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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

A Casa Vazia

Se você quer fugir de Deus,
o diabo lhe emprestará tanto as esporas como o cavalo.
(Thomas Adams)

Se Jesus Cristo voltasse ao mundo nos dias de hoje, escolhendo o continente europeu como lar, certamente seria confundido com um “lorde inglês”. Não por usar ternos estilizados e bebericar chá no cair da tarde ao lado de pares esnobes, mas sim, pelo senso de urgência aguçado e a precisa pontualidade de suas ações. Isso sem contar com a fineza no trato e no cuidado esmerado com as relações pessoais. Em resumo, Jesus personificaria os bons modos e a educação refinada. Ele redefiniria os padrões de elegância e galhardia, fazendo até mesmo o mais nobre integrante da realeza britânica parecer um boçal ignóbil e desprovido de modos. E este comportamento elegantíssimo não seria uma novidade se tratando do Cristo, já que tal atribuição lhe é pertinente desde as eternidades passadas, seja na condição de homem, ou no exercício pleno de sua divindade,  quando é detentor de todo poder nos céus e na terra.

- Assim que chego na sua casa; eu toco a campainha e espero que a porta seja aberta. Se você me convidar para entrar, eu entro. Se me convidar para jantar, eu janto com sua família. Se me convidar para pousar, eu passo a noite no seu quarto de hospedes. Se fechar a porta, eu fico do lado de fora, triste e decepcionado, mas ainda esperançoso que você mude de ideia, e finalmente me faça um convite. (Livremente adaptado de Apocalipse 3:20)

Cristo é insistente, mas não impertinente. Enquanto a porta se mantiver fechada, Ele estará do lado de fora, insistindo no chamado. E mesmo assim, nenhum transtorno será sentido pelo morador, se o mesmo, assim desejar. Desde o princípio, foi nos dado a opção “mute”, que uma vez acionada, reduz à zero o som provocado pelas batidas na porta ou o sonido estridente da campainha. É possível se fazer de surdo as investidas de Jesus. E quando deixamos de ouvir sua voz chamando nosso nome, ou ignoramos a persistência do chamado, de modo algum significa que Cristo abandonou seu posto ou desistiu de seu maior intento. A "surdes" seletiva é apenas o resultado imediato de nossas escolhas. Enquanto houver um coração pulsando, Cristo estará na soleira, aguardando pacientemente sobre o tapete de “Boas Vindas”, que o homem permita sua entrada.

Não espere que Jesus arrombe as portas e se instale ao bel prazer em sua casa. Esta nunca foi uma opção a ser considerada. Por mais que deseje fazer parte da vida de seus filhos, Deus jamais se impõem sobre a vontade humana. O Eterno respeita o nosso tempo. O intangível se limita a espaços demarcados por nós.  Os ventos o obedecem e o mar atende seus comandos, e mesmo assim, Deus aguarda o meu posicionamento. O Senhor tem nas a chave que abre os abismos e trancafia em seus próprios vórtices as mais expansivas nebulosas, e apesar de tanto poderio, o Senhor espera até que você gire a maçaneta no sentido anti-horário. A decisão precisa ser tomada no interior da casa, nunca no quintal. Até porque, a dúvida reside apenas em um dos lados do umbral.

E os céus jubilam em alegria, quando a porta é finalmente destrancada. E Jesus sorri amavelmente ao morador da casa que o recepciona. Seu amor é notório na atmosfera que o cerca. Sua doçura é perceptível como um perfume borrifado no ar. Mesmo assim, Cristo não se move. Ele apenas ergue as mãos e acena. A ansiedade não corrompe sua calmaria.

- Posso entrar em sua casa?

O próximo passo de Jesus depende da resposta que sairá da "minha" boca. Da frase pronunciada pelos "teus" lábios. O universo se silencia enquanto as palavras se formam em "nossa" mente. 

- Entre Jesus. Fique à vontade. A casa é sua!

Esta é a resposta que faz os céus explodirem em celebração. Quando recebemos Jesus em nossas vidas, as comportas da eternidade irradiam luz. A primeira coisa que Cristo faz quando recebe o convite, é construir uma fonte na sala de estar, jorrando águas cristalinas e abundantes de descanso, prosperidade e paz. Se dermos um passo na direção do Cristo, Ele faz o restante do trajeto na nossa direção. Todo “sim” é valido, toda aceitação é bem-vinda. Maria o recebeu com a devoção. Zaqueu o recebeu com um abraço. Mateus o recebeu com um jantar. A samaritana o recebeu com a sinceridade. E como é bom desfrutar da presença de Jesus. A ordem domesticando o caos. A fé sobrepujando o medo. O impossível se rendendo as possibilidades. Enquanto Cristo está na casa, o mal permanece do lado de fora. A doença não resiste ao embate com o Médico dos Médicos. A necessidade conhece o Deus da provisão. A tristeza sorri diante da força avassaladora da alegria...

Mas, infelizmente, tendemos a nos acomodar com a ilustre presença de Cristo. As conversas diárias se tornam menos frequentes. Preferimos passar o tempo entre livros, celulares e séries de TV. Já não há “bons dias” carinhoso antes do café matinal. As risadas jocosas em volta da mesa são engolidas por um silêncio constrangedor. Jesus se vê rejeitado. Sente-se inconveniente. Um estranho no ninho. Indesejável. Ele fica desconfortável na casa onde sonhou morar permanentemente. Percebe que está atrapalhando a rotina doméstica. Há um entra e sai desenfreado pela porta, roubando a serenidade que permeava os cômodo. Entristecido, Jesus se retira do recinto. Nunca foi sua intenção incomodar. Ele sofre com a despedida, mas respeita a vontade do dono da casa. Sabe que não é mais bem-vindo ali.

Jesus, então, volta ao ponto original. Ele se posiciona do lado de fora da porta outra vez. Respira. Enxuga a lágrima. Toca a campainha. E insiste, enquanto espera um convite para entrar novamente na casa que recusou sua presença.

O método de Satanás é bem diferente. Invasão. Vandalismo. Depredação. O Inimigo não entra pela porta da sala, porque Jesus está ali, mesmo que do lado de fora. Isso não o impede de arrombar alguma janela desprotegida, arrancar partes do telhado ou forçar os trincos da cozinha. O Diabo é posseiro. Não tem nada em seu nome, nem mesmo o inferno. Por isso não hesita em romper as brechas encontradas. Entrar na casa pelas tangentes. Limpar o pé sujo de esterco no tapete da sala. Ligar os alto falantes na calada da noite. Comer direto da panela usando como talher suas mãos imundas. Deitar em lençóis limpos após tomar um banho de chorume. Satanás não tem modos, e muito menos princípios. Apenas objetivos bem definidos para cumprir. Roubar. Matar. Destruir. E este comportamento anárquico tem propósito. A Loucura da Mente. A Fragmentação da Alma. A Corrupção do Corpo. A condenação eterna. Um ciclo de morte cujo final já está estabelecido desde o começo. Uma tragédia anunciada com muita antecedência, e que pode ser facilmente evitada. Basta um gesto. Uma unica ação. Um só convite.

A solução para todas as mazelas que circundam os quartos, as câmaras e recamaras da nossa existência, está ali, na porta da frente, tocando insistentemente a campainha. Ele não precisaria estar pedindo abrigo na minha casa, pois habita desde as eras mais remotas, entre as glórias e maravilhas do Paraíso. Mas, eu preciso Dele para sobreviver ao caos, e por me amar, Jesus não desiste de mim. Sua voz ecoa implorando para que “eu” o deixe “me” ajudar. - Como é possível que continue a dizer “não”? E a questão mais intrigante nem é esta, mas sim: -  Como pode alguém receber Jesus em sua casa, e depois o convidar a se retirar dela, mesmo tendo visto e vivido tantos benefícios e desfrutado de tão maravilhosa companhia?

Quando Jesus entra, o inimigo sai. Sem apelações ou recursos. Não importa qual o nome fantasia utilizado por ele, e nem a hierarquia infernal que ocupe. Belzebu. Satanás. Asmodeus. Coisa Ruim. Capiroto. Encosto. Zé Pilintra. Asag. Tranca Rua. Mefistofelis. Damballa. Baal. Pazuzú. Pomba Gira. Malak. Legião. Diabo. Pouco importa. Nada importa. Nenhum demônio pode ficar numa casa onde Jesus é convidado a entrar e fazer morada. As trevas fogem da luz. 

Mas, o que acontece quando nossas atitudes convidam Jesus a se retirar do recinto?

A casa fica vazia.

E aí está o perigo.

