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sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O Monstro no Armário

Será que são pastores ou semi-deuses?
(Pr. Júlio Cesar da Silva)



O que grandes personagens bíblicos como Pedro, Moisés, Davi, Elias, Salomão, Jó, Ana, Jeremias, Noemi e Pedro tiveram em comum?

Antes da resposta, porém, precisamos falar de uma patologia que tem atravessado milênios, e que especialistas da área da saúde, hoje a identificam como sendo o “mal do século”. E este é nosso "monstro no armário", escondido atrás de ternos e gravatas, se camuflando entre vestidos estampados. Não conseguir enxergá-lo em seu esconderijo sagaz, é uma ameaça ainda maior que o próprio monstro. Ele fica ali, na espreita, pacientemente aguardando o momento exato do ataque. A fragilidade da vítima.  E então, usa seu poder de influência. A capacidade infame da sugestão perniciosa. O assombro diante de olhos escurecidos. A mente sendo minada por duvidas e constatações pessimistas. O coração perfurado por adagas invisíveis. E quando a fraqueza atinge o auge, e o homem está indefeso diante da fera, a bocada é fatal. Uma única dentada retirando nacos da alma, onde a regeneração espontânea simplesmente não existe.

Depressão. Um mal tão sutil quanto devastador. Nunca chega arrombando a porta da sala. Ela rasteja durante a noite pelos cantos mais escuros da casa, e se esconde na gaveta de meias. Seu início vagaroso é paradoxal ao ataque derradeiro, sempre mortal, de uma forma ou de outra. É uma doença tão ardilosa, que a maioria dos que sofrem dela, não percebem que estão doentes. E alguns, se negam a aceitar esta condição, por causa de uma espiritualização banalizada da fisiologia humana. 

A depressão é uma enfermidade psicossomática, que se manifesta em diversos níveis de intensidade. Nos casos mais simples, bastam algumas semanas para uma cura natural. Infelizmente, na maioria das vezes, o quadro tende a se agravar. Progressivamente, ela vai gerando sintomas por todo o corpo, sendo que o estrago maior acontece na mente. Uma implosão da alma. De forma bem pragmática, a depressão pode ser descrita como uma condição psicológica que afeta a tricotomia humana, provocando uma tristeza profunda e infindável, impossibilitando vislumbres de esperança com o futuro. O mundo passa a ser cinza opaco, e a existência perde todo o significado. Como já disse o Pr. Everardo Marques, “a depressão faz um homem olhar em uma só direção: a pior". Exatamente por isso, que um número cada vez mais crescente de pessoas optam por uma saída deveras drástica.  O suicídio. A mordida fatal de um monstro voraz, porém, paciente. E a religião não é uma apólice de seguro contra este mal. Muito pelo contrário, a institucionalização da igreja tem sido um anabolizante ministrado em doses regulares a este ogro nefasto.

Ao tentar vender uma imagem de “super-crentes”, “semi-deuses” e “invencíveis”, a igreja cria em seus adeptos, a tola ilusão que esta “coisa” de “monstro no armário” é para os fracos, os pecadores e os meninos da fé. Neste ponto, incautamente, muitos “fieis” baixam a guarda. O jantar da besta acabou de ser posto no prato.

É preciso aceitar que todos nós somos atingidos por traumas emocionais. Viver é uma aventura perigosa, e ninguém passa pela vida sem acumular alguns ferimentos. Desde simples arranhões, até fraturas expostas. Estas experiências desagradáveis tendem a deixar marcas profundas na alma. Dores crônicas no espírito. Impotência, comiseração, amargura, medo, insegurança, ódio... E isto, meus amigos, não é obra do diabo. São nossos sentimentos, inerentes a condição humana. Servir a Deus não traz imunidade contra o sofrimento e nem anula nossa sensibilidade emocional. Ainda somos uma esponja dentro do balde, em contato direto com a água suja. É simplesmente impossível não absorver parte deste chorume. A grande questão é aprender a esvaziar o recipiente, antes que o monstro no armário faça um drinque com este líquido apodrecido, enquanto desfruta de seu jantar. E existem algumas alternativas para proporcionar esta vazão.

A medicina avançou no entendimento (e na tratativa) das enfermidades psicossomáticas. Psicólogos, terapeutas e psiquiatras estão aí para serem consultados, assim como nos consultamos com ortopedistas, dentistas e clínicos gerais. Pena que a religiosidade mórbida de muitos cristãos, aponta erradamente para a direção contrária. -  A depressão é coisa do Diabo. Se alguém está depressivo, é porque tem escondido algum pecado grave!

