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domingo, 26 de novembro de 2017

É melhor ser Pai do que ser Rei

 É melhor merecer honrarias e não recebê-las do que recebê-las sem merecer.
(Mark Twain)


Quando falamos das relações entre “pais e filhos”, o texto bíblico mais incisivo, conhecido e comentado é, de longe, Provérbios 22:6: “Instrui o menino no caminho em que deve andar, e mesmo quando envelhecer, não se desviará dele". Um erro comum na citação deste verso é trocar o indicativo “no” por “o”. O conselho aqui expresso não é para se indicar “o” caminho (vá por ali), mas sim ensinar “no” caminho (ande ao meu lado). O grande discipulador aqui citado não é o "vocabulário", mas sim, o próprio "exemplo".

Pais “íntegros” que almejam uma vida de integridade para seus filhos não se encaixam nos moldes mundanos do “faça o que eu digo e não o que eu faço”. Eles criam ao longo do caminho, o rastro de pegadas onde seus pequenos discípulos também porão os pés. Ou não... Salomão, ao escrever o texto supracitado sabia muito bem do que estava falando, pois viveu esta realidade dentro de sua própria família. Davi foi o maior rei da história de Israel. Fortaleceu o reino, consolidou Jerusalém e expandiu as fronteiras da nação. Porém, nos recônditos do palácio, falhou miseravelmente como pai, seja no exemplo, nas palavras ou nas atitudes.

Polígamo inveterado, colecionou esposas como se fossem mudas de roupas (Mical, Abigail, Ainoã, Eglá, Maacá, Hagite, Habital e Bete-Seba, não contando as concubinas mantidas em anonimato), sem se importar com as consequências de seus impulsos (hábito este seguido por grande parte de seus descendentes). Estes relacionamentos controversos renderam a Davi uma verdadeira horda de filhos: Amnom, Daniel, Absalão, Adonias, Sefatias, Itreão, Siméia, Sobabe, Natã, Salomão Ibar, Elisama, Elifelete, Nogá, Nefegue, Jafia, Elisama, Eliada, Tamar e outros tantos que nunca saberemos os nomes. Tamanha “diversidade” limitou a intimidade do pai com cada um deles. Foram educados magistralmente como príncipes e princesas, mas renegados como filhos e filhas, crescendo sem a imposição de limites ou parâmetros de moralidade. Enquanto isto, Davi errava ao preferir abertamente Absalão em detrimentos dos demais filhos... Ou escolhendo Salomão como herdeiro do trono por este ser filho de Bete-Seba, sua esposa mais influente.

Ausente até mesmo quando estava presente, Davi sequer percebeu a crescente tensão sexual em sua mesa de jantar, culminando no estupro de Tamar por Amnom. Ciente do acontecido, foi omisso ao não punir seu primogênito, e estúrdio ao não providenciar abrigo a princesa deflorada. Esta passividade do pai, gerou o ódio de Absalão que se encarregou de assassinar Amnom. Desta vez, Davi teve um surto de raiva contra o filho favorito, e Absalão fugiu para três anos de exílio. Neste tempo, Davi nada fez para se reconciliar com seu filho, ou amenizar os estragos familiares inerentes as sucessivas tragédias fraternais.

No retorno do pródigo, o “rei” (não o pai) recebeu o "príncipe" (não o filho) com um beijo formal destinado aos nobres, fugindo mais uma vez da responsabilidade paterna. Indignado com tamanha indiferença, Absalão promoveu uma guerra civil em Israel, e Davi se viu obrigado a fugir de Jerusalém, sendo perseguido pelo próprio filho. A maior derrota bélica sofrida pelo poderoso monarca. Se tamanho insucesso militar, já marcaria de forma vergonhosa o brilhante reinado de Davi, o estúrdio familiar seria uma ferida aberta sangrando até a morte. Neste conflito, Absalão morreu e Davi lamentou a morte do filho, amargurado por saber que já era tarde demais para reconciliações.

Antes de sua morte, Davi ainda teve que lidar com mais uma guerra nacional provocada por rupturas na família, quando seu filho Adonias usurpou o trono do pai e Davi precisou coroar Salomão às pressas para cumprir a promessa feita à Bete-Seba. Mais um trauma familiar.

Davi nos deixa valiosas lições com os seus erros, e a principal delas é que a família vem antes do reino. Uma nação que emerge de famílias fragmentadas, implodirá sobre as próprias bases. Davi era um homem elogiável, um rei austero, um músico brilhante, um adorador por excelência. Andava lado a lado com Deus e isso lhe garantiu suas grandiosas vitórias. Porém, andava distante de seus filhos, o que causou suas mais vergonhosas derrotas. Por outro lado, a conduta de Absalão é uma prova cabal que quando um filho desonra seu pai, encontra um fim precoce e vergonhoso (Êxodo 20:12 / Efésios 6:12).

Davi falhou em ser pai e isso custou sua honra. Absalão fracassou como filho e com isto perdeu a vida. E não foi para implodir em fracassos redundantes que Deus projetou carinhosamente a família, e abençoou as relações familiares. Pais e filhos se completam. Fecham um ciclo de propósitos divinamente planejados. 