Ao ver sua antiga moradia desocupada, sem a presença protetora de Jesus, o "posseiro" imediatamente investe numa nova invasão. Porém, desta vez, ele traz reforços consigo. Pelo menos mais sete companheiros de anarquia. Demônios são precavidos. Arruaceiros com estratégias bem delineadas. E agora, o império do mal lança seu contra ataque. Existe uma força tarefa satânica dominando o ambiente. Uma orgia espiritual é instaurada. O som de uma música infernal alcança tons cada vez mais agudos, e se funde aos gritos desesperados de um espírito coagido e sufocado pela carne. E com isso, a batida na porta, mesmo existente, já não é percebida. Escolhe-se, não a ouvir mais (Mateus 12:25).

O homem neste estado, é semelhante ao porquinho que tomou um banho refrescante, foi borrifado com perfume francês e adornado com uma bela gravatinha de seda. Porém, na primeira oportunidade que teve, não hesitou em se chafurdar na lama outra vez. Ou então, podemos compará-lo a um cachorro que comeu o que não devia. Seu organismo reagiu rápido e expeliu todo o conteúdo danoso. E ele, faminto pelo que não prestava, simplesmente se alimentou do próprio vomito. Consegue no agora, estar em pior situação que no passado (II Pedro 2:20-22).

Ao ouvir as batidas na porta, não se faça surdo a voz de Deus. Jamais permita que seu coração ignore o chamado da vida. Não se arrisque a uma casa vazia. (Hebreus 3:15). Deixe Jesus entrar, e nunca o permita sair. Tem gente muito mal-intencionada de olho no imóvel. E como bem disse Billy Grahan: - Toda vez que o homem pensa em navegar para longe de Deus, o diabo tem sempre um barco pronto.


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Pequenos Grandes Milagres

Com fé em Deus, o impossível e só questão de opinião.
(Francisco Djair)


Entre 1999 e 2015, trabalhei em uma rádio evangélica da cidade de Mogi Guaçu, no interior de São Paulo. Neste período, vi todo tipo de marketing e estratégia para se atrair a atenção do “público alvo”, numa época onde as redes sociais eram apenas embriões sendo gerados. E haja criatividade. Campanhas mirabolantes, nomes inventivos e promessas singulares. Dentre todas, destaco aqui a febre do “dente de ouro”. Não foram poucos os pregadores que atraíram multidões para templos de diversas denominações cristãs com a promissão de transformar partes da arcada dentária das pessoas em peças de ouro. E tem gente que jura que vivenciou este milagre na própria "boca". Ou seria mágica?

Sempre pensei no propósito destes eventos miraculosos. O "porque" de existirem e se popularizarem. Dentes de ouro são sinônimos de provisão ou ostentação? Edificam ou envaidecem? Não seria mais produtivo campanhas onde os dentes dos idosos voltassem a nascer? E se ao invés de dentes de ouro, o milagre consistisse na restauração do esmalte, na eliminação de cáries ou no fortalecimento do cálcio dentário? Estes são apenas alguns questionamentos particulares (se tornaram públicos agora), que circundam minha mente enquanto penso no quão poderoso é o meu Deus, e no poder que Ele confiou nas mãos de sua igreja. É triste perceber que pouco o “usamos”, e quando “usamos”, “usamos” para os fins equivocados (aqui a redundância tem propósito, ao contrário de alguns destes “milagres” que eclodem por aí).

Vamos aos fatos. 

Em I Coríntios 12:8-9, quando Paulo listou os dons espirituais de poder (tais como profecias, revelações, curas e conhecimento além do entendimento), descreveu um tipo de habilidade espiritual doada pelo próprio Deus à meros mortais, que abala as leis geológicas, químicas, físicas e biológicas que regem nosso mundo: A “Operação de Maravilhas”  - (também chamada de “Operação de Milagres”, “Operação de Poderes” ou como é descrita no texto grego original, “Operação de Onipotência”). O propósito desta dádiva espiritual concedida aos homens, é demonstrar o poder e a grandeza de Deus entre nós, de forma inquestionável e ao ponto de “estontear” suas testemunhas. Quem recebe este dom, tem em suas mãos uma pequenina faísca do poder de Deus, o mesmo poderio usado na criação do mundo. Moisés abrindo o Mar Vermelho. Elizeu fazendo metal flutuar. Jovens hebreus caminhando sem sequelas físicas pelo fogo. Josué impedindo o movimento de rotação da terra. A natureza se submetendo ao comando de homens notáveis, que com ousadia e autoridade, reverberaram a voz de Deus sobre os elementos naturais. Se isto não impressionar alguém, nada mais o impressionará.

Porém, milagres também são realizados nas escalas menores, em situações mais localizadas, e por vezes (muitas vezes), chegam até mesmo a passar despercebidos pela imensa. Você já louvou ao Senhor pelo ar circulando em seus pulmões ou o sangue correndo pelas veias do corpo? Já ponderou sobre o milagre da vida e as inúmeras perniciosidades que não atingiram você por interferência sobrenatural?

Infelizmente, nossa megalomania religiosa só valoriza a atuação divina em obras portentosas ou sinais de abrangência cósmica. Mas, é preciso uma atenção especial para perceber o trabalhar cuidadoso de Deus até mesmo na mais micra das questões. Somente quando nos atentarmos a esse cuidar diário por parte de nosso Criador, passaremos a desenvolver o senso da gratidão, e com isso atrairemos sobre nossas vidas, bênçãos cada vez maiores.

Leitores atentos dos evangelhos irão notar que Jesus revelou seu aspecto divino progressivamente, operando milagres discretos antes dos mais retumbantes, afim de seus seguidores o reconhecessem como Filho de Deus, primeiramente nas coisas pequenas. Essa é a prova de fogo do cristianismo. Desenvolver a fidelidade no pouco, para só então ser introduzido no muito (Mateus 25:21). Até mesmo o mais impactante milagre de Jesus, a “ressurreição dos mortos”, se deu de forma estratégica, aumentando a intensidade dos efeitos paulatinamente. 

Primeiro, num quarto fechado, Jesus ressuscitou a filha de Jairo, tendo como testemunhas, nada mais que uma meia dúzia de pessoas (Mateus 9:18-26). Depois, diante de uma cidade inteira, Jesus chamou de volta para a vida, o filho morto de uma pobre viúva (Lucas 7:11-15). Posteriormente, a nação de Israel foi impactada com a espantosa história de Lázaro, um homem que após quatro dias, foi retirado com vida da sepultura, por intervenção de seu amigo Jesus (João 11:1-46). Finalmente, Cristo dividiu definitivamente a história da humanidade quando ressurgiu vivo, após três dias no seio da terra, provando de forma irrefutável seu poder sobre a morte (Lucas 24:5). Num futuro próximo, o ciclo se fechará com uma ressurreição massiva trará de volta todos os que dormiram em Cristo (I Tessalonicenses 4:13-17).

Portanto, independentemente do tamanho da intervenção divina, ou do impacto que ela cause, é preciso sabedoria para entender que milagre é sempre milagre, mesmo que receba nomes ou conotações diferenciadas.

Quando Moisés foi convocado por Deus para resgatar o povo de Israel do Egito, ele lançou mão de uma série de argumentos, a fim de justificar sua incapacidade de concluir tão árdua missão. Em determinado momento, Moisés disse ao Senhor que o povo não acreditaria em suas palavras, mesmo elas sendo as PALAVRAS do próprio “EU SOU”. Deus, então, concedeu à Moisés uma capacitação espiritual poderosíssima, afim de que ele operasse sinais e maravilhas (Êxodo 4:1-9). Uma vez diante de seus incrédulos ouvintes, que relutavam em aceitar e crer nas palavras do enviado de Deus, Moisés pode usar deste recurso especial, que definitivamente atraiu a atenção de toda aquela gente para si, o catapultando a um status de popularidade sem precedentes.

É verdade que a palavra falada é que trouxe toda a diretriz do plano libertador traçado por Deus, mas foram os atos miraculosos promovidos por Moisés (transformar um cajado em serpente, promover uma doença infecciosa no seu próprio corpo e a curar imediatamente, e ainda transformar água em sangue), que lhe trouxe credibilidade junto aos hebreus e provocou temor nos egípcios. A capacidade de realizar proezas sobre humana é uma das maiores ferramentas que Deus disponibilizou aos seus servos ao longo de toda a história. Patriarcas, juízes e profetas utilizaram em larga escala deste recurso para os fins mais diversos, como livrar Israel de um inimigo, prover sustento ao povo, ajudar pessoas desesperadas, humilhar deuses pagãos e desafiar reinados ditatoriais, visando sempre, a glória de Deus e a oblação do nome poderoso do Senhor.

