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terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A Chuva e o Mar

Não tenha sobre ti, um só cuidado, qualquer que seja. 
Pois um, somente um, seria muito para ti.
(Josué Rodrigues)


Sabe aquela visão otimista sobre a vida, que nos faz sempre enxergar o “copo meio cheio”? Pois é. Nunca tive. Sou mais o tipo de pessoa que projeta o pior cenário, para ver se, pelo menos assim, é possível retirar alguma coisa boa de situações desagradáveis. Endosso a enorme estatística daqueles que sofrem de véspera. O problema apenas mandou uma mensagem de texto dizendo que está chegando, e lá vou eu roer minhas unhas até sangrar as pontas dos dedos. Enquanto alguns dançam alegremente na chuva, eu estou aflito com as possíveis goteiras em cima da cama. 

E esta analogia me remete as lembranças do dia de meu casamento.

Nove de dezembro de dois mil e seis. A manhã chegou trazendo de presente um belíssimo céu de brigadeiro. Exatamente como estava previsto no meu roteiro ideal. Eu e a Valquíria nos encontramos na porta do cartório e assinamos a papelada. Marido e mulher perante a lei dos homens. Almoçamos juntos (já casados), e então seguimos caminhos opostos. Enquanto ela se dirigiu com sua comitiva para um tratamento de “princesa”, eu, menino brejeiro como sempre fui, tinha planos menos glamorosos. Apenas ficar em casa, esperando ansiosamente a hora de vestir um terno preto e correr para igreja onde seria realizada a cerimônia religiosa. Simples assim. 

E o script fluía com naturalidade...

Foi então, que sem maiores alardes, o segundo ato chegou com sua reviravolta mirabolante. Por volta das três da tarde, um tapete negro se desenrolou sobre os céus com a velocidade de um trem bala. O dia ganhou contornos soturnos. A sala de minha casa enegreceu. Em poucos minutos, uma chuva torrencial desabou sobre a cidade. E o mundo, na minha cabeça. Como disse, o copo para mim está sempre meio vazio.

E agora? O que fazer? A chuva não estava nos planos. Os convidados ficariam encharcados na porta da igreja. A chapinha das damas de honra se desmanchariam como manteiga quente. Os sapatos dos padrinhos cheios de água. A estrada do local onde seria a festa se tornaria um pântano. - Meus Deus, as mesas estão todas ao ar livre! E a barra do vestido da Val? - Branco! É meus amigos, eu transformei uma simples chuva de verão numa terrível tragédia. Olhava para cima e pensava em como Deus não deveria gostar de mim. Porque Ele tinha decidido jogar o oceano Atlântico em cima de Mogi Guaçu exatamente no dia do meu casamento?

E foi imerso nestes pensamentos tão mesquinhos, que eu entrei no quarto, me deitei sobre a cama e adormeci reclamando. O que não tem remédio, remediado já está. Uma hora depois, quando acordei, percebi a claridade acolhedora que tinha invadido o ambiente. Abri a janela, e para minha surpresa, lá estava o sol. Belo e radiante. Não havia nem mesmo sinais de nuvens negras no céu. O único vestígio da chuva era a grama molhada. Tanta preocupação para absolutamente nada. Questionamentos sem propósitos. Tem horas, que o melhor antídoto contra o desespero é deitar-se e dormir. Enquanto fazemos isto, Deus mantem as rédeas da natureza em suas mãos.

- Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, pois aos seus amados Ele o dá enquanto dormem (Salmo 127: 2).

Quando leio este verso escrito por Davi, fico indignado com as oportunidades que perdi na vida, em decorrência desta mania tola de exasperação. Poderia ter me preocupado menos, e com isso, sorrido muito mais. Este estilo de vida leve e buliçoso teria me poupado de alguns fios brancos na barba (precoces, é claro). E certamente, afugentaria o dragãozinho que passeia em meu estômago todas as manhãs. O pior de tudo, é que mesmo tendo plena consciência desta realidade, vez ou outra, lá vou eu (teimosamente), me arriscar numa tentativa fútil de colocar arreios em cavalos indomáveis, quando posso permitir que o mesmo Deus que domou os mares faça isso por mim. Enquanto sou derrotado por uma ratazana que se esconde no sótão da mente, o Senhor coloca cabresto no Beemote e cavalga sem sela no Leviatã (Jó 40:13-24).