Então, me diga. O que grandes personagens bíblicos como Pedro, Rebeca, Moisés, Davi, Elias, Salomão, Jó, Ana, Jeremias, Noemi e Pedro tiveram em comum? 

- Todos eles lutaram contra a depressão.

Por motivos diversos, homens e mulheres devotados ao Senhor, em algum momento específico da vida, foram atingidos duramente pela tristeza e desabaram emocionalmente. Ana deixou de se alimentar, por que queria morrer. Elias pediu ao Senhor que o matasse. Jó amaldiçoou o dia em que nasceu. Salomão declarou que os mortos são mais felizes que os vivos, e melhor do que morrer é nunca ter nascido.

Foi o diabo quem oprimiu estes patriarcas?
Os profetas estavam escondendo seus pecados?  
Os reis de Israel foram possessos pelo inimigo?

Não! Todos estavam fragilizados pelo desgaste emocional.

O monstro no armário não vem do inferno. Ele é gerado na alma do homem e chocado pelos traumas emocionais. Satanás, estrategista como é, pode sim contratá-lo como um agente infiltrado, mas por si só, ele (o monstro) já é um inimigo assolador.

E as famílias têm sido assoladas. A igreja, ainda cheia de tabus e dogmas arcaicos, está sendo dominada por este mal. A religião alimenta o monstro. Impõem regras desnecessárias e implanta misticismo barato em seus ensinamentos. Recrimina ao invés de perdoar. Julga sem demostrar compaixão. Líderes egocêntricos escravizam mentes langorosas. Uma geração espiritualmente fraca enxerga seus pastores apenas como um vaso sanitário onde despejam seus dejetos emocionais e defecam palavras irresponsáveis. E quando a mídia divulga o “suicídio” de um “pastor evangélico”, ficamos horrorizados: 

- “Como pode um homem de Deus fazer uma coisa destas”?

Sou filho de pastor assembleiano. Ao longo das últimas décadas, testemunhei meu pai carregando fardos que não eram dele. De cada cem pessoas que entram em um gabinete pastoral, noventa e cinco querem apenas se livrar da carga. - Agora o problema é do pastor! Poucos abraços, cobranças infinitas.  A negatividade de muitos sendo jogada irresponsavelmente sobre um único ser humano. Pense e faça uma conta de matemática simples: - Qual é a possibilidade real de um colapso psicossomático em alguém que (por amor ao seu ofício ministerial) absorve o lixo descartado por todos a sua volta? Como cirurgicamente argumentou o Pr. Jonathan Olevaqui: - Não nos confundam com laranjas! Não somos do tipo que você pode sugar e depois descartar como bagaço!

Meu pai, pastor em atividade há trinta anos, conviveu por muito tempo com a depressão. Acredita-se que cerca de 97% dos líderes eclesiásticos lidem com crises emocionais e quadros depressivos. Fico muito surpreso com esta projeção. Eu acreditava que fosse muito mais. O testemunho de Paulo em II Coríntios 11:23-28 me faz pensar assim:

Trabalhei muito mais, fui encarcerado mais vezes, fui açoitado mais severamente e exposto à morte repetidas vezes. Cinco vezes recebi dos judeus trinta e nove açoites. Três vezes fui golpeado com varas, uma vez apedrejado, três vezes sofri naufrágio, passei uma noite e um dia exposto à fúria do mar. Estive continuamente viajando de uma parte a outra, enfrentei perigos nos rios, perigos de assaltantes, perigos dos meus compatriotas, perigos dos gentios; perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, e perigos dos falsos irmãos. Trabalhei arduamente; muitas vezes fiquei sem dormir, passei fome e sede, e muitas vezes fiquei em jejum; suportei frio e nudez. Além disso, enfrento diariamente uma pressão interior, a saber, a minha preocupação com todas as igrejas.

A preocupação com a igreja. Uma pressão interior testando os limites de Paulo. Mais que as prisões, os açoites e a fome. Um fardo pesado demais, e que mesmo assim, estes “anjos” trajando ternos, se dispõem a carregar. Mas, não se esqueça que estes "eles" são homens de carne e osso. E seres humanos se quebram com facilidade. Por isso precisamos de amparo. Todos nós. Ombros amigos. Choros coletivos. Aliados na luta contra o monstro que se esconde atrás de nossos cargos eclesiásticos. Menos condenação e mais benefício da dúvida. Menos julgamentos preconceituosos e mais mãos estendidas na direção do próximo. Quem está afundando, precisa que lhe joguem uma boia. E o que temos feito? Em nome de ”Deus” e da sua “Justiça”, jogamos uma âncora na direção do naufrago.