Com a IGREJA essa realidade não é diferente. Embora muitas acreditem que os milagres não são para os nossos dias, a Bíblia nos diz exatamente o contrário. João registra uma promessa maravilhosa feita pelo próprio Jesus, onde o Messias enfatiza que aqueles que crêem nEle, podem sim realizar as mesmas obras por Ele realizadas, e ainda avançar para coisas maiores (João 14:12). Considerando que em sua passagem sobre a Terra, Jesus curou cegos, aleijados, mudos e leprosos, expulsou demônios promovendo libertação, andou sobre o mar, transformou água em vinho e ressuscitou mortos, então, podemos concluir que o potencial miraculoso que reside no cristão é extraordinário.

Quando comissionou seus discípulos a continuarem a obra por ele iniciada, Jesus concedeu a aqueles homens poder e autoridade, além do respaldo de sua presença divina. Com essa legalidade espiritual e fazendo do nome de Jesus sua "arma", os seguidores de Cristo tornam-se capazes de curar enfermos, expulsar demônios, falar idiomas específicos e sobreviver a investidas mortais de possíveis inimigos (Marcos 16:17-18 / Lucas 10:19). Se toda a nossa fé está centrada em Jesus e abalizada pelas suas palavras, temos também que crer na atualidade dos milagres, pois a verdadeira igreja não teve mudanças em sua essência, a obra que lhe foi confiada ainda é a mesma, e as ferramentas disponibilizadas aos primeiros cristãos para viabilizar este trabalho, ainda estão em perfeito estado de conservação.

A diferença é que pela incredulidade latente nos dias de hoje, preferimos uma zona de conforto, e assim, embora nossa mensagem diga que Jesus opera grandes milagres, na pratica, pouco trabalhamos para que os mesmos acontecem, e com isso perdemos a chance de mudar o pensamento desta geração incrédula, que talvez, se presenciassem a teórica do milagre se tornando em um “fato” tateável, seria realmente impactada pelo evangelho. Pois se contra a PALAVRA, muitos intelectuais e religiosos tecem teorias e levantam dúvidas, contra um milagre, fica difícil pautar em contrapartida. E esta é sem dúvida, é a principal contribuição que a realização de obras miraculosas pela igreja, traz para o Evangelho de Jesus.

Mas, mantenha os pés no chão, mesmo que a cabeça já esteja em órbita. Milagre não é mágica. O evangelho não é abracadabra. A Bíblia não é varinha de condão. O Espírito Santo nem de longe se parece com a fada dos dentes. Alguns cuidados devem ser tomados para que este poder concedido a nós, seja usado com sabedoria. Impreterivelmente, o cristão deve usar as Sagradas Escrituras como seu referencial de vida e guia de sobrevivência aqui na terra. É nela que se inicia e se encerra as ordenanças de Deus aos homens, e os preceitos que norteiam nossa fé. I Coríntios 1:18-25, evidencia que a origem do poder que em nós opera está na PALAVRA DO EVANGELHO, e qualquer operação miraculosa que não seja embasada por ela, é passível de descrédito.

Também não podemos esquecer que um milagre genuíno, está intrinsecamente ligado a um propósito específico. Milagre sem propósito não passa de show de mágica. Obviamente, todo milagre, de alguma forma é espetacular. Mas este espetáculo precisa promover mudanças profundas na espiritualidade do indivíduo, caso contrário, soará banal. 

Um belo exemplo está registrado no livro apócrifo chamado “Evangelho da Infância de Jesus”, onde é possível encontrar algumas bizarras histórias de milagres sem nenhum propósito. Uma das mais interessantes, narra um “milagre” curioso “realizado” pelo pequeno Jesus. Segunda a “lenda” o menino modelou caprichosamente um pássaro de barro, e depois lhe deu vida, e ficou ali impassível, observando a ave sair voando desengonçadamente rumo ao céu.

Embora seja uma bela história, a mesma não é aceita no cânon sagrado, pois vai na direção oposta de tudo que sabemos sobre Jesus. O Mestre, embora fosse um Deus entre os homens, nunca se utilizou de seus poderes divinos para outros meios, se não abençoar vidas e engrandecer o nome do Pai. Logo é difícil imaginá-lo dando vida a um pássaro de barro, para simplesmente “testar o seu poder". Isso não passaria de um grande número de mágica, ou "espetáculo pelo espetáculo". Em contrapartida, o capítulo sete do evangelho de Lucas, nos conta que ao entrar na cidade de Naim, Jesus se deparou com o cortejo fúnebre, do filho de uma viúva. Ele parou a multidão, dirigiu-se ao menino e o trouxe de volta à vida. Este fato, além de devolver a alegria (e o sustendo) a uma pobre mulher que estava fadada a amargar um imenso sofrimento, ajudou a espalhar o evangelho por toda a Judéia. Um milagre com propósito. Jesus restauraria a arcada dentária de mil desdentados, antes de transformar em ouro um único dente.

Outro cuidado de imprescindível relevância, são as prioridades da igreja em sua atuação através da capacitação espiritual. A PALAVRA DE DEUS é superior a qualquer tipo de milagres. Embora curas, sinais e prodígios devam acontecer com frequência em nosso ministério, devemos tomar muito cuidado para não supervalorizarmos o milagre e usá-lo como bússola para nortear vidas. Sinais e maravilhas são meios que o Senhor usa para se manifestar ao seu povo, tendo como ferramenta, as mãos e a boca de alguns indivíduos agraciados. Mas não são eles os parâmetros indicativos para o desejo de Deus sobre nós. Logo, não podemos nos tornar “reféns” dos milagres, buscando desesperadamente alguém que os realize, e nem mudar nossa postura cristã quando um milagre não acontece.

Nossa vida deve ser lapidada, regida e conduzida pela “PALAVRA” e não por manifestações megalomaníacas de poder. A revista “Ensinador Cristão”, em sua 45º edição, fez um brilhante resumo desta verdade absoluta: “Os sinais seguem aqueles que creem e seguem a Palavra de Deus, e não os que creem e seguem os milagres”.

Os que vivem puramente atrás dos milagres e se esquecem de quem os opera, pode se deparar com operações enganosas e fraudulentas, já que Satanás também tem a capacidade de realizar grandes obras. Tomados os devidos cuidados, a Igreja, precisa urgentemente recolocar em prática a operação de maravilhas em larga escala, pois o tempo urge, a volta do Senhor está próxima e ainda há muitas almas para serem alcançadas. Portanto, “todas” as ferramentas disponibilizadas pelo Espírito Santo à Igreja, devem ser usadas com esmero, e se possível, até a exaustão. 


sábado, 20 de janeiro de 2018

Cordas, Cavalos e Casca de Banana

Não se vanglorie por suas mil qualidades,
pois podem ser abolidas por um só defeito, a soberba.
(Leyla Alves)


José Clemencio Altieres da Silva, mais conhecido como “Zé dos Rolos”, era um sujeito xucro criado nos rincões de Mato Grosso do Sul. “Comprador e vendedor” de tudo que é negociável (ou não), em uma de suas andanças pelo interior do Brasil, se deparou com uma igrejinha de pau-a-pique e cobertura de sapê, cujas portas escancaradas eram um convite aos cansados do caminho. Entrou tímido e assentou-se no último banco, enquanto o fervoroso grupo de mulheres cantava com entusiasmo (e certa desafinação) sobre o “Jesus que te chama e deseja te salvar”. Se sentiu bem ali, leve de alma e livre de culpa.

Quando o pastor perguntou se havia alguém fatigado com os afazeres da vida, e que desejava se entregar ao Cristo da canção, ele não pensou duas vezes. Mãos em ristes e joelhos dobrados, “Zé dos Rolos” se tornou o “Zé dos Irmãos”, ou “Zé dos Crentes”, como passou a ser conhecido nos arredores de Taquarussu.

“Zé dos Crentes” se revelou um cristão voluntarioso e destemido. Falava de Jesus a todos que encontrava na estrada. Nunca perdia um culto, sendo sempre o primeiro a chegar na igreja, e o último a ir embora. Cantava o hino quinze da Harpa Cristã com os olhos embebecido de lágrimas, e mesmo iletrado, recitava de cór páginas inteiras da Bíblia Sagrada. Passava horas de joelho em oração, intercedendo nominalmente por cada rosto que podia se lembrar. Solteirão convicto, tratava com respeito as mulheres da comunidade, e sempre que alguma moça faceira voltava os olhos para ele, já deixava claro que estava buscando a “direção do Senhor” e esperando em Deus sua “preparada”. Este seria um homem de caráter cristão ilibado, se não fosse a única fraqueza de sua vida. “Cordas”.

