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sábado, 18 de novembro de 2017

Como está o tempero?

Você não conhece uma pessoa enquanto não tiver 
comido com ele um pacote inteiro de sal
(Provérbio Russo)


O sal é maravilhoso. Encontrado em praticamente todas as cozinhas do planeta, ele nada mais é que cristais formados por sódio e cloro, deixados na areia quando a água do mar evapora. Mais de três por cento de nossos oceanos são compostos por sal. E não para por aí. No organismo humano, o sal é responsável por regular a quantidade de líquidos que devem ficar dentro (e fora) das células. Uma atribuição vital. Na dosagem correta, o sal é um grande aliado na boa digestão. Para quem gosta de praticar atividades físicas, a ingestão moderada de sal, ajuda na reposição do sódio perdido na transpiração, mantendo um equilíbrio saudável de água e nutrientes no organismo. Como já ponderou o pensador libanês Khalil Gibran, “deve existir algo estranhamente sagrado no sal, já que ele é abundante no mar, e está presente em nossas lágrimas também”.

Mas, não se empolgue na salinidade. O sal é uma faca de dois gumes. Se almoçar um prato insosso é desagradável, jantar um escondidinho salgado pode ser uma experiência ainda pior. A palavra chave para o uso inteligente do sal é exatamente “equilíbrio”. A ausência, fragiliza. O excesso, mata.

Não foi por acaso, que Jesus usou esta metáfora, para elucidar aos seus discípulos, sobre nosso papel como agentes influenciadores no mundo:

- Vocês são o sal da terra. Mas se o sal perder o seu sabor, como restaurá-lo? Não servirá para nada, exceto para ser jogado fora e pisado pelos homens. (Mateus 5:13)

Que responsabilidade a nossa. O mundo perdeu o sabor. Tudo é insípido. Cores artificiais. Monumentos de papelão. Desde o Éden, pouco a pouco, a humanidade tem perdido o seu paladar espiritual, num fenômeno crescente chamado “apostasia”. É exatamente por causa desta tendência mundana, que Jesus se mostrou apreensivo com o futuro: - Quando o Filho do homem vier, encontrará fé na terra? " (Lucas 18:8).

A Igreja de Cristo (não a sua denominação, e muito menos a minha), é o antídoto aplicado por Deus neste planeta, afim de protegê-lo do completo caos. Somos o sal, fazendo a diferença num mundo indiferente, trazendo equilíbrio a um corpo desequilibrado, e a beira do colapso total. Sal na medida certa, evitando que a carne apodreça. Agindo sobre o gelo, para que ele derreta antes da hipotermia. Numa época onde o paladar humano está averso ao banquete celestial, temos a árdua tarefa de trazer sabor a uma geração insossa, que se autodenomina “quente”, mas que na verdade é morna. Apática.

Jesus foi categórico no recado. É preciso ter muita cautela para não se conformar com o contexto profano no qual estamos inseridos. – Não percam o sabor! Tire o salgado do sal, e contabilize o prejuízo. Para que ele serviria? Quem se interessaria por ele? Cristo assegurou que o sal sem sabor, nada mais é que pedras calçando a estrada. Só serve para ser pisado. Conteúdo destinado ao lixo.

Infelizmente, parte dos cristãos não entendem o conceito de equilíbrio. Não conseguem se enquadrar numa dosagem correta. Enquanto muitos temperam sua vida com a mesma quantidade de sal prescrita nas receitas de uma sopa hospitalar, outros tantos nadam de braçada nas águas insalubres do Mar Morto. Ambos estão fora de contexto. O insosso perdeu a essência. O salgado não entendeu o propósito. E parafraseando o pensamento cirúrgico de Cristo, “para que ambos servem”?

Se a ausência de sabor é um sintoma inegável de esfriamento espiritual letárgico, o excesso de sal não indica hiper espiritualidade. Ser salgado não é ser santo. Os extremos são sempre perigosos. Se a presença de Deus é um oceano, uma imensidão de águas contendo baixíssimas porcentagens de sal, que sentido existe numa vida mais salgada que um pudim a base de cloreto de sódio? Cadê o domínio próprio? Onde fica a frutificação espiritual?

A salinidade da vida cristã também é um sintoma. Um alerta aos excessos. Ao achismo. Ao egocentrismo. Gente que se acha demais. Se sente demais. Santidade autodeclarada. Independência proclamada. Autossuficiência assumida. Homens e mulheres que se julgam tão cheios de Deus, que acabam corroídos por este sentimento de superioridade. A salinidade excessiva acelera a oxidação. A ferragem espiritual nos torna insensíveis. Ninguém mais importa. Nenhum professor é bom o suficiente para ensinar algo que já não se saiba. E esta sensação de estar com vida zerada é tão perniciosa quanto uma vida vazia de Deus.

