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sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

O Maior dos Presentes

 Honrarei o Natal em meu coração e tentarei conservá-lo durante todo o ano.
(Charles Dickens)


O mais importante evento da história, passou praticamente desapercebido pela humanidade. Enquanto os céus explodiam em luz e anjos cantavam exultantes de alegria, na Galileia dos gentios, a brisa  noturna embalava sonhos efêmeros. O mundo seria transformado. O tempo rasgado ao meio. E quase ninguém escreveu no livro de recordações.

Não houve falhas da organização. Os convites foram enviados com séculos de antecedência. A alta sociedade confirmou sua presença de forma antecipada. Seria uma honra participar de tão glamorosa solenidade. Certamente o anfitrião reservaria algum luxuoso castelo em Roma. Ou seria a folgança sediada nos suntuosos templos de Corinto e Atena? As expectativas estavam equivocadas, e os convidados, simplesmente, declinaram de suas reservas. Não existia nobreza numa celebração realizada nas dependências de uma manjedoura em Belém.

O Salvador do Mundo nasceu anônimo. Seu bercinho real foi uma caixa de madeira forrada com palhas. Balidos, mugidos e sussurros carinhosos embalaram seu sono. Os olhos de Maria brilhavam de encantamento. José balbuciava palavras incompreensíveis. Um carpinteiro e uma doméstica oriundos de Nazaré, tinham Deus em seus braços: Jesus. Horas antes, portas foram fechadas para o homem pobre e a mulher grávida. Agora, o menino infante abriria as portas dos céus aos homens. O “Deus Pai” tinha um sorriso “quinze para as nove” nos lábios. Os anjos se aglomeravam nas janelas com olhares curiosos. Como seria o rosto do “Verbo”? As estrelas se enfeitaram com adornos brilhantes e desfilavam com vestes longas pelas gázeas nebulosas. O universo irradiando-se em luz. E na terra, roncos preguiçosos e ressonos displicentes.

Deus não deixaria o nascimento de seu filho passar incógnito. Alguém deveria estar acordado no silêncio da noite. E realmente haviam homens em vigília. Operários humildes escalados para o trabalho noturno. Pastores anônimos dos quais nunca saberemos o nome. Eles atenderam a chamada. “Skype” celeste. Homens simples que testemunharam o mais impressionante número musical de todos os tempos. Um coral de anjos cantando as maravilhas eternas. Pernas trêmulas, olhos vidrados e corações tomados pelo assombro. 

Um porta voz celeste anunciou a mensagem: - “Não tenham medo! A notícia que tenho para vocês é maravilhosa. ”

E então, enquanto as luzes bailavam no firmamento, ressonou a voz dos coros angelicais:  - “Paz na terra aos homens de boa vontade” – 

- Hoje, na Cidade de Davi, nasceu o Salvador do Mundo!

- “Ele é o Cristo esperado. O nosso Salvador! ” – O tom suave da canção fazia o espírito flutuar num oceano de paz.

- Procurem o menino. Encontrem o Emanuel. Vocês não o acharam nos palácios, e nem em casas de alvenaria. Ele está dormindo numa manjedoura, envolto em panos e deitado sobre a palha.

A música ecoou pela Via Láctea enquanto os anjos desapareciam numa explosão de cores e sons: - “Glória a Deus nas alturas! Paz na Terra! Boa vontade para com os homens” 

Os pastores se entreolharam atônitos. Não sabiam o que pensar. Ou dizer. Então, eles correram na direção indicada, e assim como o anjo havia dito, encontraram Maria e José acalentando o menino. Aquela criancinha indefesa era o Messias esperado. Ali, diante de seus olhos. Eles conheciam a história. Aguardavam a promessa. E agora, Deus estava entre os homens. Podia ser tocado. Segurado no colo.

Os pastores reverentemente se ajoelharam e adoraram o Cristo recém-nascido. E não puderam conter a emoção. Saíram correndo pelos valados, batendo nas portas e contando a todos que despertavam: - Glória a Deus nas Alturas! Nasceu o Salvador!

Mesmo assim, não existem mais assinaturas no livro de visitas da manjedoura. Belém, simplesmente, voltou a dormir, sob um intenso e significativo raio de luz. Os olhares não se voltaram para cima. Os pés não correram para a manjedoura. Os judeus estavam tão ansiosos com a chegada do Cristo, que não perceberam quando Ele chegou.