Sim, “Zé dos Crentes” tinha um terrível hábito que desabonava sua fé. Ele era "um ladrão de cordas” compulsivo. Toda semana, lá estava o irmão “Zé” na sala do Pr. Asdrúbal. Chorava copiosamente enquanto confessava seu pecado: “- Pastor... Eu roubei outra corda”. Pobre Asdrúbal. Não sabia mais o que fazer, ou como aconselhar o irmão Zé. Disciplina? Muitas. Discipulado? Seguidos. Oração? Todo dia. Perdão? Setenta vezes sete.

Numa noite chuvosa, enquanto jantava com sua família, o Pr. Asdrúbal foi surpreendido com batidas na porta de madeira. Lá estava mais uma vez o irmão Zé. Suas lágrimas escorriam volumosas camufladas pela chuva. Assim que viu o pastor, caiu de joelhos clamando com a voz embargada: - Fiz uma coisa terrível hoje... Roubei cinco cordas de uma mesma pessoa!

Pr. Asdrúbal já estava com a paciência na “reserva”. – Meu Deus do céu, irmão Zé. Você precisa se libertar desta escravidão pecaminosa. Roubar cordas! Qual o propósito disto?  

Mas, não é praxe do pastor deixar suas ovelhas na chuva. Enquanto o irmão Zé se secava com uma tolha desgastada de tom azulado (quase branco), a irmã Sininha, companheira ministerial de Asdrúbal nos últimos trinta anos, colocava mais um prato de “pucherada” na mesa. Após a refeição, “Zé dos Crentes” já estava mais calmo. O pastor pediu para que todos se retirassem da cozinha, pois gostaria de ter um particular de “homem para homem”. Era chegada a hora da verdade.

Entre goles de “tereré” e mordiscadas no generoso pedaço de bolo de arroz, a conversa iniciou-se arrastada.

- Irmão José. Há meses tenho sido paciente com esta incomoda situação. Já perdi as contas de quantas vezes você me procurou para confessar que pecou contra o Senhor, roubando a “corda” que pertencia ao seu próximo. Pois bem. Hoje, de uma vez por outra, quero saber o motivo que te leva a insistir neste pecado. O que você faz com estas “benditas” cordas?

- Eu jogo elas fora, pastor – Respondeu o irmão Zé, enquanto baixava o olhar.

- Como assim? – Esbravejou o Pr. Asdrúbal. – Rouba a corda e joga ela fora? O que você ganha com isso?

- Nada! – Explicou o irmão Zé. E então completou: - Eu ganho mais com a venda do cavalo que vem amarrado na corda.

A história do irmão “Zé dos Crentes” pode até ser fictícia, mas não é ficcional. Aliás, qualquer semelhança com a ficção é mera realidade. Todos nós temos “cordas” escondidas nos baús que mantemos trancados no porão da alma. Vestígios do “Zé dos Rolos” que ainda podem ser notados no “Zé dos Crentes”. Em Romanos 6:6, Paulo nos ensinou que o exercício pleno da vida cristã só é possível quando o velho homem é crucificado com Cristo, pois somente assim, o corpo do pecado é desfeito e o ciclo pecaminoso que nos amarra a morte eterna é quebrado. Apenas morrendo com Cristo, é que vivemos para Deus.

Temos este discurso na ponta da língua e aprendemos a executar prontamente a diretriz apontada pelo apóstolo. Mesmo que para isto, sempre façamos um “arranjinho serelepe” no processo. O “jeitinho brasileiro” aplicado na espiritualidade que transcendo o tempo. Substituímos os “cravos” pelo “velcro”, e pronto. Crucificação instantânea, convincente e “não” permanente. Sem sangue. Sem dor. Sem renúncia. Ao invés de matarmos o velho homem, damos a ele um coquetel de Valium, Rivotril, Diazepan, Alprazolam, Trazadona e Dramim B6. Ele até parece morto, mas apenas dorme. Basta uma injeção de adrenalina, e lá está o velhinho, todo jovial, pronto para viver novas aventuras. “Zé dos Rolos” outra vez.

E não adianta olhar para o irmão do lado nesta hora. Todos temos velcros e cordas na bagagem. Mudam-se rótulos, cores e nomes, mas a essência é a mesma. Em nossa composição humana existem falhas visíveis, deficiências de caráter, segundas intenções reprimidas, fraquezas e desejos reclusos. E as “cordas,” que “vez ou outra”, apanhamos na propriedade alheia, são as desculpas que usamos para esconder nossas reais intenções e disfarçar as ações ilícitas que “mãos, olhos e pés” insistem em praticar, mesmo contra nossa vontade (Romanos 7:15).

Em busca de auto-justificação, apontamos o pecado de outras pessoas, as falhas institucionais da igreja e as dificuldades inerentes a vida. Encobrimos nossos erros com os erros alheios. Tapamos o sol com a peneira e acreditamos que isto nos protegerá dos raios UV. Quanto engano. Deus não se deixa influenciar por nossas visões unilaterais ou julgamentos pedantistas.  Egolatria também é um pecado que afronta a honra do Senhor. Quando formos chamados diante do tribunal divino, cada um terá que apresentar argumentos estritamente pessoais. O que meu próximo fez (ou deixou de fazer) não vai “limpar” a minha barra diante daquele que “tudo sabe” e “tudo vê”. Ali, não existem inocentes e nem discursos bem ensaiados. Só a verdade nua e crua. Ações, omissões e intenções formando o banco do júri. Como sabiamente ponderou o poeta inglês Thomas Stearns Eliot: “Ah, minha alma! ... Prepare-se para encontrar aquele que sabe fazer as perguntas. ”

Cordas ou cavalos. Qual a diferença diante de Deus? Quem define qual dos roubos deve ser punido com maior rigor? Será que Satanás se importa com nossa tabela classificativa de pecados? Creio que não. O inimigo só quer te derrubar, e não importa se para isso terá que escavar buracos gigantescos na estrada ou apenas deixar uma casca de banana no caminho. Se for preciso, ele se esforçará para quebrar tuas pernas, mas, um simples escorregão também serve aos intentos malignos. Foi exatamente por isso, que ao escrever sua primeira carta à igreja de Corinto, onde haviam muitos “irmãos” interessados no “pecado alheio” como justificativa para seus “próprios pecados”, que Paulo foi categórico ao afirmar:

- Se você se julga forte, sente-se sente confiante na estrada, tem certeza que está firmado na rocha e apesar das tentações tem permanecido de pé... Redobre sua atenção. Todos estão sujeitos a cair. (I Coríntios 10:12).

Que lindo conselho. Nos nivela sob a régua da condição humana. Corruptível. Inclinada ao mal. Carente da Graça. Dependente da Misericórdia. - Onde está a beleza disto? Ora, onde o pecado é abundante, o perdão de Deus tem espaço para superabundar. Quem reconhece seus próprios pecados está apto ao arrependimento. E este é o caminho da redenção. Aqueles que camuflam seus pecados com uma maquiagem de santidade rebuscada, não se permite ao auto-julgamento, e por isso, será julgado pelo próprio Deus (I Coríntios 11:31-32). Como bem nos alertou o sábio rei Salomão em Provérbios 16:18, o orgulho precede a destruição, e a soberba antecede a queda. Em outras palavras, é melhor ter espírito quebrantado entre os pecadores do que um espírito soberbo entre os santos.

Satanás vasculha nosso lixo para estudar nossas intimidades. Tem ciência dos consumos e descartes. E pacientemente elabora uma estratégia de ataque. Todos temos um preço, e o Inimigo tem recursos para fazer ofertas cada vez mais tentadoras. Quem ainda não se vendeu, certamente não recebeu “a” sua proposta irrecusável. Se o sexo ilícito não seduz, o dinheiro pode corromper. Se posição social não é um atrativo, sucesso ministerial talvez possa interessar. Satanás sabe do que gostamos e o que recriminamos, e munido destas informações monta um pacote perfeito, que se encaixa como luva em nossas pretensões.

Se todos temos um preço, e o Inimigo pode pagar, então é preciso viver de modo a desencorajar ao diabo e seus corretores, de uma aproximação com o cheque preenchido. Se refletirmos a glória de Deus, mantemos o mercado fechado para negócio. Afastamos Satanás e sua laia. Ninguém ousaria uma tentativa de corromper o Senhor. Caso contrário, revestido apenas de auto-confiança e justificativas humanas, iremos ceder à tentação, descontar o cheque e cair em desgraça. E o mesmo fogo destinado aos ladrões de cavalos, também queimará eternamente aqueles que se dedicaram apenas ao roubo de cordas.