O casamento modifica a rotina de uma pessoa. Novos hábitos, concessões diversas e reavaliações diárias são necessárias para tornar possível a vida conjugal. Mesmo assim, crenças, convicções e ideologias, praticamente não sofrem grandes alterações. As mudanças relevantes são meramente externas e pouco interferem no caráter do indivíduo. Mas, quando um filho nasce, acontece uma transformação que transcende a mera quebra de rotina, pois nos modifica de dentro para fora. As prioridades são invertidas, as motivações são potencializadas e experimentamos em sua essência a força de um amor incondicional. Pais tendem a morrer por seus filhos sem qualquer pré-julgamento ou análise requintada.

É exatamente por nos introduzir nesta dimensão de amor sacrifical, que o nascimento de um filho facilita nosso entendimento sobre  o caráter do próprio Deus, bem como a dimensão de seu amor pela humanidade. Ele foi capaz de sacrificar o que tinha de mais precioso por nós. 

Em seu livro “Amor de Pai”, o escritor Max Lucado argumenta que a mulher se torna mãe, antes do homem se assumir como pai. Afinal, ao longo de nove meses ela sente dentro de si as transformações inerentes à maternidade, que modificam seu corpo e sua alma, enquanto o pai assiste o processo. Por sua vez o homem vivencia a paternidade apenas quando tem seu rebento no colo pela primeira vez, e contempla embasbacado, o rostinho daquele ser do qual será protetor e provedor. Mesmo embarcando nesta viagem em momentos distintos, mãe e pai são igualitários no desenvolvimento moral, físico e espiritual de uma criança. Deveria ser.

Pelo padrão bíblico, o núcleo de uma família é essencialmente formado por pai, mãe e filhos. Nesta equação, cabe ao homem o papel de “cabeça da casa”, exercendo liderança social e espiritual junto aos seus (Efésios 5:23 / I Coríntios 11:9). Sob ele recai uma tríplice função, que em via de regra, não pode ser rejeitada, postergada ou abandonada. Rei, profeta e sacerdote. Este ministério tridimensional engloba todas as atribuições designadas pelo Criador ainda no jardim do Éden, bem como os encargos espirituais decorrentes de sua autoridade paternal (Gêneses 1:27-29; 2:15-25, 3:17-20).

Como “rei”, ele deve dominar com austeridade sobre sua casa, fazendo desta liderança o seu parâmetro para qualquer outra atividade secular que venha desenvolver (I Timóteo 3:4). Cabe ao homem arcar com sustento de seu lar, provendo alimento, moradia e vestuário, bem como alicerçar sua casa em princípios morais e estabelecer pilares emocionais em sua família. Como “profeta”, cabe ao pai ser um porta-voz de Deus para sua prole, ensinando os preceitos divinos e zelando pela Lei do Senhor. Neste aspecto, ele “literalmente” traz Deus para dentro de sua casa, tanto por meio de suas palavras (ensinamentos), quanto por suas ações (exemplos). Já no ofício sacerdotal ele faz o caminho inverso, levando sua família até Deus por meio de orações, súplicas e consagrações diárias.

A mulher por sua vez e a genitora da vida, portadora da semente divina. Desde os primeiros dias de gestação, a sintonia com seu filho já é espetacular. A criança não passa de um "feto", e mesmo assim já se aflora um amor que supera a tudo e a todos. Não importa o frio, a fome, o sono ou a dor, a mãe está integralmente presente, protegendo, acalentando e abençoando aquele ser indefeso, que ela defende com unhas e dentes. Esse amor só faz aumentar, nunca cessa e jamais lhe será tirado. Mas não para por aí... Quando analisamos o texto de Provérbios 31, nos deparamos como uma série de virtudes inerentes ao “ministério da edificação”, que no âmbito familiar, deve ser exercido pela mulher com plenitude de sabedoria. 

Obviamente, na conjuntura social em que vivemos, as funções exclusivistas destinadas a “pais” e “mães” estão intrinsecamente miscigenadas, sendo compartilhadas de forma profícua para a sustentabilidade da família. Este compartilhamento de responsabilidades, porém, não altera os valores espirituais dos ministérios familiares que devem ser preservados com zelo e honestidade, pois Deus jamais pedirá a “Sara” um sacrifício que cabe somente a “Abraão” e vice-versa. A beleza está exatamente no complemento perfeito que reside na união de forças, fator de equilíbrio na balança da vida.  E se aos pais é outorgada tamanha responsabilidade e confiada autoridade espiritual inquestionável, cabe aos filhos externar respeito, gratidão e amor, honrando e obedecendo a seus progenitores.

Dito tudo isto, Davi nos deixa uma lição de vida bem dolorosa. É difícil determinar prioridades, e quase impossível reverter as consequências de um escalonamento inconsequente. Então, seja sábio e aprenda com o erro alheio. É melhor ser PAI (MÃE) do que ser REI (RAINHA). Pode haver tempo hábil para se reconquistar um trono, mas não, para recuperar o amor de um filho que se perdeu.

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