A vida cobra exatamente o valor devido.
(Luis
Felipe Pavan)
Jeremias
estava sentado sobre os escombros de Jerusalém, vivendo a plenitude de uma
tragédia anunciada. Milhares de judeus foram deportados para a Babilônia. O grandioso
Templo de Salomão jazia em ruínas. Os muros fendidos. As casas queimadas. Os
objetos sagrados saqueados. Quando os caldeus se cansaram da barbárie e
retornaram para casa, deixaram atrás de si, um amontado de cinzas e farrapos.
Farrapos humanos. Cinzas humanas. Quem sobreviveu ao extermínio e escapou da
deportação, não tinha nada para celebrar. Amigos mortos e familiares
sequestrados. Nenhum teto para dormir. Nenhum muro para protege-los. Nenhum lugar para adorar. Fome, frio e vazio existencial. Nem mesmo um único fio de
esperança.
O
profeta lamenta a sorte de seu povo. – Se
eles tivessem escutado! Se eles tivessem se lembrado! Sim. Tudo poderia ser
diferente. Avisos não foram negados. Conselhos foram dados. A nuvem negra
caminhou por um longo caminho antes da tempestade castigar a terra. E a meteorologia
alertou sobre o perigo. O alarme tocou insistentemente por muitos anos. Alerta
de furacão. Mas, ninguém se preparou. Casas de palha na rota de um tornado. O
vento impetuoso arrancou até mesmo os alicerces. Jeremias sabia que não haveria
futuro para aquela gente esquecida. Dias contados. Muitos morreriam de frio, e
tantos outros de fome. A terra encharcada de tragédias, ainda tinha sede de
sangue. Nem mesmo o profeta teria muitos dias de vida pela frente. Futuro
ausente.
Na ausência do “amanhã”, Jeremias se voltou para o “ontem”. Ele se
lembrou das histórias contadas por seus pais e avós. As memórias que deveriam
ser passadas de geração para geração, mas que infelizmente, caíram no
esquecimento da grande maioria.
A
promessa feita a Abraão, confirmada em Isaque e renovada com Jacó.
O
crescimento espantoso dos hebreus durante os séculos de escravidão.
A
miraculosa fuga do Egito.
O
caminho aberto no meio no mar.
O
pão que nunca faltou em meio ao deserto.
Os
muros de Jericó.
As
vitórias memoráveis contra inimigos poderosos.
A
conquista da terra prometida.
A
expansão do reino.
A
voz de Deus na boca dos profetas.
As
misericórdias infindas do Senhor....
- Disto eu vou me lembrar....
Nisto, terei esperança.
(Lamentações 03:21)
Vasculhar
o passado na busca de esperança é um exercício doloroso. Significa que alguma
coisa deu muito errado no presente. As somas de todos os erros resultaram num
fracasso retumbante. A semeadura floresceu, porém, as flores são fétidas e os
frutos amargos. O chão se transformou num pântano lamacento, no qual é
impossível caminhar. Como diria a minha avó, “o frio chegou e te pegou de calças curtas”. Quando o “presente” é
um pesadelo sonhado de olhos abertos, o “futuro” é uma distopia garantida. Não
existe “amanhã” para um “hoje” despedaçado. E neste momento, quando a realidade
da vida esbofeteia o rosto com a mesma intensidade que um boxeador golpeia seu
adversário, olhamos para trás, na busca de alguma resposta. Um pouco de alento.
Uma nova perspectiva.
O
problema, é que não podemos mudar uma única vírgula do que já foi escrito. Cada
página, parágrafo, frase e palavra contribuíram para que a história chegasse
até este ponto. Não dá para refazer. Nem mudar. E é exatamente aqui, que uma
pergunta ecoa na alma, trazendo lágrimas quentes ao rosto: - O que eu fiz da minha vida?
A
grande questão, não é o que foi feito, mas sim, o que se pode fazer. Só se
assenta sobre os escombros para chorar, quem sobreviveu a tempestade. Tragédias
fecham ciclos, e nos dão a oportunidade de um novo recomeço. E é aí, que
infelizmente, a grande maioria erra novamente. E recomeçar errado, é de fato, a
maior de todas as tragédias. Quando
os judeus olharam em volta e só viram ruínas, tomaram uma decisão
estapafúrdia. Eles decidiram voltar ao Egito.
Mas, não foi exatamente dali, que
séculos antes, Deus os havia libertado? No Egito, os judeus foram flagelados,
escravizados, assassinados. Ali, mães tiveram que afogar os próprios filhos.