Mas, não se desespere com a queda.  Tropeçar e cair faz parte da natureza humana. Lembre-se sempre do alerta de Paulo para não sermos demasiadamente seguros de nossa posição, e estando de pé, cuidar-se para não cair. E se a queda acontecer, ainda não é fim. Dê uma boa lida na carta ditada pelo próprio Deus a igreja de Éfeso e se foque no texto de Apocalipse 2:5. Ainda no lugar da queda, arrependa-se. E volte a prática do primeiro (e mais puro) amor.

A beleza da queda é exatamente a oportunidade de se levantar outra vez. A vida coloca vírgulas em nossa história. O ponto final só cabe a Deus. Se o Todo Poderoso, ainda não disse que “acabou”, então de fato, não é o fim. Os erros nos ensinam a acertar na próxima tentativa. O pecado nos revela que somos carentes de Graça e Misericórdia. A decepção é uma voz que grita dizendo: - O melhor de Deus ainda está por vir.

As portas para um recomeço estão sempre abertas para quem deseja uma nova oportunidade. E as chaves estão nas mãos de Deus, somente Ele pode fechar. Jó 14:7 nos diz que mesmo a árvore estando cortada, tombada e caída, ainda que suas raízes apodreçam no solo e seu tronco morra no chão, há esperança para ela. Ao cheiro das águas, a árvore brotará outra vez. Seus ramos se renovarão. Ela voltará a frutificar, pois renascerá como se fosse uma planta nova!

Então, a saída para aqueles que caíram (ou que irão cair) é a mesma. Levanta-se! Limpe-se e prossiga a jornada. Reconheça o erro e não erre outra vez. Tire as cascas de banana do caminho e desvie das armadilhas sistêmicas da estrada. Sinta o cheiro das águas que emana da cruz e tenha esperança mais uma vez. O mesmo amor que perdoa o roubo de uma corda, também perdoa o roubo de um cavalo. Não tenha receios de ser verdadeiro diante de Deus. É melhor a verdade revelada no agora, do que a mentira descortinada na eternidade.




domingo, 14 de janeiro de 2018

Ah, Jerusalém! Onde está o seu Deus?

Tudo o que pode substituir-se com facilidade, 
pode ser abandonado mais facilmente ainda.
(Alexandre Dumas)


Jerusalém esteve "abandonada" por setenta anos. Grande parte de seus moradores foram levados como prisioneiros para a Babilônia. Apenas os cidadãos mais pobres e considerados socialmente "irrelevantes" ficaram para trás. Os caldeus instituíram um homem chamado Gedalias como governante de uma cidade em ruínas habitada por uma gente em farrapos. Muros fendidos, lares queimados, templo destruído e pessoas depreciativas. Esta era a Jerusalém de Gedalias, que em nada lembrava, a glória dos dias de Davi. Sem proteção, sem dinheiro, sem dignidade. Não demorou para que uma nova tragédia acontecesse. O governante nomeado pela Babilônia foi barbaramente assassinado, e temendo a represália dos caldeus, os remanescentes de Judá fugiram para o Egito. E nunca mais puderam voltar para casa.

Jerusalém. Cidade dos Reis. Capital da Paz. Diplomatas estrangeiros estremeciam diante de seu brilho. Monarcas de toda a terra invejavam seu esplendor. Seu templo entre as maravilhas do mundo antigo. Seus palácios repletos de tesouros e despojos. E agora, somente caos e destruição.

Onde estão seus príncipes?
Onde estão seus moradores?
Onde está o seu Deus?

Nos dias do profeta Isaías, Jerusalém estava no apogeu de sua glória.  Os muros intactos protegiam as casas e seus habitantes. Todos os exércitos que ousavam marchar contra a cidade, faziam o caminho de volta derrotados e humilhados. Havia um Deus a cuidar de Judá. Suas mãos onipotentes estavam estendidas sobre as torres erigidas por Davi. Sua glória se fazia presente no santuário do esplendoroso templo construído por Salomão. Mas, havia uma semente de ingratidão no coração dos judeus. O Senhor havia aberto as janelas dos céus sobre aquela terra, e derramado como chuva serôdia e temporã, toda sorte de bênçãos. Seus moradores se habituaram aos beneplácitos divinos, e banalizaram o sagrado. Os lábios ainda se moviam em adoração, mas os corações se afastavam progressivamente de Deus. Jerusalém se esqueceu que não existe honra quando a presença do Altíssimo vai embora. E então, com suas ações inconsequentes, convidou ao Senhor a se retirar do recinto.

Mais de um século antes da tragédia, Isaías alertou seus compatriotas sobre este imenso perigo. Poucos ouviram sua voz. Progressivamente, Jerusalém passou a priorizar as relações pessoais, e catapultou a presença de Deus ao limbo da memória. O Senhor se tornou apenas uma sombra a ser enxergada por entre as frestas das portas. Os reis estavam mais interessados em alianças perniciosas, e menos em orações sinceras na busca por orientação espiritual. O povo seguia displicentemente seus governantes, e dilaceravam moralmente os profetas que clamavam por arrependimento.

A mensagem de redenção não foi assimilada. O sinal de alerta completamente ignorado. Ninguém deu crédito a pregação de Isaías, e de tantos outros baluartes da verdade que vieram depois. E quando Deus é retirado de seu santuário, o espaço fica livre para forças menos “benevolentes”. Judá conheceu o caos. Mães choraram abraçadas em velórios coletivos. A identidade nacional foi cuspida por bocas maledicentes e lábios pagãos. O fogo estrangeiro percorreu a cidade. O sangue dos moradores pintou as ruas de vermelho. Aqueles que se lembravam de Deus e corriam ao templo numa tentativa desesperada de encontrá-lo, se deparavam com ruínas e destruição. Nem mesmo os alicerces estavam no lugar.

Quando o fogo apagou e o sangue estancou, o que restava de Judá? 

Jerusalém! Por tuas ruas ecoou a canção de Josafá e reverberou a oração de Ezequias. Profetas e sacerdotes anunciaram os desígnios de Deus em suas praças. E agora, sobre os escombros e as ruínas, só se ouve lamúrias e choramingos de arrependimento. Teria Deus abandonado definitivamente sua filha mais formosa?

Não. Por mais contraditório que seja comportamento humano, Deus não consegue ignorar nossa existência. É muito amor concentrado. Se uma cidade em glória reflete o cuidado do Senhor por seus moradores, as ruínas desta mesma cidade, nem de longe, são vestígios de abandono e descaso. O caos permitido pelo Senhor, pode ser seu grito de amor mais estridente.

O sexagésimo capítulo de Isaías é a prova cabal do cuidado do Senhor, mesmo quando não conseguimos sentir sua presença. Os exilados da Babilônia entumeceram seus corações e cerraram os lábios ao louvor. Envoltos numa solidão pessimistas, estavam cegos demais para entender o motivo da própria condição. Os moradores de Jerusalém, famintos, amedrontados e sem um teto para se abrigar, olhavam os céus e somente enxergavam trevas. Todos se sentiam sozinhos. Todos ignoravam a presença de Deus escondida na nevoa, ou na nuvem de poeira. Na verdade, o Senhor sempre esteve ali e jamais os abandonou. O Deus que ainda habitava em Jerusalém, também cuidava de seu povo na Babilônia. Esta é a mensagem de Isaías 60:1. Um convite ao renascimento e a perseverança. Um hino à esperança que emerge das maiores tragédias:

– Levanta-te! Volte a brilhar! Chegou a tua luz! E a glória do Senhor está nascendo sobre ti!

A solidão e o sentimento de abandono que muitas vezes assombram nossos dias, refletem apenas a deficiência espiritual existente em nossa visão. Não enxergamos Deus porque nos habituamos a reconhecer sua presença apenas em templos suntuosos e palácios cheios de glamour. Uma teologia rasa e demoníaca, tem ensinando as grandes massas, que Deus só pode ser encontrada no “sucesso”, na “saúde” e na “prosperidade”. E então, quando a doença chega, o anonimato nos esconde ou a conta bancária é manchada de vermelho, concluímos que Deus nos abandonou. Que tolice! Flores nascem em meio ao esterco. Hinos são escritos durante as tribulações. O brilho das estrelas é intensificado pela escuridão da noite. Na escassez, Deus nos ensina a confiar em sua providencia. Na doença, o Senhor nos prova que Dele são as saídas da vida. No anonimato, o Todo Poderoso nos molda a sua imagem e semelhança.

Jerusalém! Jerusalém! Cidade que mata profetas e apedreja mensageiros. Quantas vezes Deus quis reunir teus filhos debaixo das asas, como uma galinha protege seus pintinhos. E você disse, não! E agora suas praças estão desertas, suas ruas abandonadas e seu povo espalhado pela terra. E o teu Deus? Onde ele está?

