O que verdadeiramente
somos é aquilo que o impossível cria em nós.
(Clarice Lispector)
A “ansiedade” é com certeza
um sentimento que define nosso mundo. Agendas abarrotadas, dias extremamente
curtos, excesso de trabalho e encontros diários com a opressão. Não temos
espaço em nossas vidas (ou em nossos dicionários) para palavras como serenidade
e tranquilidade. Vivemos tempos de perturbação e conturbação, brilhantemente
capitada na pintura de um velho artista: montanhas desoladas sendo severamente
castigadas por uma imensa e assustadora tempestade.
O interessante é que este
quadro ganhou o prêmio principal em um concurso cuja temática era “PAZ”. Como?
Conta-se que certo príncipe,
decidiu promover uma exposição de arte e dar um bom prêmio ao artista que
melhor representasse a PAZ. Centenas de obras foram inscritas, e o que não
faltou foram imagens de pássaros brancos, rios cristalinos, pôr do sol dourado,
jardins floridos e arco-íris. Uma delas, porém, chamava a atenção por mostrar
montanhas rústicas com pedras pontiagudas e ameaçadoras que não davam espaço
para qualquer vegetação. O céu era negro com raios avermelhados cortando a
escuridão. O cenário estava borrado pela tempestade torrencial que caia, e pelo
vento percebido nos traços não lineares dos riscos acinzentados que traziam
vida ao temporal...
Todos ficaram indignados
quando aquela obra foi escolhida como a grande vencedora, e foram embora
murmurando, sem perceber um detalhe no canto inferior do quadro. Ali, na fenda
da rocha, um pequeno pássaro, aconchegado em seu ninho, dormia sossegadamente.
Paz não significa
necessariamente “ausência de conflitos”. Paz, em grego, é “Eirene”, que
pode ser traduzida por tranquilidade de coração e mente baseada na convicção
que está tudo bem entre a alma do homem e o seu criador. No hebraico, o
significado básico de “Shalom” (palavra
que correspondente para PAZ) é harmonia, plenitude, firmeza, bem-estar e
êxito em todas as áreas da vida. Ou seja, a PAZ não é um sentimento e sim um
estado de espírito. É uma atitude de serenidade, calma, força, tranquilidade e
quietude de espírito, produzida pelo Espírito Santo em nós, mesmo nas
adversidades e nas tribulações.
Uma paz diferenciada que não
se esvai diante das tragédias, pois é forte o suficiente para nos guiar em
calmaria mesmo em meio aos vendavais. Quando a tempestade aperta e o vento
derruba até as águias que estão voando pelos céus, nos escondemos na fenda da
ROCHA (que é Cristo), e descansamos em absoluta paz, afinal, dos seus filhinhos
Deus cuida enquanto dormem (Salmos 4:8).
Podemos afirmar
que a “paz” emanada de Cristo é uma garantia de estabilidade para a vida
cristã. Mesmo nadando contra a correnteza, confrontando o mundo e seus sistemas
corrompidos, devemos sempre estar em absoluto equilíbrio espiritual, sem
deixarmos que nossos sentimentos e ações sejam inflados pelas rupturas
catastróficas da moral humana. A “paz” é base que mantém solida nossa
espiritualidade nos cenários mais tempestuosos.
Em Romanos
12:9-21, o apóstolo Paulo lista uma série de virtudes que devem ser priorizadas
na vida de todo cristão, tais como generosidade, hospitalidade, perseverança na
oração, zelo não remisso, amor fraternal sem hipocrisia, apego ao bem,
aborrecimento ao mal e fervor de espírito. Porém, duas das qualidades listadas
neste texto exigem de nós um árduo exercício de devoção, fé e fidelidade:
Alegre Esperança e Paciência na Tribulação (Romanos 12:12).
Embora aqui
tenhamos dois conceitos distintos, ambos estão completamente interligados, e
juntos, ilustram o poder estabilizador da “Paz de Cristo”. A “ESPERANÇA” pode
ser entendida como uma crença emocional na possibilidade de resultados
positivos relacionados com eventos e circunstâncias da vida pessoal, sendo
requerida uma certa perseverança para se acreditar que algo é possível mesmo
quando há indicações do contrário. Para o cristão, a esperança deve estar
focalizada em Cristo e embasada em fé. Paulo apresenta em Romanos 5:1-4 um mapa
do que podemos chamar de “CAMINHO DA ESPERANÇA”:
- Agora que fomos aceitos por Deus pela nossa fé
nele, temos paz com ele por meio do nosso Senhor Jesus Cristo. Foi Cristo
quem nos deu, por meio da nossa fé, esta vida na graça de Deus. E agora
continuamos firmes nessa graça e nos alegramos na esperança de participar da
glória de Deus. E também nos alegramos nos sofrimentos, pois sabemos que os
sofrimentos produzem a paciência, a paciência traz a aprovação de Deus, e
essa aprovação cria a esperança. Essa esperança não nos deixa decepcionados,
pois Deus derramou o seu amor no nosso coração, por meio do Espírito Santo, que
ele nos deu”.
Para que o cristão
tenha uma esperança viva e a prova de decepções, a mesma deve ser cultivada em
um coração cheio de amor e aprovado por Deus. Essa aprovação se dá mediante a
paciência que demonstramos em meio aos sofrimentos. Em seu texto “O Casulo”,
meu pai, Pr. Wilson Gomes, faz uma analogia entre o processo metamórfico da
lagarta para borboleta e o crescimento espiritual que pode ser obtido das mais
traumáticas experiências, e concluiu:
- A dor é uma professora excelente, o sofrimento é disciplinador e as intempéries da vida são a academia da alma. No casulo, nos fortalecemos para enfrentar o mundo, e o conhecimento adquirido nesta escola é eterno e imutável.
- A dor é uma professora excelente, o sofrimento é disciplinador e as intempéries da vida são a academia da alma. No casulo, nos fortalecemos para enfrentar o mundo, e o conhecimento adquirido nesta escola é eterno e imutável.
No livro de Eclesiastes, o sábio rei Salomão estava revisitando seus antigos provérbios, quando elaborou alguns conceitos bem interessantes sobre as adversidades da vida. Um dos mais peculiares é sua preferência por “velórios” ao invés de“festas”, pois entendeu que o "luto" favorece a introspecção e o autoconhecimento, enquanto as "celebrações" podem nos dar uma utópica versão da realidade (Eclesiastes 7:2). Em outras palavras, boas experiências podem ser retiradas das piores situações. Paulo vai muito além e ensina que nosso sofrimento deve nos trazer alegria.
Fechar este ciclo, e passar pelas tribulações com um sorriso nos lábios e esperança latente no coração e a prova cabal de nossa fé, que retumba vigorosa em meio aos cenários mais adversos, nos dando a certeza absoluta que Deus tem total controle de nossas vidas e navega ao nosso lado contra as correntezas do mais arredio mar. Vivenciar esta verdade é experimentar da mais absoluta e genuína “paz”.
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