Pais assistiram impotentes, enquanto os soldados cortavam ao meio suas
crianças. E por anos a fio, a nação clamava ao Senhor por socorro. E Deus os
libertou. Feriu ao Egito com sua espada. Guiou Israel pelo deserto, lhes dando
comida, proteção e calor. Como um pai que segura a mão de seu filho durante os
primeiros passos, o Senhor conduziu seu povo rumo a Canaã. E na terra
prometida, o Deus dos Exércitos lutou com eles. Gigantes caíram. Batalhões fugiram apavorados. Cidades foram conquistadas as dezenas. Uma terra boa, que
manava leite e mel. Deus com o seu povo, amarrados com cordas de amor. E com o
tempo, eles se esqueceram de tudo isto. Escolheram esquecer. Ao invés de
seguirem em frente, e ocuparem as páginas em branco, decidiram rabiscar sobre
os antigos capítulos.
Quem
esquece seu passado, certamente vai vive-lo outra vez. Os judeus
queriam reescrever sua história com uma caneta sem tinta. Sem Deus, o nada é
apenas isto, nada. Jeremias entendia esta verdade. Ele se lembrou do Senhor e
das suas misericórdias. Elas não têm fim, e mesmo assim, são renovadas todas as
manhãs. A fidelidade do Senhor é a maior fonte de esperança que podemos ter.
Porque Ele não esquece. Deus se lembra. A promessa que fez a Abraão. Os
mandamentos entregues a Moisés. A redenção revelada aos profetas. O passado era
um manancial de esperança. Um farol cortando a escuridão de um futuro
desesperançado. Já que a tempestade chegou, era preciso olhar entre as nuvens
buscando um raio de sol. Só existe arco-íris quando a chuva finalmente se rende à luz.
O
povo não ouviu seu profeta. Jeremias foi sequestrado e levado a força para o
Egito. Ali, sua voz continuou bradando, anunciando novas tempestades. E mais
uma vez, os judeus se esqueceram do passado. Não se lembraram que o profeta
sempre teve razão. Para silenciar o alarme que insistia em tocar, Jeremias foi
assassinato. O portador morreu, mas, a mensagem continuou viva. Os
sobreviventes da tragédia de Jerusalém, morreram as mínguas no Egito. Novas
tragédias. O esquecimento cobrou seu preço. E ele foi alto. Quando nem mesmo a
tragédia tem algo a nos ensinar, então, realmente, nada mais há para se viver.
Felizes
são aqueles que não precisam da dor para se lembrar de Deus. Os que edificam
sua casa sobre a rocha, muito antes da tormenta se avizinhar. Os que mantem
acessa sua lamparina enquanto a noite não passa de ameaça. Os que já estão
escondidos sob as asas do Altíssimo, no dia que o frio chega para seu abraço
mortal. Quem escolhe se lembrar, antes de esquecer.
Salomão
era um homem velho, decrepito e frustrado quando escreveu Eclesiastes. Ele desperdiçou
seus melhores anos colecionando mulheres e riquezas. Seu coração se afastou do
Senhor. Sua mente se esqueceu de Deus. E quando a velhice chegou, a vida cobrou
o seu preço. O rei estava amargo, rancoroso e desesperançado. Tudo o que tinha
vivido, não lhe tinha dado nenhum prazer eternal. A velhice bateu na porta, e a
morte fez careta na janela. Nesta hora, ele se deparou com a pergunta cruel: - O que eu fiz da minha vida?
Mulheres...
Vaidade!
Riquezas....
Vaidade!
Poder....
Vaidade!
Então,
ele se lembrou de Deus. A única coisa que realmente importava era ter um
relacionamento real, intenso e respeitoso com o Criador. Temer ao Senhor é, de
fato, a mais sábia das decisões. Em Eclesiastes 3:1-7, num apelo desesperado,
ele pede para não cometermos o mesmo erro. Não esquecer daquele que nos dá
esperança.
Lembrem-se
de Deus. Hoje. Agora. Enquanto a juventude é uma aliada. Antes das decepções. Antes que os olhos
fiquem cegos. Antes que os braços percam a força e as pernas se dobrem para
sempre. Antes que não existam mais dentes na boca. Antes que nos ouvidos só
haja silêncio. Antes da vertigem. Antes do tremor. Antes dos cabelos brancos.
Antes que se perca a honra. Antes que a tragédia aconteça. Antes do alarme
tocar. Antes do desfibrilador ser acionado. Antes que a nuvem negra se torne
tempestade. Antes que o furacão se forme. Antes dos caldeus baterem na porta.
Antes do Egito se revelar como a melhor das opções. Antes da morte gritar se
nome. Antes da esperança ser apenas uma memória esquecida no passado. Antes de
tudo. Antes do nada. Antes do fim. Antes do recomeço. Antes de esquecer...
Lembre-se!
Lembre-se
de quem te criou. Lembre-se de quem te deu a vida. Lembre-se dos mandamentos.
Lembre-se dos juízos. Lembre-se daquele
que clareia a escuridão. Lembre-se do dono da chuva e do arco-íris. Lembre-se
do dominador dos ventos. Lembre-se de não esquecer. E se por acaso esquecer,
lembre-se que precisa se lembrar outra vez.
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