Tudo o que pode substituir-se
com facilidade,
pode ser abandonado mais facilmente ainda.
(Alexandre Dumas)
Jerusalém esteve "abandonada" por setenta anos.
Grande parte de seus moradores foram levados como prisioneiros para a
Babilônia. Apenas os cidadãos mais pobres e considerados socialmente
"irrelevantes" ficaram para trás. Os caldeus instituíram um homem
chamado Gedalias como governante de uma cidade em ruínas habitada por uma gente
em farrapos. Muros fendidos, lares queimados, templo destruído e pessoas
depreciativas. Esta era a Jerusalém de Gedalias, que em nada lembrava, a glória
dos dias de Davi. Sem proteção, sem dinheiro, sem dignidade. Não demorou para
que uma nova tragédia acontecesse. O governante nomeado pela Babilônia foi
barbaramente assassinado, e temendo a represália dos caldeus, os remanescentes
de Judá fugiram para o Egito. E nunca mais puderam voltar para casa.
Jerusalém. Cidade dos Reis. Capital da Paz.
Diplomatas estrangeiros estremeciam diante de seu brilho. Monarcas de toda a
terra invejavam seu esplendor. Seu templo entre as maravilhas do mundo antigo. Seus
palácios repletos de tesouros e despojos. E agora, somente caos e destruição.
Onde estão seus príncipes?
Onde estão seus moradores?
Onde está o seu Deus?
Nos dias do profeta Isaías, Jerusalém estava no
apogeu de sua glória. Os muros intactos
protegiam as casas e seus habitantes. Todos os exércitos que ousavam marchar
contra a cidade, faziam o caminho de volta derrotados e humilhados. Havia um
Deus a cuidar de Judá. Suas mãos onipotentes estavam estendidas sobre as torres
erigidas por Davi. Sua glória se fazia presente no santuário do esplendoroso
templo construído por Salomão. Mas, havia uma semente de ingratidão no coração
dos judeus. O Senhor havia aberto as janelas dos céus sobre aquela terra, e
derramado como chuva serôdia e temporã, toda sorte de bênçãos. Seus moradores se
habituaram aos beneplácitos divinos, e banalizaram o sagrado. Os lábios ainda
se moviam em adoração, mas os corações se afastavam progressivamente de Deus.
Jerusalém se esqueceu que não existe honra quando a presença do Altíssimo vai
embora. E então, com suas ações inconsequentes, convidou ao Senhor a se retirar
do recinto.
Mais de um século antes da tragédia, Isaías alertou
seus compatriotas sobre este imenso perigo. Poucos ouviram sua voz.
Progressivamente, Jerusalém passou a priorizar as relações pessoais, e
catapultou a presença de Deus ao limbo da memória. O Senhor se tornou apenas
uma sombra a ser enxergada por entre as frestas das portas. Os reis estavam
mais interessados em alianças perniciosas, e menos em orações sinceras na busca
por orientação espiritual. O povo seguia displicentemente seus governantes, e
dilaceravam moralmente os profetas que clamavam por arrependimento.
A mensagem de redenção não foi assimilada. O sinal
de alerta completamente ignorado. Ninguém deu crédito a pregação de Isaías, e
de tantos outros baluartes da verdade que vieram depois. E quando Deus é
retirado de seu santuário, o espaço fica livre para forças menos “benevolentes”.
Judá conheceu o caos. Mães choraram abraçadas em velórios coletivos. A
identidade nacional foi cuspida por bocas maledicentes e lábios pagãos. O fogo
estrangeiro percorreu a cidade. O sangue dos moradores pintou as ruas de
vermelho. Aqueles que se lembravam de Deus e corriam ao templo numa tentativa
desesperada de encontrá-lo, se deparavam com ruínas e destruição. Nem mesmo os
alicerces estavam no lugar.
Quando o fogo apagou e o sangue estancou, o que
restava de Judá?
Jerusalém! Por tuas ruas ecoou a canção de Josafá e
reverberou a oração de Ezequias. Profetas e sacerdotes anunciaram os desígnios
de Deus em suas praças. E agora, sobre os escombros e as ruínas, só se ouve
lamúrias e choramingos de arrependimento. Teria Deus abandonado definitivamente
sua filha mais formosa?
Não. Por mais contraditório que seja comportamento
humano, Deus não consegue ignorar nossa existência. É muito amor concentrado.
Se uma cidade em glória reflete o cuidado do Senhor por seus moradores, as
ruínas desta mesma cidade, nem de longe, são vestígios de abandono e descaso. O
caos permitido pelo Senhor, pode ser seu grito de amor mais estridente.