Enquanto isso, a muitos quilômetros dali, numa terra distante, onde profecias messiânicas nunca foram proclamadas, olhos marejados fitavam os céus com intensa admiração. Nunca uma estrela tinha brilhado com tanta intensidade na imensidão do universo. Algo grandioso estava acontecendo. 

Sim, alguém tinha entendido o sinal!

O evangelho de Lucas narra os eventos da manjedoura na noite da natividade. Mateus, por sua vez, conta a história dos magos que visitaram o menino. Eles não eram mágicos e nem adivinhos. Apenas homens sábios que se dedicavam a estudar as estrelas. O evangelista não cita seus nomes e nem revela quantos eram. A única informação bíblica referente a origem dos viajantes é a localização geografia de suas moradias. Eles eram do oriente. Longe demais para se importarem com os eventos de Belém. Distantes o suficiente para não ouvirem as vozes angelicais. O Messias era uma promessa exclusiva para os judeus. Porque homens pagãos se importariam com o nascimento de um rei anônimo no subúrbio de Israel?

Eles viram a estrela. A mesma que os belemitas ignoraram. Aquela à qual os sacerdotes de Jerusalém negligenciaram. Homens do oriente entenderam a mensagem. Perceberam o sinal. O mundo estava mudando e os céus indicavam a direção desse novo tempo. Não sabemos exatamente de onde aqueles homens vieram, mas onde queriam estar, é uma certeza absoluta. E então, deixando tudo para trás, eles embarcaram numa longa jornada através de planícies desertas e regiões áridas. Não importava qual seria o destino, eles não deixariam de seguir a estrela, até que chegassem lá.

Se o relato bíblico desta história se resume em doze versículos do Evangelho de Mateus, sequer existe qualquer registro histórico sobre estes homens notáveis. A tradição cristã ensina que a comitiva era liderada por três nobres dotados de muito poder e riqueza. Melchior, rei da Pérsia. Gaspar, rei da Índia. Baltasar, rei da Arábia. Seriam estes seus nomes verdadeiros? Haviam mais pessoas na comitiva? Em que ponto do caminho eles se encontraram? Como cada um deles identificou a estrela? Estas são perguntas para as quais não temos respostas. E nem precisamos. Quem eles são pouco importa. A determinação destes homens é o que nos inspira.

Aquela imagem lúdica dos presépios natalinos é pura licença poética. Não havia reis na manjedoura. É muita distância para pouco tempo. E Belém não foi a primeira parada da comitiva. Eles andaram por centenas de quilômetros até que a estrela os guiou ao território de Israel. Como buscavam um rei, o instinto fez com que se dirigissem para Jerusalém. Quando chegaram ao palácio real, foram recebidos pelo próprio Herodes. O tetrarca de Israel ficou estarrecido quando foi informado sobre o motivo da surpreendente visita.

- Onde está o rei que é nascido entre os judeus? Nós vimos a sua estrela brilhando desde o oriente, e viemos até aqui para adorá-lo!

Nó nas tripas reais. - Um novo rei entre os judeus?  - Herodes ficou possuído por um misto de indignação e horror. - Quem ousava questionar a legitimidade de seu reinado? - Vestindo-se com uma máscara de simpatia, reuniu seu conselho para uma conferência. Estava determinado a saber de onde vinha esta ameaça ao seu trono. – O que sabemos sobre este tal... Cristo? - Inquiriu aos seus escribas.

- Ele virá de Belém!

Belém Efrata. A menor entre todas as capitais da Judeia. Cidade de Davi. O Messias nasceria pequeno e se tornaria grande. Um pastor guiando seu povo. A paz extinguindo a guerra. Luz para quem andavam em escuridão. Miquéias o identificou como sendo o "Senhor de Israel" desde as eras mais remotas. Isaías o chamou de Deus Forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz. Um rei para unir todos os povos. Um reinado sem fim, impossível de ser usurpado.

Herodes sentiu o sangue gelar. Ele não admitiria perder seu trono para uma criança. Movido por ganância e crueldade, tramou um plano sinistro. Teria paciência. Deixaria que os viajantes fizessem o trabalho sujo. Com voz aveludada e olhar malicioso, indicou para a comitiva, o caminho de Belém. – Quando acharem o menino, por favor, me avisem. Me contem onde ele está, para que eu também o adore. -  Sensíveis ao toque divino, os sábios do oriente não retornaram ao palácio. Não entregaram a localização de Jesus. Sabiam que em posse desta informação, o rei mandaria matar a criança. Voltaram para casa por um outro caminho. E com isso, Herodes enlouqueceu. Ele ordenou que todos os meninos abaixo dos dois anos de idade fossem mortos. Uma chacina covarde. Sangue e luto nas ruas do reino.