Quem muito retem e nada libera, mata de sede as pessoas que o cerca, e morre vítima de overdose por sal. Afogado em pretensões. Não podemos simplesmente assentar sobre a barragem, sem se quer, molhar os pés na represa. Porém, não é sábio mergulhar em águas represadas. É preciso deixar o fluxo seguir.

A vida dentro do Mar Morto é inviável. Seu nome extravagante se dá exatamente porque nada sobrevive muito tempo ali. Isso acontece em decorrência do grande teor de sal em suas águas, e este fenômeno, tem uma explicação muito interessante.

O Mar Morto recebe águas cheias de vida, sendo que até mesmo o famoso Rio Jordão deságua nele. Porém, quando estas mesmas águas adentram o mar, a vida é sumariamente inutilizada. O problema, é que embora receba muito, o Mar Morto não reparte o que tem. Uma vez nele, a única saída possível de águas e pela evaporação, e com isso, o sal se acumula em sua bacia, elevando o nível salino absurdamente. Nenhum peixe consegue sobreviver.

Assim também somos nós. Recebemos de Deus toda sorte de bênçãos, revelações e muito amor, mas, se não dermos vazão a este manancial do Senhor, nos tornamos mesquinhos como o Mar Morto, retendo o que é bom, e sufocando tudo a nossa volta com o sal acumulado, que se manifesta em críticas maliciosas, julgamentos unilaterais e muita autoafirmação hedonista. Quem vive apenas para si, tende a matar quem se aproxima dele, e com isso, acaba morrendo na solidão.

A nobreza do ser humano não é medida pela quantidade de pessoas que o servem, mas sim na qualidade das pessoas que ele consegue servir. O Salmo 134:1 identifica o caráter dos homens que Deus procura:  - Bendize ao Senhor vós todos os seus “servos”, louvai o nome do Senhor. Entrega. Serviço. Generosidade. Em vez de sermos salgados por retermos de forma egoísta o que recebemos, que sejamos servos generosos para com o Senhor e aos homens, pois caso contrário podemos sucumbir ao saturamento, e inibir que novas bênçãos nos alcancem.  

Saber dosar. Salgar sem agredir. Temperar sem errar a mão. Repartir com liberalidade ás águas que fluem do Espírito, formando uma fonte em nosso interior.

Fonte, não lago.
Jorrar, não reter.

Quem reprime para si toda a abundância que recebe, se afoga em águas que deveriam salvar. A salmoura se torna amarga. Gosto de morte. Hipertensão na alma. Envelhecimento espiritual. Pedras no coração. Descontrole. O excesso de sal matando a doçura dos frutos.

Mas o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. (Gálatas 5:22-23)

Quer um exemplo de sal ministrado com exatidão? Leia os evangelhos. A mesma mão que empunhava um chicote contra os agiotas da fé no templo, acarinhava com ternura os cabelos de uma criancinha. A mesma voz que bradava vigorosa contra o pecado, gentilmente oferecia perdão e paz ao pecador. Tudo na dose exata.

Mateus 5 é um texto memorável. Uma cartilha de aprendizado para todos aqueles que querem fazer a diferença no mundo. A abolição da justiça própria.  A negação dos desejos. A pratica da generosidade para com os inimigos. A bandeira do amor ao próximo tremulando sobre as instituições. Jesus apontava para seus discípulos um caminho novo e muito difícil de trilhar. Poucos estavam dispostos. Muita resignação. Sacrifícios diários. Quebra de paradigmas. Mudança de pensamento.

O mundo não era assim. E continua não sendo. É neste cenário (atual nos dias de hoje como foram nos dias de Jesus) que o Mestre nos incumbe de fazer a diferença. Inspirar a mudança. Alavancar a transformação.  - Vocês são o sal dando sabor a um mundo sem gosto. São luz num ambiente de escuridão.

Sozinho, o sal não sustenta ninguém, e sequer, pode matar a fome de uma pessoa. Ele apenas ressalta o que outros alimentos têm a oferecer. Então, que sejamos o “sal” presente no “Pão da Vida”, assado lentamente na cruz e servido aos homens. Este sim, capaz de matar a fome da alma. Que sejamos o sal presente no oceano da graça, capaz de matar a sede espiritual da humanidade. Nossa maior virtude é se manter em Cristo. Permanecer em Deus. Fora dele, só nos resta se fundir ao solo, e ali, desaparecer.

Então, apareça. Seja o sal. Seja a luz. Seja o ponto de equilíbrio de uma sociedade caótica que caminha embriagada sobre cordas bambas. E, em todo tempo, também se mantenha equilibrado. Sóbrio. Mãos firmes durante a dosagem. Que através de você (que é “sal”), o paladar da humanidade se apure, e sinta o gosto adocicado da salvação.




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