Nas páginas do Êxodo encontramos uma história de desespero precoce e angustia antecipada que muito se assemelha ao meu destempero diante do “irrelevante” temporal de dois mil e seis. Porém, o que assustava os israelitas era uma ameaça bem mais significativa. Ao invés de convidados molhados, a consequência seria o extermínio de uma nação. Pobres hebreus. Encurralados entre as águas do Mar Vermelho e o poderosíssimo exército do Egito. Pouco restava para eles, a não ser uma entrega total e irrestrita à exasperação.

E os egípcios perseguiram-nos, todos os cavalos e carros de Faraó, e os seus cavaleiros e o seu exército, e alcançaram-nos acampados junto ao mar, perto de Pi-Hairote, diante de Baal-Zefom. E aproximando Faraó, os filhos de Israel levantaram seus olhos, e eis que os egípcios vinham atrás deles, e temeram muito; então os filhos de Israel clamaram ao Senhor. E disseram a Moisés: Não havia sepulcros no Egito, para nos tirar de lá, para que morramos neste deserto? Por que nos fizeste isto, fazendo-nos sair do Egito? Não é esta a palavra que te falamos no Egito, dizendo: Deixa-nos, que sirvamos aos egípcios? Pois que melhor nos fora servir aos egípcios, do que morrermos no deserto. (Êxodo 14:9-12)

Israel estava vivendo um momento de festa. Após quatrocentos anos de exílio, a nação caminhava rumo ao lar. Canaã, a Terra Prometida, onde do solo, manava leite e mel. Os últimos séculos haviam sido marcados por um sofrimento inenarrável. Flagelados pelo chicote de Faraó. Humilhados pelas divindades egípcias. Os hebreus viram seus velhos descartados no lixo, e mães foram obrigadas a jogar no Nilo, os filhos que ainda amamentavam. Eles clamaram por socorro com a boca cheia de areia, e como resposta, ouviram um longo silêncio. Agora, estavam livres. Os idosos sobreviventes eram amparados por crianças saltitantes, e juntos, calcorreavam na mesma direção. O horizonte da esperança era um território a ser conquista. E então, de repente, o sonho se desmoronou como um castelo de cartas soprado por ventos ocidentais.

O mar. As montanhas. Faraó.

Desde que saiu do Egito, os hebreus se moviam de acordo com a direção divina. Eles não deram um único passo fora do propósito, e seguiram aqui na terra, a rota estabelecida nos céus. Portanto, foi o próprio Deus que conduziu Israel até o centro de uma armadilha mortal. PI-HAIROTE.  O beco sem saída. A geografia de Pi-Hairote era simples de compreender. Uma gigantesca fenda lavrada numa região rochosa, que se encerrava exatamente no grande Mar Vermelho. Quando Faraó soube que os israelitas tomaram este caminho, mal conseguia acreditar na facilidade que teria para exterminar aquela gente. Seu coração estava incandesço pela ira, desejoso por uma vingança cega e ensandecida. Faraó não mediria esforços para concluir seu intento. Todos os soldados de Egito convocados para a guerra. Mais de seiscentos carros bélicos se movendo velozmente na direção dos hebreus. Os cascos dos cavalos faziam a terra tremer. Não haveria batalha, apenas extermínio.

Os hebreus não tinham armas, e se quer, sabiam lutar. Eles não possuíam treinamento militar ou destreza com espadas. Não passavam de agricultores sazonais especializados em carregar tijolos nos lombos. Nada mais que um cardume de sardinhas contra a correnteza infestada de tubarões. E sequer, tinham para onde correr. Presos em PI-HAIROTE, cercados de rochedos, com o Mar Vermelho à frente e Faraó na dianteira. Beco sem Saída. Medo justificado. Desespero avalizado pelas circunstâncias.