Baseado na conversa que teve com os visitantes, Herodes calculou a possível idade do menino rei. Dois anos. E é exatamente esta informação que torna mais relevante a visita dos sábios do oriente. Eles caminharam “muito” tempo. Meses após meses. Quantos camelos ficaram no caminho? Quantos servos voltaram para casa? Quantos saqueadores encontraram na estrada? E mesmo assim, a jornada não foi interrompida. Enquanto a estrela brilhasse nos céus, haveria um rei na terra para ser adorado.

E esta não é a essência da natividade? Uma jornada em busca de propósitos eternais? A jornada de abnegação do velho José, implodindo seu ego ao receber como esposa a mulher grávida de um filho que não teria seu sangue. A jornada devotada de Maria, abrindo mão da juventude para gerar uma criança que viveria em prol da cruz. A jornada cósmica de um Deus, que deixando para trás seu trono nos céus, se aninhou desconfortavelmente no ventre de uma mulher. Ações motivadas por amor e fé. O nascimento de Jesus é a catarse que nos catapulta para uma nova vida. Inspira mudanças, provoca transformação. Mas, não existem trovoadas nos céus.  O despertador não toca. Não soam alarmes. Apenas sinais. E poucas pessoas dispostas a percebe-los e colocar os pés na estrada empoeirada. Queremos mesmo é continuar dormindo. O sono da indolência. Sonhando com unicórnios, duendes e potes de ouro.

E nesta utopia mundana, esquecemos de olhar para os céus. Não percebemos a estrela mais brilhante. Não temos um ponto de luz a nos guiar. E nestas condições, se perder no caminho é só questão de tempo. Desviar do objetivo se torna a opção mais agradável. Nos conformamos em estar onde Deus "não" está. Corremos na direção do escuro. Nadamos a favor da correnteza, sem perceber que lá na frente existe um abismo infindo. Todas as facilidades encontradas longe do Cristo não passam de armadilhas. Qualquer manifestação de vida onde Deus não exista em cada partícula, é apenas imitação do verdadeiro viver. Não passa de mentira.

Os sábios do oriente sabiam a fórmula da felicidade. Correr para Deus. Estar onde Deus está. Anjos não se apresentaram para eles. Profetas não instruíram seus antepassados. Mesmo assim, os estrangeiros creram. Não entediam o que estava acontecendo, mas deram vazão ao espírito. Dois anos seguindo o sinal revelado nos céus, mesmo que em algumas noites, as nuvens impossibilitassem a visão das estrelas. Quando você não inclui a “desistência” em sua lista de possibilidades, o “amanhã esperado” está sempre ali na esquina, após o “hoje sofrível e arrastado”. Aqueles homens tinham uma missão. E não abririam mão dela. Eles não faziam ideia da importância de cada passo dado, e mesmo assim, continuavam andando. Aquela jornada nunca foi obra do acaso. Havia um propósito absurdamente maior. Na busca por salvação, eles iriam salvar a vida do Salvador de nossas vidas.

Mateus nos conta que ao chegarem em Belém, eles perceberam que a estrela brilhava com intensidade sobre uma casinha humilde. Seus corações bateram acelerados. Os pelos do corpo estavam em riste. Havia uma áurea de paz no ar. Deus estava ali, e todos se sentiram em casa. Quando bateram na porta, José os recebeu com um sorriso gentil (Bélem era uma terra boa para se educar crianças). Maria estava sentada no chão da sala, brincando com Jesus. José havia feito alguns bloquinhos de madeira. Mãe e filho se divertiam construindo uma “ponte” entre dois banquinhos habilmente esculpidos a partir de um velho carvalho. Ponte. Ligação. Esta seria a especialidade daquele menino. O menino Deus. O rei do mundo diante de seus súditos mais leais. Os príncipes da terra se rendendo a soberania do Emanuel.

Penso que Jesus se levantou apoiando em Maria, e caminhou desengonçado com os bracinhos estendidos na direção daqueles homens. Afinal, não é isto que Deus tem feito desde a antiguidade? Basta um passo humano em sua direção para que Ele corra quilômetros pela estrada da história, avido por um abraço em seus filhos pregressos. E quantos passos os sábios do oriente tiveram que dar até chegarem em Jesus? O quanto Deus estava ansioso por aquele encontro?

