudar
nossas intimidades. Tem ciência dos consumos e descartes. E
pacientemente elabora uma estratégia de ataque. Todos temos um preço, e o
Inimigo tem recursos para fazer ofertas cada vez mais tentadoras. Quem ainda
não se vendeu, certamente não recebeu “a” sua proposta irrecusável. Se o sexo ilícito
não seduz, o dinheiro pode corromper. Se posição social não é um atrativo,
sucesso ministerial talvez possa interessar. Satanás sabe do que gostamos e o
que recriminamos, e munido destas informações monta um pacote perfeito, que se
encaixa como luva em nossas pretensões.
Se todos temos um preço, e o Inimigo pode
pagar, então é preciso viver de modo a desencorajar ao diabo e seus corretores,
de uma aproximação com o cheque preenchido. Se refletirmos a glória de Deus, mantemos
o mercado fechado para negócio. Afastamos Satanás e sua laia. Ninguém ousaria
uma tentativa de corromper o Senhor. Caso contrário, revestido apenas de auto-confiança
e justificativas humanas, iremos ceder à tentação, descontar o cheque e cair em
desgraça. E o mesmo fogo destinado aos ladrões de cavalos, também queimará eternamente
aqueles que se dedicaram apenas ao roubo de cordas.
Mas, não se desespere com a queda. Tropeçar e cair faz parte da natureza humana. Lembre-se
sempre do alerta de Paulo para não sermos demasiadamente seguros de nossa
posição, e estando de pé, cuidar-se para não cair. E se a queda acontecer,
ainda não é fim. Dê uma boa lida na carta ditada pelo próprio Deus a igreja de
Éfeso e se foque no texto de Apocalipse 2:5. Ainda no lugar da queda, arrependa-se.
E volte a prática do primeiro (e mais
puro) amor.
A beleza da queda é exatamente a oportunidade
de se levantar outra vez. A vida coloca vírgulas em nossa história. O ponto
final só cabe a Deus. Se o Todo Poderoso, ainda não disse que “acabou”, então
de fato, não é o fim. Os erros nos ensinam a acertar na próxima tentativa. O
pecado nos revela que somos carentes de Graça e Misericórdia. A decepção é uma
voz que grita dizendo: - O melhor de Deus
ainda está por vir.
As portas para um recomeço estão sempre
abertas para quem deseja uma nova oportunidade. E as chaves estão nas mãos de
Deus, somente Ele pode fechar. Jó 14:7 nos diz que mesmo a árvore estando
cortada, tombada e caída, ainda que suas raízes apodreçam no solo e seu tronco
morra no chão, há esperança para ela. Ao cheiro das águas, a árvore brotará
outra vez. Seus ramos se renovarão. Ela voltará a frutificar, pois renascerá
como se fosse uma planta nova!
Então, a saída para aqueles que caíram (ou que irão cair) é a mesma. Levanta-se!
Limpe-se e prossiga a jornada. Reconheça o erro e não erre outra vez. Tire as
cascas de banana do caminho e desvie das armadilhas sistêmicas da estrada. Sinta o cheiro das águas que emana da cruz e
tenha esperança mais uma vez. O mesmo amor que perdoa o roubo de uma corda, também
perdoa o roubo de um cavalo. Não tenha receios de ser verdadeiro diante de
Deus. É melhor a verdade revelada no agora, do que a mentira descortinada na
eternidade.
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