Sem opções de ataque e desprovidos de qualquer defesa, a nação voltou-se para Moisés: - Não haviam sepulturas no Egito? Viemos até aqui para sermos enterrados nas areias do deserto?

Pobres hebreus. Perdendo uma oportunidade singular de descansar no Senhor. Não conseguiam enxergar além do mar, da mesma maneira que eu não pude visualizar o sol radiante atrás da nuvem escura. E assim tem caminhado a humanidade, vivendo o momento, imersa em apreensão com o futuro. Andamos por ruas calçadas de preocupações, sem atinar que o refrigério nos aguarda ao virar da esquina. Amedrontamos sob a tempestade, nos esquecemos que o trono de Deus resplandece sobre o firmamento. A escuridão momentânea nada mais é do que a cortina do palco guardando em segredo o apogeu do espetáculo.

Moisés perguntou ao Senhor o que fazer, e Deus se incomodou com o questionamento. Como assim, o que fazer? Vocês ainda estão em duvidas sobre o futuro? – Continuem marchando!

Quem disse que uma pedra no caminho é empecilho para se continuar a caminhada? Onde aprendemos que soluções impossíveis justificam o desfalecimento da fé? - Se movam – Diz o Senhor.  Canaã não vai chegar até vocês por esteiras rolantes. Caminhem com firmeza. Olhem além das aparências. Lancem sobre mim toda a impossibilidade, e deixe que Eu converto em possibilidades as probabilidades improváveis.

- Moisés, porém, disse ao povo: Não temais; estai quietos, e vede o livramento do Senhor, que hoje vos fará; porque aos egípcios, que hoje vistes, nunca mais os tornareis a ver. O Senhor pelejará por vós, e vós vos calareis. (Êxodo 14:13-14)

A partir deste ponto, os eventos que se sucedem, fazem as palavras de Moisés soarem apenas como um frágil discurso motivacional. Tudo convergiu para a histeria coletiva. O ruim ficou pior. O lagarto feroz abriu as asas, rugiu e se transformou num dragão aterrorizador. “Plot Devace” esmerado. Aquela belíssima imagem que temos de Moisés tocando nas águas do mar, e um caminho se abrindo instantaneamente, não passa de licença poética hollywoodiana. Quem testemunhou a cena em loco, precisou ter muita paciência para compreender os planos do Senhor. Milimetricamente traçado. O caminho pode até ser tortuoso e forrado por cascalhos pontilhados, mas, a chegada faz todo o difícil trajeto valer a pena. As dificuldades do trajeto estão no escopo divino. Até, porque, se for fácil, não é trabalho para Deus. 

1º EVENTO – Remoção da Escolta.

Desde que saíram do Egito, os hebreus tiveram um anjo que lhes dava segurança e proteção. Ele caminhava à frente do infante exército israelita, sendo a linha de defesa contra qualquer ataque inimigo. Porém, assim que Moisés ordenou a marcha, o anjo protetor deixou seu posto. Nas horas seguintes, o ministro celestial se manteve numa zona neutra, entre o povo israelita e o exército egípcio, fora do ângulo de visão dos hebreus.

2º EVENTO – Um mergulho na escuridão.

Para proteger seu povo do sol escaldante do deserto, Deus lhes cobriu com uma espessa nuvem, que garantia sombra e refrigério contra as altas temperaturas. À noite, esta mesma nuvem encandecia, e se transformava numa coluna de fogo. Assim, durante a escuridão noturna, os hebreus tinham luz e calor. Para surpresa de todos, Deus removeu a nuvem de sobre os israelitas, e a colocou na divisa entre as duas multidões. Quanto mais próximo ao mar, menos se enxergava e mais frio fazia.

O objetivo daquele povo era seguir em frente e atravessar o mar. E Deus, simplesmente, apagou as luzes da avenida e mandou para casa os policiais, exatamente quando os criminosos estariam à solta. Faz sentido? Obviamente, sim! O Senhor estava movendo as peças no tabuleiro, mesmo que ninguém tivesse ideia de qual seria a próxima jogada. A noite trouxe aos hebreus uma escuridão até ali desconhecida, e o frio finalmente adentrou pelas portas. Sem anjo para lhes proteger. Sem fogo para os iluminar. O único ponto de luz estava voltado aos egípcios, com seus carros poderosos e espadas afiadas. E sem muitas opções para desviar o pensamento de um mal inevitável, o povo teve medo. Não deveria, mas teve. - E como não ter?