Maria segurou o menino pelo dorso da fralda. – Calma, pequeno... A mamãe te leva até lá.

José mal teve tempo de recepcionar os “visitantes” inesperados, e todos já estavam de joelhos. Homens barbados se desataram em lágrimas emocionadas. A jornada tinha chegado ao fim. E como valeu a pena! Tudo agora fazia sentido para eles. Fariam o mesmo caminho mil vezes se fosse preciso, apenas para viver o momento. Tocar o rosto daquela criança. Os sábios do oriente se voltaram aos pais: - Queremos presentear o menino! -  Eles abriram suas valises e ofereceram presentes: Ouro, mirra e incenso.

A família de Jesus não tinha luxo. E Deus jamais aceitaria que seu filho fosse “bajulado” com presentinhos caros. Mas, ali havia um propósito ainda incompreendido por meros mortais. Em poucos dias, Herodes mandaria matar todos os meninos do reino, e Jesus, morreria entre eles. Sem parábolas. Sem Sermão do Monte. Cegos na escuridão. Aleijados se arrastando. Leprosos excluídos da sociedade. Mortos enterrados e mães enlutadas. Sem cruz. Sem salvação. Uma tragédia sem precedentes.

Deus interviu. Maria e José foram orientados a fugir para o Egito, e ali permanecerem até a morte de Herodes. Mas, esta seria uma fuga extremamente cara, inviável para uma família pobre. E como se manter numa terra estrangeira por tanto tempo, se o dinheiro ganho com a carpintaria mal dava para pagar as contas do mês?

Ouro. Mirra. Incenso. Um ciclo salvífico se fechando em torno da humanidade. Podemos encontrar muitos significados metafóricos para os presentes que Jesus recebeu naquele dia, mas, não se pode negar o aspecto mais prático da questão. Itens valiosos num momento de crise financeira. A providência divina chegando na casa de uma família. Deus usando mãos humanas para socorrer ao próprio Deus. Não é lindo isto? E entender este mistério torna a peregrinação dos sábios do oriente num feito ainda mais significativo.  Pense: - E se aquele homem tivesse desistido da jornada? O que seria de todos nós agora? Estaríamos aqui? Alguém celebraria o natal?

Agradeço a Deus todos os dias pela coragem e a perseverança que norteou o caminho destes bravos. E especialmente pelo fato de que eles não enfrentaram as dificuldades do caminho, com a mesma determinação que demostro na maioria das vezes. Não se omitiram da responsabilidade. Não temeram os perigos. Não ponderaram riscos. Seguiram. Continuaram. Adoraram. Entregaram seus presentes. Na verdade, foram os presentes.

Ouro é presente dado aos reis. Incenso é mimo ofertado aos sacerdotes. Mirra é um regalo oferecido aos profetas. Jesus era tudo isto. Muito mais. Era Deus. E o que Deus deseja ganhar?

Tenho uma sugestão para aqueles que desejam dar ao Senhor, o presente ideal. Anote aí:

Encontre uma caixa bem grande.
Encape com papel marche.
Decore com um belíssimo laço vermelho.
E dentro dela, coloque sua vida.  

Seja o ouro, refinado, purificado e moldado pelo hábil escultor. Seja o incenso, exalando um perfume suave que inebria os céus com sua adoração. Seja a mirra, deixando que o amor do próprio Deus transborde em cada poro da sua existência.

E este foi o grande presente que o menino Jesus recebeu daqueles homens vindos de tão longe. O suor do rosto. As bolhas nos pés. As queimaduras na pele. As cicatrizes adquiridas no caminho. Eles devotaram a própria vida ao Rei. Fizeram da busca pelo Cristo, o motivo de acordarem todo dia. E aos olhos de Deus, não pode existir presente maior. E nem mais valioso.

E você tem este presente em suas mãos, bem agora. E ali está Jesus, sorrindo na manjedoura. Apenas esperando. Você não precisa de anjos cantando para começar a jornada. Nem de estrelas iluminando o caminho. O próprio Cristo é a estrada, a ponte e a luz. Entregue o presente sem demora. Não durma enquanto os anjos ensaiam. Não saia do caminho por que a estrada tem buracos. Insista, mesmo que as estrelas se apaguem. Não quebre o ciclo da salvação. Deixe o natal acontecer em cada respirar. Um menino nos nasceu. Um filho nos foi dado. Deus está entre os homens. Não o deixe esperar mais.


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