- Ainda cuidando de você, salvando seus filhos da morte e guardando em seu tesouro particular um remanescente fiel.

O exílio na Babilônia foi uma ferida a sangrar em Jerusalém por muitos anos. A terra se embebeceu com as lágrimas derramadas pelos expatriados. Enquanto as harpas decoravam os salgueiros babilônicos, o povo se fechava numa concha de frustração. Mas, você já parou para analisar os frutos colhidos nestes anos amargos? Dê uma foleada em sua Bíblia pelos livros históricos do Velho Testamento e entenderás como Deus esculpe obras de arte usando nacos de pedras queimadas pelo fogo da provação.

Os escritos de Jeremias.  As profecias de Daniel. As visões de Ezequiel. A fidelidade de Sadraque, Mesaque e Abdenego. A determinação de Neemias. A sabedoria de Esdras. O braço forte de Zorobabel. A devoção de Josué. A ousadia de Ester. A mensagem de Amós. A promessa de Ageu. O desafio de Malaquias. A glória da segunda casa. As janelas dos céus abertas sobre o coração generoso. A alegria do Senhor nos fortalecendo. O Salmo 126. A colheita feita entre sorrisos, mesmo que a semeadura tenha sido regada com lágrimas. O exílio é disciplinador e discipulador ao mesmo tempo. Corrige, ensina e conforta.

Deus sempre esteve lá. Continua ali. Em Jerusalém. Na Babilônia. Ao seu lado. O Senhor deseja trabalhar em nossas vidas usando cotonetes macios, algodão hidrófilo e lenços umedecidos. Mas, somos ásperos demais. Rudimentares ao extremo. Nosso coração é (geralmente) revestido por cracas, ferrugens e carepas. E Deus, não vai parar o processo no meio. Ele não deixa um trabalho inacabado. Por isso, vai lançar mão das ferramentas necessárias. Lixas de ferro, discos abrasivos e talhadeiras pesadas. Se não há reis obedientes em Judá, Deus convocará Nabucodonosor e Ciro para sua obra.  O processo não será agradável para nenhum dos lados.  O suor de Deus é o contraponto da minha dor. As marcas que carrego são resultantes do empenho divino em lapidar a minha vida. As nossas vidas. O afinco de Deus tem motivo e intenção. Ele está fabricando uma luminária artística, bela e impressionante, pela qual a luz do próprio Senhor será irradiada ao mundo.

Jerusalém! Jerusalém! De seus escombros uma nova cidade se reerguerá. Mais forte. Unificada. Seus moradores voltarão para casa. Revitalizarão as praças e reconstruirão seus muros. E o templo reedificado terá um brilho ainda maior que o destruído pelos inimigos. O Cristo vai estar nele. A glória da segunda casa será maior que a da primeira.

Por tempo demais, Jerusalém foi motivo de chacota e zombaria. Os povos vizinhos ridicularizavam sua condição decadente e hostilizava os que ainda persistiam em respeitar sua história. Deus não se incomodava com as ameaças permanentes de amonitas e samaritanos. O Senhor não se importava com a passagem dos anos. O Deus de Israel não se ressentia dos desaminados ou com aqueles que se omitiam em voltar para casa quando o exílio terminou. Mas, havia algo inquietando o coração do Altíssimo. Bocas invejosas exultavam em alegria ao proferir esta sentença: - O Deus de Jerusalém abandonou sua cidade!

Como esta afirmação fere os ouvidos de Deus. Ele tem o controle de tudo e todos. Deus dos anos e das horas. Do tempo e do espaço. Aquele que dá de comer aos passarinhos e veste luxuosamente as flores do campo. Como alguém ousa dizer que Ele desampara seus filhos? Como alguém se atreve a pensar que Deus abandonou sua prole? Falta memória ao homem. Falta argumento aos povos. O Senhor jamais despreza o filho, e nunca ignora o clamor do fiel.

E então através do profeta Isaías, com cento e vinte anos de antecedência, Deus envia uma mensagem aos ouvidos atentos, que ainda estão abertos para ouvir sua voz doce (e poderosa), crendo piamente nos propósitos eternos de suas ações momentâneas:

- A terra pode estar imersa em trevas, mas, sobre Jerusalém brilhará a luz! Ainda que todos dividem que você possa se levantar, Jerusalém, eu sou o Deus que te carrega em meus braços. Por amor a você, eu não deixarei de trabalhar, enquanto a Justiça não resplender em teu céu, e a tua salvação não flamejar como as chamas de uma tocha acessa, em todo o seu resplendor! (Adaptado de Isaias 60:2-4 e 62-1-2).

Como é bom saber que Deus cuida de mim, mesmo que ninguém, (incluindo eu mesmo), acredite (ou perceba) este cuidar. Enquanto aos olhos humanos sou apenas lixo, escória, estrume, ruína e retalhos, Deus já me enxerga como uma joia de grande valor. Um diadema real em suas mãos. Uma esplêndida coroa dourada sendo habilmente esculpida pelo supremo artesão. Ainda que a matéria bruta, impregnada de contaminação, não me permita vislumbrar a obra concluída.

Neste caso, quando o ouro não é confiável, nos resta confiar na mão do ourives, e deixá-lo trabalhar com as ferramentas pertinentes. Doí? Sim. Machuca? Muito. Resolve? Certamente. O nome deste processo não é abandono. É cuidado.

Exatamente por isso, Deus faz questão de usar nossa vida como uma defesa de sua honra. Ele escuta as conversas melindrosas que projetam o meu fracasso. Observa o movimento de lábios rixosos decretando o teu fiasco. Assiste pacientemente os dedos se movendo para nós, enquanto o mundo murmura que Deus nos esqueceu. Então, Ele olha para a matéria prima em suas mãos, confere o projeto sobre a mesa, escolhe as ferramentas que precisa usar e inicia a obra. Enquanto trabalha, seu sorriso se abre. E os lábios de Deus se movem delicadamente, repetindo num sussurro os seus pensamentos eternos...

- Ah Jerusalém! Nunca mais alguém poderá te chamar de desamparada! 
- Ah! Miquéias! Nunca mais alguém poderá dizer que eu não cuido de você! 

(Isaías 62:4)


terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Mantenha a porta fechada!


A força de vontade dos fracos chama-se teimosia.
(Marie Von Ebner-Eschenbach)


Existe uma grande diferença entre “perseverança” e “teimosia”. O teimoso é apegado as suas convicções pessoais de forma tão enraizada, que não aceita opiniões e argumentos externos (ainda que venham dos céus), mesmo ciente que está visivelmente errado. Já o perseverante, não desiste de seus objetivos, mantendo em equilíbrio ações e pensamentos, o que lhe permite uma visão mais abrangente sobre os obstáculos do caminho, e consequentemente, maior facilidade para encontrar maneiras de contorná-los, seja sozinho ou com a ajuda de alguém. Enquanto o teimoso tropeça em seu próprio ego, o perseverante entende que a teimosia é uma pedra interditando a estrada, e tem a humildade de retirá-la de seu caminho.

A perseverança caminha amparada pela fé, enquanto a teimosia saltita pelos valados, alheia a tudo e todos. Auto-suficiente em vida, a tendência é que na morte, ela esteja sempre sozinha.

Toda vez que leio o texto de Mateus 7:7, me vejo as voltas com a mesma indagação. Em minhas preces, petições e anseios, como tem sido meu comportamento? Qual combustível impulsiona o motor de minhas crenças, esperanças e afirmações? Perseverança consciente e amadurecida ou teimosia débil, demagógica, inconsequente e pueril?

Neste texto supracitado, Jesus estava censurando os hipócritas de plantão. O Mestre se mostrava indignado com as atitudes incongruentes daqueles que criticavam as pequenas falhas de seus irmãos, enquanto falhavam miseravelmente em suas próprias atitudes. Cristo também exortou seus ouvintes sobre o perigo da banalização daquilo que é santo: -  Não joguem aos cães aquilo que é sagrado. Eles devorariam até mesmo as mãos que os alimentou. Não atirem pérolas aos porcos. Elas serão pisadas, esmagadas e as preciosas migalhas desaparecerão na sujeira. Duras palavras. Ensinamento cirúrgico. Exortação pungente. E foi neste exato ponto do sermão, que ecoou dos lábios de Jesus os versos que, ainda hoje, tão agradavelmente ressoam aos nossos ouvidos:

Peçam, e vós será dado!
Busquem, e encontrarão!
Batam, e a porta lhes será aberta.
Quem pede, recebe!
Quem busca, encontra!
Quem bate na porta, é atendido!
(Mateus 7:7-8)

Em suas ministrações, Jesus Cristo entregou respostas definitivas para questões eternas. Apontou o Caminho. Revelou a Verdade. Apresentou a Vida. Mesmo fazendo uso desta abordagem direta em seus ensinamentos, Ele nunca privou seus seguidores das interpretações pessoais. A essência da mensagem nunca deixou de ser prática e objetiva, mas a forma como era ministrada, abria um leque de perspectiva aos ouvintes. Jesus nos ensinou a pensar, analisar, meditar e refletir. O cristianismo não nasceu para ser uma “religião” de comida enlatada. A Palavra se renova diariamente. Alimento fresco todo dia e com temperos variados, sem perder o sabor original. Sempre há algo novo a se descobrir incrustado em verdades descortinadas dois milênios atrás. Basta não ter preguiça de ponderar.