O sexagésimo capítulo de Isaías é a prova cabal do
cuidado do Senhor, mesmo quando não conseguimos sentir sua presença. Os exilados da Babilônia entumeceram seus
corações e cerraram os lábios ao louvor. Envoltos numa solidão pessimistas,
estavam cegos demais para entender o motivo da própria condição. Os moradores
de Jerusalém, famintos, amedrontados e sem um teto para se abrigar, olhavam os
céus e somente enxergavam trevas. Todos se sentiam sozinhos. Todos ignoravam a
presença de Deus escondida na nevoa, ou na nuvem de poeira. Na verdade, o Senhor sempre esteve ali e jamais os abandonou. O Deus que ainda habitava em
Jerusalém, também cuidava de seu povo na Babilônia. Esta é a mensagem de Isaías
60:1. Um convite ao renascimento e a perseverança. Um hino à esperança que
emerge das maiores tragédias:
– Levanta-te! Volte a brilhar!
Chegou a tua luz! E a glória do Senhor está nascendo sobre ti!
A solidão e o sentimento de abandono que muitas
vezes assombram nossos dias, refletem apenas a deficiência espiritual existente em
nossa visão. Não enxergamos Deus porque nos habituamos a reconhecer sua
presença apenas em templos suntuosos e palácios cheios de glamour. Uma teologia
rasa e demoníaca, tem ensinando as grandes massas, que Deus só pode ser encontrada
no “sucesso”, na “saúde” e na “prosperidade”. E então, quando a doença chega, o
anonimato nos esconde ou a conta bancária é manchada de vermelho, concluímos
que Deus nos abandonou. Que tolice! Flores nascem em meio ao esterco. Hinos são
escritos durante as tribulações. O brilho das estrelas é intensificado pela
escuridão da noite. Na escassez, Deus nos ensina a confiar em sua providencia.
Na doença, o Senhor nos prova que Dele são as saídas da vida. No anonimato, o
Todo Poderoso nos molda a sua imagem e semelhança.
Jerusalém! Jerusalém! Cidade que mata profetas e
apedreja mensageiros. Quantas vezes Deus quis reunir teus filhos debaixo das
asas, como uma galinha protege seus pintinhos. E você disse, não! E agora suas
praças estão desertas, suas ruas abandonadas e seu povo espalhado pela terra. E
o teu Deus? Onde ele está?
- Ainda cuidando de você, salvando seus filhos da
morte e guardando em seu tesouro particular um remanescente fiel.
O exílio na Babilônia foi uma ferida a sangrar em
Jerusalém por muitos anos. A terra se embebeceu com as lágrimas derramadas pelos
expatriados. Enquanto as harpas decoravam os salgueiros babilônicos, o povo se
fechava numa concha de frustração. Mas, você já parou para analisar os frutos colhidos
nestes anos amargos? Dê uma foleada em sua Bíblia pelos livros históricos do
Velho Testamento e entenderás como Deus esculpe obras de arte usando nacos de
pedras queimadas pelo fogo da provação.
Os escritos de Jeremias. As profecias de Daniel. As visões de
Ezequiel. A fidelidade de Sadraque, Mesaque e Abdenego. A determinação de
Neemias. A sabedoria de Esdras. O braço forte de Zorobabel. A devoção de Josué.
A ousadia de Ester. A mensagem de Amós. A promessa de Ageu. O desafio de
Malaquias. A glória da segunda casa. As janelas dos céus abertas sobre o
coração generoso. A alegria do Senhor nos fortalecendo. O Salmo 126. A colheita
feita entre sorrisos, mesmo que a semeadura tenha sido regada com lágrimas. O
exílio é disciplinador e discipulador ao mesmo tempo. Corrige, ensina e
conforta.
Deus sempre esteve lá. Continua ali. Em Jerusalém. Na Babilônia.
Ao seu lado. O Senhor deseja trabalhar em nossas vidas usando cotonetes macios,
algodão hidrófilo e lenços umedecidos. Mas, somos ásperos demais. Rudimentares
ao extremo. Nosso coração é (geralmente) revestido por cracas, ferrugens e
carepas. E Deus, não vai parar o processo no meio. Ele não deixa um trabalho
inacabado. Por isso, vai lançar mão das ferramentas necessárias. Lixas de
ferro, discos abrasivos e talhadeiras pesadas. Se não há reis obedientes em
Judá, Deus convocará Nabucodonosor e Ciro para sua obra. O processo não será agradável para nenhum dos
lados. O suor de Deus é o contraponto da
minha dor. As marcas que carrego são resultantes do empenho divino em lapidar a
minha vida. As nossas vidas. O afinco de Deus tem motivo e intenção. Ele está
fabricando uma luminária artística, bela e impressionante, pela qual a luz do
próprio Senhor será irradiada ao mundo.