Sinto-me confortável falando sobre este monstro metafórico, porque convivi com ele por vários meses. Também tive algumas âncoras jogadas em minha direção. Conheço bem o tipo de pensamento que leva uma pessoa a tirar sua própria vida. Já estive na beira deste abismo, encarando a escuridão sem ao menos se lembrar de como é estar na luz. O mostro é absurdamente forte e escapar de seus braços parece impossível. Parece. Não é. O primeiro passo é reconhecer que existe algo errado no armário. Compreender que há uma monstruosidade ali dentro, e que não a expulsamos com crucifixos ou leituras sistemáticas do Salmo 91.  É preciso usar todas as armas disponíveis nesta guerra emocional. E o arsenal é grande, bem diversificado.

Na maioria dos casos, a depressão precisa ser tratada por especialistas, e não há nenhum pecado em se fazer isto (mesmo ainda existindo muito preconceito no meio evangélico a esse respeito). Alguns cristãos confundem depressão com falta de espiritualidade, se esquecendo que muitos fatores físicos contribuem para a doença, tais como desequilíbrio hormonal, medicamentos targeados, doenças crônicas, temperamento melancólico, alimentação inadequada e vulnerabilidade genética. A Igreja (bem como os familiares de pessoa deprimida) deve compreender a situação e ter o cuidado para não fazer julgamentos inapropriados. Até mesmo o cristão mais dedicado, pode sim ficar deprimido, o que não significa que tenha perdido a comunhão com Deus. A grande verdade, é que Deus não tem limites, nós temos. E tem horas, que sem ajuda correta, sucumbimos diante da dor.

O mundo que nos cerca é deprimente. Os ambientes eclesiásticos são marcados pela competitividade, isolamento e ostentação (não deveriam, mas são). Está armado o cenário propício para o desenvolvimento de quadros depressivos, e nós estamos inseridos nele. A depressão não é exclusivista, e nem escolhe com muitos critérios o pescoço no qual passará uma corda. O que eu aprendi com minha própria experiência é que não podemos impedir que a depressão faça o laço e coloque uma venda nos olhos, mas, a escolha de pular ou não do banquinho está em nossas mãos.

Então, não se renda ao monstro. Lute contra ele. Encontre aliados. O monstro escondido no armário gosta da rotina. Quebre-a! Faça um esporte para o qual não tenha aptidão. Escreva um livro que ninguém irá ler. Cante no chuveiro para uma plateia imaginaria. Ore em horários que nunca orou. Leia textos bíblicos em voz alta. Frequente aqueles cultos que você não gosta de ir. Faça tudo que lhe for possível. E busque ajuda. Vá o médico. Tome os remédios. Mude os hábitos alimentares. Transforme-se de dentro para fora. 

E nunca perca a esperança. E nem a fé. Deus sempre estará do seu lado, pronto a lutar por você quando as suas forças se extinguirem. Jamais se sinta sozinho: - “Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza” (Romanos 8:26).

Nas palavras do psicólogo e escritor best-seller Augusto Cury, “antidepressivos tratam a dor e a depressão, mas não curam o sentimento de culpa e nem tratam a angústia da solidão”. Ou seja, esta luta nunca será vencida completamente, se não alinharmos nossos pensamentos aos do Senhor. Vivermos sua vontade em plenitude. E todo cuidado é pouco. O período da depressão nos deixa mais susceptíveis aos ataques de Satanás, e o inimigo se aproveita quando estamos fracos e debilitados para soprar aos ouvidos seu convite mortal. Antes da tragédia (que se anuncia com muita antecedência), precisamos aprender a relaxar e encontrar refrigério em Deus. Ele nos dará a força suficiente para vivermos a restauração. Durante as tristezas, ou nos momentos de fraquezas, “a alegria do Senhor nos fortalece” (Neemias 8:10).

O que grandes personagens bíblicos como Pedro, Moisés, Davi, Elias, Salomão, Jó, Ana, Jeremias, Noemi e Pedro tiveram em comum?

- Todos venceram a depressão!

E com muito orgulho, posso me inserir nesta lista. Você também pode ter seu nome nela. Um monstro a menos neste mundo monstruoso é também  uma vitória da fé inteligente sobre o emburrecimento da tendiciosa pseudo-teologia moderna.

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