Certa vez, Jesus foi questionado por seus discípulos sobre era a sua real identidade. Havia muitas teorias circulando entre o povo: - Senhor... Uns dizem que você é Elias... Outros dizem que você é Moisés... Quem você é de verdade? - Jesus não entregou uma resposta pragmática. Apenas lhes deu indícios. Cegos descrevendo as cores do Arco Iris. Aleijados saltando pelas ruas da Galileia. Leprosos almoçando com seus familiares. Mães enlutadas brincado de “amarelinha” com seus filhos moribundos. E, então, devolveu a pergunta: - Quem “vocês” dizem que eu sou? - Os discípulos tiveram que pensar. Analisar. Refletir. Entender a mensagem coletiva e chegar a uma conclusão pessoal: - Você é o Cristo! O Filho de Deus!

E é fazendo este exercício de reflexão tão estimulado por Jesus, que me visualizo diante da porta pela qual pretendo desesperadamente passar. Ela está fechada. Eu toco a campainha e ninguém atende. Insisto, e as trancas continuam cerradas. Respiro fundo, e bato na porta de madeira. O som oco das batidas secas, logo é engolido pelo silêncio. Nova lufada de ar. Irritabilidade. As mãos aceleradas esmurram a porta com violência. Nada acontece! Então, eu abro a minha Bíblia e leio em voz alta, o texto sublinhado de amarelo: - Peça, e receberás. Procure, e então encontrarás. Bata, e a porta se abrirá. -  Ali, diante da porta fechada, faço chantagem emocional com Deus. Questiono a veracidade de sua Palavra. Movido exclusivamente pela minha “enorme” insistência, o Senhor atende o meu pedido. Permite que a porta seja aberta. Somente nesta hora, é que de fato, eu vou ter plena ciência “do que” (ou quem) “estava” trancafiado neste quarto selado. Deus, por outro lado, sempre soube da verdade. Por isso mantinha os acessos lacrados. A porta aberta é uma via de mão dupla. Quem está fora entra, e quem está dentro sai. E o monstro trancado no sótão, acabou de ganhar um passe livre, e também poderá andar por todos os cômodos, devorar os moradores da casa, começando exatamente, por mim, que sou o mais próximo da porta escancarada. E foi a minha insistência que forçou sua abertura.

E aqui estamos nós, diante de um dilema moral (e espiritual).

Qual é a linha que delimita as fronteiras?
Onde a persistência termina e a teimosia tem seu gêneses?   

Antes de gritarmos com Deus exigindo mimos e galanteios, reverberando o texto de Mateus 7:7-8 como se fosse um mantra que condiciona o Senhor a uma posição subserviente, lembre-se que nos versos seguintes, Jesus faz uma observação muito relevante. Talvez, o ponto chave do ensinamento: -  Até mesmo um “homem dotado de maldade” é criterioso na hora de atender os desejos de sua cria. Imagine, então, o cuidado de Deus para com a vida de seus filhos (Mateus 7:9-10). 

O amor verdadeiro é incondicional, mas nunca é irresponsável. Lembro-me quando meu filho Nicolas pediu um “leão” de presente em seu aniversário. Não o bichinho de pelúcia, um “leião” de verdade (sim, a pronuncia era exatamente esta – “leião”).  Ele queria um “Simba” para chamar de “seu”. Eu poderia passar horas listando os motivos pelos quais jamais poderia atender este pedido, e mesmo assim, no auge de seus três anos, o Nicolas não iria compreender nenhum deles. Estava convicto que ter um “leião” seria a melhor coisa da sua vida. Como pai, eu disse “NÃO”. Conheço a “Bela” e a “Fera”. Sei que o mais mansinho dos leões tem o potencial para arrancar o braço de um homem adulto com apenas uma dentada. Jamais vou dar um deles de presente para o meu filho. Nem se pudesse. Deus também é assim. Ele sabe a nocividade escondida em desejos singelos, e nos nega “privilégios” que trazem em seu bojo o caos, destruição e morte. Mesmo tendo o poder para conceder todos os desejos que eclodem de nossos corações.

Segundo o texto de Jeremias 29:11, o Senhor jamais irá intentar o mal contra seus filhos. Ele nos ama, e deseja que sejamos plenos de felicidade. Deus tem pensamentos de paz sobre nós. E planos para nos conduzir a um “final feliz” que não tenha fim. E como todo pai sabe muito bem, isso implica em educar com austeridade, direcionar passos inconformados e cercear liberdades perniciosas. O amor responsável sabe dizer “NÃO”, mesmo quando quem lhe é amado, implora copiosamente por um “SIM”.

Deus faz a sua parte visando a minha (e a sua) segurança. Fazemos a nossa? Diante das negativas divinas, temos sido perseverante ao propósito ou teimosos nas ambições?

A perseverança é amiga da fé. Contam segredos entre si. Dormem na mesma cama com total liberdade. Elas se entendem mesmo que palavras não sejam ditas. A fé se regozija quando Deus diz SIM, mas, aceita de bom grado quando a resposta é NÃO. Por sua vez, a perseverança sabe ouvir conselhos. Compreende os sinais. Por isso mesmo, deixa de bater em certas portas, mesmo sem nunca interromper sua busca. Existem centenas de oportunidades esperando para serem aproveitadas. Milhares de portas esperando para serem abertas. Não há motivos para insistirmos exatamente nas que nunca deveriam se abrir.

E aqui, vejo uma mensagem de alerta num texto onde a maioria só enxerga promessas de prosperidade e sucesso. Quando você insiste em bater numa determinada porta, ela vai, de fato, se abrir. E isto, nem sempre é bom. Tiago 4:1-7 nos acautela sobre a deficiência de nossas petições. Não sabemos “o que pedir” e nem “como pedir”. Pedimos mal e pedimos errado. E quem pede, recebe. Procuramos coisas (e pessoas) que Deus tem mantido fora de nossa vista. Mesmo assim, insistimos na busca. Procuramos pelo em ovo. Chifre na cabeça de cavalo. As pernas da serpente. A agulha do pecado num palheiro de santificação. Quem busca, encontra.

Quando era criança, eu e meus irmãos gostávamos de uma boa traquinagem (graças a Deus por isso, éramos crianças sadias e normais). Nos dias mais espevitados, quando extrapolávamos certos “limites”, minha mãe (de sangue italiano e paciência moderada), mordia o dedo indicador da mão direita, estalava os olhos e “ronronava” entre os dentes - Hoje vocês estão procurando.... É já que vão achar- Até que por fim, achávamos. E acredite, a descoberta não era nada agradável.  A grande verdade, é que nem toda espera é recompensadora e nem toda busca é gratificante.

Sou de uma geração que se arrepiou ouvindo a lenda da “Maldição do Faraó”. Histórias aterrorizantes sobre homens de má sorte que cruzaram as fronteiras do etéreo e despertaram a ira dos “antigos espíritos do mal”. Hoje se sabe, que muitos saqueadores e arqueólogos, ao violarem criptas, tumbas e sarcófagos escondidos por milhares de anos, embora procurassem apenas riquezas ou fama, encontraram fungos, bactérias e infecções mortais. Foram consumidos não pela ira de Tutancâmon ou Miquerinos, mas sim, pelas próprias ambições. Encontraram o que procuravam, e no fim do Arco Iris, ao invés do pote de ouro, só havia morte.

A grande questão não é o que “pensamos” estar procurando, mas sim, “onde estamos procurando” e o que vamos “realmente encontrar”. E novamente ouço a voz metódica e amável de Jesus em meus ouvidos: - Cuidado com o que você procura, pois quem insiste na busca, sempre acabará encontrando “algo” ou “alguém”. A benção e a maldição estão sempre a uma esquina de diferença. Basta um passo errado na direção incorreta para que o ciclo devastador tenha início, meio e fim.  A perseverança não desiste da caminhada, mas tem a humildade de corrigir a rota sempre que for necessário. Ela não rasga as faixas de segurança que Deus coloca na estrada, impedindo a passagem. A teimosia, por sua vez, não aceita limites estabelecidos por outros. Nem mesmo se o “outro” for o próprio Deus.