O que a maioria não percebeu, é que em meio ao negror sepulcral, Deus providenciava um grandioso livramento, contado e cantado até os dias atuais. Se no acampamento de Israel as coisas aparentavam não estarem bem, entre os egípcios, nada ia bem, de fato. O Anjo do Senhor não se manteve impassível diante do perigo, Ele interviu. Seu toque angelical alcançou os carros bélicos de Faraó, e os incidentes começaram. As rodas se soltavam. Os cavalos se negavam a trotar. Enquanto a equipe de manutenção se esforçava para consertar um equipamento, outros dez apresentavam defeitos irreversíveis. E do que adiante ser veloz, quando não é possível se mover? Qual é a utilidade de seu poderio militar, se os inimigos se mantêm muitos passos à frente? Israel estava parado e o Egito não se movia. Zero a zero no placar de um jogo truncado. O único que se mantinha em ação era o próprio Deus.

Durante toda a noite, uma corrente de ar provinda do oriente, soprou sobre as águas do mar. Cegos pelo desespero, os hebreus não conseguiram enxergar além da escuridão, e se quer, perceberam o trabalhar de Deus. Enquanto famílias choravam abraçadas, apenas aguardando a hora da morte, o Senhor estava lavrando um seguro de vida, com cobertura sem restrição. Pelas perspectivas das possibilidades, Israel tinha todo o direito de sucumbir sob uma avalanche de angústia e desesperança. Mas, perderam uma chance dourada de confiar no Deus que os havia tirado do Egito com braço forte e mão estendida. O histórico lhes garantia tranquilidade, mas, faltou memória. A noite não dormida, tornou a caminhada matinal num exercício pesaroso. Feliz foram aqueles que descansaram no Senhor, e diante da tragédia anunciada, bocejaram despreocupadamente, entregando nas mãos do “Eu Sou” o seu sono mais profundo.

Quando o dia amanheceu, e os raios de sol tocaram no mar, um povo embasbacado pode finalmente enxergar o milagre ocorrido em meio a escuridão. O mar estava aberto. Um caminho seco ligando margem a margem. A rota de fuga definitiva. Pena, que a maioria estava exausta, desvaída de forças e com olheiras de panda. Eles haviam desperdiçado toda a energia acumulada se remoendo em preocupações. Tanto esforço para nada. E este tipo de comportamento, traz o texto de volta para mim. Preocupado com uma chuvinha qualquer, enquanto deveria estar aproveitando um dia inesquecível. A minha vantagem sobre os israelitas, é que pelo menos, eu consegui dormir, enquanto Deus reinava sobre as águas.

Então, é isso. Aprenda com os erros alheio. Preocupações excessivas roubam oportunidades únicas. E ainda fazem agiotagem na alma, no corpo e no espírito. Taxas e juros altíssimos. Se preocupar com o “passado” gera depressão. Se preocupar com o “presente” causa stress. Se preocupar com o futuro produz “ansiedade”. A saída é relaxar. Despreocupar. Estando você atribulado ou em paz, o mar vai se abrir do mesmo jeito. E não é a sua agonia que irá fazer Faraó desacelerar o passo. Tem coisas que só Deus faz.

E nestas horas, o que se pode fazer? Comece fazendo uma pausa no discurso lamurioso. Não se gaste com esforços desnecessários. Ouça a voz do Senhor ecoando sobre as ondas, reverberando na escuridão e retumbando através da tempestade: 

- É "Meu", somente "Meu", todo o trabalho. E o teu trabalho é descansar em Mim...

Silêncio. Aquieta teu coração. Amanhã não existirá mais egípcios em teu encalço. Cochile despreocupadamente. A tempestade é passageira. Durma sem medo. O Senhor vela seu sono. Reserve suas energias para a Lua de Mel. Ou então, para aquela festança que vai acontecer na margem oposta do mar.

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