Jerusalém! Jerusalém! De seus escombros uma nova
cidade se reerguerá. Mais forte. Unificada. Seus moradores voltarão para casa.
Revitalizarão as praças e reconstruirão seus muros. E o templo reedificado terá
um brilho ainda maior que o destruído pelos inimigos. O Cristo vai estar nele. A
glória da segunda casa será maior que a da primeira.
Por tempo demais, Jerusalém foi motivo de chacota e
zombaria. Os povos vizinhos ridicularizavam sua condição decadente e
hostilizava os que ainda persistiam em respeitar sua história. Deus não se
incomodava com as ameaças permanentes de amonitas e samaritanos. O Senhor não
se importava com a passagem dos anos. O Deus de Israel não se ressentia dos
desaminados ou com aqueles que se omitiam em voltar para casa quando o exílio
terminou. Mas, havia algo inquietando o coração do Altíssimo. Bocas invejosas
exultavam em alegria ao proferir esta sentença: - O Deus de Jerusalém abandonou sua cidade!
Como esta afirmação fere os ouvidos de Deus. Ele tem
o controle de tudo e todos. Deus dos anos e das horas. Do tempo e do espaço.
Aquele que dá de comer aos passarinhos e veste luxuosamente as flores do campo.
Como alguém ousa dizer que Ele desampara seus filhos? Como alguém se atreve a
pensar que Deus abandonou sua prole? Falta memória ao homem. Falta argumento aos povos. O Senhor jamais despreza o filho, e nunca ignora o clamor do fiel.
E então através do profeta Isaías, com cento e vinte anos de antecedência, Deus envia uma
mensagem aos ouvidos atentos, que ainda estão abertos para ouvir sua voz doce (e
poderosa), crendo piamente nos propósitos eternos de suas ações momentâneas:
- A terra pode estar imersa em
trevas, mas, sobre Jerusalém brilhará a luz! Ainda que todos dividem que você
possa se levantar, Jerusalém, eu sou o Deus que te carrega em meus braços. Por
amor a você, eu não deixarei de trabalhar, enquanto a Justiça não resplender em
teu céu, e a tua salvação não flamejar como as chamas de uma tocha acessa, em
todo o seu resplendor! (Adaptado de Isaias 60:2-4 e 62-1-2).
Como é bom saber que Deus cuida de mim, mesmo que
ninguém, (incluindo eu mesmo),
acredite (ou perceba) este cuidar.
Enquanto aos olhos humanos sou apenas lixo, escória, estrume, ruína e
retalhos, Deus já me enxerga como uma joia de grande valor. Um diadema real em
suas mãos. Uma esplêndida coroa dourada sendo habilmente esculpida pelo supremo
artesão. Ainda que a matéria bruta, impregnada de contaminação, não me permita
vislumbrar a obra concluída.
Neste caso, quando o ouro não é confiável, nos
resta confiar na mão do ourives, e deixá-lo trabalhar com as ferramentas pertinentes. Doí? Sim. Machuca? Muito. Resolve? Certamente. O nome
deste processo não é abandono. É cuidado.
Exatamente por isso, Deus faz questão de usar nossa
vida como uma defesa de sua honra. Ele escuta as conversas melindrosas que
projetam o meu fracasso. Observa o movimento de lábios rixosos decretando o teu
fiasco. Assiste pacientemente os dedos se movendo para nós, enquanto o mundo
murmura que Deus nos esqueceu. Então, Ele olha para a matéria prima em suas
mãos, confere o projeto sobre a mesa, escolhe as ferramentas que precisa usar e
inicia a obra. Enquanto trabalha, seu sorriso se abre. E os lábios de Deus se
movem delicadamente, repetindo num sussurro os seus pensamentos eternos...
- Ah Jerusalém! Nunca mais alguém poderá te chamar de desamparada!
- Ah! Miquéias! Nunca mais alguém poderá dizer que eu não cuido de você!
(Isaías 62:4)
- Ah Jerusalém! Nunca mais alguém poderá te chamar de desamparada!
- Ah! Miquéias! Nunca mais alguém poderá dizer que eu não cuido de você!
(Isaías 62:4)
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