Podemos dizer que a perseverança é filha da obediência. E honra sua mãe. Se Deus manda seguir, seguimos. Se a ordem é parar, paramos. Estar debaixo da vontade de Deus é caminhar sempre em frente, mesmo que os pés não se movam do lugar. Caso contrário, fora dos propósitos divinos, podemos caminhar mil quilômetros rumo ao horizonte, e mesmo assim, estaremos andando sempre para trás. Aprenda esta lição com o rei Ezequias.

Ele estava no auge de seu reinado. Deus tinha concedido aos judeus uma vitória miraculosa sobre o poderoso exército da Assíria, onde o invencível Senaqueribe havia conhecido sua primeira (e única) derrota militar. Judá estava em paz. O Templo do Senhor resplandecia em glória. Uma reforma espiritual estava em andamento, e a idolatria, pouco a pouco, ia sendo expurgada das praças, das casas e dos corações. Deus, então, enviou o profeta Isaías com uma mensagem desagradável ao rei: - Ponha sua casa em ordem, porque em poucos dias, você irá morrer! (II Reis 20:1)

Deus estava fechando uma porta para Ezequias. E ele sairia de cena recoberto de honras e méritos. Penduraria as chuteiras ganhando a “Bola de Ouro”. Certamente seria lembrado entre os três maiores reis da história de Israel, e não apenas de Judá. A vontade de Deus estava revelada. E o que Ezequias fez quando ouviu o barulho da chave girando dentro da fechadura? Ele esmurrou a porta. Gritou do lado de fora. Apresentou ao Senhor seus feitos mais memoráveis. Fez das lágrimas, seu artifício de negociação. Pela insistência de Ezequias, Deus não trancou as portas definitivamente. O Senhor concedeu ao rei mais quinze anos de vida. Vontade Permissiva. Deus não quer, mas, pela minha persistência (que não é perseverança), permite que seja conforme o meu desejo. Eu bato, a porta abre. Deveria ficar trancada. Eu busco, e encontro. Deveria permanecer escondido. Eu peço, e recebo. Deveria ficar ausente. Deus me alerta sobre os perigos, e eu assumo o risco. Estultícia pura e destilada.

Em 2016, fiquei desempregado por alguns meses. Na verdade, meses demais. Deus cuidou de minha família durante toda a “estiagem”, e nada nos faltou. Mas, eu queria desesperadamente ver as portas abertas com meus próprios olhos. Estava cansado de promessas e queria me apoiar em algo tangível.  Num domingo, após o culto, cheguei em casa indignado com minha situação (tinha ouvida uma mensagem sobre o poder da determinação e blá, blá, blá). Então, no centro da sala, olhei para os céus, ergui minha voz e esmurrei a porta: - Deus, eu exijo que ainda esta semana, você me abra uma porta de emprego. Tem que ser esta semana, me ouviu? Minha esposa que assistiu à cena com um sorriso irônico no rosto, profetizou de olho aberto: - Deus vai te abrir uma porta de emprego terrível, só para você deixar de ser besta! Dito e feito. Na segunda feira, me ligaram dando a dica de uma empresa que estava contratando. Levei meu curriculum, fiz a entrevista, passei pelos exames e comecei a trabalhar na quarta-feira. E na segunda feira seguinte, não tinha condições psicológicas para voltar mais. Foi a pior experiência profissional que tive na vida. Tudo porque fui teimoso, quando deveria ter sido perseverante.

Guardadas as devidas proporções, Ezequias também agiu assim. Viveu além do estabelecido pela sabedoria divina. Seus últimos quinze anos de vida foram marcados por erros catastróficos. Crassos. Ele recebeu os caldeus em Jerusalém, e praticamente entregou a chave da cidade nas mãos do seu mais perigoso inimigo. Os visitantes eram espiões militares da Babilônia, que alguns anos depois, fazendo uso das informações ofertadas pelo rei, sitiaram Jerusalém, subjugaram Judá e levaram milhares de judeus ao exílio. Em sua “hora extra” na terra, Ezequias teve mais um filho, ao qual chamou de Manassés. O mesmo que aos doze anos de idade assumiu o trono de seu pai, e cuidou de mergulhar o reino numa nova era de trevas, imoralidades e idolatria sem precedentes. A biografia deste perverso monarca se resume numa única frase: - Cometeu sozinho mais iniquidades que todos os seus antepassados juntos. - Manassés se quer chegaria a existir, se Ezequias não insistisse na reabertura de uma porta que já estava fechada.

Não. Este texto não é uma apologia à desistência e nem um ode à mediocridade. É um incentivo à perseverança inteligente, que passa longe da teimosia rotineira de nossas crenças banalizadas. Jogamos pérolas no chiqueiro, e nos sujamos tentando encontrá-las depois. Podíamos muito bem mantê-las guardadas na embalagem que foi feita especialmente para abrigá-las com segurança: - O coração do homem.

Jesus continuou seu ensinamento explicando que o caminho para o paraíso é estreito, espinhoso e pouco movimentado. Que as portas dos céus são pequenas demais para atrair a atenção das grandes massas, tornando a entrada na Nova Jerusalém num desafio grandioso até mesmo para os mais hábeis contorcionistas. E é por esta porta que devemos entrar. Esta é a campainha a ser tocada. Mas, para as portas dos céus se abrirem, milhares de outras precisam estar fechadas. Escolha. Abnegação. Renúncia. A passagem pela porta estreita só é possível com uma vida dedicada ao Senhor, perseverante e fiel. O evangelho não é self-service, fast-food ou Uber, onde as bênçãos estão a nossa disposição, como se Cristo fosse um Gênio da Lâmpada obrigado a satisfazer os caprichos de seu amo.

Não se deixe enganar pela facilidade de algumas portas abertas sem muito esforço. Ou das que se abrem após um sessão interminável de pancadas e gritarias.  Nem se vislumbre com desejos realizados. O contexto de portas abertas e descobertas maravilhosas, abrange caminhos largos que conduzem a perdição. Fala também de árvores frutíferas que serão cortadas e lançadas ao fogo, já que a qualidade de seus frutos é péssima. E não se esqueça daqueles que clamam “Senhor! Senhor!”. Eles expulsam demônios e curam enfermos. Profetizam e interpretam as línguas. Mas, não conhecem verdadeiramente à Deus e nem por Ele são conhecidos. Terão o mesmo destino das árvores enganosas. 

O teimoso constrói sua casa na areia da praia, porque está vislumbrado com a beleza da vista. A chuva cai, e leva a frágil estrutura embora. O perseverante edifica sua casa sobre a rocha, pois se preocupada com a longevidade da fundação, mesmo que tenha gaivotas barulhentas como vizinhas. Os ventos sopram e a casa permanece de pé. Portas abertas ou não.

Davi mandou fazer uma chave mestra, que abria todas as portas do palácio em Jerusalém. Apenas os reis eram detentores desta chave, e a confiavam aos seus servos mais honrados. Quando João foi arrebatado aos céus, teve uma visão do Jesus ressurreto que o deixou sem forças para ficar em pé. Prostrado e quase desfalecido, ele contemplou de soslaio, a face resplandecente de Cristo. Cabelos tão brancos quanto a mais branca lã, rosto reluzente como latão polido e olhar intenso feito chamas de fogo. Tudo Ele via. Tudo Ele sabia.

Você não confiaria sua vida a um ser tão onipotente quanto amável?
Não deixaria que Ele lhe dissesse por onde você deveria ir?
Não deixaria Ele escolher as portas a serem abertas?

Então, este Deus Maravilhoso, o Verbo Encarnado revestido de Glória, se revelou a João (e a nós) de maneiras surpreendentes e poderosas. O Alfa e Ômega. O Princípio e O Fim. A Estrela da Manhã. Aquele que caminha entre os castiçais de ouro. Ancião de Dias. Quem tem na mão direita as sete estrelas. O Fiel e Verdadeiro... São tantas atribuições que passaria horas a fio transcrevendo cada uma delas. Por isso, vou me atentar apenas a uma. Aquela que fecha o ciclo de nossas buscas e abre um mundo de possibilidades a todos que forem fiéis até o fim. Perseverantes na provação. Ouça a “voz de muitas águas” reverberando pelo infinito:

- Eu tenho em minhas mãos a Chave de Davi. A porta que eu abro, ninguém fecha. A porta que eu fecho, ninguém abre (Apocalipse 3:7). - E que a teimosia chegue ao fim!